O sistema soviético, implantado pela revolução de 1917, cedeu lugar a um Congresso dos Deputados do Povo – semelhante aos parlamentos ocidentais – e restaurou-se a separação entre Legislativo e Executivo, com a criação do cargo de presidente da República.

A imprensa burguesa não esconde sua satisfação com as novidades. Jornais e revistas estampam manchetes categóricas: "Pela primeira vez realizam-se eleições realmente livres desde 1917"; termina a era de dizer amém às ordens de partido, "fim do monolitismo do Estado Soviético"; "agora se pode falar num Parlamento com algum grau de legitimidade; a revolução da perestroika avança".

A derrota fragorosa de boa parte dos candidatos indicados pelo PCUS – como Yuri Solovyev, dirigente em Leningrado e membro do Bureau Político do Comitê Central que, apesar de concorrer sozinho no seu distrito, não alcançou o mínimo de 50% dos votos – foi saudada como uma maravilha de democracia. O grande herói é Boris Yeltsin, dissidente, destituído da direção do partido em Moscou e, agora, consagrado por 89% dos eleitores no pleito do último dia 26 de março. Segundo os comentaristas ele será o líder dos “progressistas, que não se limitam a aprovar o que diz a direção" contra o aparato burocrático.

O que tem de democrático, renovador ou progressista nestas mudanças? O que representou o sistema dos sovietes e qual o papel do partido na construção do socialismo na URSS?

Um novo Poder

A revolução socialista de 1917 realizou-se sob o lema de "todo poder aos sovietes". A classe operária, vitoriosa, não podia apoiar-se nas velhas instituições burguesas ultrapassadas. Precisava, segundo indicação de Marx, destruir o Estado existente e construir uma nova base, mais avançada, que permitisse ao trabalhador participar efetivamente do poder e da administração da nova sociedade. O partido bolchevique se apoiou num organismo criado espontaneamente pelas próprias massas desde a revolução de 1905: os sovietes.

Lênin dizia que os sovietes constituem "um poder aberto a todos que atuam às vistas das massas, acessível às massas, emanado diretamente das massas, órgão direto das massas populares e executor de sua vontade". Os sovietes eram organizados pelos trabalhadores por unidade de produção, nas fábricas, nas cooperativas, nas empresas ou nas unidades do Exército.

Os sovietes surgiram como órgãos de representação direta dos trabalhadores. Um mecanismo de fácil acesso a todos que, estruturado em plano nacional, se transformou em instrumento de decisão e aplicação das diretrizes do Estado. Cada soviete tornou-se uma partícula do poder em sua área de atividade, o soviete era o poder estatal – Executivo e Legislativo.

Segundo Lênin, "Os sovietes” concentram em suas mãos não só o poder legislativo e o controle do cumprimento das leis, mas também a aplicação prática destas, pela atuação de todos os membros dos sovietes, a fim de que toda a população trabalhadora passe, de modo gradual, a desempenhar funções legislativas e de administração pública".

Nos dez primeiros anos do poder soviético, 12,5 milhões de trabalhadores já haviam participado como deputados aos sovietes em todos os níveis. De 1924 a 1934 a organização alastrou-se velozmente e o número de deputados aos sovietes multiplicou-se por 12.

A democratização da sociedade afetou radicalmente a vida das mulheres. Em 1917, apenas 12% da população feminina eram alfabetizadas. Entre as nacionalidades das regiões orientais do país (25 milhões de habitantes), as mulheres eram analfabetas na totalidade. Alguns desses povos tinham ainda o hábito de, na hora do parto, levarem as mulheres para um estábulo, para terem seus bebês sozinhas. No idioma tuvino nem existia a palavra "mulher". Em sem lugar era usado o vocábulo kereeznok, que significava imprestável, desnecessária.

Entre 1922 e 1934, em todo o país, a proporção de mulheres nos sovietes urbanos passou de 8,5% para 34% e de 1% para 26% nos rurais. Nas nacionalidades orientais, em particular, vencendo séculos de opressão em poucos anos, já em 1936 as mulheres ocupavam 22% dos sovietes no Uzbequistão e no Azerbaidjão, por exemplo.

