Nos últimos meses o ministro das Relações Exteriores, Francisco Rezek, insistiu muito na tese de que o Brasil voltaria a assinar um acordo militar com os Estados Unidos, a exemplo do que ocorreu entre 1953 e 1977. Mais ainda, Rezek afirmou que a assinatura do novo acordo seria "inevitável". As afirmações do ministro provocaram reações contrárias no Congresso Nacional, entre setores nacionalistas e até mesmo nas Forças Armadas. O ministro do Exército disse que não fora informado dessa possibilidade e adiantou-se, desde logo, contrário à assinatura de um novo acordo militar com os Estados Unidos. Em seguida, os ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica chegaram a emitir uma nota repudiando o estabelecimento desse acordo.

As posições dos ministros do Exército e da Marinha foram confirmadas a mim pessoalmente por seus assessores no Congresso Nacional. Em resumo, as razões apontadas são as de que o antigo acordo, denunciado em 1977, pelo presidente Ernesto Geisel, foi extremamente lesivo à soberania nacional e ao desenvolvimento tecnológico das três Armas.

Passadas algumas semanas, somos informados de que as intenções do governo do presidente Fernando Collor de Mello, no que se refere às Forças Armadas, são muito mais extensas do que a retomada do Acordo Militar Brasil-EUA. A Gazeta Mercantil de 26 de junho noticia que, na verdade, "o Brasil decidiu mudar a política de defesa e o perfil de seu complexo industrial-militar, com uma série de iniciativas que tendem a ter grande repercussão nas suas relações com os Estados Unidos”. O governo Collor, continua o jornal paulista, ao mesmo tempo em que realiza "negociações com governos e empresas de nações líderes no mercado mundial de alta tecnologia com aplicações na indústria bélica", teria optado "por abrir-mão do controle acionário que possuía, em alguns casos; estimular a saída dos seus atuais sócios privados nacionais, em outros; e, sobretudo, abrir-mão da antiga meta política de auto-suficiência na produção".

De acordo com A Gazeta Mercantil, "negocia-se, nesta etapa, a venda de parte substancial do controle acionário (com direito a voto) para grupos industriais dos Estados Unidos e da Europa (Inglaterra, França, Itália e Alemanha) das seguintes indústrias:

– Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), a mais sofisticada das fábricas do complexo industrial-militar brasileiro, que desenvolveu tecnologia de aviões de combate e treinamento.
– Companhia Eletromecânica (Celma), que opera com exclusividade na revisão de turbinas da Força Aérea Brasileira (FAB).
– Engenheiros Especializados S.A. (Engesa), fabricante de tanques e carros leves de combate.
– Avibrás Indústria Aeroespacial, indústria de mísseis e foguetes de médio alcance”.

E não é só: "Ao mesmo tempo, o Brasil iniciou negociações com Washington, na expectativa de concluí-las ainda no segundo semestre deste ano, em torno de salvaguardas setoriais que determinam a mudança da essência da política até então executada nas áreas de pesquisa de armas convencionais e nucleares". Em síntese, informa a Gazeta, o Brasil, para agradar aos americanos, está prestes a aderir a diversos acordos de controle da produção industrial-militar. Por exemplo, na área nuclear, o País deverá submeter-se, até setembro, às normas de fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e também a aderir ao Tratado de Tlatelolco, altamente benéfico aos interesses das potências nucleares.

Em pauta mudanças na área de pesquisa e controle da produção industrial-militar

Tomando estas iniciativas, que se somariam ao acordo de mútua fiscalização nuclear firmado com a Argentina, o governo Collor "supõe que as pressões dos Estados Unidos para desmontagem do programa nuclear paralelo do Brasil perderiam todo sentido".

