Em outubro de 1922 aconteceu em São Paulo a Semana de Arte Moderna, reflexo tardio em nosso país das correntes estéticas que agitavam a Europa no primeiro pós-guerra. Nossa cultura tinha sido até ali uma "cultura de prolongamento": havíamos trocado, no século XIX, a dependência cultural portuguesa e ibérico-espanhola pela dependência cultural anglo-francesa. Os "modernistas" brasileiros prometiam criar uma cultura autenticamente nacional: apareceram os grupos "verde e amarelo", "a antropofagia", "a anta", "o arco e a flexa", nacionalistas e nacionalizantes, mas no fim o que restou mesmo foi mais dependência cultural dos centros forâneos, da Europa e dos Estados Unidos.

O futurismo do fascista Marinetti só serviu, afinal de contas, para abrir caminho, ideologicamente falando, ao integralismo do Sr. Plínio Salgado, da década de 1930. A ruptura com o passado levava ao desprezo de uma herança cultural positiva, da arte barroca, do folclore e do cordelismo. O Brasil iria acabar perdendo a sua identidade. O modernismo de Mário de Andrade (1893-1945), Manuel Bandeira (1 886-1968), Oswald de Andrade (1890-1954) e Felipe de Oliveira (1891-1932) soava falso nesse mister. E logo surgiu como contraponto o Movimento Regionalista do Recife, em 1925, chefiado por Gilberto Freyre (1900), procurando corrigir-lhe algumas distorções, mas fazendo um culto exagerado do tradicionalismo. Ao grupo regionalista pertenciam os poetas Ascenço Ferreira (1895-1965) e Joaquim Cardoso (1897-1978).

Essas inquietações literárias eram apenas o prenúncio das grandes transformações políticas por que o Brasil passaria em 1930, com o fim da "República Velha" e o advento do "ciclo de Vargas" (1930-1954), ciclo que consolidou o poder da burguesia e expressou, secundariamente, as aspirações das classes médias urbanas. O Brasil se industrializou e, em consequência, o proletariado fabril se tornou uma força social.

Na literatura surgiu, então, o "romance do Nordeste", cujos principais representantes foram os paraibanos José Américo de Almeida (1887-1967) e José Lins do Rego (1901-1957), o baiano Jorge Amado (1912), a cearense Rachel de Queiroz (1910), o alagoano Graciliano Ramos (1892-1953) e o sergipano Amando Fontes (1899-1967).

Graciliano Ramos é a maior figura do moderno romance brasileiro. Pela pureza de linguagem, a sua obra se equipara à de Machado de Assis. Pode ser considerado um dos clássicos da língua portuguesa. Como observador psicológico e crítico da sociedade superou todos quantos o antecederam. Constitui magnífico exemplo de um intelectual que reuniu as melhores qualidades criativas de artista e de sociólogo.

Por haver participado da Aliança Nacional Libertadora, em Maceió, e ser um antifascista convicto, Graciliano Ramos foi preso e confinado no presídio da Ilha Grande, em 1936, em meio a criminosos comuns, submetido às piores humilhações pelo governo Vargas. Já naquela época se tramava a instalação do "Estado Novo", uma ditadura parafascista e, com essa finalidade, era preciso calar a voz dos democratas. Graciliano Ramos não transigiu com os carcereiros. Portou-se dignamente. Ao sair da prisão, ao invés de se acomodar ingressou no Partido Comunista, ao qual pertenceu até sua morte, combatendo a ditadura, por todos os meios e modos. Sobre esse período sombrio da existência do povo brasileiro escreveu Memórias do Cárcere que se tornou um êxito de livraria, pois está à altura do que produziram Dostoievski, Silvio Pellico e outros grandes memorialistas. O cinema transformou-o num filme que comoveu as gerações novas.

Dentre as obras de Graciliano Ramos se destaca Vidas Secas, onde se retrata a vida de exploração a que são submetidos os camponeses pobres do Nordeste. Vaqueiros, alugados e até uma simples cadela "Baleia", são os protagonistas desse romance que ainda hoje é lido avidamente como uma das mais belas páginas já escritas sobre um velho tema. Em Caetés, seu romance de estréia, descrevera a vida monótona de Palmeira dos Índios, cidade da qual fora prefeito. Mas as opiniões se dividem quanto à sua obra-prima, que uns apontam como sendo São Bernardo, que narra a ascensão e queda do fazendeiro Paulo Honório, ou ainda Angústia, um intenso drama psicológico de família classe média da cidade. Ou ainda Vidas Secas.

