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Dia Mundial do Livro – Dicionário Machado de Assis, por Urariano Mota

23 de abril de 2024

Urariano Mota escreve sobre o “Dicionário Machado de Assis” de José Carlos Ruy

Para o Dia Mundial do Livro, recupero com pequenas modificações o texto que publiquei no Vermelho em 18/03/2022.

Uma das razões de viver de um intelectual é a sua obra, os seus livros, o seu trabalho. Ou melhor, corrijo: é a maior razão da sua vida. É o seu amor, a sua paixão, a sua dor, a sua alegria, a sua honra. Numa palavra, é a sua felicidade.   

E quando esse intelectual é também um militante comunista, essas hora e honra se tornam uma práxis, e de tal sorte que vemos um e outro em uma só pessoa. E se esse intelectual comunista se chama José Carlos Ruy, mais próximos estamos de ver em sua obra um salto teórico do que ele viveu, militou, trabalhou, estudou e refletiu. Eu me refiro a seu Dicionário Machado de Assis.

Lembro perfeitamente. Em 2 de fevereiro de 2021 nós perdemos José Carlos Ruy. Desse modo perdemos também a sua palavra amiga, o estímulo companheiro, a compreensão generosa que só desejava abraçar a diversidade de tudo e de todos nós. Mas na sua inesperada partida, como uma fecunda herança, ele nos deixou o Dicionário Machado de Assis. Uma herança fecunda e necessária. Se pensam que exagero, o que podemos dizer de páginas de Machado de Assis onde Ruy nos ilumina? Se não, olhem um dos  trechos, como aqui:

“Camila – É daquela casta de mulheres que riem da idade. É bonita e deixa às outras o trabalho de envelhecer. Tem cabelo negro e olhos castanhos; as espáduas e o colo feitos de encomenda para os vestidos decotados. E um certo instinto que a beleza possui, junto com o talento e o gênio. É casada com um viúvo, honesta não por temperamento, mas por princípio, amor ao marido e um pouco por orgulho. Vive principalmente com os olhos na opinião. Entrou na casa dos 30 anos de idade e não lhe custou passar adiante. Duas ou três amigas dizem que ela perdeu a conta dos anos, sem perceber que a natureza era cúmplice, e que aos 40 anos Camila mantém um ar de 30 e poucos. Quando surgiu um pretendente para a filha, ficou prostrada: viu iminente o primeiro neto, e determinou-se a adiar o casamento da filha. (Do conto Uma Senhora, de 1884 )”

Em 16 de março de 2021, quando terminei a revisão do livro de José Carlos Ruy, confessei em email coletivo: “O trabalho foi altamente compensado pelo que aprendi, guiado pelas mãos de Ruy. Não poucas vezes ri, gargalhei. 

A lição que fica do trabalho que tive é esta: o pior ignorante é aquele que pensa que sabe. Eu pensava que sabia sobre Machado de Assis. Sabia nada. Hoje sei muito”. Isso faz mais de três anos!

Nas palavras de Ruy, que me falou dessa obra meses antes de falecer: “além de uma apresentação do Machado, reuni   opiniões dele sobre tudo, e a descrição dos 1065 personagens da sua obra”. Mas ele realizou bem mais. José Carlos Ruy escreveu um livro fundamental, uma orientação de estudos sobre Machado para estudantes universitários e colegiais, além de fonte de pesquisa para doutores de nossas universidades. Para todo o mundo.  

É necessária, mais que antes, a publicação do Dicionário Machado de Assis. José Carlos Ruy, um dos maiores intelectuais comunistas do Brasil, merece que toda a gente saiba desse livro. E todos os intelectuais, escritores, estudantes, todo o povo enfim, bem que merecemos este dicionário. Urgente.

Por enquanto, o destino do livro de Ruy está nas mãos da Editora Garibaldi. Revisado, diagramado, com prefácio, apresentação, mais imagens raras do nosso maior escritor. Rodem e avisem, por favor, que o Dicionário Machado de Assis de José Carlos Ruy está no mundo.

Urariano Mota é escritor e jornalista. Autor do “Dicionário Amoroso do Recife”, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude” (traduzido para o inglês como “Never-Ending Youth”). 

Publicado originalmente no Jornal GGN