Aprender a dirigir

Para permitir uma participação ainda mais maciça dos trabalhadores na direção de seu Estado, formaram-se comissões adjuntas aos sovietes, com colaboradores para questões específicas, como saúde, educação, transportes etc. Em 1936 havia, em toda a URSS, quase 400 mil destas comissões em atividade, incorporando 3,6 milhões de pessoas.

Ligadas aos sovietes rurais surgiram as assembléias de produção agropecuária que, em 1929, agrupavam 2 milhões de camponeses. E, ainda, como forma de fiscalizar a atividade do novo poder, desde 1917, criaram-se organizações de controle operário em todos os níveis da administração, eleitas diretamente pelos trabalhadores.

O número de trabalhadores que efetivamente tomava parte nas discussões para escolher os candidatos a deputados aos sovietes e depois, nas eleições, também cresceu vertiginosamente. No biênio 1924-25, o número de eleitores foi de 37 milhões, aproximadamente. Sendo que metade deles participou das reuniões preparatórias. Em 1934-35 esse número passou para 77,4 milhões e 85% participaram das assembléias de campanha.

O partido bolchevique insistia que os trabalhadores, ao participarem diretamente das decisões, da aplicação e do controle, aprendiam concretamente a administrar as empresas e a dirigir o seu país. Os comunistas declaravam "obsoleta, abjeta, repugnante, a idéia de que só os exploradores podem governar o Estado".

Vale ressaltar que o processo eleitoral era absolutamente distinto do pleito burguês. Aparentemente, pela variedade de candidatos no sistema capitalista, o eleitor tem liberdade de escolha. Mas o poder econômico e, muitas vezes, a própria legislação eleitoral impedem, na prática, que os trabalhadores se candidatem, ou que tenham suas organizações legalizadas, ou que saibam de fato em quem votar.
Marx já dizia, no século passado, que a eleição burguesa é a ocasião em que, de tempos em tempos, os capitalistas oferecem aos trabalhadores a oportunidade de votar neste ou naquele membro da classe dominante, que vai representar e reprimir o povo no próximo período.

Em contrapartida, num curto período de revolução socialista, quando se reuniu o I Congresso dos Sovietes da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 1922, os operários já eram 44% de seus membros e os camponeses 27%.

Democracia Real

A eleição dos sovietes era feita pelos operários e camponeses em seu local de trabalho. Discutiam programas e nomes em várias assembléias. Com base nos debates, o partido, destacamento organizado e de vanguarda da classe operária, indicava os candidatos. A votação era, assim, o coroamento de um rico processo de democracia direta. E, logicamente, em geral resultava numa aprovação quase unânime dos nomes discutidos e apontados nas reuniões – o que sempre causou a mais viva indignação dos defensores da farsa eleitoral capitalista.

O partido bolchevique valorizava as reuniões preparatórias e a participação do maior número de trabalhadores, para que fossem indicados candidatos com idéias avançadas e efetiva representatividade junto às massas. Ao contrário das calúnias até hoje espalhadas pelos inimigos do socialismo, eram inúmeras as advertências dos dirigentes revolucionários no sentido de que o partido não deveria jamais impor suas propostas e candidatos aos trabalhadores. Os dados são bastante expressivos: em 1934, por exemplo, a proporção de comunistas nos sovietes urbanos era de 45,3% e de 18,9% nos sovietes rurais.

Lênin conclamava os trabalhadores: "És um operário? Queres lutar para libertar a Rússia de um punhado de policiais opressores? Então és nosso camarada. Elege teu deputado. Elege-o imediatamente, como for mais fácil. Nós o receberemos satisfeitos como membro com plenos poderes em nosso soviete de deputados operários".

E acrescentava: "Mesmo no Estado burguês mais democrático o povo oprimido tropeça a cada passo com a flagrante contradição entre a igualdade formal proclamada pela democracia dos capitalistas e as mil limitações e subterfúgios reais que convertem os proletários em escravos assalariados". Com o aparecimento do poder soviético, dizia ele, "a época do parlamentarismo democrático-burguês terminou e abre-se um novo capítulo da história universal: a época da ditadura do proletariado (…) O poder soviético é um milhão de vezes mais democrático do que a mais democrática das repúblicas burguesas".

