O processo de criação literária assume, assim, características próprias específicas, diferentes da produção comum. Adquire, em certo sentido, os foros de autonomia e também influencia o desenvolvimento da sociedade, como um todo. Nada melhor para representar o caráter nacional de um povo, refletir sua identidade, representar sua realidade, seu viver e sentir, do que a literatura. Roma e Grécia passaram como categorias históricas, mas os poemas de Virgílio e de Homero ficaram, contribuições imortais que são ao espírito humano, de todos os tempos.

FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA

Afrânio Coutinho falando acerca da formação da literatura brasileira, afirma peremptoriamente: "Literatura colonial (brasileira) não existe. A literatura produzida no Brasil no período colonial, período de dependência do Brasil em relação a Portugal, não deve, assim, ser denominada colonial; ela é a expressão dos estilos barroco, arcádico e não clássico, esses diversos estilos se entrecruzando, superpondo ou sucedendo através dos séculos XVIII e XIX" (2).

Oliveira Lima entendia o contrário: o dependentismo cultural da Península Ibérica fora tão acentuado em nossas elites cultas que, mesmo depois da independência política, permaneciam os resíduos culturais coloniais (3). Estudando o mesmo fenômeno o historiador literário Dacanal diria que nossa literatura se formou "como um prolongamento da literatura da Metrópole". Dacanal chamaria a isso "cultura de prolongamento", ou seja, de "dependência de centros forâneos", um fato que ocorre até nossos dias presentes (4).

É óbvio que tendo sido nosso país mera "plantation" do incipiente capitalismo europeu, fornecedor de matérias-primas tropicais (açúcar, algodão, fumo, pau-brasil, ouro, diamantes, pedras preciosas, couros) – com uma terra enfeudada pelos sesmeiros (latifundiários), a sua força de trabalho constituída, principalmente, pelos braços dos escravos negros e índios – dela só poderia surgir uma sociedade fechada, elitista, exploradora e cruel. A classe culta era formada única e naturalmente pelos elementos oriundos do patriarcado rural e urbano, marcadamente escravista.

Os intelectuais de então, verdadeiros "donos da vida", se formavam em Coimbra, viajavam pela Europa, imitavam a etiqueta de Versalhes, oferecendo horas de prazer aos administradores coloniais, com os seus versos rebuscados, eivados de classicismo e de arcadismo. Foi a época das Academias dos Renascidos e dos Esquecidos, das tertúlias literárias elegantes, com motes atirados aos poetas pelas damas de cabeleiras empoadas. Era uma literatura de pura imitação dos europeus.

Foi um escândalo, por isso mesmo, o aparecimento em plena Salvador de um poeta como Gregório de Matos (1633-1696), o famoso "Boca do Inferno", que falava a linguagem simples do povo. Ele fazia uma implacável crítica dos costumes dissolutos das classes dominantes, não poupando os "intocáveis" bispos e clérigos. Gregório de Matos chegou mesmo a contestar o colonialismo português, no auge do seu poderio. Isso explica seu desterro punitivo para o Recife, onde terminou os dias, pobre e só, impedido de poetar. Sua obra está sendo revalorizada nos dias atuais, porque nela se encontram elementos brasileiros e populares. E anticolonialistas.

No século XVIII, por força da disseminação das idéias democráticas da burguesia da França, através dos livros de Voltaire, Jean Jacques Rousseau, Montesquieu, Condillac e Mably – obras que chegavam ao Brasil, clandestinamente – se formou na América Portuguesa um núcleo embrionário de resistência ao colonialismo. Já existiam, então, os elementos sociais de apoio à intelectualidade rebelde; formara-se entre senhores e escravos uma camada intermediária, de clérigos, militares, funcionários públicos, advogados, médicos, artesãos, pequenos proprietários urbanos e rurais, pequenos e médios comerciantes. Habitava principalmente cidades como Vila Rica (Ouro Preto atual), Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Olinda, São Paulo e Santos.

Em Vila Rica surgiram as Cartas Chilenas, dirigidas contra o governador colonial de Minas Gerais, em forma de sátira, escritas em versos livres. Pelo estilo a população identificou o poeta Cláudio Manoel da Costa como seu autor. Evidentemente, a autoridade não conseguiu provar nada contra o magistrado brasileiro. Mas ficou de olho nele. E logo que teve ciência de que se preparava em Minas uma sublevação idêntica à que ocorrera na América Inglesa, prendeu Cláudio Manoel da Costa. Este amanheceu morto na cela, enforcado. A versão oficial só poderia ser uma: suicídio. Os suicídios de presos políticos são sempre suspeitos perante a população. Quanto a Cláudio Manoel da Costa, o povo mineiro nunca teve dúvida de que fora assassinado por vingança.