Graciliano Ramos jamais saiu das lindes do realismo crítico. Ele era contra a "literatura de tendência" e, por isso mesmo, se insurgia contra a "politização literária". Gostava de citar Marx quando este afirmava: "se aprendia mais economia política nos romances de Balzac que nos compêndios de Stuart Mill”. No entanto, Balzac não critica a burguesia preconcebidamente, apenas a retrata, em seus romances, tal qual ela era com suas grandezas e misérias. Graciliano Ramos pretendia fazer o mesmo: pintar o homem brasileiro como ele o via, no seu tempo.

José Lins do Rego (1901-1957) descendia de senhores de engenho arruinados da Várzea da Paraíba. A usina do açúcar matara nas primeiras décadas do século os tradicionais "banguês". Ele soube captar muito bem essa fase de cruel penetração do capitalismo industrial no campo nordestino através de vários romances ligados ao mesmo tema: Menino de Engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), Usina (1936) e Fogo Morto (1943). O "ciclo do açúcar" fixou a decadência do patriarcado rural e a ascensão dos "novos ricos" usineiros. A sua obra-prima do ciclo é Fogo Morto, sobre a vida de um Dom Quixote dos canaviais, Vitorino Carneiro da Cunha, o conhecido Vitorino "Papa Rabo", o tipo bem acabado do representante da nobreza agrária decadente.

O grande romance social de Lins do Rego, contudo, foi Moleque Ricardo publicado em 1935, que tem alguma coisa de autobiográfico e focaliza fatos reais ocorridos no Recife entre 1919 e 1922, na mocidade do escritor, então estudante de Direito. Lins do Rego evocou com fidelidade as lutas sociais do proletariado urbano, as grandes greves das "uniões de resistência" anarco-sindicalistas, orientadas pelo professor de Direito Joaquim Pimenta, que aparece no romance com o nome de Dr. Pestana. O Moleque Ricardo é o Germinal pernambucano. Nada fica a dever ao livro de Zola, que o inspirou. Ainda hoje é uma fonte de consulta obrigatória dos historiadores do movimento operário brasileiro.

Jorge Amado (1912), romancista baiano, filho de fazendeiro de cacau, mas que optou desde cedo pela causa dos trabalhadores, elegendo-se em 1946 deputado federal pelo Partido Comunista do Brasil. È o escritor brasileiro mais traduzido em línguas estrangeiras de todos os tempos. Durante certa época pretendeu representar na literatura brasileira o "realismo socialista", escola literária fundada por Máximo Gorki, na União Soviética. Jorge Amado recebera, confessadamente, a influência de Gorki, Gladkov, Simonov, a qual se juntava à de Zola, Flaubert, Lawrence e Steinbeck, em suma, dos ocidentais. Questionava-se se seria possível o "realismo socialista" em país capitalista. A prática da vida mostrou que não existe literatura sem os elementos sociais de apoio. Quando muito se poderia falar numa "tendência social ou proletária", na nossa literatura, a qual, aliás, não era nova, vinha desde os começos do século XX.

Em 1933, Jorge Amado lançou Cacau, que foi a primeira tentativa séria de romance proletário ou de literatura populista. Suor (1934) e Jubiabá (1935) consolidaram a tendência social. O proletariado passava a ser figura central dos nossos romances. As suas greves eram retratadas sem deformações. Os temas sociais já haviam sido tratados na literatura brasileira pelos anarquistas. Mas eles não encontraram nenhuma repercussão. E além do mais foram tratados com bastante superficialidade. Amado combinava o real com o lírico, como se veria em Mar Morto (1936) e Capitães de Areia (1937); o épico com o real, como se viu em Terras do Sem Fim (1943) e São Jorge dos Ilhéus (1944); o social com o político, como aconteceu em Seara Vermelha (1946) e Os Subterrâneos da Liberdade (1954).
Se Lins do Rego é o cronista do "ciclo de açúcar", Jorge Amado é do "ciclo do cacau". A epopéia do desbravamento do sul do estado da Bahia, a luta pela posse da terra, pelos latifundiários entre si e contra os posseiros, a opulência e decadência de cidades, tudo está descrito pela pena de um mestre, que ainda agora volta ao tema através do romance Tocaia Grande, recentemente editado.

