Enver Hoxha, defensor do marxismo-leninismo
Ao longo de mais de 50 anos de militância comunista, assumindo tarefas gigantescas e complexas, enfrentando as mais diversas dificuldades e aceitando os grandes desafios do seu tempo, traduzidos em inumeráveis batalhas de classes, Enver Hoxha fundiu seu nome ao do seu povo. Temperado ideologicamente no fogo da revolução, no estudo sistemático e profundo da ciência social mais avançada, no exercício da vida orgânica e da direção partidária, ele converteu-se num líder proletário e socialista da estatura dos grandes dirigentes históricos ás classe operária.
O estudo da experiência da revolução popular e da construção do socialismo na Albânia mostra a formação e a evolução de um pensador marxista-leninista que soube iluminar a prática com a teoria e, inversamente, fazer generalizações a partir da prática. Não é pequena a bibliografia de Enver Hoxha. Cerca de 60 volumosos tomos que escreveu contêm profundos estudos, análises multilaterais e acertadas conclusões sobre candentes problemas em todos os domínios do conhecimento e da ação social. Particularmente no terreno da tática e estratégia da revolução, da construção do socialismo, dos princípios de organização do Partido e do Estado, da política internacional e da luta contra o revisionismo, Enver Hoxha dá contribuições originais e enriquecedoras do acervo teórico do movimento comunista.
A atividade de Enver Hoxha para fundar o Partido, organizar e dirigir a luta de libertação nacional desenvolveu-se em condições muito particulares. Nos anos 30 reinava nas fileiras revolucionárias e no movimento comunista da Albânia a confusão ideológica e a dispersão orgânica. Não eram poucas as idéias falsas e as posições políticas pseudomarxistas no interior dos grupos que deram origem ao Partido. Desde então a lucidez de Enver Hoxha se fez sentir. Ele viu com perspicácia que o Partido só desempenharia seu papel e cumpriria a missão de vanguarda da classe operária e do povo oprimido se sua criação fosse o resultado de um amadurecimento político e ideológico, jamais da conciliação oportunista de concepções antagônicas — a proletária e a pequeno-burguesa. A garantia para que o Partido não surgisse com esse "pecado original* foi a elaboração de uma linha geral única, sobre bases científicas marxista-leninistas e a adoção dos princípios leninistas de organização. Isto cimentou a unidade política, ideológica e orgânica das fileiras comunistas e deu solidez à nascente organização.
A revolução na Albânia não triunfaria se a direção adotasse uma orientação dogmática, copiasse modelos externos e não levasse em conta as condições do país e do momento histórico. Ali a luta emancipadora realizava-se com dois condicionantes: de um lado, o subdesenvolvimento estrutural do país, à época o mais atrasado da Europa. A economia era fundamentalmente agrária. A classe operária pouco numerosa e dispersa em pequenos estabelecimentos fabris. Por outro lado, o país estava ocupado militarmente pelas potências fascistas (Alemanha e Itália). Nessas condições, a revolução na Albânia assumiu o caráter de luta de libertação nacional. Com Enver Hoxha à frente, o Partido elaborou sua linha política, a estratégia e a tática da revolução, tendo em conta que o inimigo principal eram os fascistas italianos e alemães e os setores internos a eles aliados. O centro da orientação tática era unir o povo em torno de uma organização de massas ampla — a Frente de Libertação Nacional. O objetivo imediato da luta era a expulsão dos ocupantes fascistas e a conquista de uma Albânia livre e democrática.
Qual deveria ser o caminho da revolução, quais as formas e os métodos de luta? Na resposta a essa questão e na experiência vivida na Albânia despontou mais uma vez a argúcia e a ousadia do pensamento de Enver Hoxha. Nas condições históricas concretas em que ocorreu a luta revolucionária na Albânia, a tomada do poder não poderia se dar através de um levantamento armado rápido e único. A revolução foi uma multiplicidade de ações, um processo complexo que amadureceu a partir das manifestações de massas antifascistas, das ações ousadas nas cidades, das escaramuças dos grupos guerrilheiros, até se transformar, após a organização e o crescimento do Exército de Libertação Nacional, em insurreição geral popular.