Outro poeta, Tomaz Antônio Gonzaga, autor de Marília de Dirceu, um livro de poesias que se reedita até hoje e que no seu tempo teve êxito mundial, pois Alexander Puskhin, que o leu em francês, traduziu várias de suas partes para o russo. Gonzaga acabou desterrado para Angola, onde morreu. A mais trágica das penas, o enforcamento e o esquartejamento, foi reservada, porém, para um homem do povo, o alferes Tiradentes, o mesmo que aconteceria, posteriormente, com os alfaiates e soldados da Bahia, Luiz das Virgens e outros.

Sufocada em Minas e na Bahia, a luta pela liberdade recomeçaria em Pernambuco, com a revolução republicana de 1817. Ela foi mais séria do que as anteriores, porque os revolucionários tomaram o poder no Nordeste, durante 70 dias, praticaram atos de governo, editaram uma Constituição democrática, que assegurava liberdade de imprensa a um país que ainda não a possuía.
Oliveira Lima chamou-a "revolução dos padres". Com efeito perderam a vida nos patíbulos o padre Roma, o padre Mororó, o vigário Tenório e frei Miguelinho. O padre João Ribeiro suicidou-se. O Seminário de Olinda foi fechado. Frei Caneca escapou por um triz da morte, mas terminou desterrado para a Bahia, onde curtiu quatro anos de horrorosa prisão. Retornou anistiado em 1821 e terminou fuzilado em 1825, devido a seu acendrado amor à liberdade, pois logo acusaria o Imperador de romper o "pacto social" com a Nação.

Marx dizia que as idéias quando penetram na consciência das massas se transformam em idéias-força. No começo do século XIX o Brasil já amadurecera para a vida política independente. O ano de 1817 fora o ensaio geral de nossa independência. Tínhamos uma economia própria. Podíamos, portanto, ter uma política e uma cultura autônomas.

ROMANTISMO TARDIO

A passagem do Brasil a Nação politicamente soberana se fez dentro de uma "solução de compromisso" das elites dirigentes. Para conservar a escravidão negra, o latifúndio, os privilégios aristocráticos e a dependência do principal centro financeiro do mundo – que era Londres – as classes dominantes impuseram ao povo uma monarquia, um Estado unitário e um poder baseado nas oligarquias locais.

O escravismo era hostil à produção industrial, ao progresso tecnológico e, conseqüentemente, ao desenvolvimento espiritual. Por isso o Brasil se atrasou em relação a outras nações; o analfabetismo atingia altos índices, os jornais editavam tiragens muito reduzidas, não havia editoras e os escritores brasileiros mandavam publicar seus livros na Europa. Uma simples encadernação tinha de ser feita em país estrangeiro. Em 1827 se criaram os Cursos Jurídicos, mas os de Letras somente surgiram um século após, conjuntamente com as Universidades. A vida literária do país decorria, praticamente, em torno da imprensa. Ninguém podia pensar em ser escritor sem passar por uma redação de jornal. Os romances antes de vir a ser enfeixados em livro, eram publicados, fasciculadamente, em folhetins. Também os poemas, os discursos, todas as manifestações espirituais tinham de passar, dantes, pelas páginas dos periódicos.

O romantismo literário surgiu, no Brasil, tardiamente, quando já estava implantado na Europa havia décadas. E isso por influência da literatura francesa, que sempre foi muito forte entre nós. Aconteceu até fato curioso: quando Balzac dava os seus passos firmes no sentido do realismo, nossos escritores ainda engatinhavam no romantismo!

Jean Fréville diz: "A literatura de um país só exerce uma verdadeira influência sobre a literatura de outro país quando tais países se encontram em condições econômicas e sociais similares" (5). O Brasil, país de escravos, pré-capitalista, na verdade, tinha pouca semelhança econômica e social com a França capitalista, burguesa, nação de homens livres. O Brasil não fundia ferro, não tinha ferrovias, bancos, sociedades anônimas, fábricas, nem proletariado fabril. De comum com a França só tínhamos mesmo a religião católica e a herança cultural latina.

Isso não impedia que nossos poetas, como Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882) e Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) – homens viajados pela Europa, admiradores de Victor Hugo, Lamartine e Quinet – adotassem o romantismo por mero espírito de imitação. E, também, pelo gosto da novidade, que é inato em todo intelectual. Magalhães tinha apenas 22 anos quando entrou em contato, em Paris, com essa "poesia nova", que tanto o deslumbrou. E dela se fez o propagandista no Brasil com seu badalado livro de versos Suspiros Poéticos. Gonçalves Dias já encontrou a picada aberta. Só a fez ampliar.

O romantismo começou no Brasil em 1836 e atingiu o seu ápice em 1856. Na década dos 1870-80 ainda havia românticos retardatários como Vitoriano Palhares, Regueira Costa e outros. Custou a chegar, e mais ainda a passar. Em seu tempo ele representava uma ruptura com o arcadismo e com o classicismo. Optando literariamente pela França, nossa classe culta rejeitava implicitamente a herança cultural de Portugal e da Espanha.

