O livro do professor João Quartim de Moraes trata de problemas polêmicos e atuais, que têm preocupado muitos estudiosos e observadores contemporâneos. A questão militar, por sua vez, no seu sentido amplo, tem sido abordada por vários autores, como José Murilo de Carvalho, Oliveiros Ferreira, Helio Silva, Nelson Werneck Sodré, para citarmos somente alguns nomes.

Até o momento foi publicado o primeiro volume de seu livro, que abrange uma parte metodológica, um capítulo sobre o papel do Exército no período imperial, além de outras quatro partes que tratam da participação do Exército durante a 1ª República. Acreditamos que os dois volumes seguintes tratarão do período que compreende da década de 1930 aos dias atuais, pois sabemos que o autor militou profundamente no movimento clandestino durante a ditadura militar pós-1964 e escreveu sobre a sua própria experiência. Os títulos dos capítulos mostram a intencionalidade analítica da obra: I- Esquerda: Semântica e História; II- O Império, ou o poder longe do Exército; III- A República das oligarquias agrárias ou o Exército contra o Ultrafederalismo; IV- Reformas do Exército ou reforma da nação; V- A política de defesa nacional: da mobilização civil à missão militar francesa; VI- A guerrilha dos tenentes.

Para o autor, ao estudar os militares, ele os divide, pelo sentido e pela ação, em esquerda e direita. Esta divisão também serve para caracterizar a sociedade: "a polarização esquerda/direita permanece, ainda que convenientemente camuflada pelos tartufos de todos os calibres, tão atual que serve não somente para caracterizar a oposição fundamental de interesses dentro da sociedade de classes, mas também no interior de cada formação política, sindical, e de cada corporação social ou estatal" (pág. 11).

O autor leva a sua análise não só para o passado, mas também para o momento atual. Deixaremos nossas observações sobre o tempo presente quando saírem o segundo e o terceiro volumes. Torna-se, entretanto, importante considerar a análise da relação entre Exército e Império. Na época da Independência, o papel do primeiro ainda é secundário e só se torna relevante no fim do século XIX quando se dá, na Europa principalmente, a "profissionalização dos quadros do corpo de oficiais que deixa de ser apanágio da aristocracia para se converter em carreira burocrática, à qual tiveram gradualmente acesso (…) elementos oriundos das diferentes camadas da burguesia" (p. 27-28). Esse processo geral repercute de maneira muito superficial no Brasil, pois o poder dos senhores rurais, que é descentralizado e espalhado por todo o país, já criara um braço armado próprio, que é a Guarda Nacional. Esta vai representar o poder do federalismo, isto é, o poder dos fazendeiros ou "coronéis"; de qualquer jeito é a Guerra do Paraguai que vai consolidar o Exército nacional, cujo total de homens baixa de 100 mil, no auge da referida guerra, para 13 mil em 1889. Desta maneira, centralismo e federalismo militares formam a dualidade básica desse período. Apesar disto, o Exército se comporá com forças oligárquicas na derrubada do Império em 1889.

A indisciplina militar e a recusa do Exército em perseguir escravos são alguns dos motivos da sua atitude contra o Império. A partir de 1889, vamos ter dois militares na Presidência da República, além de outros governos estaduais e nas diversas assembléias constituintes. Durante a elaboração da Constituição de 1891, as oligarquias combatem diversos anteprojetos sobre o serviço militar. O Exército profissionalizante é formado de uma oficialidade mais de caráter jurídico, resultado do ensino da Escola da Praia Vermelha. Por sua vez, os soldados são de origem popular, recrutados de maneira aleatória em todo o território nacional. Prudente de Morais representa o momento maior do poderio oligárquico que, a partir de 1897, obriga os militares políticos a retornarem a suas funções específicas. A tentativa de reação militar contra o avanço oligárquico se dá na maior parte, no começo do governo Floriano, hora em que ele se alia ao movimento denominado de "jacobinos".

A vitória das forças civis leva o recuo das pretensões dos militares. Os fatos posteriores demonstram que o Exército procurará, então, se modernizar. É o caso da reforma de 1908 que provoca a ida de oficiais à Alemanha, faz que apareça a primeira tentativa de sorteio militar obrigatório, provoca o aparecimento da revista A Defesa Nacional, movimento este denominado de "jovens turcos". Mas a divisão da oligarquia de Minas e São Paulo vai permitir, por sua vez, o reaparecimento político do Exército. Entre 1910-14, os militares voltam à cena e entram em choque com várias oligarquias estaduais e esse "imbróglio" provoca situações bastante calamitosas em várias regiões do Brasil, logo boa parte dessas oligarquias derrotadas temporariamente retorna ao poder durante o governo Wenceslau Brás (1914-1918).

A revolta dos sargentos (1915-16) e a dos tenentes, a partir de 1922, é que permitem o retorno da esquerda militar, isto é, a tentativa de mudanças da estrutura de poder da sociedade brasileira de então. Enquanto em 1910-14 a ação militar fora conservadora, pois nessa hora a alta oficialidade procura um lugar ao sol para si própria, os dois outros movimentos questionam a situação brasileira, as formas de poder coronelística etc. Segundo o autor, um dos momentos máximos é a Coluna Prestes, que "atingiu, entretanto, em boa medida, seu objetivo ético-político: demonstrar ao povo brasileiro que era justo e possível revoltar-se contra uma ordem social iníqua e um poder de Estado corrupto e espúrio" (p. 164). Com a Revolução de 1930, abre-se uma nova fase desse processo, análise essa que faz parte do segundo volume.

Alzira Cristina Carvalho Barros

Licenciada em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e aluna do Curso de Pós-Graduação na área de História Econômica, da Universidade de São Paulo (USP).

EDIÇÃO 22, AGO/SET/OUT, 1991, PÁGINAS 73