Mas não terminavam aí as vantagens, do sistema soviético. A representação nestes órgãos de poder não se tornava uma profissão ou uma fonte de polpudas rendas, como acontece em geral com os deputados e outros cargos do aparato burguês. E o mandato não se transformava num privilégio para os eleitos. O deputado ao soviete continuava trabalhando na empresa onde estava ao ser escolhido, recebendo o mesmo salário. O soviete se reunia duas vezes por ano, para discutir e aprovar as orientações gerais. Entre estas reuniões funcionavam Comissões Executivas escolhidas pelo pleno do soviete – para tratar do dia-a-dia. Cada deputado podia, a qualquer momento, ser destituído por seus eleitores, caso não cumprisse a contento a tarefa que lhe foi confiada.

O direito de revogação sempre foi exercido pelos trabalhadores, que revelavam interesse e vigilância pelos negócios de seu Estado socialista. De 1931 a 1934, na Federação Russa, 18% dos deputados aos sovietes urbanos foram demitidos por seus eleitores.

Estado Diferente

Os adversários do socialismo, para disfarçar seus propósitos, tentam combater a construção do poder proletário utilizando frases pinçadas dos teóricos marxistas. É muito comum, por exemplo, aparecerem filisteus proclamando que a indicação de Marx e Engels, de que o Estado deveria ir se extinguindo com o desenvolvimento socialista, não foi observada por Stalin, que teria criado um "aparato monstruoso".
A falcatrua, entretanto, não resiste à menor brisa. Eles imaginam, ou melhor, pretendem que, ao tomar o poder, o proletariado passe imediatamente a definhar os instrumentos estatais. E, com isto, torne as coisas fáceis para a restauração do sistema capitalista derrotado.

O Estado, na formulação marxista, é sempre uma máquina de opressão de uma classe por outra. Engels mostrava, entretanto, que o Estado do proletariado já começa a deixar de ser um Estado propriamente, uma vez que representa a imensa maioria e exerce coação apenas sobre uma minoria – os antigos exploradores. Na medida em que incorpora mais e mais as grandes massas trabalhadoras na direção e administração, a ditadura do proletariado se torna mais forte, em relação à burguesia, e, ao mesmo tempo, o Estado se torna mais democrático em relação aos operários e camponeses. O Estado não é abolido, se extingue, na medida em que suas instituições não têm mais o que fazer como poder de coação contra quem quer que seja.

Lênin indica com muita clareza esta relação dialética entre o fortalecimento e a extinção do Estado: "A partir do momento em que todos os membros da sociedade, ou pelo menos a imensa maioria deles, tenham aprendido a dirigir eles próprios o Estado, tenham tomado os negócios do Estado em suas próprias mãos, tenham organizado o controle (…) a partir desse momento começará a desaparecer a necessidade de toda a administração em geral".

Enquanto não se chega a esta fase superior do comunismo, diz Lênin, será necessário "o mais rigoroso controle por parte da sociedade e por parte do Estado, sobre a medida do trabalho e a medida do consumo". Este controle será levado a cabo, acrescenta, "pela organização armada dos operários e camponeses – os sovietes"

Direitos Eleitorais

A democratização do Estado do proletariado não se restringiu à incorporação de quantidade tão expressiva de trabalhadores aos órgãos de poder. Em 1936 foi aprovada uma nova Constituição, cujo projeto passou cinco meses sendo discutido pela população. A nova Carta Magna introduziu o voto secreto em lugar do voto aberto que vigorava até então; o pleito indireto, para os sovietes de nível superior, foi substituído pelo voto direto; o direito de votar e de ser votado foi estendido a todos os cidadão soviéticos. Josef Stalin justificou que, logo ao se realizar a revolução socialista, em 1917, "o poder soviético privou de direitos eleitorais os elementos não trabalhadores e exploradores, mas não permanentemente, apenas provisoriamente, durante certo período". O poder soviético já tinha adquirido maior estabilidade e muitos elementos hostis aos trabalhadores estavam neutralizados ou mesmo tinham mudado de posição.

