Viva a Comuna de Paris
Na madrugada do 18 de março, Paris acordou com o rebentamento do trovão de "Vive la Commune”. Que é a Comuna, essa esfinge que tanto atormenta o espírito burguês?
"Os proletários da capital" – dizia o Comitê Central em seu manifesto de 18 de Março – "no meio dos desfalecimentos e das traições das classes governamentais, compreenderam que para eles tinha chegado a hora de salvar a situação tomando nas mãos a direção dos negócios públicos (…) O proletariado (…) compreendeu que era seu dever imperioso e seu direito absoluto tomar nas mãos os seus destinos e assegurar o triunfo conquistando o poder".
Mas a classe operária não pode apossar-se simplesmente da máquina de Estado já pronta e fazê-la funcionar para os seus próprios objetivos.
O poder centralizado do Estado, com os seus órgãos presentes: exército permanente, polícia, burocracia, clero e magistratura – órgãos forjados segundo o plano de uma sistemática e hierárquica divisão de trabalho – tem origem nos dias da monarquia absoluta, a serviço da classe média nascente como arma poderosa nas suas lutas contra o feudalismo. Contudo, seu desenvolvimento permanecia obstruído por toda espécie de entulho medieval, direitos senhoriais, privilégios locais, monopólios municipais e de guilda e constituições provinciais. A gigantesca vassourada da Revolução Francesa do século XVIII levou todas essas relíquias de tempos idos, limpando assim, simultaneamente, o terreno social dos seus últimos embaraços para a superestrutura do edifício do Estado moderno erguido sob o primeiro Império, ele próprio fruto das guerras de coalizão da velha Europa semifeudal contra a França moderna.
Durante os regimes subseqüentes, o governo, colocado sob controle parlamentar – isto é, sob o controle direto das classes possidentes –, não apenas se tornou um alfobre de enormes dívidas nacionais e de impostos esmagadores; com seus irresistíveis atrativos de lugares, proventos e clientela, não apenas se tornou o pomo da discórdia entre facções rivais e aventureiros das classes dirigentes; mas o seu caráter político mudou simultaneamente com as mudanças econômicas da sociedade.
Do mesmo passo em que o progresso da indústria moderna desenvolvia, alargava, intensificava o antagonismo de classe entre capital e trabalho, o poder de Estado assumia cada vez mais o caráter do poder nacional do capital sobre o trabalho, de uma força pública organizada para a escravidão social, de uma máquina de despotismo de classe. Depois de qualquer revolução que marque uma fase progressiva na luta de classes, o caráter puramente repressivo do poder de Estado abre caminho com um relevo cada vez mais acentuado. A Revolução de 1830, que resultou na transferência de governo dos senhores de terra para os capitalistas, transferiu-se dos mais remotos para os mais diretos antagonistas dos operários. Os republicanos burgueses que, em nome da Revolução de Fevereiro, tomaram o poder de Estado, serviram-se dele para os massacres de junho, a fim de convencerem a classe operária de que a república "social" significava a República que assegurava a sua sujeição social, e a fim de convencerem a massa realista (1) da classe burguesa e dos senhores de terra de que podiam deixar com segurança os cuidados e emolumentos do governo aos "republicanos" burgueses.
Contudo, após o seu único feito heróico de Junho, os republicanos burgueses tiveram de recuar da frente para a retaguarda do "partido da ordem" – uma combinação formada por todas as frações e facções rivais de entre as classes apropriadoras, no seu antagonismo agora abertamente declarado contra as classes produtoras A forma adequada do seu governo de sociedade por ações foi a república parlamentar, com Luís Bonaparte por presidente. Foi um regime de confessado terrorismo de classe e de insulto deliberado para com a "vil multidão". Se a república parlamentar, como dizia M. Thiers, "as dividia ao mínimo" (as diferentes frações da classe dirigente) ela abria um abismo entre esta classe e o corpo inteiro da sociedade fora de suas esparsas fileiras. As restrições com que suas próprias divisões ainda tinham refreado o poder de Estado sob os regimes anteriores foram removidas com a união; e em face da ameaça de levantamento do proletariado, ela servia-se agora do poder de Estado, impiedosa e ostentosamente, como máquina de guerra nacional do capital contra o trabalho. Em sua ininterrupta cruzada contra as massas produtoras, ela foi forçada, contudo, não só a investir o executivo de poderes de repressão continuamente acrescidos mas, ao mesmo tempo, a despojar a sua própria fortaleza parlamentar – a Assembléia Nacional – de todos os seus meios de defesa, um após outro, contra o executivo. Na pessoa de Luís Bonaparte, o executivo pô-la fora. O fruto natural da república do "partido-da-ordem" foi o segundo Império.
“Depois de qualquer revolução que marque uma fase progressiva na luta de classes, o caráter puramente repressivo do poder de Estado abre caminho com um relevo cada vez mais acentuado”.
