A perestroika ressuscitou o chauvinismo grão-russo
O terremoto nacionalista teve seu epicentro recente na República da Geórgia. Ali uma manifestação nacionalista foi massacrada por tropas russas com um resultado de dezenove mortos e mais de duzentos feridos, na praça principal de Tiblisi, a capital.
Mas data do ano passado o agravamento dos conflitos. Em fevereiro e março de 1988, aproximadamente 1 milhão de pessoas foram diariamente às ruas de Erivan, capital da república da Armênia, apoiar a anexação do território de Nagorno-Karabakh à Armênia. Para se entender melhor o problema, Nagorno-Karabakh é um enclave de maioria de população armênia, dentro do território do Azerbaidjão. A maioria dos armênios de Nagorno-Karabakh quer o retorno à administração armênia, o que não é desejado pelo Azerbaidjão. A disputa criou uma situação singular, colocando o Soviete Supremo e o Partido Comunista (revisionista) da Armênia contra o Soviete Supremo e o Partido do Azerbaidjão. Depois de vários conflitos de rua, com dezenas de mortos, Gorbachev interveio, retirou o chefe do partido em Nagorno-Karabakh e colocou um interventor em seu lugar.
A animosidade entre armênios e azerbaidjãos chegou a tal nível que quando um terremoto arrasou o norte da Armênia, dezembro último, os azerbaidjãos muçulmanos saíram às ruas de Baku (capital) festejando o desastre e atribuindo a um castigo de Alá os 50 mil mortos e 500 mil desabrigados armênios.
A Estônia, Letônia e Lituânia são as mais ocidentais das repúblicas soviéticas. O nível de desenvolvimento dessas repúblicas é superior ao da própria Rússia. No embalo da perestroika e da glasnost surgiram no ano passado as chamadas "Frentes Populares", movimentos de massa de cunho nacionalista. Os estonianos passaram a exigir liberdade de comércio exterior e fuso-horário diferente para os países bálticos; o movimento "Perestroika na Lituânia" reivindicou mais autonomia e alguns chegaram a levantar a separação do país da URSS; na Letônia os manifestantes pleitearam o uso do idioma nacional.
Moscou agiu no caso das repúblicas bálticas como no Cáucaso: com cautela, mas sem abrir-mão da autoridade e da posição de árbitro. Consentiu que as repúblicas bálticas voltassem a usar as bandeiras nacionais de antes de 1940 (data da incorporação à URSS): devolveu a catedral de Riga, capital da Letônia, aos luteranos, o mesmo fazendo em Vilna (Lituânia), com a catedral católica.
Quando a arqui-reacionária Igreja Ortodoxa da Rússia comemorou seus mil anos (maio de 1988), o patriarca Pimen não supunha que o próprio Gorbachev participasse pessoalmente dos festejos, transmitidos glamourosamente em cadeia de televisão.
No caminho de Lênin
Quais as origens dos atuais conflitos? Qual sua natureza de classe e a quem servem? As reivindicações nacionais dos povos que compõem a União Soviética devem receber o apoio das forças revolucionárias e progressistas do mundo?
Tal discussão torna-se importante porque os atuais defensores da perestroika procuram atribuir as rebeliões nacionalistas ao que chamam de "erros" e mesmo "crimes" cometidos por Josef Stalin à frente do Estado soviético. Mas há uma outra possibilidade, que procuraremos provar, de que a gênese da conflagração nacional deve-se exatamente ao contrário, ou seja, ao abandono da política, em essência correta, com que o Estado soviético tratou o problema das nacionalidades, não apenas no período de Stalin, mas desde o advento da revolução bolchevique, sob a direção de Lênin.
Todo o edifício da política para as nacionalidades seguida pelo Estado soviético na época de Stalin foi planejado e erigido por Lênin, com a ajuda importante do próprio Stalin em freqüentes e exaustivas discussões no seio do partido bolchevique.
De Lênin são os escritos polêmicos em resposta a Rosa de Luxemburgo, que contestava o artigo "9" no programa do Partido Operário Social-Democrata da Rússia (POSDR), que garantia "a todas as nacionalidades que compõem o Estado, o direito à auto-determinação". Rosa de Luxemburgo não via como esse artigo pudesse ser aplicado sem que os revolucionários terminassem sendo caudatários das oligarquias dos países subjugados, que também levantavam a bandeira da autonomia nacional.