Ele acrescentou: "Se aqui e ali o povo eleger homens hostis, isto quer dizer que nosso trabalho de agitação não vale nada e que merecemos semelhante vergonha; se, pelo contrário, o nosso trabalho de agitação for feito à maneira bolchevique, o povo não deixará que os elementos hostis se instalem nos órgãos supremos. Por conseguinte, é preciso trabalhar e não gemer".

É bom ressaltar que, embora a burguesia fizesse enorme alarido em relação à restrição, mesmo temporária, dos direitos eleitorais, em 1923, nas cidades, ela atingia apenas 8,2% da população e em 1934 este número já havia se reduzido para 2,4%.

Stalin, em 25 de novembro de 1936, no informe ao VIII Congresso Extraordinário dos Sovietes da URSS que realizou tais mudanças, mostrou que a democratização partia da premissa de "que já não há classes antagônicas, que a sociedade se compõe de duas classes amigas, a dos operários e a dos camponeses, que a direção estatal da sociedade se acha nas mãos da classe operária como vanguarda da sociedade".

O destacado chefe comunista, ao mesmo tempo em que reconhecia os avanços da nova sociedade, indicava que permaneciam as diferenças entre operários e camponeses, entre a cidade e o campo, entre o trabalho manual e o intelectual, que teriam de ser superadas na construção do comunismo. Reafirmava, por isso, a necessidade da direção da classe operária como força de vanguarda para prosseguir no rumo socialista.

Atitude diametralmente oposta é a de Gorbachev e dos revisionistas em geral, que falam demagogicamente em "Estado de todo o povo" e nos "interesses maiores da humanidade", ao mesmo tempo em que mandam tropas para reprimir os protestos nacionalistas em toda a URSS.

Voto direto

A aprovação do voto direto em todos os níveis refletia a capacidade dos trabalhadores de utilizar os novos instrumentos colocados à sua disposição pelo poder socialista.

O voto em aberto tinha sido, até então, uma exigência. Era mais fácil, nos primeiros tempos, reunir os camaradas no local de trabalho, a qualquer hora discutir e votar da forma mais simples, levantando a mão. Por outro lado, os trabalhadores tinham interesse em saber a posição de cada um. Quem se colocava a favor de elementos pouco confiáveis? Quem revelava vacilações na construção do novo poder? O voto em aberto fortalecia os elementos mais revolucionários e, de certa forma, constituía uma pressão sobre os indecisos.

Com a consolidação do processo revolucionário a agitação bolchevique era suficiente para impedir o crescimento de forças adversas. E o voto direto aperfeiçoava a democracia. Isto tudo era feito, pasmem, sob a direção de Stalin, tratado pela perestroika, e pela intelectualidade burguesa ocidental, como o terror dos terrores, como a fera que não admitia qualquer discrepância. Agora, entretanto, o grande êxito apregoado pela perestroika é o fato de cada dia os inimigos do socialismo ficarem mais ousados e terem maiores espaços em todos os terrenos da vida soviética.

Em vista disto, onde as mudanças introduzidas por Mikhail Gorbachev representam algum avanço?
"O processo eleitoral, pela primeira vez, é livre", diz a propaganda burguesa: por permitir a participação dos dissidentes. A liberdade é, no caso, de falar e agir abertamente no sentido de acelerar as transformações de caráter capitalista na URSS, de adotar todos os modismos ocidentais, de facilitar a penetração das empresas e capitais estrangeiros na economia soviética. Deste modo, os trabalhadores e o socialismo é que têm sua liberdade sacrificada.

Na época do socialismo, como já vimos, os sovietes realizavam ricos debates preparatórios das eleições, com ampla participação dos trabalhadores – tanto para tratar das propostas sobre a linha política e as orientações econômicas como para escolher os nomes mais representativos a serem indicados como candidatos. E expressavam-se livremente opiniões diferentes nas assembléias.
Mas o poder proletário, até mesmo para sua mínima conservação, não podia obviamente tolerar a propaganda contra-revolucionária, a pregação contra o socialismo e a favor da exploração capitalista, a projeção de elementos inimigos do partido da classe operária e a favor dos privilégios burgueses. Esta "liberdade" equivaleria ao suicídio do sistema soviético socialista.