O Império, com o coup d'etat (golpe de estado), por certidão de nascimento, o sufrágio universal por sanção e a espada por cetro, declarava apoiar-se no campesinato, essa larga massa de produtores não envolvida diretamente na luta do capital e do trabalho. Declarava salvar a classe operária quebrando o parlamentarismo e, com ele, a indisfarçada subserviência do governo às classes possidentes. Declarava salvar as classes possidentes mantendo a supremacia econômica destas sobre a classe operária; e declarava, finalmente, unir todas as classes, fazendo reviver para todas a quimera da glória nacional.
Na realidade, era a única forma de governo possível num tempo em que a burguesia já tinha perdido a faculdade de governar a nação e a classe operária ainda a não tinha adquirido. Foi aclamado através do mundo como o salvador da sociedade. Sob o seu domínio, a sociedade burguesa, liberta de cuidados políticos, atingiu um desenvolvimento inesperado, até para ela própria. Sua indústria e seu comércio expandiram-se em dimensões colossais; a burla financeira celebrou orgias cosmopolitas; a miséria das massas era contrabalançada por uma exibição sem pudor de luxúria suntuosa, meretrícia e degradante. O poder de Estado, aparentemente voando alto acima da sociedade, era ele próprio, ao mesmo tempo, o maior escândalo desta sociedade e o alfobre mesmo de todas as suas corrupções. A sua própria podridão e a da sociedade que ele havia salvo foram postas a nu pela baioneta da Prússia, ela própria ávida por transferir de Paris para Berlim a sede suprema deste regime. Ao mesmo tempo, o imperialismo (2) é a forma mais prostituída e derradeira do poder de Estado que a sociedade da classe média nascente tinha começado a elaborar como um meio da sua própria emancipação do feudalismo e que a sociedade burguesa plenamente desenvolvida tinha finalmente transformado num meio para a escravização do trabalho pelo capital.
A antítese direta do Império foi a Comuna. O grito de "república social" com o qual a Revolução de fevereiro foi anunciada pelo proletariado de Paris não fez mais do que expressar uma vaga aspiração por uma república que não apenas havia de pôr de lado a forma monárquica da dominação de classe. A Com una foi a forma positiva desta república.
“O Império, com o coup d'etat (golpe de estado) por certidão de nascimento, o sufrágio universal por sansão e a espada por cetro, declarava apoiar- se no campesinato, essa larga massa de produtores não envolvida diretamente na luta do capital e trabalho”.
Paris, a sede central do velho poder governamental e, ao mesmo tempo, a fortaleza social da classe operária francesa, levantara-se em armas contra a tentativa de Thiers e dos Rurais para restaurar e perpetuar o velho poder governamental que o Império lhes legara. Paris apenas pôde resistir porque, em conseqüência do cerco, se tinha desembaraçado do exército e o tinha substituído por uma Guarda Nacional que era, na sua massa, composta por operários. Este fato tinha agora de ser transformado numa instituição. O primeiro decreto da Comuna, por isso, foi a supressão do exército permanente e a sua substituição pelo povo armado.
A Comuna foi formada por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos vários bairros da cidade, responsáveis e revogáveis a qualquer momento. A maioria dos seus membros era naturalmente operários ou representantes reconhecidos da classe operária. A Comuna havia de ser não um corpo parlamentar, mas operante, executivo e legislativo ao mesmo tempo. Em vez de continuar a ser o instrumento do governo central, a polícia foi logo despojada de seus atributos políticos e transformada em instrumento da Comuna, responsável e revogável a qualquer momento. O mesmo aconteceu com os funcionários de todos os outros ramos da administração. Desde os membros da Comuna para baixo, o serviço público tinha de ser feito em troca de salários de operários. Os direitos adquiridos e os subsídios de representação dos altos dignitários do Estado desapareceram com os próprios dignitários do Estado. As funções públicas deixaram de ser a propriedade privada dos testas-de-ferro do governo central. Não só a administração municipal, mas toda a iniciativa até então exercida pelo Estado, foram entregues nas mãos da Comuna.
Uma vez desembaraçada do exército permanente e da polícia, elementos da força física do antigo governo, a Comuna estava desejosa de quebrar a força espiritual de repressão, o "poder dos curas", pelo desmantelamento e expropriação de todas as igrejas enquanto corpos proprietários. Os padres foram devolvidos aos retiros da vida privada, para terem aí o sustento das esmolas dos fiéis, à imitação dos seus predecessores, os apóstolos. Todas as instituições educacionais foram abertas ao povo gratuitamente e ao mesmo tempo desembaraçadas de toda interferência de Igreja e Estado. Assim não apenas a educação se tornou acessível a todos, mas a própria ciência se libertou das grilhetas que os preconceitos de classe e a força governamental lhe tinham imposto.
