LÓGICA DO CAPITAL LEVA AO PARASITISMO
Um dos aspectos mais importantes do imperialismo, embora quase sempre negligenciado por economistas e historiadores, é a sua orientação em direção a um crescente parasitismo econômico, subjacente à lógica que governa a exportação de capitais e a apropriação dos lucros neocoloniais pelos monopólios. O fenômeno foi observado pelo economista inglês John Hobson no início deste século e ressaltado por Lênin como uma das principais contribuições daquele autor para o entendimento do sistema imperialista e de suas perspectivas.
Resultando, conforme salientava Lênin, de "uma enorme acumulação num pequeno número de países de um capital dinheiro" que atinge somas astronômicas, o capital financeiro incrementa naturalmente uma expressiva camada de rentistas, de indivíduos "que não participam em nada em nenhuma empresa, e cuja profissão é a ociosidade". Mas não só, a apropriação de excedentes gerados pelo proletariado de nações dependentes viabiliza, igualmente, todo um modo de vida e gastos nos países-sede do imperialismo, que não seriam possíveis com base apenas na acumulação interna de capitais.
À ociosidade crescente, somam-se, como componentes do parasitismo, o financiamento da aristocracia operária, de vários empreendimentos improdutivos e de boa parte das despesas governamentais, aí contados em certa medida os investimentos na indústria bélica.
O recurso à apropriação neocolonial dos lucros termina por imprimir "uma marca de parasitismo a todo país imperialista, que vive da exploração do trabalho de uns quantos países e colônias do ultramar", sublinhava Lênin.
Ao analisar a evolução do parasitismo no início do século, Hobson destacava que o sistema capitalista encontrava-se diante da perspectiva de constituir "um grupo de nações industriais avançadas, cujas classes superiores receberiam enormes tributos da Ásia e da África; isto permitir-lhes-ia manter grandes massas de empregados e criados submissos, ocupados não já na produção agrícola e industrial de artigos de grande consumo, mas no serviço pessoal ou no trabalho industrial secundário, sob o controle de uma nova aristocracia financeira".
A marcha do sistema não foi precisamente fiel à perspectiva do economista inglês, devido sobretudo aos efeitos das duas guerras mundiais que alteraram e retardaram o curso do imperialismo naquela direção. Não obstante, o desenvolvimento do parasitismo não foi detido e, embora com contornos, formas e particularidades novas, na atualidade o fenômeno assumiu uma dimensão muito mais assustadora que na época em que a Inglaterra era a potência hegemônica no mundo.
O financiamento do parasitismo exige que uma parcela crescente dos lucros auferidos pelos monopólios em todo o planeta seja subtraída dos investimentos na reprodução do capital, especialmente na indústria, e desviada para o consumo improdutivo de variados matizes. Ao lado disto, o fenômeno é acompanhado pela progressiva perda de competitividade industrial, e mesmo certa "desindustrialização", dos países imperialistas, notadamente das potências hegemônicas, razão pela qual Hobson o apontava como uma das causas básicas do declínio econômico da Inglaterra.
Neste sentido, o parasitismo se entrelaça com a tendência à queda na taxa média de lucros obtidos pelos capitalistas (fortalecendo-a), que Marx assinalou como o resultado mais notável do avanço tecnológico e a decorrente alta da composição orgânica do capital – que progressivamente reduz os níveis de valorização do capital e aos poucos corrói as bases em que se sustenta o processo de produção capitalista, que tem na extração da mais-valia e na lei do valor os fundamentos da reprodução econômica.
Conjugados, esses dois aspectos da evolução do imperialismo levam o sistema a tender para o estancamento, a estagnação ou a decomposição. A euforia do imediato pós-guerra, alicerçada na dinâmica da reconstrução e num desenvolvimento em boa medida extensivo da economia em diversos países capitalistas, obscureceu o movimento desta tendência, mas ela se revela com nitidez nos indicadores do crescimento econômico desde então.
Informações do Banco Mundial, publicadas no relatório de 1988, dão conta de um apreciável declínio nas taxas de crescimento econômico dos países classificados pela instituição como "industrializados" ao longo das últimas décadas. Em conjunto, essas economias apresentam taxas de incremento do PIB da ordem de 5% para a década de 1960-70; 3,1% para 1970-80 e 2,5%, projeção então feita pelo BIRD para a década 1980-90, depois de se refazer do otimismo implícito em estimativa anterior, de 4,2%. Presentemente, a tendência à estagnação é ainda mais forte.