Volta ao Passado

E a restauração do Parlamento? Gorbachev liquidou o sistema onde o poder central era exercido pelo Soviete Supremo, composto por duas Câmaras, com poderes equivalentes, cada uma com 750 deputados escolhidos em eleições diretas – o Soviete da União, para tratar dos interesses gerais dos trabalhadores, e o Soviet das Nacionalidades, dedicado principalmente a preservar a igualdade entre as nações participantes da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. As leis e normas, para serem aprovadas, tinham de passar nas duas casas.

Agora, 1/3 dos membros do Congresso dos Deputados do Povo é escolhido pelas repúblicas – refletindo já uma perda de representatividade das diversas nacionalidades. O que se torna mais grave quando ocorrem conflitos acirrados por todo lado, inclusive com intervenção de tropas e com dezenas de mortos.

Outra parte, 1/3 também, é escolhida por organizações políticas e culturais de âmbito nacional. Eleição indireta, portanto. O próprio PCUS se reserva 100 cadeiras cativas, por este processo. E as demais organizações nacionais, muito distantes do povo, completam estas vagas.
Finalmente, 1/3 dos membros é eleito nos sovietes. Que também perdem força. Deixa de existir, na prática, o Soviete da União.

Os 2.250 membros do tal Congresso do Povo escolhem um Soviete Supremo (só o nome é igual ao antigo órgão), com 554 participantes, que funcionará permanentemente, nos moldes ocidentais. Cria-se, assim, um corpo de "políticos" que, como conhecemos muito bem, só voltará a seus redutos nas épocas eleitorais, para "renovar" amizades e pedir votos.

Mais do que isto, a reforma retoma a divisão de poderes entre o Legislativo e o Executivo – que foi um avanço da revolução burguesa em relação ao absolutismo monárquico há duzentos anos. Mas que se tornou obsoleta, com o "novo capítulo da história universal" inaugurado pelo poder dos sovietes em 1917.

Marx já mostrava, no século passado, que a Comuna – primeira tentativa do poder proletário, em 1871, em Paris – "deveria ser não um corpo parlamentar, mas um corpo de trabalho; executivo e legislativo ao mesmo tempo". Lênin acrescentava: "Os próprios deputados têm que trabalhar, executar eles próprios as suas leis, comprovar o que se consegue na vida, responder eles próprios diretamente perante seus eleitores". E não poupava críticas ao parasitismo dos políticos burgueses, que parlamentavam, parlamentavam…

O Congresso de Gorbachev elegeu um presidente da República, com amplos poderes, encarregado da política externa e de todos os projetos administrativos, que só o Soviete Supremo pode vetar. Esta aproximação com o presidencialismo acentua ainda mais o caráter retrógrado do regime tipo burguês-ocidental imposto pela perestroika.

Todas estas modificações foram feitas com base em uma Conferência do PCUS, no ano passado, seguida imediatamente da convocação do Soviete Supremo, que engoliu a receita, e logo elegeu Gorbachev como presidente provisório. A eleição do novo (velho) Congresso, em 26 de março, assegura a Mikhail Gorbachev um mandato de cinco anos como presidente todo-poderoso da URSS.
Por fim, não se pode deixar de comentar o que está sendo qualificado como "grande avanço": o repúdio, pelos eleitores, dos dirigentes indicados pela direção do PCUS como candidatos ao Congresso.

Alavanca Imprescindível

Lênin é absolutamente incisivo quanto à questão da necessidade do partido do proletariado, unido e disciplinado, para a construção do socialismo. Sem um partido assim, diz ele, "que goze da confiança de tudo que exista de honrado dentro da classe, sem um partido que seja o pulsar do estado de espírito das massas e possa influir sobre ele, é impossível levar a cabo com êxito esta luta".

Ele mostra também que o partido "é onde se concentram os melhores elementos da classe operária, que mantém vínculos diretos com as organizações sem partido, é a melhor escola de formação dos chefes da classe operária, pela sua experiência e autoridade, é capaz de centralizar a direção da luta do proletariado. É a forma superior de união da classe dos proletários".