Os funcionários judiciais haviam de ser despojados daquela falsa independência que só tinha servido para mascarar sua abjeta subserviência a todos os governos sucessivos, aos quais, um após outro, eles tinham prestado e quebrado juramento de fidelidade. Tal como os restantes servidores públicos, magistrados e juízes haviam de ser eletivos, responsáveis e revogáveis.
“O primeiro decreto da Comuna foi a supressão do exército permanente e a sua substituição pelo povo armado”.
A Comuna de Paris havia obviamente de servir de modelo a todos os grandes centros industriais da França. Uma vez estabelecido o regime comunal em Paris e nos centros secundários, o velho governo centralizado teria de dar lugar, nas províncias também, ao autogoverno dos produtores. Num esboço de organização nacional que a Comuna não teve tempo de desenvolver, estabeleceu-se claramente que a Comuna havia de ser a forma política mesmo dos mais pequenos povoados do campo, e que nos distritos rurais o exército permanente havia de ser substituído por uma milícia nacional com um tempo de serviço extremamente curto.
As comunas rurais de todos os distritos administrativos trariam os seus assuntos comuns por uma assembléia de delegados na capital de distrito e estas assembléias distritais, por sua vez, enviariam deputados à Delegação Nacional em Paris, sendo cada um deles revogável a qualquer momento e vinculado pelo mandato imperativo (instruções formais) dos seus eleitores. As poucas, mas importantes, funções que ainda restariam a um governo central não seriam suprimidas, como foi intencionalmente dito de maneira deturpada, mas executadas por agentes comunais e, por conseguinte, estritamente responsáveis. A unidade da nação não havia de ser quebrada, mas, pelo contrário, organizada pela Constituição comunal e tornada realidade pela destruição do poder de Estado, o qual pretendia ser a encarnação dessa unidade, independente e superior à própria nação, de que não era senão uma excrescência parasitária. Enquanto os órgãos meramente repressivos do velho poder governamental haviam de ser amputados, as suas funções legítimas haviam de ser arrancadas a uma autoridade que usurpava a preeminência sobre a própria sociedade e restituídas aos agentes responsáveis da sociedade. Em vez de decidir uma vez cada três ou seis anos que membro da classe governante havia de representar mal o povo no Parlamento, o sufrágio universal havia de servir o povo constituído em Comunas, assim como o sufrágio individual serve qualquer outro patrão em busca de operários e administradores para o seu negócio. E é bem sabido que as companhias, como os indivíduos, em matéria de negócio real, sabem geralmente como colocar o homem certo no lugar certo e, se alguma vez cometerem um erro, como repará-lo prontamente, Por outro lado, nada poderia ser mais estranho ao espírito da Comuna do que substituir o sufrágio universal pela investidura hierárquica.
É em geral a sorte de criações históricas completamente novas serem tomadas erradamente como a réplica de formas mais antigas e mesmo mortas da vida social, com as quais podem sustentar uma certa semelhança. Assim, esta Comuna nova, que quebra o moderno poder de Estado, foi tomada erradamente como uma reprodução das Comunas medievais que precederam, primeiro, esse mesmo poder de Estado e se tornaram, depois, o seu substrato. A Constituição Comunal foi tomada erradamente como uma tentativa para dispersar numa federação de pequenos Estados – como a sonharam Montesquieu e os Girondinos (3) – essa unidade de grandes nações que, embora realizada originalmente pela força política, agora havia se tornado um poderoso coeficiente de produção social. O antagonismo da Comuna contra o poder de Estado foi tomado erradamente como uma forma exagerada da antiga luta contra a ultracentralização. Circunstâncias históricas peculiares podem ter impedido o desenvolvimento clássico, como na França, da forma burguesa de governo; e podem ter permitido, como na Inglaterra, completar os grandes órgãos centrais de Estado por assembléias paroquiais (vestries) corruptas, por conselheiros traficantes, por ferozes administradores da assistência pública (poor-law guardians) nas cidades e por magistrados virtualmente hereditários nos condados. A Constituição Comunal teria restituído ao corpo social todas as forças até então absorvidas pelo Estado parasita, que se alimenta da sociedade e lhe estorva o livre movimento. Por este único ato ela teria iniciado a regeneração da França. A classe média francesa provincial viu na Comuna uma tentativa para restaurar a preponderância mantida por sua ordem sobre o campo, com Luís Felipe, e que foi suplantada, com Luís Napoleão, pela pretensa dominação do campo sobre as cidades. Na realidade, a Constituição Comunal colocaria os produtores rurais sob a direção intelectual das capitais dos seus distritos e estas ter-lhes-iam assegurado, nos operários, os naturais procuradores de seus interesses. A própria existência da Comuna implicava, como uma coisa evidente, liberdade municipal local, mas já não como um obstáculo ao poder de Estado, agora substituído. Só podia passar pela cabeça de um Bismarck – que , quando não comprometido em suas intrigas de sangue e ferro, gosta sempre de retomar sua velha ocupação, tão conveniente ao seu calibre mental, de colaborador do Kladderadatsch (4) (o Punch de Berlim (5) –, só em tal cabeça podia entrar o atribuir à Comuna de Paris aspirações a essa caricatura da velha organização municipal francesa de 1791 – a constituição municipal prussiana – que rebaixa os governos de cidade a meras rodas secundárias na maquinaria policial do Estado prussiano. A Comuna fez uma realidade dessa deixa das revoluções burguesas governo barato – destruindo as duas maiores fontes de despesa: o exército permanente e o funcionalismo de Estado. Sua própria existência pressupunha a não existência de monarquia que, pelo menos na Europa, é o lastro normal e o disfarce indispensável da dominação de classe. Ela fornecia à República a base de instituições realmente democráticas. Mas nem governo barato nem "República verdadeira" eram seu alvo último; eram-lhe meramente concomitantes.