De grande significado na obra de Enver Hoxha são as suas generalizações acerca da construção do socialismo proletário num país agrário e atrasado. Pode-se dizer, sem exagero, que ele resgata, com posições leninistas, uma das mais importantes polêmicas do movimento comunista, persistente ainda nos nossos dias. Pode uma revolução popular vitoriosa conduzir um país atrasado ao socialismo, ou o socialismo é um objetivo distante, somente possível se se desenvolvem anteriormente em sua plenitude as estruturas capitalistas?
Em última instância foi esta a polêmica de Lênin com Kautsky, Plekhanov e Trotsky. Esta no fundo foi a essência do enfrentamento de Stálin com Bukharin. Se tomarmos como referencial experiências como as da China, da Iugoslávia e das mais recentes lutas de libertação nacional e revoluções populares, como os processos de descolonização da África, a guerra do Vietnã, a revolução sandinista da Nicarágua etc, chegaremos à conclusão de que não se trata de uma questão menor. A prevalência de um ponto de vista pequeno-burguês ou socialista proletário na solução desse problema é definidora dos rumos da revolução. Depende disso seu avanço, truncamento ou retrocesso. Isto está historicamente comprovado desde a revolução russa de 1917.
Segundo Enver Hoxha, "na época do imperialismo, quando se criou o sistema mundial da economia capitalista, quando amadureceram em seu conjunto as condições para a revolução socialista, o atraso econômico de um determinado país não constitui um obstáculo insuperável para o triunfo da revolução democrática e sua rápida transformação em revolução socialista". Enver acreditou na "possibilidade prática e real da transição direta dos países atrasados do velho regime feudal-burguês (caso da Albânia) ao socialismo, superando a etapa do capitalismo desenvolvido".
Tomado o poder político, ato contínuo destruiu-se a base econômica dos latifundiários e da burguesia, a partir da ofensiva sobretudo contra as classes dominantes colaboracionistas. O Partido elaborou um plano para socializar os meios de produção, primeiro nas cidades, depois no campo, através de um complexo e arrojado processo de coletivização. Foi o estabelecimento das relações de produção socialistas que impulsionou o desenvolvimento das forças produtivas, tirou o país do atraso e viabilizou a construção do socialismo. Nada disso foi feito espontaneamente, mas a partir de um plano marxista-leninista, para o qual a contribuição de Enver Hoxha foi decisiva.
Outra importante questão da revolução albanesa que exigiu sis-tematização dos princípios marxistas-leninistas por Enver Hoxha e pelo PCA foi a do poder político. Em muitos dos seus escritos do período da luta de libertação nacional, Enver Hoxha explicitou que a conquista do poder político pelo proletariado, dirigido por seu partido de vanguarda, era o problema-chave da revolução. Este é, aliás, um ensinamento que vem da época de Marx, da Comuna de Paris e posteriormente, da revolução russa. Nisso também apareceram particularidades. Durante a luta de libertação nacional o poder popular surgiu embrionariamente sob a forma de conselhos de libertação nacional nas regiões libertadas. Enver Hoxha definia esses conselhos como "órgãos da luta e da revolução, bases do regime democrático". A vitória da revolução popular, a implantação do novo poder a nível nacional, assinalou o cumprimento da primeira etapa da revolução — antifeudal, antiimperialista e democrática e iniciou a transição rumo ao socialismo. Enver dirigiu pessoalmente a criação do poder popular. Esteve à frente da organização do Congresso antifascista de libertação nacional que em 24 de maio de 1944 proclamou a fundação do Estado de democracia popular. Ele compreendeu que, vitoriosa a revolução, o povo só se manteria no poder se este novo Estado evoluísse para uma democracia de tipo superior, com a hegemonia da classe operária — a ditadura do proletariado.
Vemos, assim, que a passagem de uma etapa a outra da revolução, traduzida nas primeiras medidas estruturais nos campos econômico e político, constituem uma aplicação criadora da teoria leninista da revolução. É uma experiência que se mostrou valiosa pelos resultados que deu e pedagógica pelos ensinamentos que encerra.
Enver Hoxha marcou a sua passagem na História também como resoluto defensor da soberania nacional, da integridade territorial do seu país. Já nos referimos ao caráter democrático e popular da revolução albanesa. É necessário dizer também do caráter nacional desta revolução, durante a guerra e depois dela. O povo albanês tem antiga tradição de pugna pela independência nacional, uma experiência multissecular de refregas com ocupantes de várias origens. Essa experiência acumulada se fez sentir com toda a sua força quando os exércitos de Mussolini e Hitler invadiram o território albanês. O povo se uniu como um punho e atendeu ao chamado do Partido para derrotar o inimigo externo. Mas a luta contra as ameaças do imperialismo à soberania nacional não terminaram com o triunfo da revolução. Em certo sentido ela até se exacerbou. Mudou apenas na forma e na correlação de forças. Agora tratava-se do combate de um povo no poder em defesa do seu país, da liberdade e da independência conquistadas com sangue.