Tal resultado reflete a queda na taxa de acumulação dos monopólios – frente à necessidade de investimentos proporcionalmente maiores em meios de produção, limitando as margens de valorização do capital –, bem como uma redução ainda maior dos investimentos produtivos, devido ao financiamento do parasitismo. Isto vem acompanhado, igualmente, pelo crescimento relativo e absoluto do desemprego e da ociosidade nas empresas, agravando a contradição entre as modernas forças produtivas e as relações de produção capitalistas. É importante a evolução do capitalismo monopolista do Estado, certamente vinculada às necessidades de intermediação no financiamento do modo de vida parasitário e crescentes gastos improdutivos (inclusive bélicos) e no amortecimento de prejuízos para os monopólios durante as crises cíclicas. O papel do Estado na economia, embora não ocorra prioritariamente na forma de investimentos diretos em atividades produtivas, tem se agigantado na época dos monopólios, em resposta à demanda de maior planejamento, numa ironia amarga ao discurso neoliberal. A participação da despesa governamental no PNB ou no PIB de alguns países imperialistas evoluiu da seguinte forma, segundo dados do BIRD:
Ano França Alemanha Japão Suécia Reino Unido EUA
1880 15 10 11 6 10 8
1929 19 31 19 8 24 10
1960 35 32 18 31 32 28
1985 52 47 33 65 48 37
No entanto, é preciso assinalar que a tendência à estagnação do sistema imperialista, embora presentemente abarque a economia mundial tomada como um conjunto e se faça notar na quase totalidade dos países capitalistas, manifesta-se de forma desigual tanto no tempo como no grau em que incide sobre as diferentes nações. E esta desigualdade expressa-se na decomposição das potências hegemônicas ("os países mais ricos em capital", nas palavras de Lênin). Se outrora tal movimento se traduziu na decadência do imperialismo inglês, hoje é sobretudo nos Estados Unidos que ele faz valer sua força.
O mundo produz e os EUA consomem, com déficits comerciais enormes
Desde o pós-guerra, quando respondiam por 35,1% do PIB mundial (conforme estatísticas publicadas no livro O crescimento econômico do pós-guerra, de Simon Kuznets) e conseguiram impor ao conjunto do mundo capitalista toda uma ordem econômica mundial baseada na sua imagem e nos seus interesses, os EUA vêm acumulando gigantescos desequilíbrios econômicos e ostentando um parasitismo crescente e sem paralelo na história das sociedades.
No início com uma grande capacidade de exportação de capitais, pouco a pouco desenvolveram uma crônica dependência dos lucros auferidos no exterior, passando a consumir bem além dos limites da sua produção interna, cuja capacidade declinava em função da queda nas taxas de poupança e investimentos.
Desde a década de 1970 tal orientação no sentido de um parasitismo cada vez mais agudo se expressava em déficits constantes e crescentes na balança comercial, que atingiram, na década de 1980 cifras astronômicas, superiores a 100 bilhões de dólares anuais, a ponto de transformar o país numa espécie de "supermercado mundial", como disse o empresário Lee Iacocca. O mundo produz, os Estados Unidos consomem.
Paralelamente, desenvolveram-se vários outros traços característicos do parasitismo, destacadamente o aumento generalizado dos gastos e das atividades improdutivas, a gradativa perda da competitividade industrial e relativa queda da produtividade (comparativamente aos concorrentes), tudo isto resultando num processo de franca decomposição econômica e social.
A lógica do parasitismo levou a que a perda da competitividade industrial se transformasse gradualmente em erosão do poder financeiro, com o déficit da balança comercial ou de bens visíveis, influindo também na balança de serviços, dos chamados bens invisíveis (lucros, juros, empréstimos etc), e conduzindo a um saldo negativo no que é computado como contas correntes dentro do balanço de pagamentos.
Este processo ampliou as dimensões do parasitismo norte-americano, ao mesmo tempo em que tornou inexoráveis o declínio e a perda da hegemonia econômica dos EUA no mundo, coisa que no fundamental se consumou na década de 1980, que assinala a transformação daquele país de maior credor em maior devedor mundial.