A multiplicidade de interpretações a que a Comuna esteve sujeita e a multiplicidade de interesses que a explicaram em seu favor mostram que ela era uma forma política inteiramente expansiva, ao passo que todas as formas anteriores de governo marcadamente repressivas. Este era seu verdadeiro segredo: ela era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a apropriadora, a forma política, finalmente descoberta, com a qual se realiza a emancipação econômica do trabalho.
Não fosse esta última condição, a Constituição Comunal teria sido uma impossibilidade e um engano. A dominação política do produtor não pode coexistir com a perpetuação de sua escravidão social. A Comuna havia, pois, de servir como uma alavanca para extirpar os fundamentos econômicos sobre os quais assenta a existência de classes e, por conseguinte, a dominação de classe. Emancipado o trabalho, todo homem se torna um trabalhador e o trabalho produtivo deixa de ser um atributo de classe.
“Em vez de decidir uma vez, cada três ou seis anos, que membro da classe governante havia de representar mal o povo no Parlamento, o sufrágio universal havia de servir ao povo, constituído em Comunas, assim como o sufrágio individual serve a qualquer outro patrão em busca de operários e administradores para seu negócio”.
É um estranho fato. Apesar de toda a conversa grandiloqüente e toda a imensa literatura dos últimos sessenta anos sobre a Emancipação do Trabalho – assim que em qualquer parte os trabalhadores tomam o assunto em suas próprias mãos com determinação –, surge logo toda a fraseologia apologética dos porta-vozes da presente sociedade com seus dois pólos: Capital e Escravatura Assalariada (o senhor da terra não é agora senão sócio comanditário do capitalista), como se a sociedade capitalista ainda estivesse em seu mais puro estado de inocência virginal, com seus antagonismos ainda não desenvolvidos, seus enganos ainda não desmascarados, suas realidades prostituídas ainda não postas a nu. A Comuna, exclamam eles, tenciona abolir a propriedade, base de toda a civilização! Sim, senhores, a Comuna tencionava abolir toda essa propriedade de classe que faz do trabalho de muitos a riqueza de poucos.
Ela aspirava à expropriação dos expropriadores. Queria fazer da propriedade individual uma realidade transformando os meios de produção, terra e capital, agora principalmente meios de escravizar e explorar o trabalho, em meros instrumentos de trabalho livre e associado. Mas isto é comunismo, comunismo "impossível"! Ora, pois, aqueles membros das classes dominantes bastante inteligentes para perceber a impossibilidade de continuar o sistema presente – e são muitos – tornaram-se os apóstolos, inoportunos e de voz cheia da produção cooperativa. Se não cabe à produção cooperativa permanecer uma fraude e uma armadilha; se lhe cabe suplantar o sistema capitalista; se cabe às sociedade cooperativas unidas regular a produção nacional segundo um plano comum, tomando-a assim sob seu próprio controle pondo termo à anarquia constante e às convulsões periódicas que são a fatalidade da produção capitalista, que seria isto, senhores, senão comunismo, comunismo "possível"?
A classe operária não esperou milagres da Comuna. Ela não tem utopias prontas a introduzir par décret du peuple (por decreto do povo). Sabe que para realizar sua própria emancipação – e com ela essa forma superior para a qual tende irresistivelmente a sociedade presente por sua própria atividade econômica – terá de passar por longas lutas, por uma série de processos históricos que transformam circunstâncias e homens. Não tem de realizar ideais, mas libertar os elementos da sociedade nova de que está grávida a própria velha sociedade burguesa em colapso. Na plena consciência de sua missão histórica e com a resolução heróica de agir à altura dela, a classe operária pode permitir-se sorrir à inventiva grosseira dos lacaios de pena e tinteiro e ao patrocínio didático dos doutrinadores burgueses de boas intenções, que derramam suas trivialidades ignorantes e suas manias sectárias no tom oracular da infabilidade científica.