Ao contestar Rosa de Luxemburgo, Lênin lembrava à grande revolucionária que, no afã de não servir aos interesses das classes dominantes da Polônia – Rosa era de origem polonesa, embora naturalizada alemã, e contestava o próprio direito da Polônia à auto-determinação –, ela se esquecia das classes dominantes da Rússia, interessadas na manutenção da dominação sobre a Polônia.
De Stalin é o artigo de 1913 ("O marxismo e a questão nacional"), publicamente elogiado por Lênin em mais de uma ocasião, e que serviu, e ainda serve, de referência para as discussões marxistas sobre o assunto.
Por diversas vezes o próprio Lênin levantou o problema da defesa da autonomia nacional, argumentando que os bolcheviques jamais conquistariam o apoio, ou mesmo o respeito e a confiança, das massas trabalhadoras dos países dominados pelo império russo, se não deixassem bem clara sua posição de princípio contra toda opressão nacional.
Como, ao menos por enquanto, não é a Lênin que se dirigem os ataques histéricos da burguesia de todo o mundo, concentremos nossa atenção na orientação e nas opiniões de Stalin sobre como resolver os problemas nacionais, e no resultado concreto dessa política.
Em 1917, na VII Conferência Pan-russa do POSDR, Stalin é encarregado do relatório à conferência sobre a questão nacional. Defende o direito dos povos à separação; autonomia regional para as nacionalidades que decidam fazer parte de um mesmo Estado; leis especiais que garantam o livre desenvolvimento das minorias nacionais, polemizando com Piatakov e Dzherzhinski que diziam ser "todo movimento nacional um movimento reacionário". Stalin deu o exemplo da Irlanda, que lutava pela independência frente à Inglaterra. Cumpre acrescentar aqui que Marx e Engels foram firmes defensores da soberania da Irlanda sem se preocuparem com isso em "fortalecer" as oligarquias nacionalistas da Irlanda nem obscurecer o sentimento de classe do proletariado irlandês.
Em dezembro de 1917, depois, portanto, da revolução vitoriosa, Lênin assinou o protocolo de independência da Finlândia, contra as objeções de Bukharin, defensor da absurda tese de "independência" apenas para os trabalhadores.
Lênin contestou magistralmente Bukharin, demonstrando na questão concreta da Finlândia a essência da tática leninista. Dizia Lênin que concordar com a independência da Finlândia, mesmo estando à frente daquele país uma camarilha inimiga do poder revolucionário, era a única forma de diferençar a política bolchevique da política czarista aos olhos do proletariado finlandês. As classes dominantes e o governo finlandês diziam que o governo bolchevique daria continuidade à mesma orientação czarista de opressão nacional na Finlândia e os bolcheviques não tinham outra maneira de demonstrar a farsa das classes dirigentes finlandesas, senão concedendo a autonomia da Finlândia frente à Rússia.
Mais tarde, em 1920, na carta que endereçou aos operários e camponeses da Ucrânia, Lênin demonstrava, mais uma vez com clareza, a política marxista de princípios para resolver os problemas das nacionalidades. Assim escreveu ele:
"Nós queremos uma união voluntária das nações, uma união que não admita nenhuma violência de uma nação sobre outra, uma união baseada numa confiança absoluta, numa clara consciência de unidade fraternal, num acordo completamente livre. Não é possível realizar uma tal união de repente; até ela é necessário trabalhar com a maior tolerância e prudência para não estragar tudo, para não provocar a desconfiança, para fazer desaparecer a desconfiança deixada por séculos de opressão dos latifundiários e dos capitalistas, de propriedade privada e de hostilidades causadas pelas suas sucessivas partilhas", eis o que dizia o dirigente da revolução bolchevique.