O fenômeno é indicado pelo saldo global poupança/ investimento no país (poupança bruta menos investimento bruto), que passa a ser negativo na década de 1980, revelando um hiato crescente entre a capacidade de acumulação de capitais e as necessidades de investimentos para manter a reprodução e a expansão, ainda que a uma taxa irrisória, do PIB. Em 1985, o saldo negativo foi equivalente a 2,9% do PNB, pulando para 3,3% em 1986 e 3,6% em 1987, conforme informações divulgadas pelo Banco Mundial (por definição, tais déficits equivalem aos débitos da conta corrente).
Até 1987, o hiato era causado sobretudo pelo déficit público, enquanto a poupança privada bruta excedia os investimentos, sendo o saldo canalizado para cobrir o rombo das despesas governamentais – muito embora a taxa de poupança dos monopólios norte-americanos já fosse, além de decrescente, significativamente baixa, principalmente se comparada às do Japão e Alemanha. Em 1987, porém, o problema é agravado por um déficit nos investimentos privados, da ordem de 16% do PNB, que já não podem ser financiados pela poupança do setor, de 14,8% (contra 33,3% no Japão e 23,3% na Alemanha).
Pela dimensão da economia norte-americana, a forma de sua inserção e projeção dentro da economia mundial, o arcabouço institucional constituído em Bretton Woods no ano de 1944 e ainda hoje vigente, e outros fatores correlatos, os desequilíbrios que apresenta acabam tendo graves repercussões sobre praticamente todas as nações do Globo. A crise dos EUA contamina toda a economia mundial, irradiando-se para todo o Globo e arrastando para o precipício diferentes nações. Isto é uma das particularidades mais notáveis da conjuntura atual.
No reino mágico o dinheiro flui de todo o mundo para Nova Iorque
Em primeiro lugar, cabe assinalar que, durante toda a década de 1980 e presentemente, o parasitismo americano levou a uma inflexão sensível no fluxo de capitais tanto nos países imperialistas quanto nos dependentes. O grosso das disponibilidades de recursos, ou dos excedentes produzidos no planeta, tem sido canalizado para a economia americana, a fim de cobrir o hiato entre poupança e investimentos nos setores públicos e, mais recentemente, privado.
Ao relatar uma polêmica entre economistas norte-americanos sobre a relação entre poupança, investimentos e crescimento econômico, o jornalista Robert Kuttner, da revista Business Week, concluía que era preciso ampliar os conceitos de poupança incluindo os efeitos da internacionalização econômica para entender o recente ciclo de relativa prosperidade da economia americana.
E, sem disfarçar o cinismo, disse: "Graças ao triunfo da política de "laissez-faire" adotada nos anos 1980, nós conseguimos finalmente alcançar aquele nirvana dos fluxos livres de capital no Globo inteiro, graças aos quais o dinheiro pode fluir livremente de Tóquio ou de Frankfurt para Nova Iorque e vice-versa. Dentro dos esquemas deste verdadeiro Magic Kingdom (Reino da Magia), o dinheiro chega até mesmo a fluir encosta acima, saindo dos países mais pobres do mundo em direção a Wall Street. Mas esta realidade de um único mundo financeiro, durante muito tempo almejado por homens como Peterson, significa que realmente não importa muito que os Estados Unidos poupem, desde que as poupanças mundiais sejam adequadas para financiar o crescimento mundial e desde que os Estados Unidos consigam atrair investimentos”."
No entanto, os custos da brincadeira são muito elevados. Sem contar os lucros colossais provenientes da espoliação praticada pelo capital financeiro americano sobre as nações economicamente dependentes, a cobertura do déficit na conta corrente norte-americana implica uma importação de capitais num montante superior a 100 bilhões de dólares anualmente, o que vem sendo feito através do endividamento externo e da desnacionalização da economia ianque, de maneira mais intensa a partir da segunda metade da década passada.