Neste sentido, as orientações de Gorbachev são duplamente contra-revolucionárias. Primeiro, por ser a própria perestroika um aprofundamento da transformação do antigo partido da revolução em instrumento da nova burguesia soviética para restaurar o capitalismo. Segundo, por espalhar a concepção de que o prestígio do partido seria uma coisa negativa, antidemocrática. E alimentar idéias pequeno-burguesas de que o avançado é rejeitar qualquer direção, do partido ou do Estado.
A perestroika faz de liberais como Yeltsin símbolos do progressismo quando, na verdade, são baluartes da burguesia na liquidação dos últimos vestígios das formas socialistas na URSS. A "diversidade" tão badalada pelos meios de comunicação burgueses reflete apenas as diferenças entre grupos da nova burguesia encastelada no poder na URSS, a exemplo do que acontece nas democracias capitalistas ocidentais.

Para a pequena-burguesia, a organização do partido aparece como uma violência contra a individualidade. O fato de a sociedade socialista adotar o centralismo democrático, que preconiza a submissão da minoria à maioria, é qualificado como monstruosidade. O planejamento estatal, sob direção da organização de vanguarda da classe operária, é tachado como tentativa de fazer dos homens simples engrenagens de máquinas.

Desde a revolução de 1917, os oportunistas tentavam separar o partido bolchevique do poder socialista. "Sovietes sem comunistas", diziam. Manter a "independência" do aparato estatal em relação ao partido era uma obsessão pequeno-burguesa.

Lênin rebatia com ênfase os ataques à organização revolucionária: "O partido, como destacamento de vanguarda da classe operária, deve exercer a direção geral de todos os organismos do Estado". E ainda: "O partido deve levar à prática suas decisões pelo conduto dos sovietes e nos marcos da Constituição soviética. O partido se esforça para dirigir a atividade dos sovietes e não por suplantá-los".

Presença Operária

Para cumprir sua missão revolucionária, o partido bolchevique cuidava permanentemente do fortalecimento ideológico de suas fileiras e de seu enraizamento entre as massas. Esforçava-se para incorporar os trabalhadores avançados e, ao mesmo tempo, para afastar os elementos corrompidos.
Em 1921, por orientação de Lênin, o partido empreendeu uma vigorosa campanha para afastar de seus organismos elementos arrivistas, oportunistas, que tinham penetrado no seu interior em busca de privilégios e favores pessoais. Com isto, 159 mil filiados foram afastados – cerca de 24% do total de membros. E foi estabelecido maior rigor na admissão de novos militantes.

Tanto o processo de depuração dos oportunistas como o ingresso de novos militantes eram feitos abertamente em assembléias nas fábricas e outras unidades de trabalho, com ampla participação dos operários sem partido. As massas acompanhavam atentamente o processo de construção de seu partido. E contribuíam com suas críticas e sugestões na indicação dos elementos avançados e condenação dos pelegos infiltrados.

"Não é comunista – dizia Lênin – aquele que não sabe aglutinar ao seu redor vários operários honestos sem partido, estabelecer com eles uma convivência cotidiana, visitá-los em suas casas, ajudá-los na vida diária, proporcionar-lhes jornais periódicos e promover, dentre eles, trabalhadores para os sovietes e sindicatos". Em 1924, 350 mil trabalhadores pediram ingresso no partido bolchevique, fruto da discussão nas empresas, 242 mil foram admitidos. A proporção de operários no partido cresceu muito, foi para 60% do total de membros. Em 1927 outros 108 mil – 82% operários fabris incorporaram-se ao destacamento de vanguarda da revolução. Em 1930, 66% dos militantes do partido eram operários e 20% camponeses.

A preocupação permanente com a composição operária do partido, a firmeza ideológica e unidade política de seus militantes, sua vinculação estreita com os trabalhadores sem partido garantiam o enorme prestígio dos comunistas entre as grandes massas populares. É flagrante o contraste entre esta organização de vanguarda, instrumento eficaz da revolução, e o agrupamento política, ideológica e moralmente decadente de Gorbachev, Yeltsin e companhia.