Quando a Comuna de Paris tomou a direção da revolução em suas próprias mãos; quando simples operários ousaram pela primeira vez infringir o privilégio governamental dos seus "superiores naturais" e, em circunstâncias de dificuldades sem exemplo, executaram sua obra modestamente, conscienciosa e eficazmente – executaram-na com salários, o mais elevado dos quais mal atingia, segundo uma alta autoridade científica (6), um quinto do mínimo requerido para uma secretária de certo conselho escolar de Londres – o velho mundo contorceu-se em convulsões de raiva, à vista da Bandeira Vermelha, símbolo da República do Trabalho, a flutuar sobre o Hotel de Ville.
“Na realidade, a Constituição Comunal colocaria os produtores rurais sob a direção intelectual das capitais de seus distritos e estas ter-lhes-iam assegurado, nos operários, os naturais procuradores de seus interesses”.
E, contudo, era a primeira revolução em que a classe operária era abertamente reconhecida como a única classe capaz de iniciativa social, mesmo pela grande massa da classe média de Paris – lojistas, comerciantes, negociantes – excetuados só os capitalistas ricos. A Comuna tinha salvo aqueles por uma sagaz regulamentação dessa causa permanentemente repetida de disputa entre as próprias classes médias: as contas de dever e haver (7). A mesma parte da classe média, depois de ter ajudado a derrotar a insurreição operária de Junho de 1848, foi logo sacrificada sem cerimônias aos seus credores (8) pela então Assembléia Constituinte. Mas este não era seu único motivo para se juntar agora em torno da classe operária. Ela sentia que só havia uma alternativa – a Comuna ou o Império – qualquer que fosse o meio com que pudesse reaparecer. O Império tinha-a arruinado economicamente pela devastação que fez da riqueza pública, pela burla financeira em grande escala, que encorajou, pelos adereços que emprestou à centralização artificialmente acelerada de capital e pela expropriação concomitante em suas próprias fileiras. Ele a tinha suprimido politicamente, a tinha escandalizado moralmente por suas orgias, tinha insultado seu voltairianismo ao entregar a educação de seus filhos aos frères Ignorantins (9), tinha revoltado seu sentimento nacional francês ao precipitá-lo de cabeça numa guerra que só deixava um equivalente para as ruínas que fizera: o desaparecimento do Império. De fato, após o êxodo de Paris de toda a alta boêmia bonapartista e capitalista, o verdadeiro partido da ordem da classe média apareceu na forma da "Union Républicaine (10), alistando-se sob as cores da Comuna e defendendo-a contra a deturpação premeditada de Thiers. O tempo terá de mostrar se a gratidão deste grande corpo da classe média resistirá à severa prova atual.
Se a Comuna era, assim, o verdadeiro representante de todos os elementos sãos da sociedade francesa e, portanto, o verdadeiro governo nacional, ela era ao mesmo tempo, como governo de operários, como campeã intrépida da emancipação do trabalho, expressivamente internacional. À vista do exército prussiano, que tinha anexado à Alemanha duas províncias francesas, a Comuna anexava à França o povo trabalhador do mundo inteiro.
“Sim, senhores, a Comuna tencionava abolir toda essa propriedade de classe que faz do trabalho de muitos a riqueza de poucos. Ela aspirava à expropriação dos expropriadores”.
O segundo Império tinha sido o jubileu da vigarice cosmopolita, com os devassos de todos os países a precipitarem-se ao seu chamamento para participar em suas orgias e na pilhagem do povo francês. Mesmo neste momento, o braço direito de Thiers é Ganesco, o valáquio imundo, e seu braço esquerdo é Markovski, o espião russo. A Comuna concedeu a todos os estrangeiros a honra de morrer por uma causa imortal. Entre a guerra estrangeira, perdida pela traição da burguesia, e a guerra civil, provocada por sua conspiração com o invasor estrangeiro, a burguesia tinha encontrado tempo para exibir o seu patriotismo organizando caçadas policiais aos alemães na França. A Comuna fez de um operário alemão (11) o seu ministro do Trabalho. Thiers. a burguesia e o segundo Império tinham continuamente enganado a Polônia com ruidosas profissões de simpatia, entregando-a, na realidade, à Rússia, e fazendo o trabalho sujo desta. A Comuna honrou os filhos heróicos da Polônia (12) colocando-os à cabeça dos defensores de Paris. E, para marcar amplamente a nova era da história que ela estava consciente de iniciar, a Comuna deitou abaixo esse símbolo colossal da glória marcial, a coluna Vendôme (13), sob os olhos dos vencedores prussianos, por um lado, e do exército bonapartista dirigido por generais bonapartistas, por outro.