Aos que pensavam em promover de forma artificial, com métodos autoritários e coercitivos, a sovietização das repúblicas não russas, Stalin advertia em 1920: "Não seria preciso demonstrar que esta concepção é radicalmente falsa e nada tem a ver com a política do poder soviético a respeito do problema nacional. A autonomia soviética não é algo abstrato nem inventado, e muito menos deve ser compreendida como uma promessa oca e palavrosa. A autonomia soviética é a forma mais real e mais concreta de união da periferia com a Rússia Central. Ninguém há de negar que Ucrânia, Azerbaidjão, Turquestão, Quirguízia, Basquíria, Tartária e demais regiões periféricas, que aspiram ao florescimento cultural e material das massas populares, não poderão obtê-lo sem escolas no idioma do país, sem tribunais, sem administração, sem órgãos de poder integrados de preferência por elementos locais".
Uma união livre
Em 1921, ao prestar o informe perante o X Congresso do Partido Comunista da Rússia, Stalin retoma a polêmica sobre a questão das nacionalidades, desta vez com Tchetcherin, comissário do povo para as Relações Exteriores, que contestava a parte do programa que assegurava às repúblicas soviéticas o direito de separação. Stalin refutou a tese de Tchetcherin argumentando o seguinte: "Por se agruparem os Estados soviéticos na Federação à base de livre adesão, o direito de separação fica sem ser utilizado pela vontade dos próprios povos que integram a RSFSR (Stalin não considerou, no artigo, o caso desse direito vir a ser reivindicado por alguma das repúblicas). Mas quando se trata das colônias que se encontram sob o jugo da Inglaterra, da França, da América do Norte, do Japão, de países subordinados como a Arábia, a Mesopotâmia, a Turquia e o Indostão, isto é, de países que constituem colônias da Entente, a palavra do direito dos povos à separação é revolucionária, e deixá-la de lado significa fazer o jogo da Entente".
Vejamos agora o projeto de resolução apresentado por Stalin para a Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas: "Fundamentar a união sobre a base do princípio da livre adesão e da igualdade de direitos das Repúblicas, reservando a cada uma delas o direito de sair livremente da União de Repúblicas". Eis como em 1922 se forjava a justa política do partido bolchevique.
Essa foi a doutrina da política desenvolvida por Lênin e Stalin, baseada nos princípios marxistas, que permitiram a construção de um poderoso Estado socialista, baseado na união fraternal de povos de distintas nacionalidades e etnias.
Sob esta orientação a União Soviética alcançou grandes vitórias, levou o desenvolvimento, a cultura e o progresso às regiões mais distantes; deu às diversas nacionalidades a possibilidade de desenvolverem sua identidade nacional, sua cultura e seu idioma; demarcou fronteiras até então violadas pelos interesses de rapina dos Estados opressores.
Com base em uma política justa para as diversas nacionalidades, a classe operária e os povos da União Soviética operaram transformações sem precedentes na história da humanidade. A imensa União Soviética foi industrializada e alfabetizada; promoveu-se a coletivização da agricultura; o povo soviético enfrentou e derrotou a assombrosa máquina de guerra de Adolf Hitler, que concentrou contra a União Soviética dois terços de suas melhores divisões.
Quando os capitalistas esperavam que sob o impacto da invasão nazista a unidade soviética se despedaçasse, eis que as hordas alemãs é que se esfacelam diante da inquebrantável unidade e resistência das massas soviéticas em torno do Exército Vermelho, do Partido Comunista da União Soviética e da figura legendária de Josef Stalin.
Alguém pode cobrar “e os erros"? E os "crimes" de Stalin? Em primeiro lugar, nos negamos a admitir que o Partido Comunista da União Soviética, o povo soviético e os revolucionários de todo o mundo tivessem um criminoso como seu dirigente de tantas vitórias para as causas da liberdade, do progresso e do socialismo em todo o período de sua vida. Agora, se as classes dominantes de hoje querem transformar em "vítimas" e "heróis" os bandidos que morreram na luta inglória contra a revolução e o socialismo, nada a estranhar. Houve também quem chamasse Robespierre, Danton, George Washington, Simon Bolívar e tantos outros de "tiranos" e "assassinos", por se colocarem à frente das transformações exigidas pela história e pelos povos.