No Brasil, o romantismo se mesclou com o indianismo. O mito do bom selvagem, de Jean Jacques Rousseau, foi novamente desarquivado e posto em circulação, decantando-se a vida idílica dos primitivos habitantes da terra, evocando-se, em poemas notáveis, o genocídio das tribos indígenas pelo colonizador lusitano. Pouco importava que, como o demonstrou o etnólogo Couto de Magalhães, o índio continuasse a ser martirizado pelos seringueiros, fazendeiros de gado e de cacau, brasileiros natos. Só o que contavam eram os selvagens amarrados à boca dos canhões e despedaçados por Tomé de Souza. Livros como A Confederação dos Tamoios, de Domingos de Magalhães, Os Timbiras, de Gonçalves Dias e os romances O Guarani, Iracema, Ubirajara, de José de Alencar, marcaram época e despertaram emoção em milhares de brasileiros.

Se, por um lado, o indianismo servia aos propósitos lusófobos do nativismo, por outro, escondia aos olhos da sociedade branca a chaga dolorosa da escravidão negra, o grande tabu do Império. Não por acaso Magalhães acabou Visconde de Araguaia, Gonçalves Dias exerceu altas funções públicas e José de Alencar foi deputado geral e ministro da Justiça, beneficiando-se todos, uns mais, outros menos, do mecenato do Estado.

Alencar era abertamente um escravista. No Parlamento ele não só votou contra, como fez campanha contra o projeto de lei do Ventre Livre. Para ele o escravo negro era um fator de corrupção moral da sociedade brasileira, tese falsa que expôs em sua peça teatral O Demônio Familiar. Não levava em conta que o escravo, submetido a um regime cruel, se rebaixava, corrompendo-se e, muitas vezes, adquiria as más qualidades e os vícios do senhor. É uma pena comprovar o escravismo de Alencar, porque, na verdade, foi ele o verdadeiro iniciador do romance brasileiro. Por ironia, era filho de um antigo revolucionário de 1817, ou seja, de um abolicionista, e descendente da heroína republicana Bárbara de Alencar. Como estilista, ninguém o sobrepujou em seu tempo. Suas concepções reacionárias na política não prejudicaram, contudo, a sua obra literária. Ela é positiva.
Figura curiosa e de difícil classificação nos modelos comuns é a do romancista fluminense Manuel Antônio de Almeida (1831-1861). Autor de um único romance de costumes, Memórias de um Sargento de Milícias, escrito no dia a dia, como folhetim do Correio Mercantil, entre 1852 e 1853, publicado na cidade do Rio de Janeiro, não se lhe pode chamar "romântico". Também não é "naturalista". Ficou a meio termo, entre uma e outra escola literária, como um escritor de transição.

Almeida descreveu a realidade social do Rio do seu tempo tal qual a via. Para se ver livre de complicações com os contemporâneos, mudou o nome das personagens e recuou as cenas para "o tempo do Rei Velho", ou seja, de D. João VI, pondo em cena o chefe de polícia Vidigal e algumas figuras daquela época. Podia, assim, criticar, comodamente, vícios e abusos dos poderosos do dia, atribuindo-os aos avoengos. O interessante da narrativa é que ao contrário de Alencar e de Joaquim Manuel de Macedo, que iam buscar nas elites dirigentes as suas personagens, Almeida colocou os tipos populares, os homens comuns, o "zé-povinho", como eixo do seu romance. E se antecipou, de um século, ao chamado “romance populista" ou "proletário". Almeida morreu aos 30 anos num naufrágio.
A geração romântica produziu em nosso país poetas líricos muito próximos da lira popular, cujos versos, cantados em modinhas, chegaram a fazer o encanto dos salões elegantes. E eram repetidos nas ruas também pelos boêmios e pela gente do povo. Nomes como os de Álvares Azevedo (1831-1852), Junqueira Freire (1832-1855), Casimiro de Abreu (1839-1860) e Fagundes Varela (1841-1875) estão ligados a livros de poesias que ainda hoje circulam, numa demonstração de extraordinária vitalidade. Era uma geração fatídica, dizimada pela tuberculose, que mal ultrapassou duas décadas de existência e que dissipava seu gênio criador pelas tabernas e em noitadas inconseqüentes, entre goles de absinto e recitativos de Byron e de Musset.

De todos eles, o poeta baiano Antonio de Castro Alves (1847-1871), o "cantor dos escravos", deixou uma marca literária mais duradoura, pois além da lírica, fez poesia social. Balzac escreveu no prefácio da Comédia Humana que, para ele, "só existiam duas verdades eternas: a Religião e o Estado". Castro Alves rompeu com ambas as instituições, ainda em sua juventude, no Recife. Em seu poema O Século, denunciou como "iníquos" o Papado e o Poder Estatal. Não é preciso dizer que foi reprovado nos exames da Faculdade de Direito. Mudando-se para São Paulo, encontrou ali o mesmo ambiente de preconceitos e de intolerância. Ele se tornou, então, um abolicionista intransigente, fundando clubes, ajudando escravos a fugir e escrevendo livros de versos condenando a escravidão. Castro Alves era um condoreiro, um seguidor de Victor Hugo, portanto. Mas não concordava com este quando afirmava em Os Miseráveis que os explorados venceriam a injustiça pela humildade. Castro Alves em seu poema Seara Vermelha ensinava aos escravos que à força deveriam opor a força. Não admira, pois, que durante todo o Império tenha sido relegado a plano secundário. A sociedade escravista nunca o perdoou. Foi um poeta social autêntico. O Amor e a Revolução, os grandes temas da sua mensagem poética.