Além disso, informa A Gazeta Mercantil, a diplomacia brasileira desenvolve gestões para que o País adira a outros dois sistemas de controle de produção de armas. O primeiro é o Regime de Controle de Tecnologia Míssil Balística (MTCR), criado em 1987 por Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Canadá e Japão. A Argentina já aderiu ao MTCR, no início de junho, e, em função disso, o presidente Carlos Menem anunciou a renúncia ao desenvolvimento do projeto Condor II, um míssil com ogiva "inteligente" e alcance de 800 quilômetros. O segundo sistema é o Comitê de Controles Multilaterais de Exportação (Cocom), criado em 1949 por iniciativa dos EUA, para impedir o comércio de tecnologia de ponta com aplicação bélica para a União Soviética e aliados. Esse organismo foi praticamente desativado com o fim da Guerra Fria, mas depois da Guerra do Golfo, foi reativado com o objetivo de bloquear a transferência de alta tecnologia a países do Terceiro Mundo.

Como se vê, os planos neoliberais de Collor incluem a entrega da indústria militar brasileira a firmas estrangeiras e a completa subordinação da política de defesa do País aos interesses hegemônicos pós-Guerra do Golfo dos Estados Unidos.

Na verdade, esta situação não chega a constituir uma novidade. Depois da Segunda Guerra Mundial, a doutrina militar brasileira desenvolvida na Escola Superior de Guerra (ESG) era diretamente inspirada nas idéias do War College dos Estados Unidos. E o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, um desdobramento da participação brasileira na Segunda Guerra, na Itália, sob o comando dos americanos, foi assinado no dia 15 de março de 1952, durante o segundo governo de Getúlio Vargas.

De fato, a cooperação militar entre os dois países começou no período da Guerra, quando era adido militar em Washington, o general Henrique Teixeira Lott. Nos termos desse primeiro entendimento, os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira receberam armas e equipamentos dos Estados Unidos. Em seguida, ainda durante a Guerra, organizou-se uma Comissão Mista Militar Brasil-Estados Unidos, para tratar de todos os assuntos relacionados com a doutrina militar: instrução, organização, cursos de aperfeiçoamento e armamentos. Foi, então, cedido ao Brasil farto material bélico, a ser pago em longo prazo, praticamente sem juros. Após o fim da Guerra, o Exército brasileiro foi equipado com esse material. Para padronizar os equipamentos, o Estado-Maior, já experimentado no contato com os americanos, foi buscar nos Estados Unidos a complementação dos equipamentos que julgava necessários. Daí surgiu o Acordo, aprovado pela Câmara dos Deputados por 135 votos contra 39, no dia 23 de fevereiro de 1953.

O acordo antigo continha regras vergonhosas de submissão aos Estados Unidos

Esta expressiva maioria não refletiu a polêmica causada na época. O Acordo fora negociado no ano anterior pelo chanceler João Neves da Fontoura (conhecido por seu entreguismo) e pelo embaixador Raul Fernandes. Sua aprovação, na Câmara, foi comandada pelo líder do governo, Gustavo Capanema, cuja tarefa foi fácil porque o líder da oposição udenista, Afonso Arinos de Mello Franco, era favorável a ele. Havia opositores na UDN, como o baiano Aliomar Baleeiro. Outro baiano, Hélio de Burgos-Cabal, do Partido Republicano da Bahia, foi um dos que combateram o Acordo com mais vigor. Trata-se de "uma aliança militar ofensiva, com cláusulas onerosas e inconvenientes para o país", definiu Cabal. Segundo os cronistas políticos da época, no entanto, o deputado que mais se empenhou no combate ao Acordo foi Roberto Morena, do Partido Comunista do Brasil, eleito pelo pequeno Partido Rural Trabalhista.

A opinião pública acompanhou com grande interesse as discussões em torno do Acordo, como já havia feito pouco antes, durante a apaixonada tramitação, no Congresso, do projeto que estabeleceu o monopólio estatal do Petróleo e criou a Petrobras. Centenas de cartas foram enviadas à Câmara por eleitores que exigiam a rejeição do Acordo, temerosos de que ele pudesse implicar o envio de tropas brasileiras à guerra da Coréia.