Uma grande batalha nesse sentido foi o esforço contra as pressões, intervenções e chantagens do imperialismo anglo-americano. O Movimento de Libertação Nacional na Albânia foi parte da grande coalizão de forças formada mundialmente para derrotar as potências do eixo nazi-fascista representado pela Alemanha, a Itália e o Japão. Objetivamente, durante a guerra, Estados Unidos e Inglaterra foram aliados do movimento de libertação nacional. Mas Enver Hoxha tinha clareza de que esta aliança era limitada e que, vencida a guerra, inevitavelmente se romperia. "Sabemos quem são os anglo-americanos — dizia Enver Hoxha — e não esquecemos em nenhum momento que são capitalistas, que estão contra o comunismo, contra o socialismo; nem eles esquecem quem somos nós, nem nós esquecemos quem são eles. Agora estamos aliados a eles contra o fascismo italiano e o nazismo alemão e permaneceremos fiéis a esta aliança."
As missões anglo-americanas, logo após a guerra, de tudo fizeram para impedir a implantação do socialismo na Albânia. Queriam uma monarquia constitucional encabeçada pelo rei Zogu, que estava exilado na Inglaterra. Não fosse a atitude firme de Enver Hoxha à frente do PTA, se repetiria na Albânia a triste história da Grécia e da Iugoslávia.
Esta posição independente, aliada a uma correta linha internacionalista constituíram os fundamentos para a elaboração da política externa do novo Estado albanês, baseada no princípio da autodeterminação e da soberania, na luta contra o intervencionismo das grandes potências e na solidariedade com os povos.
Enver Hoxha forjou-se como dirigente do movimento comunista internacional com a luta desencadeada contra o revisionismo contemporâneo e em defesa dos princípios do marxismo-leninismo. Não foi um debate acadêmico, apenas no campo teórico, ou um combate a partir de posições nacionalistas. Foi um embate histórico da dimensão do que Lênin moveu contra os oportunistas da segunda Internacional. Foi a expressão do agravamento da luta de classes a nível internacional, a reação do proletariado à tentativa de destruição do socialismo.
As circunstâncias históricas colocaram o PTA e Enver Hoxha à frente dos verdadeiros marxistas-leninistas nessa peleja de vida ou morte para o socialismo proletário.
Enver Hoxha jogou um papel de proa, ao lado de Stálin, para desmascarar o revisionismo titista. Nos cinco encontros que tiveram nos finais dos anos 40, Enver e Stálin trocaram impressões sobre o progressivo afastamento de Tito do marxismo-leninismo e do campo socialista. Anos mais tarde, em muitos escritos, sobretudo em "O Imperialismo e a Revolução", "O Eurocomunismo é anticomunismo", "A autogestão iugoslava — teoria e prática capitalistas", e "Os Titistas", Enver disseca o revisionismo iugoslavo, demole um a um os argumentos de Tito e Kardelj, seus mentores, e avança importantes conclusões sobre a construção do socialismo. "O revisionismo iugoslavo — diz Enver Hoxha —, a primeira corrente que representa o revisionismo no poder, surgiu num momento chave da luta entre o socialismo e o imperialismo. Desde o princípio o imperialismo norte-americano e toda a reação mundial viram no titismo o caminho, a ideologia e a política que conduziam à degeneração dos partidos comunistas dos países socialistas, à cisão e à destruição da unidade do movimento comunista internacional, à sabotagem da revolução e das lutas de libertação nacional. Por isso o imperialismo e a reação apoiaram com todas as suas forças e meios os renegados de Belgrado, os mantiveram vivos e os orientaram para que, conservando alguns remendos 'socialistas', servissem como meio de diversionismo para a destruição dos demais." Uma das páginas mais gloriosas da contenda entre o marxismo-leninismo e o revisionismo contemporâneo foi escrita por Enver Hoxha quando os kruschovistas destruíram o principal baluarte da revolução e do socialismo — o Partido Comunista da União Soviética. Nos discursos, conferências, artigos e livros que escreveu sobre o revisionismo kruschovista encontram-se uma sistematização e uma análise profunda das características, das causas, das formas e das raízes de classe do revisionismo contemporâneo. Em seu conjunto esses escritos marcam um salto no grau de elaboração teórica do movimento comunista mundial, depois da morte de Stálin. A opinião fundamentada de Enver foi decisiva para esclarecer os partidos comunistas que se mantiveram fiéis à doutrina do proletariado, numa época e num ambiente em que se alastravam a descrença, a confusão e o desencanto nas fileiras revolucionárias. Um momento alto dessa luta foi a Reunião dos 81 partidos comunistas e operários realizada em Moscou em novembro de 1960. Ali, no covil do inimigo, numa plenária francamente hostil comandada pela batuta de Kruschov, Enver defendeu a teoria marxista-leninista, desmascarou as tergiversações revisionistas dos soviéticos e seus seguidores e fez um vibrante chamamento à unidade das fileiras comunistas no plano mundial em torno do socialismo científico e do marxismo-leninismo.