Quanto aos erros, naturalmente devem ter existido, em maior e menor gravidade, sem que, no caso, o erro do parto pusesse em risco a vida da mãe ou da criança. Como se viu até aqui, o presente artigo não se propõe a discutir os erros ou casos singulares da política soviética para as nacionalidades entre 1917 e 1953. O que aqui se pretende é demonstrar que só uma orientação verdadeiramente socialista seria capaz de produzir resultados tão fantásticos quanto o de erguer de nacionalidades atrasadas e embrutecidas pela opressão capitalista, latifundiária e colonialista um poderoso Estado socialista, inigualável em feitos de conquistas sociais e de progresso para os povos habitantes de suas fronteiras.
Ademais, quanto aos erros, vale a pena lembrar mais uma vez Lênin, na carta que escreveu em 1918 aos operários norte-americanos: "Que a imprensa burguesa corrupta grite aos quatro ventos acerca de cada erro cometido pela nossa revolução. Não temos medo dos nossos erros. Pelo fato de a revolução ter começado, os homens não se tornam santos. As classes que durante séculos foram oprimidas, embrutecidas e mantidas pela violência nas garras da miséria, da ignorância e asselvajamento não podem fazer a revolução sem erros. E é impossível, como já tive uma vez ocasião de assinalar, fechar o cadáver da sociedade burguesa num caixão e enterrá-lo. O capitalismo morto apodrece e decompõe-se entre nós, contaminando o ar com miasmas, envenenando a nossa vida, envolvendo aquilo que é novo, recente, jovem e vivo com milhares de fios e laços daquilo que é velho, podre e morto".
Na verdade, não é contra os erros e "crimes" de Stalin que gritam a burguesia e os novos capitalistas de Moscou. O que os move é o ódio profundo de classe, burguês e pequeno-burguês, contra os êxitos do proletariado na construção do socialismo. Kruschev proclama o "comunismo"
A partir de Kruschev (1956-1964) e do XX Congresso do PCUS, mudanças profundas afetaram o caráter do partido comunista, do Estado, da economia e da sociedade na União Soviética. Tais transformações prosseguiram mais lentamente no período Brejnev e adquirem um tom de radicalidade com Gorbachev, a perestroika e a glasnost.
Segundo Kruschev, na União Soviética já não havia necessidade do Estado de ditadura do proletariado, que passava a ser "Estado de todo o povo", o mesmo ocorrendo com o partido, que abandonava seu caráter de partido do proletariado para "partido de todo o povo".
No programa de 1961 Kruschev proclama solenemente: "a presente geração soviética viverá sob o comunismo". Tal proclamação soa tão absurda quanto alguém haver declarado em plena vigência do modo de produção escravista, que sua geração viveria a experiência da revolução industrial.
Com tais proclamações o que Kruschev desejava era livrar-se da ditadura do proletariado e do socialismo. Para acabar com estas duas coisas, como justificativa teórica, só existiam dois caminhos: ou proclamar abertamente o retorno ao capitalismo, o que os trabalhadores soviéticos não permitiriam, ou decretar a passagem para o comunismo, quando não haveria mesmo necessidade de ditadura do proletariado e a transição socialista já teria sido concluída.
"Estado de todo o povo" não passava de eufemismo para enganar os trabalhadores da União Soviética e do mundo, para introduzir na direção do partido comunista e do Estado a nova burguesia; principalmente russa, que se assenhoreava então dos destinos da União Soviética após dezenas de anos de luta tenaz contra o proletariado e os verdadeiros revolucionários.
Depois de liquidar o partido dirigente da revolução socialista, Kruschev abre a economia soviética aos mecanismos de mercado do capitalismo e golpeia a política leninista para as nacionalidades. Tomado de ares de "antropólogo", declara que a União Soviética havia superado o conceito de nação e constituía agora uma etnia superior (Resolução do XXII Congresso, 1961).
O professor Horace B. Davis em seu livro Para uma teoria marxista do nacionalismo (Zahar, 1979), assim escreveu sobre as manifestações kruschevistas a respeito dos problemas das nacionalidades:
"A resolução de Kruschev, segundo a qual 'as nações se aproximarão ainda mais, até que se consiga a unidade total', foi aprovada, tornando-se a política soviética sobre as nacionalidades. A resolução, embora fazendo as habituais referências à soberania e 'livre desenvolvimento' das várias repúblicas, dizia que 'o partido promoverá (…) a consolidação (das várias culturas nacionais) e com isso a formação da única e futura cultura mundial da sociedade comunista' (Moscou News, 5 de agosto de 1961)".