Pesaram na aprovação do Acordo as dificuldades financeiras que o País enfrentava na ocasião. Poucos dias antes, em 17 de fevereiro, a Suprema Corte do Estado de Nova Iorque havia ordenado o sequestro de barras de ouro pertencentes ao Banco do Brasil, que estavam depositadas em dois bancos americanos. A Corte atendeu a uma petição da companhia exportadora Paul A. Plender Corporation, que alegou não ter recebido o pagamento de US$ 2.515, correspondentes a peças de automóveis que havia negociado com o Brasil. Contribuiu também para a aprovação o temor que alguns políticos tinham de que Getúlio Vargas, reconduzido à Presidência da República em eleições diretas, pudesse vir a dar um golpe para permanecer no poder após o término do mandato.

Finalmente, pesou o fato de o mundo então estar atravessando o auge da Guerra Fria, o que significava que todos os países além dos EUA e da URSS eram constrangidos a tomar uma posição clara na disputa. Ao defender o Acordo, o deputado pessedista Armando Falcão, futuro ministro da Ditadura Militar, dizia: "O Brasil e os Estados Unidos têm um igual destino histórico: o de preservar a liberdade e a dignidade da pessoa humana, impedindo que elas pereçam nas trevas da opressão".

O Acordo Militar Brasil-Estados Unidos tinha cláusulas draconianas para o Brasil. Ele continuaria em vigor por mais um ano após a sua denúncia, e vários de seus dispositivos permaneceriam válidos indefinidamente, a menos que os dois governos concordassem em suspendê-los. Por exemplo: A obrigação, por parte do governo recebedor da assistência militar, fazer uso eficaz dos equipamentos, a pôr em execução os planos de defesa acordados e a participar de "missões relevantes para a defesa do hemisfério ocidental";

– a proibição, sem prévio consentimento da parte cedente, de transferência da posse de qualquer equipamento recebido nos termos do Acordo;
– as medidas obrigatórias de segurança para impedir a revelação ou a exposição a perigos de materiais, serviços ou informações militares de natureza reservada fornecidos pelo outro governo; e
– o artigo 3º, que previa a negociação entre os dois governos "para prover o fornecimento de patentes de invenções e informações técnicas indispensáveis à realização dos objetivos" do Acordo.

Bastante minucioso, o documento ia bem além dos interesses meramente militares, obrigando as partes até mesmo a manterem cooperação "na adoção e aplicação de medidas de defesa econômica e controles comerciais destinadas a proteger o hemisfério ocidental das ameaças de qualquer nação". Previa também a participação de missões americanas no adestramento das Forças Armadas do Brasil e ainda a fiscalização, por parte de militares americanos, dos equipamentos cedidos ao Brasil. Após a sua aprovação pela Câmara dos Deputados, o Acordo continuou a propiciar negócios razoavelmente favoráveis, com pagamentos em longo prazo e juros baixos, através da abertura de crédito em instituições privadas com aval do governo americano. Mas, segundo o jornalista Tarcísio Hollanda (Jornal do Brasil de 13 de março de 1977), "as autoridades militares brasileiras começaram a sentir dificuldades ao verificar que o Brasil era tratado em pé de igualdade com cerca de 20 países latino-americanos na distribuição de material militar". O Comando Militar da Zona do Canal do Panamá era encarregado de distribuir os equipamentos e em torno daquele organismo formavam-se os lobbies dos países concorrentes. A partir do final da década de 1950, o governo americano passou a distribuir os equipamentos segundo a linha política de combate ao comunismo. Por exemplo, a Bolívia, para enfrentar a guerrilha organizada por Che Guevara, recebeu grandes doações de equipamento militar e os americanos adestraram naquele país tropas especiais de boinas verdes. Para o Exército brasileiro, diz Hollanda, o Acordo foi aos poucos se tornando menos atraente.