Ao lado desta orientação do fluxo de capitais, pelo menos do grosso deste fluxo, proveniente dos países com excedentes externos, e, portanto, em condições de exportar capitais (a maior parte dos investimentos externos feitos pelo Japão e pela Alemanha destinam-se aos EUA), o colossal parasitismo ianque é direta e indiretamente responsável pela explosão da crise do endividamento externo nos países dependentes, bem corno pela falta de perspectiva de solução para tal problema. As exigências arrogantes dos credores, a evolução das taxas de juros dos empréstimos contraídos pelo chamado Terceiro Mundo, assim como o aumento das remessas de lucros pelas filiais de multinacionais na década de 1980 e os desinvestimentos (com repatriamento de capitais) nos países dependentes, não são senão subprodutos dos desequilíbrios da economia dos EUA, que precisa sugar recursos de todo o mundo para se manter em pé. Até mesmo o economista Delfim Netto reconheceu o problema, ao afirmar que "os Estados Unidos estão financiando seu déficit público à custa do mundo" (resta acrescentar que o déficit não é só público, apesar da importância crescente das despesas governamentais).
Ciclos econômicos deformam-se e não têm mais as fases de prosperidade
As pesadas transferências de recursos das nações economicamente dependentes para os centros imperialistas, sobretudo para os Estados Unidos (a inversão do sentido dos fluxos evidenciada no gráfico, com base em informações do Banco Mundial), desde o início da década de 1980, tiveram, e ainda estão tendo, efeitos arrasadores. Os ciclos de reprodução econômica nessas regiões e países movem-se de forma completamente deformada, e sui generis, praticamente já não compreendem fases de prosperidade, apresentando uma estagnação crônica. A transferência de uma parte expressiva do produto desses países para alimentar o parasitismo americano tem por contrapartida uma subtração proporcional nos investimentos e consumo internos. A queda nas taxas de crescimento do PIB, e principalmente da renda per capita, por outro lado, tem conduzido a um empobrecimento brutal das nações e dos povos do chamado Terceiro Mundo, para quem a década de 1980 foi considerada a "década perdida" ou "da estagnação" e a de 1990 não apresenta perspectivas de melhorias. Em muitos aspectos, e para vários países, a crise atual tem efeitos mais dramáticos que os da Grande Depressão de 1929 sobre os países imperialistas, como indica o gráfico.
No entanto, o parasitismo norte-americano tem outras graves implicações e determinações. Em 1987, por ocasião do colapso da bolsa em Nova Iorque, 33 ilustres da economia burguesa reuniram-se para analisar os "desequilíbrios insustentáveis" do imperialismo ianque e, por tabela, de toda a economia mundial, e as possíveis saídas para evitar a catástrofe que ameaçava e ameaça todo o sistema.
Entre outras coisas, concluíram que os Estados Unidos deveriam reduzir "drasticamente" todo o consumo e as despesas domésticas para iniciar um dramático ajuste e "trazer a conta corrente à ordem postulada de menos 50 bilhões de dólares a zero", começando por uma substancial melhora da balança comercial "entre 150 bilhões a 200 bilhões de dólares", de forma a não só eliminar o déficit como viabilizar um superávit, dado que a dívida externa do país deveria atingir (como atingiu) algo em torno de 700 bilhões de dólares em 1990.
Embora o governo norte-americano tenha envidado esforços nesta direção, com uma política de desvalorização cambial aliada ao estabelecimento de barreiras protecionistas e de subsídios e estímulos às exportações, o resultado até agora tem sido medíocre – de forma que ainda no ano passado o déficit comercial superou a casa dos 100 bilhões de dólares.
Porém, tal ajuste interno, ao implicar uma redução substancial do consumo de forma a levar a sociedade a não gastar mais do que os próprios meios que produz, não é viável sem um expressivo empobrecimento nacional, distribuído evidentemente de forma bastante desigual entre as classes e os grupos sociais.
Em outras palavras, exige o alargamento da pobreza e da miséria no país. O número de pobres nos EUA tem subido de forma assustadora nos últimos anos, ultrapassando a casa dos 30 milhões, conforme as estatísticas do governo, pelo menos 20 milhões passam fome e outros 8 milhões não têm onde morar. A concentração de rendas elevou-se enormemente, principalmente durante os dois mandatos de Reagan. A fase de prosperidade do último ciclo econômico, financiada com dinheiro japonês e com a espoliação dos países dependentes, que (como tudo indica) está se encerrando neste ano, foi acompanhada pela ampliação das diferenças e contradições de classes em toda a sociedade americana.
A correção dos desequilíbrios e desproporções da economia ianque cobra um preço muito alto e, entre outras coisas, certamente implica, e de certo modo já está implicando, a ruína do badalado modo de vida americano. Além de faltar intenções, e condições, ao governo e aos monopólios de efetivar um "ajuste interno", a velocidade com que progrediu a crise da estrutura econômica dos EUA torna todas as propostas de soluções fantasiosas e tímidas.