Para quem dizia estar implantando o comunismo, não fazia mesmo sentido preservar qualquer autonomia ou identidade nacional. Se até o socialismo havia sido deixado para trás, quanto mais os direitos nacionais (…) Tal era o "comunismo" de Kruschev.
Claro que certos círculos, particularmente da intelectualidade, perceberam as monstruosidades de Kruschev contra as minorias nacionais e protestaram. Alguns críticos foram encarcerados e outros, por fazerem a crítica de uma ótica também burguesa e nacionalista, não obtiveram ressonância. Mas os ventos semeados por Kruschev não tardariam a gerar tempestades, se não para ele, para seus sucessores.
Passados vinte, trinta e mais anos da tentativa de Kruschev de instaurar o "comunismo" por decreto (leia-se restaurar o capitalismo, como já dissemos), restou uma herança perversa de estagnação econômica, brutal violação dos direitos democráticos dos trabalhadores soviéticos, desagregação de inúmeros partidos comunistas em todo o mundo (transformaram-se em organizações reformistas, traidoras e contra-revolucionárias), corrupção e aguçamento dos conflitos nacionais.
Brejnev tocou o barco na mesma linha de Kruschev, corrigindo alguns dos exageros do renegado anterior, mas sem mudar, no fundamental, a orientação de restauração capitalista implantada a partir do XX Congresso.
Nas pegadas de Kruschev
Gorbachev chega falando em mudanças. Apresenta ao mundo a perestroika e a glasnost. Procura dar a essas medidas ares de revolução, compara-as não apenas à grande Revolução de Outubro, mas também à Revolução Inglesa de 1688 e à Revolução Francesa de 1789.
Gorbachev não poderia persistir na tese de Kruschev de passagem imediata, "ainda nesta geração", para o comunismo. Mas como seguir as pegadas do traidor Kruschev sem declarar, mais uma vez, a volta ao capitalismo? Estava aí a solução: inventar uma nova "revolução" – a perestroika, continuadora dos feitos de Lênin e dos bolcheviques em 1917.
Mas o palavreado de Gorbachev não consegue esconder a verdade de que ele segue Kruschev. Já na página 46 do seu Perestroika (Editora Best Seller, 1987), Gorbachev desmancha-se em elogios à orientação do XX Congresso do PCUS, que entronizou Nikita Kruschev e o capitalismo na URSS:
"Um importante marco da nossa história foi o XX Congresso do PCUS. Constituiu uma grande contribuição para a teoria e a prática da edificação socialista. Durante e após esse congresso, foi feita uma grande tentativa de girar o leme para o progresso do país, a fim de dar impulso para nos libertarmos dos aspectos da vida sócio-política engendrados pelo culto da personalidade de Stalin".
Mais adiante, ainda em seu livro, Gorbachev elogia as reformas de Kossiguin no governo Brejnev, (substituto de Kruschev como primeiro-ministro em 1964), que introduziram novos mecanismos na economia da URSS, dando ênfase aos lucros e a outras medidas de caráter capitalista na economia soviética.
Para reintegrar a União Soviética no mundo e na economia capitalista, Kruschev utilizou o subterfúgio da "passagem ao comunismo". Gorbachev aprofunda a corrida aos lucros e à economia de mercado com a perestroika, dando a isso o nome de "revolução". Diga-se de passagem, que nunca se viu antes uma "revolução" tão bem recebida e festejada por contra-revolucionários tão notórios quanto o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher ou o ex-ministro da economia da ditadura militar brasileira Delfim Netto.
Mas os executivos capitalistas do Kremlin não foram totalmente surpreendidos pelos protestos nacionalistas. Gorbachev pelo menos desconfiava de que ocorria algo de podre no reino da perestroika. Tanto é assim que ao discorrer em seu livro sobre as nacionalidades, abandona o tom brando e conciliador para verberar ameaças contra o risco da eclosão nacionalista.