Em 1958 Jorge Amado com a publicação de Gabriela, Cravo e Canela, passou a dar maior atenção ao pitoresco, ao exótico e ao realismo mágico.Dona Flor e seus Dois Maridos (1966), Teresa Batista Cansada de Guerra (1972) e Tieta do Agreste (1977) aprofundaram ainda mais essa tendência. Quincas Berro D'Água é uma bela novela surrealista. Não há dúvida de que, do ponto de vista estritamente literário, Jorge Amado aperfeiçoou seu ofício de escritor, atingiu sua plenitude criativa, sua maturidade psicológica. Suas obras continuam obtendo grandes tiragens. É o escritor nacional que mais vende livros.

Rachel de Queiroz (1910), romancista cearense, escreveu na juventude O Quinze e João Miguel, retratando os dramas e os sofrimentos dos camponeses de sua terra. Fez também peças para o teatro: Lampião e A Beata Maria do Egito. Em política foi adepta do trotskismo e acabou, como seria de esperar, direitista, apoiando o golpe militar de 1964, sob a alegação de ser prima do ditador, o marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Sua participação na literatura nordestina é bem inferior à dos demais.

Armando Fontes (1899-1967), romancista sergipano, descreveu em Corumbas, publicado em 1933, o drama da adaptação de uma família de imigrantes rurais, que deixa o campo e vai viver em Aracaju, onde só encontra miséria, fome e tuberculose. Em Rua do Siriri", editado em 1937, retrata o meretrício da capital sergipana. Mas o livro é falso porque, como observou Graciliano Ramos, "as prostitutas da rua do Siriri se comportam melhor que as moças do Colégio Sion, não dizem sequer um nome feio". Em política, Amando Fontes foi deputado federal pela União Democrática Nacional (UDN). Elegeu-se por duas legislaturas. Isso explica o seu conservadorismo e puritanismo.

José Américo de Almeida (1887-1967) ficou mais conhecido como político do que como escritor. Ele chefiou na Paraíba a revolução de 1930, foi ministro da Viação do governo Vargas, candidato a presidente da República de uma eleição que não houve, devido ao golpe de 1937, ministro do Tribunal de Contas da União, senador pela UDN, após a redemocratização, quando selou um acordo político com o presidente Eurico Gaspar Dutra, governador da Paraíba, novamente ministro de Getúlio Vargas, retirando-se da vida pública em 1954. Como escritor, José Américo de Almeida fez romances: começou em 1928, publicando A Bagaceira; seguiram-se-lhe O Boqueirão (1935) e Coiteiros (1936).

O REGIONALISMO

Nesses romances José Américo tratava de temas regionais – as secas, o banditismo, a luta pela terra –, numa linguagem mais apropriada a um ensaísta, o que ele era, como o demonstrara com o livro de 1922, A Paraíba e seus Problemas, do que a um ficcionista. Como obras de ficção são medíocres. Não prendem o leitor. E não há nelas nenhuma simpatia pelos sertanejos, como depois se encontrará em Graciliano Ramos e Jorge Amado. Ao contrário: os camponeses são expulsos dos latifúndios, não reagem, se submetem passivamente. O autor procura explicar sua passividade com uma frase de efeito: "quatro séculos de servidão lhes pesavam sobre os ombros". No entanto, o próprio cangaço descrito por ele em Coiteiros é uma prova em contrário: o campesinato reagia com violência à violência. O campesinato sempre lutou contra o latifúndio à sua maneira, apelando para o messianismo, o cangaço etc.