A grande medida social da Comuna foi a sua própria existência atuante. As suas medidas especiais não podiam senão denotar a tendência de um governo do povo pelo povo. Tais foram a abolição do trabalho noturno dos oficiais de padaria; a proibição, com penalização, da prática dos patrões que consistia em reduzir salários cobrando multas às pessoas que trabalham para eles, sob variados pretextos – um processo em que o patrão combina na sua própria pessoa os papéis de legislador, de juiz e de executor, e surrupia o dinheiro para seu bolso. Outra medida desta espécie foi a entrega a associações de operários, sob reserva de compensação de todas as oficinas e fábricas fechadas, quer os capitalistas respectivos tivessem fugido quer tivessem preferido parar o trabalho.
As medidas financeiras da Comuna, notáveis por sua sagacidade e moderação, só podiam ser as que eram compatíveis com o estado de uma cidade cercada. Considerando os roubos colossais cometidos sobre a cidade de Paris pelas grandes companhias financeiras e pelos empreiteiros, com a proteção de Haussmann (14), a Comuna teria tido um direito (title) incomparavelmente melhor para lhes confiscar a propriedade do que Luís Napoleão teve contra a família Orléans. Os Hohenzollern e os oligarcas ingleses, que colheram, uns e outros, uma grande parte de suas propriedades da pilhagem da Igreja, ficaram grandemente chocados, naturalmente, com os apenas 8 mil francos retirados pela Comuna da secularização.
Enquanto o governo de Versalhes mal havia recuperado algum ânimo e alguma força, usava os meios mais violentos contra a Comuna; enquanto suprimia a livre expressão da opinião por toda a França, proibindo mesmo reuniões de delegados das grandes cidades; enquanto submetia Versalhes e o resto da França a uma espionagem que ultrapassou de longe a do segundo Império; enquanto fazia queimar pelos seus inquisidores – gendarmes – todos os jornais impressos em Paris e inspecionava toda a correspondência de, e para, Paris; enquanto na Assembléia Nacional as mais tímidas tentativas para colocar uma palavra a favor de Paris eram submergidas em gritaria, de uma maneira desconhecida mesmo da Chambre introuvable de 1816 (15), com a guerra selvagem de Versalhes fora de Paris e, dentro, suas tentativas de corrupção e conspiração – não teria a Comuna atraiçoado vergonhosamente a sua segurança, pretendendo respeitar todas as boas maneiras e aparências de liberalismo como num tempo de profunda paz? Tivesse o governo da Comuna sido semelhante ao de M. Thiers e não teria havido mais ocasião para suprimir jornais do partido da ordem em Paris do que houve para suprimir jornais da Comuna em Versalhes.
Era, na verdade, irritante para os Rurais que, no próprio momento em que declaravam ser o regresso à Igreja o único meio de salvação da França, a Comuna infiel desenterrasse os mistérios peculiares do convento de freiras de Picpus e da Igreja de Saint-Laurent (16). Era uma sátira contra M. Thiers o fato de – enquanto ele fazia chover grã-cruzes sobre os generais bonapartistas, em reconhecimento por sua maestria a perder batalhas, a assinar capitulações e a enrolar cigarros em Wilhelmshohe (17) – a Comuna demitir e prender os seus generais sempre que eram suspeitos de negligências para com os seus deveres. A expulsão e prisão, pela Comuna, de um de seus membros (18), que nela se tinha esgueirado sob um falso nome e sofrido seis dias de prisão em Lyon por bancarrota simples, não era um insulto deliberado, atirado a Jules Favre, o falsário, então ainda ministro dos Negócios Estrangeiros da França, ainda a vender a França a Bismark e ainda a ditar suas ordens a esse governo-modelo da Bélgica? Mas, na verdade, a Comuna não aspirava à infalibilidade, o atributo invariável de todos os governos de velho cunho. Ela publicava seus ditos e feitos, inteirava o público de todas as suas falhas.
“E, contudo, era a primeira revolução em que a classe operária era abertamente reconhecida como a única classe capaz de iniciativa social, mesmo pela grande massa da classe média de Paris – lojistas, comerciantes, negociantes – excetuados só os capitalistas ricos”.
Em cada revolução intrometem-se ao lado dos seus representantes verdadeiros, homens de um cunho diferente; alguns deles sobreviventes e devotos de revoluções passadas, sem discernimento do movimento presente, mas conservando influência popular pela sua honestidade e coragem conhecidas ou pela simples força da tradição; outros, meros vociferadores que, à força de repetir ano após ano o mesmo sortido de declamações estereotipadas contra o governo do dia, se insinuaram na reputação de revolucionários da primeira água. Depois de 18 de Março também surgiram tais homens e, em alguns casos, imaginaram desempenhar papéis proeminentes. A tanto quanto chegou o seu poder, estorvaram a ação real da classe operária, exatamente como homens desta espécie tinham estorvado o pleno desenvolvimento de cada revolução anterior. São um mal inevitável: com o tempo são sacudidos; mas tempo não foi concedido à Comuna.