Avanço para trás

Em suma, os dados da realidade comprovam largamente a imensa superioridade do poder proletário, apoiado nos sovietes e dirigido pelo partido de vanguarda da classe operária, sobre o parlamentarismo burguês sob a direção de sua organização revolucionária. Garantia a mais completa liberdade aos construtores do novo mundo, sem explorados e sem exploradores. Mas, como não podia deixar de ser, exercia rigoroso controle sobre os patrões que, embora derrotados, jamais desistiram de restaurar a opressão capitalista e sempre contaram com o apoio do capital internacional nas suas arremetidas.
As conquistas revolucionárias do proletariado, e o árduo trabalho de construção do socialismo durante quatro décadas, começaram a ser destruídos com o assalto dos revisionistas, comandados por Nikita Kruschev, à direção do partido e do Estado na URSS, em meados da década de 1950. A falsa democratização promovida pela perestroika assinala uma nova etapa neste processo de restauração do capitalismo.

O parlamento de tipo ocidental agora implantado por Gorbachev não passa de uma adaptação da forma do poder ao seu conteúdo burguês, já imperante na URSS, desde o XX Congresso do PCUS, em 1956. É um "progresso" rumo ao passado capitalista que havia sido batido pelos trabalhadores com a Revolução Socialista de 1917.

A chamada democracia burguesa oferece ao trabalhador a chance de votar em dezenas de candidatos para cada vaga – em geral políticos das classes dominantes – e expõe uma infinidade de partidos – em geral também controlados pelos ricos.

Nesta suposta variedade, os partidos e lideranças populares aparecem formalmente, já que o poder econômico e mil normas eleitorais reduzem as suas reais oportunidades de chegar ao poder a quase nada. Os muitos candidatos e partidos são apenas muitas faces das mesmas classes dominantes, divididas em grupos e camadas. Esta "democracia" é uma ditadura da minoria sobre a imensa maioria.

O verdadeiro poder soviético, enquanto existiu na URSS, agia ao contrário. As normas em todos os terrenos asseguravam a participação, as decisões e o controle da política e da economia pelos trabalhadores, sob a direção de sua organização revolucionária. Garantia a mais completa liberdade aos construtores do novo mundo, sem explorados e sem exploradores. Mas, como não podia deixar de ser, exercia rigoroso controle sobre os patrões que, embora derrotados, jamais desistiram de restaurar a opressão capitalista – e sempre contaram com o apoio do capital internacional em suas arremetidas.

As conquistas revolucionárias do proletariado, e o árduo trabalho de construção do socialismo durante quatro décadas, começaram a ser destruídos com o assalto dos revisionistas, comandados por Nikita Kruschev, à direção do partido e do Estado na URSS, em meados da década de 1950. A falsa democratização promovida pela perestroika assinala uma nova etapa neste processo de restauração do capitalismo.

O parlamento de tipo ocidental agora implantado por Gorbachev não passa de uma adaptação da forma do poder ao seu conteúdo burguês, já imperante na URSS, desde o XX Congresso do PCUS, em 1956. É um “progresso” rumo ao passado capitalista que havia sido batido pelos trabalhadores com a Revolução Socialista de 1917.

* Rogério Lustosa é membro do conselho editorial da Princípios.

Bibliografia
LÊNIN, V. I. “As vitórias dos democratas constitucionalistas e as tarefas do partido operário”.
LÊNIN, V. I. “As tarefas imediatas do poder soviético”
LÊNIN, V. I. “Como deve organizar-se a emulação”
LÊNIN, V. I. “O Estado e a revolução”
LÊNIN, V. I. “A revolução proletária e o renegado Kautsky”
LÊNIN, V. I. “Poderão os bolcheviques manter o poder?”
LÊNIN, V. I. “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”
LÊNIN, V. I. “Informe ao VI Congresso dos Sovietes de toda a Rússia”
LÊNIN, V. I. “As tarefas do movimento operário feminino na República Soviética”
STALIN, J. “Informe sobre o projeto de Constituição”, VII Congresso extraordinário dos Sovietes da URSS.

EDIÇÃO 17, JUNHO, 1989, PÁGINAS 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37