O Romance do Nordeste revigorou no país a regionalização da literatura. Apareceram, também os "romancistas do Norte". Dentre eles podem ser citados Dalcídio Jurandir (1909-1983), da ilha de Marajó, que viveu algum tempo em Belém, viajou todo o baixo Amazonas, coletando material, fez jornalismo e em matéria de instrução só tinha o secundário, incompleto. Com a cabeça cheia de reminiscências da terra natal desembarcou no Rio, em 1941, onde conheceu Álvaro Moreyra, aderiu à esquerda, curtiu as primeiras detenções do DOPS, filiando-se ao Partido Comunista do Brasil. Em 1946 era redator da Tribuna Popular, trabalhando depois em Imprensa Popular, A Classe Operária e Novos Rumos. Até que passou a dirigir com Álvaro Moreyra a revista Paratodos.

Dalcídio Jurandir publicou Chove nos campos da Cachoeira (1941); Marajó (1947); Três Casas e um rio (1958); Belém do Grão Pará (1960); Passagem dos Inocentes (1963); Primeira Manhã (1968); Ponte do Galo (1971); Chão dos Lobos (1976); Os Habitantes (1977). Ao morrer, deixou inédito Ribanceira que seria o décimo da série cíclica sobre Marajó.

Abguar Bastos (1904) nasceu em Belém do Pará. Foi deputado federal em 1935, representando seu estado, mas tendo aderido à Aliança Nacional Libertadora, teve o mandato cassado, foi preso e processado. Em 1955 elegeu-se novamente deputado federal pelo PTB, representando São Paulo, onde passou a residir. Como escritor amazônico Abguar Bastos escreveu Terra do Icamiaba (romance da floresta); Certos caminhos do mundo (romance do rio); Safra (romance da vila); Quatro Fogos (romance da cidade) e a novela Somanlu, o viajante da estrela. Permínio Asfora (1914) escreveu sobre as lutas dos plantadores de algodão do Nordeste. Lucilo Varejão (1897-1965) descreveu a decadência de Olinda numa série de romances. Mário Sete (1886-1956), pernambucano, antecipou-se ao "ciclo do açúcar", de Lins do Rego, com seus romances Senhora do Engenho e O Vigia da Casa Grande. Chagas Ribeiro (1895-1967), um modesto tipógrafo do Recife, vereador da chapa proletária "Trabalhador, ocupa teu posto", escreveu o romance Mocambo, descrevendo a vida miserável dos habitantes dos alagados da capital pernambucana. Silvino Lopes (1892-1951) fez o teatro social em Pernambuco e escreveu Ladra, Esfinge e O Homem Bom, peças que estiveram proibidas de encenação durante o Estado Novo.

No Rio Grande do Sul surgiu Dionélio Machado (18951985), médico e jornalista, diretor do Correio do Povo, de Porto Alegre, deputado estadual, com militância política na Aliança Nacional Libertadora e depois no Partido Comunista. Esteve preso no Estado Novo.

O grande romancista gaúcho seria, porém, Érico Veríssimo (1905-1975), antigo farmacêutico de Cruz Alta, que optou pelo ofício de escritor, indo viver em Porto Alegre, onde lançou, em 1933, a sua novela Clarissa. No começo, ele fazia uma literatura impressionista, superficial, e só se afirmou mesmo como um dos grandes escritores do país quando produziu sua obra cíclica O Tempo e o Vento. (O Continente, 1949; O Retrato, 1951; O Arquipélago, 1962). Nela, pintou um mural da formação da sociedade patriarcal no Rio Grande do Sul, criando personagens imortais como o capitão Rodrigo, Bibiana e outros tipos característicos do homem da fronteira. Ninguém descreveu melhor a vida do peão nas estâncias sulinas do que ele. Pouco antes de morrer escreveu Incidente em Antares, (a invasão do mundo dos vivos pelos mortos putrefactos). Era sua forma de protestar contra os poderosos do dia, os golpistas de 1964.

Afonso Schmidt (1890-1964) é um exemplo típico de intelectual voltado para o povo. Começou a fazer jornalismo operário em São Paulo em A Voz do Povo, ingressou no anarco-sindicalismo, viajou para a Europa onde conheceu os corifeus da anarquia, tomou contato com o marxismo e esteve sempre ao lado do Partido Comunista em suas campanhas, de 1924 em diante. Ele escreveu na sua fase anarquista Colônia Cecília, um estudo histórico sobre essa curiosa experiência de vida comunitária no Paraná no começo do século.