Assim, por exemplo, não bastam aos Estados Unidos zerarem a balança comercial, uma vez que só os compromissos da dívida externa importam em cerca de 100 bilhões de dólares anuais – sendo que a dívida continua a crescer com a lógica de uma bola de neve. A redução das importações, e o crescimento das exportações, dentro de pouco tempo terão um significado ainda menor, sem considerar os sacrifícios sociais que já estão impondo, sobretudo aos mais pobres.
Troféu da hegemonia capitalista é disputado por meios nem sempre pacíficos
Muito mais graves são os efeitos externos da crise, que se projeta não apenas sobre a economia e as finanças mundiais, mas também torna inevitáveis profundas alterações no quadro geopolítico, diplomático e militar do globo. As taxas de crescimento econômico desigual entre as nações capitalistas, que caracteriza o imperialismo e atua normalmente em prejuízo das potências hegemônicas, já faziam sentir seus efeitos desde os primeiros anos de pós-guerra, fortalecendo rivais em potencial dos EUA e erodindo as bases da ordem internacional criada em Bretton Woods. Conforme dados do FMI, enquanto a indústria japonesa cresceu 40 vezes entre 1948 e 1987 e a da Alemanha 10 vezes, a norte-americana aumentou apenas quatro vezes no período e, muito embora tivesse uma dimensão bem mais gigante em comparação com os outros países imperialistas, a desigualdade das taxas de crescimento não tardaria a se manifestar na perda de competitividade e na decomposição.
O processo de decadência e perda de hegemonia no campo econômico, que se arrasta há décadas, completou-se na década de 1980 com a perda do poder financeiro, objetivamente, já transferido para o Japão e, em menor medida, para a Alemanha. Os EUA não só se transformaram no maior devedor do planeta como, com isto, passaram à condição de importadores líquidos de capitais, obviamente perdendo a capacidade de exportar capitais, como é indicado na posição relativa das contas correntes nos países imperialistas (o déficit do conjunto de países "industrializados" deve-se ao fato de ao parasitismo americano somarem-se o parasitismo da economia inglesa e de outros países imperialistas).
Como a expansão econômica dos monopólios e países imperialistas é proporcional à capacidade de exportação de capitais, que acaba por definir o poderio relativo das potências (nas relações econômicas, em primeiro lugar e com o tempo também nos campos diplomático e militar), isto significa que a potência norte-americana está perdendo espaços, sua hegemonia declina e em breve ela poderá estar desempenhando um papel de categoria bem inferior ao atual.
Com efeito, a história atual ensaia o movimento de uma transição que tem por base o deslocamento da hegemonia americana – mas o troféu ainda promete muitas disputas. Antes de avançar para tal assunto, convém destacar que o parasitismo da economia norte-americana tornou o imperialismo ianque muito vulnerável e dependente do ponto de vista financeiro, principalmente em relação ao Japão e à Alemanha – o primeiro chegou a financiar o equivalente a 30% do déficit público criado por Bush em 1987. Mesmo agora, para pagar as operações de guerra no Golfo Pérsico, o chefe do departamento de Estado dos EUA, James Baker, precisou girar o mundo cobrando tributos dos japoneses e dos alemães. Quanta decadência!
O declínio econômico norte-americano, embora patente, é negado de forma quase histérica por alguns ideólogos a soldo do Imperialismo Ianque. A influência dos interesses da burguesia dos EUA sobre a consciência e a produção de seus economistas e historiadores, aliás, é tão forte que se faz notar inclusive em analistas pretensamente independentes como Paul Kennedy, autor de um apreciável estudo sobre "Ascensão e queda das grandes potências", onde defende a "tese" (já há alguns anos um evidente fato histórico) da decadência econômica norte-americana de uma forma tão tímida que a ilustração da capa de seu livro é mais reveladora que os argumentos utilizados no texto.