Cresceram nas três Armas idéias favoráveis a romper com as restrições

A partir da década de 1960, com o surto industrial, o governo brasileiro buscou dirigir sua política militar no sentido de substituir importações. O Exército passou a depender, basicamente, da importação de carros de combate, mísseis e equipamentos mais sofisticados. Apenas a FAB e a Marinha continuaram a receber suprimentos dos Estados Unidos. Nos anos 1960, os americanos forneceram grande quantidade de equipamentos para controle de distúrbios de rua às polícias estaduais de São Paulo, Rio, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Ainda de acordo com a reportagem de Tarcísio Hollanda, a partir de 1971, o Congresso dos Estados Unidos passou a impor uma série de restrições à ajuda militar destinada a países dominados por regimes militares. Os congressistas americanos diziam que, assim, estavam estimulando o renascimento de democracias liberais na América do Sul. Além disso, por causa das restrições em sua balança comercial, o Brasil teve de sacrificar os planos de expansão de suas Forças Armadas, para assegurar os altos índices de crescimento econômico.

As aquisições de equipamentos foram limitadas e, ao mesmo tempo, aumentou a fabricação nacional e diversificaram-se as fontes de suprimento. Ainda nos anos 1960, o Brasil passou a fabricar fuzis FAL (patente belga), metralhadoras MAG (patente americana), pistolas Beretta (patente italiana), viaturas blindadas e mísseis de baixo nível tecnológico. Até mesmo pontes e pontões usados pelos engenheiros do Exército passaram a ser produzidos pela indústria siderúrgica brasileira, informa Tarcísio Hollanda. Já no governo do general Médici, a Marinha encomendava fragatas e submarinos aos estaleiros britânicos e a FAB comprava os aviões Mirage da França.

Ainda no governo Médici houve reações contrárias às exigências estabelecidas para admissão de brasileiros nos cursos de treinamento e aperfeiçoamento nos centros militares americanos e começava a se formar uma expectativa pessimista quanto ao futuro do Acordo Militar. Pouco a pouco, de fato, o Acordo foi perdendo importância para as Forças Armadas brasileiras.

A última pá-de-cal, entretanto, foi jogada sobre o Acordo com a criação da Indústria de Material Bélico (Imbel), que incumbiu o general Euler Bentes Monteiro – futuro candidato presidencial lançado pela Frente Nacional de Redemocratização para concorrer com o general João Batista Figueiredo – de organizar a empresa estatal destinada a acelerar a instalação do parque industrial bélico no Brasil.

Direitos humanos jogam papel decisivo na luta contra o Tratado

As circunstâncias que cercaram a denúncia do acordo, contudo, teriam lances mais dramáticos.
O fato é que há cerca de um ano antes do rompimento, ocorrido no dia 11 de março de 1977, os Estados-Maiores das três Armas vinham estudando a conveniência de denunciar o Acordo, considerando que o País já dispunha de uma respeitável indústria bélica e podia usufruir das melhores condições de fornecimento de equipamentos militares oferecidas no mercado europeu.

Em junho de 1976, porém, começaram a surgir as condições políticas que levariam à denúncia. Naquele mês, o Congresso americano aprovou uma lei, que entrou em vigor a partir de setembro, de acordo com a qual o Executivo ficou obrigado a submeter aos congressistas um relatório sobre a situação dos direitos humanos em todos os cerca de 80 países que recebiam ajuda militar dos Estados Unidos. O presidente Jimmy Carter, recém-empossado, abraçou, na época, com o entusiasmo de um Cruzado, a bandeira dos direitos humanos. Paralelamente, a administração americana ampliava as pressões contrárias a algumas cláusulas do acordo nuclear firmado entre o Brasil e a Alemanha em julho de 1975.