Depois Afonso Schmidt publicou a novela Os Impunes (1923). Em 1927 divulgou o seu romance O Dragão e as Viagens. Em 1935 fez editar Curiango, livro de contos. Em 1940 A vida de Paulo Eiró, biografia. Em 1945 Poesias. Em 1950, Menino Felipe. Em 1960 A Locomotiva, romance. Também é de sua autoria o romance histórico sobre a abolição em São Paulo, A Marcha. A obra de Schmidt é variada e rica. O proletariado é o seu grande personagem, principalmente os ferroviários paulistas. Não admira, assim, a "conspiração de silêncio" sobre seu nome.

Em Goiás, Carvalho Ramos inaugurou uma literatura regionalista muita vívida, a qual tinha como tema a vida dos tropeiros e boiadeiros. No mesmo rumo Bernardo Élis (1915) vem realizando sua obra, com um sentido ao mesmo tempo documental e de denúncia das injustiças sociais. Ele começou com Esmos e Gerais (1944), Primeira Chuva (1955), atingindo seu ponto alto em O Tronco (1956). Posteriormente publicou Caminhos e Descaminhos (1965) e Verânico de Janeiro (1966). Em 1976 Bernardo Élis foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Em Minas Gerais Guimarães Rosa (1908-1967) deu um grande impulso ao romance regional, com a publicação em 1946 de seu livro Sagarana, onde descreve a vida dos vaqueiros e dos fazendeiros dos sertões montanheses, com os seus costumes e falares muito próprios. Em 1956 faria editar Grande Sertão: Veredas, que firmou seu prestígio definitivamente nas letras nacionais. E teve repercussão internacional. Confirmou-se o dito de Tolstoi: "Se quiseres ser universal descreve primeiro tua aldeia". Guimarães Rosa era diplomata, mas a sua longa permanência no exterior não o desnacionalizara.
Ariano Suassuna (1927), nascido na Paraíba e radicado no Recife, em cuja Universidade se formou, fez teatro e romance, com raízes no cordelismo popular nordestino, influência da literatura setecentista espanhola (Calderon de la Barca) e sua vivência pessoal. Suas obras mais conhecidas são O Auto da Compadecida, comédia em 3 atos, editada em 1959 e Romance d'A Pedra do Reino. Em política se afirmava "monarquista de esquerda". Ultimamente declarou-se desencantado com a restauração dos Bragança, reafirmando, porém, convicções socialistas.

Otávio de Farias escreveu um romance cíclico sobre a tragédia burguesa. Podem ser citados ainda Adonias Filho (1915) romancista baiano, também egresso da zona do cacau, cuja vida descreve com maestria em Os Servos da Morte (1946), Memórias de Lázaro (1952) e Corpo Vivo (1963).
Ciro dos Anjos (1906), escritor mineiro, de cuja obra se destacam O Amanuense Belmiro (1937), Abdias (1945) e A Montanha" (1956); Josué Montello (1917), intelectual maranhense, autor de vários romances e novelas que descrevem os costumes sociais de São Luís, como Janelas Fechadas (1941); A luz da estrela morta (1948); Labirinto de Espelhos (1952); Tambores de São Luís (1975). Haroldo Bruno (1922-1983) fez romances de introspecção, com ambiência nordestina, em A Metamorfose e Fundação da morte, influenciado por Kafka. Não se deve esquecer Mário Palmério (1916), autor dos romances Vila dos Confins (1956) e Chapadão do Bugre (1965), sobre os costumes políticos e os crimes de honra do oeste de Minas; Osman Lins (1924-1978), romancista pernambucano que se transferiu para São Paulo em 1945, quando ainda era funcionário do Banco do Brasil, e naquele estado publicou romances, alguns de ambiência nordestina, como O Fiel e a Pedra e outros, de pura introspecção, como Visitante (1955), Os Gestos (1957) Avalovara (1973) e Rainhas dos Cárceres da Grécia (1976), que lhe deram notoriedade nacional e mundial.

Raimundo Morais (1875-1941), romancista amazonense, ex-comandante do navio gaiola do "rio-mar" escreveu três romances sobre a vida das populações ribeirinhas: Os Igaraúnas e Ressuscitados (1938); O Mirante do Baixo Amazonas (1939). Hermilo Borba Filho (1917-1976), escritor pernambucano, escreveu romances como O Cavalheiro da Terceira, focalizando a degradação dos costumes da burguesia urbana.