Vejamos o que ele diz na altura da página 138 de Perestroika
"Naturalmente, há muitas pessoas no Ocidente, e no Leste também, que gostariam de solapar a coesão e a amizade dos povos da URSS. Todavia, esse é um assunto inteiramente diferente: a lei soviética está de guarda, protegendo as realizações da política de nacionalidade leninista" (grifo nosso).
A NOVA BURGUESIA
“O smenovezhismo* é uma ideologia da nova burguesia que cresce pouco a pouco e vai se fundindo com o kulak e a intelectualidade burocrática. A nova burguesia formulou sua ideologia, a ideologia smenovezhista, segundo a qual o partido comunista tem que degenerar e a nova burguesia tem de consolidar-se. Ademais nós, os bolcheviques, temos de atingir imperceptivelmente os umbrais da república democrática, mais tarde cruzaremos esses umbrais e, com a ajuda de algum César saído das fileiras militares, os civis nos encontraremos na situação de uma república burguesa vulgar” (Stalin).
“Os Smena Vekh exprimem o estado de espírito de dezenas de milhares de burgueses ou de funcionários soviéticos, que participam da nossa política econômica. Este é o perigo principal e real. E por isso é preciso prestar a maior atenção a esta questão: quem vencerá efetivamente? Falei da emulação. Não nos atacam diretamente, não nos agarram pelo pescoço. Ainda está por ver o que acontecerá amanhã, mas hoje não nos atacam com arma na mão e apesar de tudo a luta contra a sociedade capitalista tornou-se cem vezes mais encarniçada e perigosa, porque nem sempre vemos onde está o inimigo que nos combate e quem é nosso amigo” (Lênin).
O smenovezhismo acabou triunfando apesar da advertência e da luta de Stalin e Lênin. A nova burguesia encontrou em Gorbachev seu Julio César, como antes havia tido em Kruschev seu Pompeu. Agora quais os milhares de soldados e voluntários dessa guerra e em que condições triunfaram esses novos generais capitalistas?
É fácil concluir que o poder revolucionário não brota da antiga sociedade capitalista em estado de pureza – ao contrário, dela surge carregando muitas de suas mazelas e degenerações. Em volta do novo poder, como à sombra de árvores frondosas, crescem as espécimes parasitárias, sempre prontas a tomar de assalto, não a árvore, mas a floresta inteira.
E o que fazer com milhares de pequenos-burgueses, de espírito mesquinho que seguem na nova sociedade, muitos dentro do partido ou no aparelho administrativo do Estado, os seus projetos individualistas, pessoais, com o método de sempre, sonso, dissimulado?
Kruschev era de origem operária, pode-se dizer. Ah, sim, mas e os que o insuflaram e abanaram sua vaidade pessoal doentia? Um diplomata inglês ao retratar em suas memórias a impressão que teve de contatos pessoais com Trotsky, disse que ele seria capaz de morrer pela revolução desde que tivesse uma boa platéia para aplaudi-lo. Kruschev tinha verdadeiros delírios de ambições pessoais, até de que seria o dirigente da transição da sociedade soviética do socialismo ao comunismo.
Gorbachev ao comparar a Perestroika a uma nova “revolução” se eleva à altura de Lênin e à de outras figuras históricas como Cromwell e Bismark etc.
Mesmo na sociedade socialista não há garantia completa contra os mecanismos ideológicos que continuam a operar através de hábitos, costumes e vícios seculares da sociedade burguesa e que encontram situações favoráveis nos momentos de crises e dificuldades da construção do socialismo.
Vejamos o exemplo da luta heróica dos povos soviéticos e do partido comunista contra a invasão nazista. Ao cabo da guerra foram 20 milhões de mortos, destruição, desorganização da vida econômica e política. O Partido Comunista perdeu boa parte de seus melhores elementos nas frentes de combate contra o invasor. Para substituí-los, inclusive nas tarefas de resistência ao inimigo, entraram para o partido pessoas que sequer tinham simpatia para com o poder soviético, menos ainda para com os comunistas, mas que se comoveram com sua abnegação contra a barbárie nazista. Depois da derrota de Hitler, como se diz, morreu o afilhado, acabaram-se os compadres. Mas essas pessoas continuaram no partido, cumprindo, agora, que papel? Todos, menos o de comunistas, porque nunca o foram. Poder-se-ia ter evitado a entrada dessas pessoas no partido. Aquilo era a pior guerra que a
humanidade conheceu até hoje, não era um piquenique, onde tudo pudesse ser previsto e resolvido.