Ainda como figuras do romantismo podem ser citados Bernardo Guimarães (1827-1885), Franklin Távora (1842-1888) e Visconde de Taunay (1843-1899). Bernardo Guimarães é autor do famoso romance A Escrava Isaura, a escrava que tocava piano e falava francês, o quem se fora verdadeiro, absolveria em parte, o escravismo. Taunay é o criador de Inocência, um romance piegas, pouco lido hoje. Mais objetiva sua Retirada da Laguna. Távora descreveu n'O Cabeleira os primórdios do cangaceirismo do Nordeste. São eles os verdadeiros criadores do romance sertanista, já ensaiado por Alencar.

O que há de inovador em Távora é que em seu romance O Matuto, escrito em 1882, chegou à conclusão de que a guerra dos mascates, ocorrida em Pernambuco, em 1710-14, não tinha sido um simples episódio de nativismo, mas uma disputa de caráter econômico, uma luta de classes do Brasil Colonial. Com efeito lutaram entre si os nobres agrários de Olinda e os comerciantes urbanos do Recife. pelo monopólio do açúcar. Oliveira Lima ficou abismado com a observação de Távora. "Seria ele um marxista?" – perguntava o historiador pernambucano. Não, não o era. Somente quem conhecia Marx no Brasil naquela época era Tobias Barreto, que lia alemão e importara da Europa O Capital. Na biblioteca da Faculdade de Direito do Recife ainda se encontra o raro exemplar anotado d'O Capital que a ele pertenceu. Não deixa o fato, porém, de ter sido uma notável intuição. Somente em 1933 Caio Prado Júnior chegaria à idêntica conclusão de Franklin Távora, formulada em 1881, ou seja, 51 anos antes. É o tempo que separa o romance O Matuto da obra Evolução Política do Brasil.

O NATURALISMO

Em 1850 o Brasil aboliu pela Lei Eusébio de Queiroz o tráfico de escravos negros africanos. Os capitais acumulados na agricultura passaram a ser empregados na construção de ferrovias, portos, canais, fundições, estaleiros, oficinas, fábricas e engenhos centrais. Começou um surto econômico acentuado, que tornou o trabalho escravo obsoleto, levando à sua erradicação completa, em 1888. No ano seguinte viria a República. As elites agrárias tiveram de dividir o poder com a nascente burguesia urbana.
Quando muda a produção material, modifica-se também a produção intelectual. As velhas idéias já não servem. Nem os estilos e formas literários. O romantismo foi considerado "fora de moda". Ninguém ligava mais para os poetas chorões, nem os prosadores sentimentais e prolixos. As traduções de Émile Zola, de Flaubert, os romances de Eça de Queirós e de Tolstoi sabiam melhor aos gostos mais exigentes dos burgueses.

Um dos pioneiros no Brasil do romance naturalista foi Machado de Assis (1839-1908). Cronista dos costumes do Segundo Reinado do começo da República, ele deixou um quadro muito vivo da época em que viveu, nos seus romances Helena, Iaiá Garcia, Quincas Borba e Dom Casmurro. Também nos contos e crônicas sobre o Rio. Foi o fundador da Academia Brasileira de Letras. E seu primeiro presidente. Mulato, de origem plebéia, nascido num morro, começou a vida como gráfico e ascendeu nela, palmo a palmo, tornando-se jornalista acreditado junto ao Senado, funcionário do Ministério da Agricultura e, finalmente, escritor, ofício que ninguém exerceu melhor do que ele, com domínio absoluto da língua portuguesa a ponto de ser considerado um clássico de nosso idioma. E não foi mais do que um auto-didata, porque nem o curso secundário tinha. Um exemplo de pertinácia e de autodisciplina.
Criou-se a imagem falsa de um Machado de Assis "apolítico" e "individualista", "o solitário morador de Cosme Velho". Isso aconteceu, principalmente, depois que morreu sua esposa, Carolina. O casal não tinha filhos. Otávio Brandão, que o conheceu, tinha dele a imagem de um "nihilista", "arredio dos homens, descrente deles". Astrogildo Pereira, outro contemporâneo, afirma o contrário, Machado de Assis era "solidário com os seus semelhantes e sensível à dor humana". É possível que Astrogildo e Brandão o tenham conhecido em épocas diferentes. Daí a diversidade de julgamentos. Raimundo Magalhães Junior, em Machado de Assis Desconhecido, desmente o mito do "apoliticismo": Machado redigiu um projeto de reforma agrária, em 1882, participou de sociedades abolicionistas em 1884-1888, votava com o Partido Liberal. Brito Broca escreveu um livro sobre isso: Machado de Assis e a Política. E ainda recentemente Josué Montello re-exumou uma crônica machadiana na qual o criador de Capitu revela o triunfo do socialismo moderno no mundo. Como se exigir mais?