TENDÊNCIA SOCIALISTA

Um grupo de intelectuais de esquerda tentou fazer literatura de tendência socialista, na década de 1950-60. Dentre eles, se destacaram Alina Paim, autora de um romance intitulado A Hora Próxima, descrevendo a greve da Rede Ferroviária Sul Mineira, na qual as mulheres tiveram uma grande e heróica participação. Milton Pedrosa fez um romance sobre a revolução nacional libertadora em Natal. Ibiapaba Martins, sobre a militância política de esquerda em São Paulo. Floriano Gonçalves escreveu sobre a vida dos catadores de papéis, das ruas do Rio de Janeiro, em seu romance O Lixo.
Eram todas tentativas ligadas à introdução do "realismo socialista soviético no
Brasil". Contribuições positivas como expressão do pensar e do sentir da massa proletária. Não mais do que isso. James Amado, romancista baiano, irmão de Jorge Amado, publicou O Chamado do Mar, um romance sobre os pescadores de sua terra. Obra de real mérito literário, James Amado não fez novas experiências no gênero em que se iniciara tão auspiciosamente.

Às tentativas de implantação de um "romance social" no Brasil corresponderam as de um "teatro social" e uma "poesia social". O "teatro social" foi criação de Joracy Camargo (1898-1973), redator do jornal A Manhã, diretor do Teatro João Caetano, que a partir de 1931 se dedicou, de tempo integral, à arte de Molière. Ele começou em 1932 com a peça Deus lhe Pague, representada pelo ator Procópio Ferreira, no Rio, e levadas mais de mil vezes à ribalta de teatros brasileiros. Um êxito como não se via igual no Brasil, nem nos tempos de Artur de Azevedo e Martins Pena. E só foi repetida com o teatro de Pedro Bloch, com As mãos de Eurídice.

Joracy Camargo escreveu mais Sindicato dos Mendigos (1939) e Maria Cachucha (1940). Os originais de sua lavra somavam ao fim de sua existência mais de uma centena. O autor questionava fundamentalmente, em suas peças, o direito de propriedade, fazendo uma crítica do capitalismo nos moldes de Proudhon: “a propriedade é um roubo". Sua crítica tinha, assim, mais de socialismo utópico do que científico. Ele encontrou seguidores nos estados como Silvino Lopes, em Pernambuco, autor de Ladra e Esfinge e O Homem Bom, peças com a mesma visão social de oposição ao argentarismo e ao poder do dinheiro.

Essa literatura populista caiu no gosto das massas que lotavam os teatros. A censura proibiu, então, as suas representações. No Estado Novo, Joracy Camargo se viu perseguido, mesmo porque, aderiu ao Partido Comunista, do qual posteriormente se afastou.

Em 1943 Nelson Rodrigues (1912-1980) fez encenar Vestido de Noiva pelo grupo "Os Comediantes", no Teatro Municipal do Rio. Era o teatro expressionista que iniciava os seus passos, trazendo como sedução, para as platéias jovens, uma forte tendência sexual. O "teatro social" entrava em declínio.
A "poesia social", lançada no século XIX, por Castro Alves e continuada por Sousândrade, encontrou nas primeiras décadas do século XX agasalho entre os anarquistas. Foram poetas sociais José Oiticica, Otávio Brandão, Afonso Schmidt, Ricardo Gonçalves e Hermes Fontes.

Os modernistas, de uma maneira geral, não se inclinaram para esse tipo de poesia, que produziu na Alemanha, um Bertolt Brecht; na União Soviética, Maiakovisky; na Turquia, Nazim Hikmet; na França, Paul Eluard; no Chile, Pablo Neruda. Carlos Drummond de Andrade (1902), mineiro de Itabira, funcionário público hoje aposentado do Ministério da Educação, residente no Rio de Janeiro, pelas suas qualidades inatas de poeta e sensibilidade pelos problemas do povo, parecia indicado a representar no Brasil esse gênero. Com efeito a sua obra Rosa do Povo, editada em 1945, no auge do triunfo das forças democráticas sobre o fascismo e no momento da derrocada do Estado Novo, parecia o nascimento dessa nova tendência literária. A poesia social drummondiana não viveu mais do que o espaço de uma manhã, como as rosas de Malherbe. E Drummond retornou à poesia barroca, primitivista, subjetiva, em que é reconhecidamente um mestre.