No entanto, a transição em curso e a demanda objetiva de uma nova ordem econômica internacional, um reordenamento das posições relativas das potências de forma a que ao poderio econômico relativo corresponda a estrutura política, diplomática e militar, não são coisa simples e tendem inclusive a produzir resultados bem opostos aos interesses imperialistas. A flagrante contradição entre a relativa fragilidade econômica dos EUA com o arcabouço institucional herdado do pós-guerra e ainda vigente não promete uma solução pacífica, enquanto sua manutenção implica no alargamento dos desequilíbrios atuais, "insustentáveis" conforme os ilustres economistas burgueses.
Alguns historiadores da atualidade apontam o desenvolvimento desigual das nações como a causa básica, direta ou indireta, das guerras. Também Stalin, ao argumentar sobre a inevitabilidade da guerra no imperialismo, apontava, de maneira profética, o provável soerguimento das economias da Alemanha e Japão e o acirramento da concorrência e das contradições entre as potências imperialistas.
Conduta arrogante de Bush no Golfo Pérsico reflete gravidade da crise
As tendências mais profundas do desenvolvimento do imperialismo podem estar sendo obscurecidas pela aparência enganosa de paz e inquebrantável unidade entre as potências, que teria resultado no fim da guerra fria, a desagregação da União Soviética e as mudanças diplomáticas patrocinadas pela perestroika.
No entanto, o fato é que o declínio do império norte-americano tem sido acompanhado do expressivo acirramento da competição entre os países imperialistas, assim como do aumento do saque neocolonial contra as nações dependentes. A economia internacional sofre os efeitos de uma virtual guerra comercial e financeira, cresce a incidência de medidas protecionistas e de retaliação comercial e financeira. Verifica-se, sobretudo, uma elevação do grau de arrogância dos imperialistas norte-americanos, que querem manter a qualquer preço a hegemonia sobre o planeta.
É esta arrogância, que tem por pano-de-fundo os enormes desequilíbrios da economia dos EUA e a perda da hegemonia financeira, que explica a conduta do militarismo ianque no Golfo Pérsico. O governo Bush diz que age em nome da comunidade das potências e, de fato, manobrando com uma situação muito singular (dada pela aliança de Gorbachev à diplomacia do dólar, a prevalência de um quadro de alinhamento diplomático e político cujos contornos ainda são os característicos da era de bipolarização entre EUA e URSS, a relativa impotência militar de Alemanha e Japão), soube usar a hegemonia militar para dobrar outros países imperialistas e levar adiante uma política que atende sobretudo aos seus interesses.
Não se deve desprezar os fatores que atuam objetivamente no sentido de favorecer a unidade entre as potências, muito menos quando se trata de defender o sagrado direito à espoliação das riquezas dos países dependentes contra a pretensão autonomista de alguns governos e dos povos. Seria errado, contudo, absolutizá-los, observando a história de uma forma unilateral, conforme orientam os interesses burgueses.
Ao lado das tendências à unidade entre as potências, movimentam-se também fortes fatores que conduzem à concorrência e à luta. A unidade que hoje predomina pode e tende a ser substituída pela luta amanhã. O fato é que a agressividade imperialista contra os povos torna-se mais aguda, desenvolvendo a tendência do sistema à reação no campo político – sequer o ressurgimento do racismo e, em certa escala, do nazi-fascismo em alguns países, pode ser dissociado da grave crise do sistema imperialista.
A história mais uma vez está a demonstrar que o choque das contradições características do sistema capitalista em sua etapa imperialista (destacadamente o desenvolvimento desigual entre as nações e a decadência das potências hegemônicas) conduz objetiva e inapelavelmente à guerra, que atualmente significa destruição massiva e poderá se traduzir numa catástrofe de proporções incomensuráveis.
Por isto, a observação feita por Marx e Engels de que a humanidade se defrontaria cada vez mais adiante de duas únicas alternativas – ou o socialismo ou a barbárie – é hoje uma verdade ainda mais dramática. A perspectiva socialista sofreu sensivelmente o golpe aplicado pelos revisionistas contra as idéias revolucionárias na década de 1950 e atualmente ressente-se da ofensiva mundial do anticomunismo. No entanto, a história demanda uma superação urgente do atual período de adversidades, reação, entorpecimento das consciências pela propaganda burguesa e predomínio da ideologia capitalista sobre amplas massas populares. À consciência progressista da humanidade não pode passar despercebido o perigo do caos implícito na sobrevida do imperialismo.
Umberto Martins é jornalista.
EDIÇÃO 19, NOVEMBRO, 1990, PÁGINAS 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65