Prodigiosa, na verdade, foi a mudança que a Comuna operou em Paris! Não mais qualquer traço de Paris prostituída do segundo Império. Paris já não era o ponto de encontro dos senhores de terra britânicos, dos absenteístas irlandeses (19), dos ex-escravistas e ricos feitos à pressa (20) americanos, dos ex-proprietários de servos russos e dos boiardos valáquios. Não mais cadáveres na morgue nem arrombamentos noturnos, quase nenhum rubo; de fato, pela primeira vez desde os dias de Fevereiro de 1848, as ruas de Paris eram seguras, e isto sem qualquer polícia de qualquer espécie.
"Já não ouvimos falar", dizia um membro da Comuna, "de assassínios, de roubos nem de agressões; dir-se-ia que a polícia levou mesmo com ela para Versalhes toda a sua clientela conservadora”."
As cocottes (21) tinham reencontrado o rastro dos seus protetores – os homens de família, de religião e, acima de tudo, de propriedade, em fuga. Em vez daquelas, as verdadeiras mulheres de Paris apareceram de novo à superfície, heróicas, nobres e dedicadas, como as mulheres da antiguidade. A Paris operária, pensante, combatente, a sangrar quase esquecida, na sua incubação de uma sociedade nova, dos canibais às suas portas – radiante no entusiasmo da sua iniciativa histórica! Oposto a este mundo novo em Paris, observe-se o mundo velho em VersaIhes – essa assembléia dos vampiros de todos os regimes defuntos, legitimistas e orleanistas, ávidos de se alimentarem da carcaça da nação – com uma cauda de republicanos antediluvianos, sancionando com a sua presença na Assembléia a rebelião dos escravistas, fiando-se, para a manutenção da sua república parlamentar na vaidade do charlatão senil à sua cabeça, e caricaturando 1789 ao realizarem as suas reuniões de espectros no Jeu de Paume (22). Ali estava ela, essa Assembléia, a representante de tudo o que estava morto na França, mantida numa aparência de vida só pelos sabres dos generais de Luis Bonaparte. Paris toda ela verdade, Versalhes toda ela mentira; e essa mentira exalada pela boca de Thiers.
Thiers diz a uma deputação de presidentes de município de Seine-et-Oise:
"Podeis contar com minha palavra, nunca faltei a ela”.
Diz à própria Assembléia que "ela é mais livremente eleita e a mais liberal que a França teve alguma vez"; diz a sua soldadesca heterogênea que ela era "a admiração do mundo e o mais belo exército que a França teve alguma vez"; diz às Províncias que o bombardeamento de Paris por ele era um mito:
"Se foram atirados alguns tiros de canhão, não foi pelo exército de Versalhes, mas por alguns insurretos, para fazer crer que se batem quando nem sequer ousam mostrar-se”.
Diz outra vez às Províncias:
"A artilharia de Versalhes não bombardeia Paris, apenas a canhoneia".
Diz ao arcebispo de Paris que as pretensas execuções e represálias (!) atribuídas às tropas de Versalhes era tudo disparate. Diz a Paris que só estava ansioso "por libertá-la dos horríveis tiranos que a oprimem” e que, na realidade, a Paris da Comuna não era "mais do que um punhado de celerados".
A Paris de M. Thiers não era a Paris real da "vil multidão", mas uma Paris fantasma. a Paris dos franc-fileurs (23), a Paris macho e fêmea dos Boulevards – a Paris rica, capitalista, dourada, preguiçosa, que se apinhava agora em Versalhes, Sainte-Denis, Rueil e Saint Germain com os seus lacaios, os seus fura-greves, a sua boêmia literária e suas cocottes; que considerava a guerra civil só uma diversão agradável, que olhava o desenrolar da batalha através de telescópios, que contava os tiros de canhão e jurava por sua própria honra e pela de suas prostitutas que o espetáculo estava de longe mais bem montado do que o que costumava ser à Porte-Saint-Martin. Os homens que caíam estavam realmente mortos; os gritos dos feridos eram gritos mesmo a sério; e, além disso, a coisa era toda ela tão intensamente histórica.
É esta a Paris de M. Thiers, a emigração de Koblenz era a França de M. de Calonne (24). Notas:
(1) Isto é, partidária da realeza.
(2) Aqui no sentido de dominação imperial (Nota da edição portuguesa).
(3) Girondinos: na grande revolução burguesa francesa de fins do século XVIII, partido da grande burguesia (deve sua designação ao departamento da Gironda), atuou contra o governo jacobino e as massas revolucionárias que o apoiavam sob a bandeira da defesa dos direitos dos departamentos à autonomia e à federação.
(4) Kladderadatsch: semanário satírico ilustrado, editado em Berlim desde 1848.