Os smenovezhistas esperaram décadas, pacientemente, e triunfaram. Mas a cercá-los hoje há a memória da experiência socialista vitoriosa que será inevitavelmente comparada ao pântano capitalista para onde Kruschev e Gorbachev reconduziram o povo soviético. A classe operária e os trabalhadores soviéticos logo compreenderão a face cruel dos seus novos patrões, e se a nova burguesia encontrou seu Julio César, os novos escravos do capital encontrarão o seu Espártaco.
* O Smenovezhismo surgiu como corrente política burguesa em 1921, no exterior, entre russos brancos exilados, particularmente na intelectualidade como expressão da burguesia que havia renunciado à luta armada contra o poder soviético. Os smenovezhistas publicavam uma revista Smena Vek (mudança de rumo), tinham como líder o advogado Ustrialov e alimentavam a expectativa de que a NEP fosse O INSTRUMENTO DO FORTALECIMENTO DA NOVA BURGUESIA QUE, JUNTAMENTE COM A INTELECTUALIDADE BUROCRÁTICA, ASSALTARIA O PODER AOS BOLCHEVIQUES. Através de suas publicações orientavam seus seguidores para que cessassem as hostilidades contra o poder soviético e passassem a colaborar com ele visando A transformá-lo numa república burguesa. "Partindo dessas posições, nos manteremos firmemente comprometidos com nossos princípios. Os sentimentos nacionalistas dos povos deverão ser respeitados e não podem ser ignorados; porém especular com base neles é irresponsabilidade política ou até mesmo crime" (grifo nosso), acrescenta Gorbachev.
Mas equivocam-se os que pensam que as potências capitalistas ocidentais trabalham, pelo menos por agora, para a desagregação do Estado multinacional soviético. Ao contrário, as lideranças dos países capitalistas não desejam que disputas nacionais atrapalhem a caminhada do gigante rumo ao capitalismo.
Da mesma forma que Gorbachev reconhece os "laços" históricos que unem os Estados Unidos à América Latina e declara não ter intenção de neles interferir, está implícito que as forças conservadoras do Ocidente aceitam a hegemonia russa sobre as demais repúblicas que compõem a URSS.
"Seria uma tragédia se a perestroika se afogasse nas águas do nacionalismo", disse Margaret Thatcher a Gorbachev apenas dois dias antes do massacre de Tiblisi. Pelo mundo afora, raros foram os lamentos oficiais pelo sangue derramado por tropas russas na República da Geórgia.
Hoje a União Soviética é uma sociedade corroída pela desconfiança entre as nacionalidades, infestada pelo ódio nacional histórico das minorias nacionais pelos grão-russos, a maioria eslava usada pelos czares para oprimir as minorias não-russas.
Segundo o testemunho pessoal de um viajante que retornou recentemente da União Soviética, numa das repúblicas bálticas, ao perguntar a um homem do governo se ele falava russo, este respondeu com uma sequência de palavrões, no mais perfeito russo.
O ressurgimento do nacionalismo na URSS reflete as transformações de cunho capitalista a partir de Kruschev, a emergência da nova burguesia que busca o mercado e o lucro para se
alimentar como a planta procura a luz do sol para realizar a fotossíntese.
Nacionalismo e socialismo não são paralelas que se encontram em algum ponto do infinito. O primeiro é o ideário burguês, da afirmação nacional com a negação do proletariado. O socialismo incorpora as reivindicações de caráter nacional com o conteúdo e os interesses da classe operária.
Na União Soviética as fronteiras dos movimentos nacionalistas não estão claramente definidas. Ora correspondem aos anseios das massas trabalhadoras das minorias nacionais e da intelectualidade pela manutenção da identidade nacional contra a política de assimilação imposta pelos russos, merecendo o apoio das correntes revolucionárias e progressistas do mundo inteiro.