O grande expoente do naturalismo no Brasil foi Aluízio de Azevedo (1857-1913), abolicionista e republicano maranhense. A publicação de seu romance O mulato, ainda em São Luís, em 1881, marcou sua adesão ao naturalismo. Com Aluízio Azevedo, pela primeira vez no Brasil, a literatura denunciou o preconceito racial e pôs a nu a sociedade escravista brasileira. A publicação d'O Mulato gerou uma polêmica. Abalou a estabilidade das elites racistas do Maranhão e do país.
Mudando-se para o Rio, Aluízio de Azevedo publicou Casa de Pensão (1884) e O Cortiço (1890), enfocando problemas sociais como o da habitação popular, dando ênfase à miséria, à promiscuidade e à exploração econômica. Em 1897 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Em 1899 passou a servir na diplomacia e morreu como cônsul em Buenos a Aires aos 57 anos. Seu irmão Artur de Azevedo (1855-1908) renovou o conto e o teatro brasileiros, notabilizando-se como um grande humorista.

Figura notável também do naturalismo brasileiro foi o romancista cearense Adolfo Caminha (1867-1897), de posições políticas progressistas desde a sua mocidade, pela Abolição e pela República. Caminha viveu muito pouco: não mais de 3 décadas. Deixou apenas dois romances: A Normalista e Bom Crioulo, além de um livro de viagens No País dos Ianques. O bastante para que a sociedade preconceituosa do seu tempo o considerasse um "escritor maldito".

Em A Normalista, romance publicado em 1893, contou a história da sedução de uma jovem pelo padrinho inescrupuloso, um fato real ocorrido em Fortaleza. A sociedade cearense se escandalizou: a heroína do romance pertencia à Escola Normal; as famílias culparam a instituição pelo afrouxamento dos costumes e retiraram suas filhas do educandário. Em 1895 Caminha editou Bom Crioulo, sobre a vida segregada dos marinheiros em alto-mar, descrevendo a pederastia existente entre eles. Isso era um tabu. Caminha tinha sido oficial da Marinha de Guerra e foi considerado “persona non grata" por seus antigos colegas de farda. Diga-se também em seu abono que se recusou a aplicar a pena da chibata contra marujos, classificando-a de injusta trinta anos antes da revolta de 1910.

Adolfo Caminha era tido por seus contemporâneos por “imoralista”, não só pelo que escrevia, como pela própria maneira de viver. Ele se apaixonou em 1888 pela esposa de um oficial do Exército, em Fortaleza, uma linda moça de 19 anos. Por proposta sua, a jovem rompeu com o marido, indo viver em sua companhia. O marido nada fez, conformou-se, mas os alunos da Escola Militar entenderam que a "farda do Exército fora manchada". Caminha foi insultado, desafiado para duelos. O casal não podia sair às ruas, porque era vaiado. Não havia, então, divórcio, nem sequer desquite. O próprio Ministério da Marinha achou inconveniente sua continuação no Ceará, em "escandalosa mancebia". Caminha pediu demissão da Marinha em fevereiro de 1890 e foi viver com sua eleita no Rio, cidade maior, onde a morte por tuberculose o colheu, em 1897.

O terceiro romancista da escola naturalista brasileira foi Júlio Ribeiro (1845-1890). Era filho de uma brasileira com um norte-americano. Melhor jornalista do que escritor de ficção, produziu em 1888 A Carne, uma apologia do sexo e que por isso mesmo se tornou um êxito editorial. Pertence ainda ao ciclo, Inglês de Souza (1853-1918), cujos romances O Cacaulista, O Coronel Sangrado e O Missionário revelam o entrelaçamento entre o naturalismo e o regionalismo.

Raul Pompéia (1863-1895), com O Ateneu, não fez propriamente um romance, mas, como ele próprio o classificou, uma "crônica de saudades" da adolescência vivida no Colégio Abílio, do Barão de Macaúbas. Em poesia deixou Canções sem metro. Um fino estilista. Praticou o suicídio num dia de Natal. Tinha da vida uma visão pessimista que transmitiu em seus livros. Em política era um antioligárquico. Bateu-se pela República democrática, mas, tendo assistido à ascensão da república elitista, dizia: "Republicanos: vosso barrete frígio é um saco de coar café". Um protesto contra o domínio da política pelos fazendeiros de café de São Paulo, o que se estendeu de 1894 a 1930.