(5) Punchu, or the London Charivari (Polichinelo, ou o Charivari de Londres): semanário humorístico inglês de tendência liberal burguesa, publicado em Londres a partir de 1841.
(6) Professor Huxley (Nota da edição alemã de 1871).
(7) Trata-se do decreto da Comuna de Paris de 16 de Abril de 1871 prorrogando por três anos o prazo de pagamentos de todas as dívidas e abolindo o pagamento de juros por elas.
(8) Marx alude à rejeição pela Assembléia Constituinte em 22 de Agosto de 1848 do projeto de lei sobre as "concordatas amigáveis" (concordatas à l'amiable), que previa o adiamento do pagamento das dívidas. Em conseqüência disto uma parte significativa da pequena-burguesia caiu em ruína e ficou na dependência dos credores, membros da grande burguesia.
(9) Frères ignorantis (Irmãos ignorantes): designação de uma ordem religiosa que surgiu em Reims em 1680, cujos membros se dedicavam a ensinar crianças pobres; nas escolas da ordem os alunos recebiam sobretudo uma educação religiosa, adquirindo conhecimentos muito exíguos dos outros domínios.
(10) Union republicaine des départatements (União Republicana dos Departamentos): organização política composta por representantes das camadas pequeno-burguesas, oriundos das diversas regiões de França e que viviam em Paris, que apelou para a luta contra o governo de Versalhes e a Assembléia Nacional monárquica e para o apoio à Comuna de Paris em todos os departamentos.
(11) Leo Frankel.
(12) J. Dombrowski e W. Wróblewski.
(13) A Coluna Vendôme foi construida em 1806-1810 em Paris em honra das vitórias da França Napoleônica; foi fundida com o bronze dos canhões inimigos capturados e era encimada por uma estátua de Napoleão. A 16 de Maio de 1871, por decisão da Comuna de Paris, ela foi derrubada.
(14) Durante o segundo império, o barão de Haussmann foi prefeito do Departamento do Sena, isto é, da Cidade de Paris. Introduziu uma quantidade de alterações no plano da cidade com o propósito de facilitar o esmagamento de insurreições operárias (Nota da edição russa de 1905, publicada sob a direção de V.I. Lênin).
(15) "Chambre introuvable" ("Câmara Impossível de encontrar"); Câmara dos Deputados da França em 1815-1816 (primeiros anos do regime da Restauração), composta por ultra-reacionários.
(16) No Convento de Picpus foram descobertos casos de reclusão de freiras em celas durante muitos anos; foram encontrados também instrumentos de tortura; na Igreja de Saint-Laurent foi descoberto um cemitério clandestino, prova de que eram cometidos assassínios. A Comuna divulgou esses fatos no jornal Mot d'Ordre (Palavra de Ordem) de 5 de Maio de 1871, e também na brochura Les crimes des congrégations religieuses (Os Crimes das Congregações Religiosas).
(17) A principal ocupação dos prisioneiros de guerra franceses em Wilhelmshohe era fazer cigarros para uso próprio.
(18) Blanchet.
(19) Absenteístas: grandes proprietários fundiários que habitualmente não viviam em suas propriedades, que eram administradas por agentes rurais ou arrendadas a intermediários especuladores que, por sua vez, as entregavam em subarrendamento, em condições leoninas, a pequenos rendeiros.
(20) No original: "shoddy aristocrats". Shoddy: restos de algodão que ficam nos pentes depois da cardagem, matéria inutilizável e sem qualquer valor até que se encontrou um meio de tratamento e aproveitamento da mesma. Na América chama-se shoddy aristocrats aos homens que tinham enriquecido rapidamente com a guerra civil.
(21) Em francês no texto: cocotes (Nota da edição portuguesa).
(22) Em francês no texto: jogo da Pela (Sala de jogos onde a Assembléia Nacional de 1789 tomou as suas célebres decisões – a 9 de Julho de 1789 a Assembléia Nacional proclamou-se Assembléia Constituinte e realizou as primeiras transformações antifeudais e antiabsolutistas – Nota de Engels à edição alemã de 1871).
(23) Francs-fileurs (literalmente "franco-fugitivos"): alcunha desdenhosa dada aos burgueses parisienses que fugiram da cidade durante o cerco. A alcunha tinha um caráter irônico dada a sua analogia com a palavra francs-tireurs (franco-atiradores), designação dos guerrilheiros franceses que participaram ativamente na luta contra os prussianos.
(24) Koblenz: cidade da Alemanha. Durante a revolução burguesa francesa de fins do século XVIII foi o centro da emigração da nobreza monárquica e da preparação da intervenção contra a França revolucionária. Em Koblenz encontrava-se o governo emigrado chefiado por Calonne, ultra-reacionário, ex-ministro de Luis XVI.
EDIÇÃO 13, DEZEMBRO, 1986, PÁGINAS 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14