Pois bem, no início de março de 1977, o embaixador norte-americano em Brasília, John Crimmins, comunicou no Itamaraty que o governo americano havia preparado um relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, cumprindo o dispositivo legal imposto pelo Congresso. Segundo o embaixador afirmou depois da denúncia do Acordo Militar, a informação prévia da existência do relatório foi uma gentileza dos americanos. Afinal, o dossiê, que era muito brando, cobria o período do final do governo Médici a dezembro de 1976 e, de certa forma, era até elogioso ao general Geisel. Nenhuma palavra é mencionada no relatório sobre o Massacre da Lapa, ocorrido no dia 16 de dezembro, quando parte da direção do PCdoB foi presa e três dirigentes assassinados. No dia 11 de março, após receber do conselheiro para assuntos políticos da embaixada americana o memorando relativo à mensagem que a Casa Branca enviaria ao Congresso sobre a assistência militar oferecida pelos EUA ao Brasil, o chanceler Antônio Azeredo da Silveira, divulgou uma nota à imprensa comunicando a denúncia do Acordo Militar. Segundo os termos da nota, "a legislação norte-americana sobre a 'assistência para a segurança' requer ao Poder Executivo a apresentação ao Congresso dos Estados Unidos de um relatório referente à situação interna de cada país a ser beneficiado pela assistência. O memorando se fazia acompanhar de relatórios sobre o Brasil, o qual contém comentários e julgamentos tendenciosos e inaceitáveis".

Registram os jornais da época que a denúncia foi uma decisão pessoal do general Ernesto Geisel e dela tinham conhecimento pouquíssimos assessores íntimos. Até mesmo os militares se surpreenderam com o gesto. Embora o Palácio do Planalto tenha tentado desvincular a questão dos direitos humanos com o problema do Acordo Nuclear com a Alemanha, os analistas políticos apontaram esta última questão como a razão principal que levou à denúncia. O governo brasileiro havia detectado novas pressões do sub-secretário americano, Warren Christopher, sobre o governo alemão e duas semanas antes da visita repentina de Christopher a Brasília, para pressionar o Brasil a renegociar o Acordo Nuclear, consolidou a posição em favor do rompimento. Alguns dias antes da denúncia, o governo publicou um "livro branco" sobre o Acordo Nuclear em quatro idiomas, com divulgação simultânea na Alemanha, no qual defendia o direito de o Brasil não assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Atômicas, considerado discriminatório. O documento sustentava, ao mesmo tempo, os propósitos estritamente pacíficos do Programa Nuclear brasileiro. O dilema vivido pelos opositores do regime militar foi então apontado pelo semanário democrático-popular Movimento: "Como defender, contra os norte-americanos, um acordo atômico que não foi discutido pelos brasileiros?"

Uma coisa Geisel conseguiu com a denúncia do Acordo Militar: um certo apoio, mesmo entre a oposição legal, representada então pelo MDB. A denúncia certamente contribuiu para ajudar as conversações entre o governo e a oposição, no âmbito da "Missão Portela".

Fazendo um balanço rápido, são inegáveis as vantagens que o País conquistou em consequência da denúncia do Acordo Militar Brasil-EUA. As Forças Armadas desenvolveram tecnologias próprias, que levaram o País a se transformar num dos maiores exportadores de armas, embora o próprio Exército tenha se ressentido de crônica falta de verbas que o impossibilitou de se equipar adequadamente com o famoso tanque Osório. A Marinha, ao ter que desenvolver computadores para controlar as miras de suas fragatas – recusados por seus fornecedores ingleses – deu uma contribuição fundamental ao desenvolvimento da Informática brasileira. A Aeronáutica desenvolveu, na Embraer, projetos como os dos aviões Tucano e Brasília, hoje competitivos no mercado internacional.

A privatização das empresas de equipamento bélico também entra no negócio

Agora, quando o governo Collor, seguindo a cartilha neoliberal, fala em reatar o Acordo Militar Brasil-EUA, o que se quer é pôr um termo a estas conquistas, subordinando os interesses brasileiros aos interesses da única superpotência remanescente no mundo.

A decisão de Collor é resultado de enormes pressões feitas pelos americanos, a ponto de as declarações do ministro Francisco Rezek terem parecido a montagem do cenário e do clima para a assinatura de um acordo preliminar já durante a visita de Collor aos Estados Unidos, em meados de junho. As reações contrárias, advindas especialmente dos setores militares, provavelmente o fizeram mudar de plano. O acordo não foi assinado, pelo menos publicamente. Não se sabe o que aconteceu nos bastidores, mas já circulam em Brasília informações segundo as quais uma minuta do memorando do novo Acordo já estaria sendo estudada pelo governo.