Rodolfo Teófilo (1853-1932) no romance A Fome deixou o quadro dramático da grande seca de 1877 no Ceará. Até cenas de canibalismo ocorreram naquela província nordestina. Carneiro Vilela (1862-1913) publicou, em Pernambuco, A Emparedrada da Rua Nova, romance de costumes, que foi também o primeiro romance policial no país. Farias Neves Sobrinho (1892-1927) escreveu Morbus e o livro de contos O Hidrófobo, publicados no Recife, focalizando temas psicológicos. Manuel Arão (1874-1930) romancista pernambucano é o autor de Transfiguração. Manuel de Oliveira Paiva (1861-1892), escritor regionalista cearense, divulgou na imprensa, através de folhetins, seus romances A Afilhada e Dona Guidinha do Poço. Este último veio à luz, em forma de livro, em 1952, graças à iniciativa de Lúcia Miguel Pereira, e foi um sucesso total. Verificou-se que teria sido um dos grandes ficcionistas do seu tempo se suas obras tivessem sido publicadas no século XIX.

Indaga-se hoje se as campanhas da Abolição e da República repercutiram na literatura brasileira. A resposta verdadeira é que muito fracamente. Da campanha da Abolição participaram, individualmente, escritores como Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Aluízio de Azevedo, Artur de Azevedo, Castro Alves, Coelho Neto, Olavo Bilac. Da República, alguns dos citados (menos Joaquim Nabuco, que continuou fiel à monarquia e Castro Alves, já falecido), Raul Pompéia, Medeiros e Albuquerque e Martins Junior.

Brito Broca observa: "pondo de lado a obra poética de Castro Alves, a literatura da Abolição é muito pobre. Nada tivemos que se assemelhasse a Cabana do Pai Tomás. Apenas algumas peças de teatro, de restrito valor literário (com exceção do drama de José de Alencar, Mãe), os romances A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães em que o tema é idealizado, O Mulato, de Aluízio de Azevedo, as novelas As Vítimas Algozes, de Macedo, alguns contos de Ezequiel Freire e pouco mais que isso.
"Nesse quadro tão restrito, não podemos dizer que a contribuição de Machado de Assis fosse inteiramente nula. Chegou a publicar dois contos que constituem, a meu ver, as duas páginas mais pungentes, já escritas sobre a escravidão: Pai contra Mãe e O Caso da Vara. Ultimamente José Galante de Souza divulgou o conto Mariana, publicado no Jornal das Famílias, que encerra uma tremenda condenação ao cativeiro”. (Machado de Assis e a Política, Rio, 1983, p. 56).

Esqueceu Brito Broca de referir a peça de Artur de Azevedo O Abolicionista que teve grande êxito em suas apresentações. Deve-se ressaltar, ainda, que o livro de Joaquim Nabuco, O Abolicionista, publicado em Londres, em 1883, de grande valor literário, constituiu uma grande contribuição intelectual ao movimento. Na poesia abolicionista, pós-Castro Alves, se destacaram Teotônio Freire, Regueira Costa e outros discípulos e continuadores do vate baiano, que nunca chegaram às suas culminâncias.

Pode-se dizer, contudo, que como o romantismo esteve associado à Independência e ao período regencial, o naturalismo se confundiu com a propaganda republicana. Excluindo-se Machado de Assis, que era monarquista, todos os demais naturalistas era republicanos exaltados.

A POESIA FORMALISTA

No final do século XIX a poesia brasileira dividia suas preferências entre o parnasianismo, o simbolismo e o cientifismo. Era o predomínio da forma sobre o conteúdo, a magia da palavra. O que menos importava era o sentimento. Enquanto a prosa se tornava mais clara, a poesia mais hermética; uma conduzia à realidade objetiva; a outra ao subjetivismo.

Olavo Bilac (1865-1918), Alberto de Oliveira (1857-1937), Raimundo Correia (1860-1911), Vicente de Carvalho (1866-1924) e Guimarães Passos (1867-1909) foram os principais parnasianos.
Cruz e Souza (1863-1898) e Alfonsus Guimarães (1870-1920) os simbolistas mais destacados. Martins Junior (1860-1904) e Augusto dos Anjos (1884-1914) os principais representantes da poesia científica. Olegário Mariano (1889-1959) e Hermes Fontes (1888-1930), os parnasianos e simbolistas tardios.
Cruz e Souza é um caso singular na literatura brasileira. Negro, filho de escravos, vivendo em Santa Catarina, onde era forte o preconceito de cor devido à imigração alemã, encontrou por parte da sociedade catarinense do seu tempo uma resistência encarniçada. Mudou-se para o Rio, onde não foi mais feliz. Morreu pobre e só veio a alcançar reconhecimento do seu valor literário quando não podia tirar mais proveito disso. No entanto, Broquéis, publicado em 1893, é um marco da literatura brasileira, de todos os tempos. Cruz e Souza só ocupou cargos mal-remunerados: jornalista, ator de teatro, e arquivista da Estrada de Ferro Central do Brasil. Sua esposa enlouqueceu; ele contraiu tuberculose, produto da fome e da miséria em que vivia. Sua existência foi toda marcada pela dor e pela angústia. Poeta de difícil classificação nesse quadro é o maranhense Souzândrade (1833-1902), que fez poesia entre o final do romantismo e o começo do Simbolismo. Era um poeta de um espírito tão arguto, que hoje se encontram em seus versos elementos do próprio modernismo. Ele mesmo dizia em 1877 que só começaria a ser compreendido “50 anos mais tarde” E foi realmente o que aconteceu com seus livros Harpas selvagens e Guesa.