Enver sustentou em seus escritos que "O surgimento do revisionismo contemporâneo, assim como do velho revisionismo, constitui um fenômeno social condicionado por diferentes e numerosas causas históricas, econômicas, políticas etc. Considerado em seu conjunto, este fenômeno é produto da pressão da burguesia sobre a classe operária e sua luta. O oportunismo e o revisionismo têm estado estreitamente vinculados, desde o início, à luta da burguesia e do imperialismo contra o marxismo-leninismo, têm sido parte integrante da grande estratégia capitalista orientada para minar a revolução e perpetuar a ordem burguesa".
O dirigente albanês compreendeu a dimensão do desastre que representou a degeneração revisionista da URSS. "A traição kruschovista — dizia ele — significou para o socialismo e o movimento revolucionário e de libertação dos povos o golpe mais duro e perigoso que até então haviam conhecido. Converteu o primeiro país socialista e grande centro da revolução mundial num país imperialista e em foco da contra-revolução. As repercussões desta traição em nível nacional e internacional foram verdadeiramente trágicas."
Outras correntes do revisionismo contemporâneo, como o chamado eurocomunismo e o maoísmo também passaram pelo crivo da crítica demolidora de Enver Hoxha. Por muito tempo os chineses tentaram impingir ao movimento revolucionário o "pensamento Mao tsé tung" como a última palavra da teoria da revolução, como a terceira etapa do marxismo-leninismo que se teria transformado em "marxismo-leninismo-maoísmo". Enver demonstrou que esse suposto desenvolvimento ulterior da teoria do proletariado não passava de uma tentativa de mascarar a interrupção do processo revolucionário chinês, estancado na primeira etapa, sem chegar a dar o salto para o socialismo. E de dotar o "grande estado chinês" de uma plataforma a fim de disputar a hegemonia mundial com o imperialismo norte-americano e o social imperialismo soviético.
Quanto ao "eurocomunismo", Enver denunciou-o como anticomunismo sem disfarces, como uma ideologia de submissão do movimento operário à burguesia. Analisando a fundo as posições dos partidos comunistas da França, da Itália e da Espanha, arautos do "eurocomunismo", Enver chegou à conclusão de que o "socialismo" pelo qual lutavam não passa de um arremedo de nova sociedade, na verdade uma simples reforma do capitalismo atual.
Nos dias atuais, marcados por infrene ofensiva da reação contra o socialismo proletário, quando è urdida, através de métodos sofisticados, a mais aparatosa campanha anticomunista, quando os revisionistas intensificam o processo de retorno ao capitalismo, com a chamada "glasnost-perestroika" de Mikhail Gorbachev, a obra de Enver Hoxha reveste-se de valor e significado ainda maiores para o proletariado e o movimento comunista. Nela, os homens de vanguarda têm à sua disposição seguros ensinamentos para não cair nas armadilhas lançadas pela burguesia e indicações precisas para forjar a plataforma de luta que orientará os oprimidos de todo o Globo no caminho da revolução e da conquista de um mundo novo.
* José Reinaldo de Carvalho, jornalista, editor da Princípios.
EDIÇÃO 16, DEZEMBRO, 1988, PÁGINAS 12, 13, 14, 15, 16