As pressões americanas para que o Brasil sele o Acordo têm um nível que transcende as preocupações meramente militares. É que o desenvolvimento da indústria bélica no País já propiciou e está conduzindo a investigações e geração de tecnologia avançada no campo nuclear e da Informática. Por isso, os Estados Unidos parecem decididos a impedir que o Brasil desenvolva o projeto do submarino à propulsão nuclear. Tal fato não decorre da preocupação com relação à possível mudança numa correlação de forças que uma eventual preparação moderna da Marinha brasileira criaria. Na realidade, não seriam um ou dez submarinos nucleares brasileiros que mudariam a correlação de forças no mundo ou que atingiriam, sequer de leve, a hegemonia absoluta dos americanos neste terreno. O que se percebe é que essas pressões pela assinatura de um novo acordo militar se prendem mais ao controle do desenvolvimento de tecnologia de ponta por parte do Brasil do que ao controle meramente militar.

O que os Estados Unidos querem é sufocar, por quaisquer razões, civis ou militares, a conquista pelo Brasil de tecnologia nuclear que abriria novos caminhos também para o desenvolvimento de tecnologias avançadas na área da Informática, vital para a indústria bélica moderna.

Ao lado desta questão central tenta-se implementar a linha de privatização das empresas afins a esse processo. No início deste artigo, transcrevemos longos trechos da Gazeta Mercantil sobre as intenções do governo Collor. Na mesma reportagem, o jornal paulista afirma que tudo está pronto para que estatais mencionadas sejam alienadas ao capital estrangeiro. "As negociações em curso indicam que empresas líderes no mercado mundial de equipamentos bélicos devem ficar com 40% do capital votante de três dessas estatais. "Os consórcios nacionais – prossegue o jornal – (empreiteiras e indústrias de bens de capital credoras dos cofres públicos) devem absorver 30% das ações. O Estado deve ficar com o terço restante".

As negociações mais adiantadas são as que envolvem a Engesa. O grupo inglês British Aerospace deve liderar a compra do capital, ficando com 40%. As negociações estão sendo dirigidas pela Imbel, "holding", vinculada ao Ministério do Exército, que detém 11% do capital da Engesa.

O Ministério da Aeronáutica, por sua vez, está cuidando do "processo de privatização" da Embraer, segundo a Gazeta. O ministro da Aeronáutica, Sócrates Monteiro, anunciou que é do presidente Collor a decisão de passar o controle acionário da estatal, em sua maior parcela (40%), a grupos estrangeiros, ainda não identificados. Antes, porém, diz o ministro, será vendida a Companhia Eletromecânica (Celma), totalmente controlada pelo Estado. A Celma é uma empresa estratégica para a FAB porque é a única autorizada a revisar as turbinas dos aviões militares. Segundo a Gazeta Mercantil, em tese isso seria um empecilho à sua venda a grupos estrangeiros. Mas o governo já chegou à conclusão de que é possível incluir no acordo de venda uma cláusula de salvaguarda.

Está neste pé o projeto do presidente Collor de abrir o País ao capital estrangeiro, até mesmo em áreas tão sensíveis à soberania nacional como as estatais vinculadas aos ministérios militares.

Haroldo Lima é líder do PCdoB na Câmara dos Deputados.

Texto baseado em informações retiradas das seguintes publicações:
Gazeta Mercantil, 26 de junho de 1991.
Veja, 16 de março de 1977.
Isto È, 16 de março de 1977.
Movimento, 14 de março de 1977.
Jornal do Brasil, 13 e 21 de março de 1977.
O Estado de S. Paulo, 12 de março de 1977 e 22 de julho de 1979.
Jornal de Brasília, 12 de março de 1977.
Correio Braziliense, 12 de março de 1977.

EDIÇÃO 22, AGO/SET/OUT, 1991, PÁGINAS 12, 13, 14, 15, 16, 17