Sousândrade vagabundeou pelo mundo: viveu na Europa, nos Estados Unidos e na América Central. Voltou pregando para o Brasil um regime que seria uma mistura da república democrática americana com o comunismo primitivo dos incas do Peru. Criticava o imperialismo americano e principalmente a Bolsa de Wall Street. Fez a campanha republicana, casou-se e descasou-se, ensinou grego no liceu Maranhense, terminando sua vida pobre, vendendo os muros da quinta onde nascera, para poder sobreviver.

Os poetas parnasianos, simbolistas e cientifistas, em geral, se comportavam como bons moços perante a sociedade elitista. Não morriam de tuberculose aos 20 nem passavam grandes necessidades financeiras aos 30 e 40. Eles definiam a literatura como "o sorriso da sociedade". Não cabia ao intelectual ofender, nem indignar as classes dirigentes, mas proporcionar-lhes bons momentos de lazer espiritual.

Olavo Bilac patrocinava campanhas pela criação dos Tiros de Guerra, pró-sorteio militar e pela mobilização de civis. Bateu-se pela participação do Brasil ao lado dos Aliados em 1917. Fundou a Liga da Defesa Nacional. Enquanto o proletariado promovia no Rio um Congresso pela Paz, Bilac pregava a guerra. Era um excelente poeta. E melhor ainda orador. Quando estreou nas letras, em 1888, o parnasianismo já era uma realidade. Representavam-no Raymundo Correia e Alberto de Oliveira. Bilac arrebatou-lhes o cetro. O Caçador de Esmeraldas tornou-o o poeta mais popular do seu tempo.

O FENÔMENO LIMA BARRETO

Quando Lima Barreto (1881-1922) surgiu em cena literária em 1909 com seu romance Recordações do escrivão Isaías Caminha , a literatura de ficção estava sob o domínio absoluto de Coelho Neto (1864-1934). Esse escritor maranhense, autor de 120 livros, dono de um vocabulário imenso, pois se orgulhava de haver usado em suas obras cerca de 30 mil palavras, sem repetir nenhuma, só escrevia coisas de interesse das classes dominantes. A Conquista, A Capital Federal e outros romances evocavam a "bela época", a boêmia literária. O Sertão era uma pastoral do campo e nada falava das misérias dos latifúndios. Predominavam em suas obras o artificialismo e o verbalismo.

Lima Barreto trazia à literatura a humanidade sofrida dos subúrbios do Rio de Janeiro, a vida dos funcionários públicos, da apertada classe média urbana e do sofrido proletariado fabril. Era uma linguagem diferente, enfocando com simplicidade o cotidiano. Desfilavam ante os olhos dos leitores os seus livros Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) Numa e a Ninfa (1915), Vida e Morte de J. M. Gonzaga de Sá (1919), Mistérios e Sonhos (1920) e Clara dos Anjos (1923), todos com boa aceitação do público.

Lima Barreto, mulato e pobre, jornalista sem futuro, funcionário público subalterno não tinha mais do que curso secundário. Não pôde cursar a Escola Politécnica, como pretendia, por causa dos encargos de família. Os traumas levaram-no à bebida, daí ao internamento em hospitais psiquiátricos e à própria morte prematura, por cirrose hepática. Ninguém o ajudou, a não ser o cientista Juliano Moreira, diretor do hospital de alienados, que lhe reconhecia o valor.

Lima Barreto era também um ativista do movimento operário. Pertencia ao Sindicato dos Operários do Arsenal de Guerra e, na juventude, foi anarquista, adepto de Kropotkin. No final da existência aderiu ao "maximalismo" como era então conhecido o marxismo-leninismo. Quando eclodiu a Revolução Socialista de 1917, uma tremenda campanha de difamação foi acionada contra os bolcheviques e especialmente contra Lênin. Lima Barreto escreveu artigos candentes em defesa da "Revolução Russa de Novembro". Eles constituem uma prova de que uma boa parte da intelectualidade brasileira não se deixou embair pela propaganda insidiosa da reação mundial.

A obra de Lima Barreto começou a ser valorizada após a sua morte. Hoje se reconhece seu papel como continuador de Manuel Antônio de Almeida e de Machado de Assis. E de precursor do romance social.
Escritores de transição são ainda Monteiro Lobato (1882-1948), contista, regionalista, fundador da literatura infantil, Alcides Maia (1878-1944), romancista gaúcho, Cornélio Pena (1896-1958) e Afonso Arinos (1868-1916), autor de Pelo Sertão. A grande repercussão do livro Os Sertões, de Euclides da Cunha ajudou a criar uma literatura regional, voltada para o esquecido interior do Brasil.