Ascenço Ferreira (1895-1965), de todos os poetas modernistas foi quem esteve mais próximo das fontes populares e folclóricas. Os livros Catimbó (1927), Cana Caiana (1939) e Poemas (1951) representavam bem o sentir e o pensar dos trabalhadores do Nordeste, do seu imaginário e da sua fabulação. O poeta sempre esteve ao lado do povo em suas campanhas reivindicatórias. E tomou posições em defesa de Cuba, contra a sua invasão pelos mercenários, a serviço do Pentágono, o que lhe trouxe complicações com as autoridades militares em 1964. Mas Ascenço não evoluiu do pitoresco, nem do folclórico. Saudando Nicolas Guillen ele disse: "Eu não sou um poeta social. Sou apenas um poeta do povo".

Joaquim Cardoso (1897-1976), poeta regionalista de 1925, engenheiro de profissão e intelectual de esquerda – pertenceu à direção da Aliança Nacional Libertadora em Pernambuco – só tardiamente publicou seus poemas, em 1947. Em 1972 editou-os em forma definitiva. Ele evocava o Recife da sua mocidade, destruído pelo progresso material, ao mesmo tempo em que captava do povo mensagens folclóricas aproveitando-as em livros como Coronel de Macambira. Também não era um poeta social.
Poesia social fez circunstancialmente Mauro Mota (1912-1984) com seu poema A Tecelã, Vinícius de Moraes (1913-1981) com seu poema Operário em Construção, João Cabral de Melo Neto (1920) com o poema Morte e Vida Severina, que refletia o drama dos camponeses pobres do Nordeste; Ferreira Gullar (1930) com o poema João Boa Morte, cabra marcado para morrer, sobre a vida do campesinato pobre da Paraíba; Bandeira Tribuzzi, poeta maranhense, prematuramente desaparecido; Solano Trindade, poeta negro, que morreu de fome e de tuberculose, na maturidade, quando tanto ainda se esperava dele; Aydano Couto Ferraz, poeta baiano, recentemente falecido; Audálio Alves, poeta pernambucano; Tiago de Melo, poeta amazonense do poema Faz escuro mas eu canto; Ary de Andrade; Cláudio Tuiuti Tavares e Carrera Guerra são exemplos ainda de poesia social.

Na realidade, a "poesia social" ainda não se firmou no Brasil. Como também não lançaram raízes definitivas o "romance social" ou o "teatro social". É que, evidentemente, as condições materiais ainda não amadureceram para isso. Não existem ainda os elementos sociais de suporte de uma literatura autenticamente nacional e proletária na forma e no seu conteúdo.

Lênin dizia que em toda sociedade dividida em classes não há uma cultura única. Forma-se uma cultura das classes cultas, das elites dominantes, que dispõem dos meios de produção, e outra das classes incultas, das massas exploradas, dos que só contam com sua força de trabalho. É evidente que tal fato ocorrerá, forçosamente, no Brasil. Não esqueçamos que nas primeiras décadas do século XX, enquanto as classes cultas recitavam os versos de Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, o proletariado lia poemas de Otávio Brandão e José Oiticica. Representavam duas tendências antagônicas. Cada classe social com o seu escritor preferido.

A literatura brasileira desenvolver-se-á em futuro próximo, livre da influência nefasta do cosmopolitismo, do subjetivismo alienador e de todas as ideologias reacionárias que a entravam. Os velhos preconceitos e tabus, acumulados durante séculos, serão inteiramente superados. As prodigiosas criações do espírito humano, inclusive da inteligência brasileira, que é muito fecunda, logo estarão ao alcance das grandes massas. O contato dos escritores com os elementos populares dará à cultura nacional meios de sustentação, como ela não teve no passado. Só a partir daí teremos uma literatura autenticamente nacional e de forte conteúdo social.

* Clóvis Mello é escritor pernambucano, autor d’O ano Vermelho e outros ensaios.

BIBLIOGRAFIA
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EDIÇÃO 13, DEZEMBRO, 1986, PÁGINAS 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59