Em outro momento são os antigos clãs e classes dirigentes de antes da revolução socialista que têm agora a oportunidade de retorno aos velhos privilégios. Os verdadeiros socialistas têm que demarcar limites de classe e de princípios com esses grupos contra-revolucionários, sempre lembrando que são os revisionistas os responsáveis pelo seu ressurgimento no cenário da vida política soviética.
Por enquanto o gigantesco proletariado soviético permanece adormecido. Esse verdadeiro Hércules dos tempos modernos fez a Revolução Socialista de Outubro, venceu o exército branco e os ocupantes estrangeiros consolidando o poder soviético, realizou a coletivização da agricultura e a grande industrialização; derrotou o poderoso exército nazista de Adolf Hitler. Mas falta ainda um importante trabalho: varrer das cavalariças do Kremlin o esterco capitalista, hoje representado por Gorbachev e seus gerentes.
Quadro (p. 44)
* Aldo Rebelo é vereador do PCdoB em São Paulo.
Bibliografia consultada:
MARX, K. & ENGELS, F. Obras Escolhidas. Alfa-Omega, 1977.
LÊNIN, V. I. Obras Escolhidas. Alfa-Omega, 1980.
STALIN, J. O Marxismo e O Problema Nacional e Colonial, Ciências Humanas, 1979.
_________. Obras. Vitória, 1956.
Dicionário do Pensamento Marxista. Jorge Zahar, 1988.
GORBACHEV, Mikhail Perestroika, 1987, Best Seller.
Programa del Partido Comunista de la Union Sovietica, Ediciones en Lenguas Estranjeras, 1961.
DAVIS, Horace B. Para uma Teoria Marxista do Nacionalismo, Zahar, 1961.
PINSKY, Jaime. Questão Nacional e Marxismo, Brasiliense, 1980.
Nacionalismo X Internacionalismo
Nacionalismo e Internacionalismo são expressões antagônicas de ideologias antagônicas. O primeiro corresponde à manifestação dos interesses políticos e de classe da burguesia, enquanto o segundo ressalta a unidade e os objetivos comuns do proletariado para além fronteiras.
Franco, em nome do nacionalismo, fez a guerra contra a classe operária e o povo espanhol, mas na verdade queria a submissão da Espanha aos interesses do imperialismo, como ficou provado. A classe operária espanhola, internacionalista, defendeu a verdadeira independência nacional da Espanha ao lado das “brigadas internacionais”, destacamento internacionalista formado por voluntários de todo o mundo.
Sempre que as manifestações nacionais correspondiam aos interesses da classe proletária, Marx e Engels foram os primeiros a defendê-las como nos casos da unidade nacional da Alemanha e da Itália e da luta pela independência da Polônia e da Irlanda.
Mais tarde, porém, Lênin denunciou os partidos socialistas que votaram os créditos de guerra para seus governos. Lênin disse que esses “social-traidores” colocavam os interesses de suas burguesias acima dos interesses da classe do proletariado.
Na época da dominação imperialista as lutas da classe operária, mesmo tendo caráter nacional, assumem cada vez mais conteúdo internacionalista. Os trabalhadores brasileiros que fazem greve e manifestações contra a espoliação do Fundo Monetário Internacional estão objetivamente ajudando a luta dos trabalhadores de todos os países explorados pelo capital estrangeiro internacional e ao mesmo tempo defendendo a soberania nacional.
O internacionalismo também não se confunde com o cosmopolitismo, particularidade da ideologia burguesa, que busca subjugar ideologicamente os povos a pretexto de que todos são “cidadãos do mundo” e com isso justificar a exploração e a dominação econômicas apagando as fronteiras de classe entre burguesia e proletariado. Gorbachev, por exemplo, troca o internacionalismo pelo cosmopolitismo, abandona a luta dos povos de todo o mundo contra o imperialismo para cuidar dos chamados interesses comuns da União Soviética e dos Estados Unidos, que não são outros que não a divisão do Planeta em áreas de hegemonia política, econômica e militar e a partilha do exército de escravos assalariados a serem explorados pelas duas superpotências.
EDIÇÃO 17, JUNHO, 1989, PÁGINAS 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44