LITERATURA ANARQUISTA

A história literária oficial praticamente ignora a existência da literatura anarquista, que era muito expressiva entre 1900 e 1930. Iniciou-a Paulistano da Fonseca com a novela Mártir da Fé, 1899. O principal ficcionista dessa corrente seria Fábio Luz (1864-1938), médico higienista, fundador da Universidade Popular de Ensino Livre, no Rio de Janeiro, autor dos romances Ideólogo (1903), Os Emancipados (1906), e das novelas Virgem Mãe (1910), Elias Barrão, Xica Maria (1915) e Nunca (1925). Traduziu, também, obras de Eliseu Reclus.

Avelino Fóscolo (1864-1944), farmacêutico da cidade mineira de Sete Lagoas, onde editava o jornal Nova Era, publicou vários romances sociais, notadamente O Mestiço (1903), A Capital (1903), Vulcões e O Jubileu (1920). Para o teatro fez O Semeador, O Demônio Moderno e a comédia Cá e lá… Águias Há. Domingos Ribeiro Filho (1875-1942), funcionário público do Rio de Janeiro, colega de Lima Barreto, escreveu os romances O Cravo Vermelho (1907), Vãs Torturas (1911) e Uma Paixão de Mulher, publicado em Paris, sob o pseudônimo feminino de Cecília Mariz. É sua ainda a novela Miserere, editada em 1919.

José Oiticica (1882-1957), professor do Colégio Pedro II, além de teórico do anarquismo no Brasil, diretor dos jornais Spártacus e Ação Direta, fez poesia, publicando "Sonetos" (1' série, 1905-1911), "Ode ao Sol" (1913), Sonetos (2ª série), (1919), Fonte Perene (1954). São de sua lavra, ainda, os contos Histórias Simples. Para o teatro escreveu Pó de Pirlimpipim. Oiticica em 1918 foi desterrado do Rio para Alagoas, por haver apoiado uma greve geral revolucionária, episódio descrito n'O Ano Vermelho. Em 1924 esteve preso na Ilha Rasa por se opor à ditadura Bernardes.
Mota Assunção (1878-1929), tipógrafo do Rio de Janeiro, escreveu a peça social O Infanticídio, em cinco atos, encenada pelo Grupo Dramático Social em 1906.

Ricardo Gonçalves (1883-1916), poeta parnasiano de São Paulo, um dos primeiros escritores a aderir ao anarco-sindicalismo, cujo livro de poesias póstumo Ipês revela a fina sensibilidade artística de que era dotado, pouco aparece nas antologias. No entanto, como salienta Monteiro Lobato, foi no seu tempo um dos grandes poetas do país. Ele se suicidou aos 33 anos. Martins Fontes (1884-1937), outro parnasiano, discípulo de Olavo Bilac, ligou-se ao anarquismo e sob sua influência publicou em 1926, o livro de poesia Vulcão.

É preciso salientar que Silvério Fontes, Astrogildo Pereira e Otávio Brandão, os primeiros marxistas brasileiros, foram militantes do anarquismo. Também o romancista Afonso Schimidt, que viria a pertencer ao PCB. Os primeiros poemas de Otávio Brandão são de exaltação a Bakunin. Também os de sua esposa, a poetisa Laura Brandão. Astrogildo Pereira dirigia Spártacus, publicação anarquista. Afonso Schimidt iniciou-se em 1923 com contos de inspiração ácrata. Não se deve esquecer que a melhor revista literária do Brasil, no princípio do século, Kultur, era dirigida pelo escritor anarquista Elysio de Carvalho.

Evidentemente, é uma lacuna da história literária ignorar essa contribuição cultural dos anarquistas à literatura brasileira. Tal subestimação não existe só no Brasil, na França eles também não são referidos nas histórias de literatura; Eugene Pottier (1816-1887), o imortal poeta francês, autor da letra da marcha A Internacional, o hino dos trabalhadores de todo o mundo, não é mencionado por ninguém. No entanto, ele é o autor de Canções Revolucionárias, um dos melhores poemas já escritos em língua francesa. Pottier é um poeta considerado "maldito" porque apoiou a Comuna de Paris e sempre formou na vanguarda do proletariado de sua pátria. Um caso de patrulhismo ideológico.
No Brasil, os literatos anarquistas só agora começam a ser redescobertos.

* Clóvis Mello é escritor pernambucano, autor de O Ano Vermelho e outros ensaios.
A segunda parte deste trabalho, abrangendo desde o modernismo até outras correntes literárias, será publicada no próximo número de Princípios.

EDIÇÃO 12, DEZEMBRO, 1985, PÁGINAS 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46