E só ler as revistas especializadas em negócios empresariais ou conversar com os trabalhadores das indústrias de ponta da economia brasileira para se perceber que hoje estão ocorrendo importantes mudanças nos métodos de organização do trabalho. Just-in-time, CCQ, Kanban, administração-participativa e outros termos já fazem parte do vocabulário de milhares de operários, preocupados com as consequências dessas inovações no interior das fábricas.

Do próprio governo federal, tão ansioso por "inserir o Brasil no time das nações capitalistas do primeiro mundo", várias iniciativas têm sido tomadas para intensificar ao máximo esse processo. No final do ano passado, por exemplo, foi divulgado o "Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade". Elaborado por técnicos do Ministério da Economia e representantes das maiores corporações industriais do país, o projeto fala em "modernização dos métodos de gestão empresarial" e em "treinamento dos recursos humanos e aperfeiçoamento tecnológico".

No Brasil, como país dependente, os empresários ou não dispõem de recursos financeiros necessários ou temem comprar máquinas-ferramentas de tecnologia mais avançada – prevendo as reações negativas ou seu uso indevido. Daí por que, para preparar o terreno, eles preferem investir primeiro em novas formas de organização do trabalho, contratando os serviços das inúmeras agências de consultoria em produtividade já existentes no país.

A frenética busca de novas técnicas de dominação no interior das empresas, no Brasil e no mundo, não é recente. Ela acompanha o próprio desenvolvimento do sistema capitalista desde sua gênese. O atual "boom", entretanto, tem causas particulares. Para os empresários que atuam no Brasil existem pelo menos duas motivações básicas. A primeira é que, observando o ritmo de produção dos países imperialistas – em especial do Japão, a atual "menina-dos-olhos" dos capitalistas –, o patronato avalia que ainda há um grande potencial de aumento da produtividade. As novas técnicas seriam necessárias para sugar ao máximo o suor dos assalariados brasileiros!

Segundo estudo recente do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), órgão vinculado ao governo federal, anualmente a indústria brasileira desperdiça algo em torno de 40 bilhões de dólares (cerca de 11% do Produto Interno Bruto) em decorrência do baixo nível de produtividade e dos elevados custos de produção.

A mesma pesquisa indica que o índice de rejeição dos produtos fabricados no Brasil é bastante superior à média mundial. De cada um milhão de peças fabricadas na indústria, cerca de 25 mil são defeituosas. Já na Europa e nos Estados Unidos a média de rejeição é de 200 para cada milhão de peças produzidas. O tempo médio de entrega do produto ao cliente – outro indicador importante para medir a eficiência da empresa – é de 35 dias no Brasil e de dois a quatro nos países citados. Já o grau de utilização dos recursos produtivos (máquinas, instalações e mão-de-obra) é de 70% no Brasil e de 97% na Europa e nos EUA.

A crise restringe o mercado e acirra a disputa entre as diversas empresas

É com base nesses números que os empresários brasileiros vislumbram, com brilho nos olhos, as possibilidades de intensificar o ritmo de produção – e, consequentemente, de aumentar os seus lucros. Nas suas contas não são incluídos os baixos salários, a jornada estafante de trabalho, a hora-extra compulsória e as péssimas condições de vida e trabalho – para não falar na própria existência de um sistema baseado na exploração e opressão dos homens.

O outro motivo é a própria crise crônica do capitalismo mundial. Para competir num mercado estrangulado os empresários sabem que é necessário intensificar e diversificar a produção, procurando atrair a atenção da pequena parcela de consumidores existente no mundo. Segundo pesquisa do Banco Mundial, cerca de 20% dos aproximadamente 6 bilhões de habitantes da Terra fazem parte do mercado capitalista. Isso exige maior flexibilidade na produção e maior capacidade competitiva que requer operários mais dóceis e aptos a contribuir com o patronato.

A própria "abertura dos portos", promovida pelo governo Collor de Mello, empurra os empresários na busca de métodos mais eficazes de produção. Do contrário, eles sucumbiriam diante da concorrência. Isto porque o nível de produtividade das empresas dos países industrializados, que agora terão maior acesso ao mercado brasileiro, é bem superior ao das próprias indústrias estrangeiras que operam no Brasil. Isso faz com que várias mercadorias importadas sejam mais baratas, com melhores condições de concorrer com os produtos fabricados no país. De acordo com pesquisa realizada pela Price
Waterhouse Consultores de Empresas, com base em dados de 1989, a produção por operário nas 500 maiores indústrias brasileiras equivale a 82 mil dólares. Já nos EUA ela é de 172 mil dólares e a média de produção por operário nas 500 maiores empresas do mundo é de 173 mil dólares. Esse nível superior de produtividade tem relação direta com a utilização de novas tecnologias, mas também se relaciona com a generalização dos novos métodos de organização do trabalho.

Conforme explica Gunnar Vikberg, ex-vice-presidente da Xerox no Brasil e atual consultor em produtividade da Andersen Consulting, os investimentos em novas máquinas são importantes para elevar a produção, mas não são suficientes para tornar a empresa mais produtiva. A experiência internacional demonstra ser indispensável adotar novos comportamentos para extrair o máximo de trabalho dos operários. "Antes de tudo, é preciso mudar a mentalidade empresarial, principalmente da alta administração", aconselha o especialista aos patrões brasileiros.

Já do ponto de vista dos chamados países capitalistas desenvolvidos, a corrida em busca dessas novas técnicas de dominação no interior das empresas é mais antiga. Data da década de 1950. O Japão, por suas características culturais, econômicas e políticas particulares, foi o país que se lançou com maior empenho nesse esforço após a Segunda Guerra Mundial.

Ofuscando o brilho das escolas de organização do trabalho da Europa e dos EUA, até aí pioneiras em estudos nessa área, os empresários japoneses, auxiliados pelo poderoso Miti (Ministério da Indústria e do Comércio Exterior), foram os que mais inovaram nesse campo. Atualmente eles causam inveja aos capitalistas de outros países, tal o grau de manipulação sobre os operários que conseguiram atingir. Admiradores desse modelo chegam a afirmar que esses novos métodos de organização do trabalho são a principal causa do "milagre japonês", hoje o recordista em produtividade no mundo.

Os ideólogos dessas novas técnicas só não explicam como as empresas japonesas atingiram esse patamar. Para impor um ritmo alucinante de trabalho, em primeiro lugar as classes dominantes calaram na marra a resistência operária. Entre 1946 e 1948 houve uma violenta repressão policial para "evitar o perigo comunista". Ainda sob a intervenção do governo dos EUA, logo após a Segunda Guerra, as greves foram rigorosamente proibidas pelo general MacArthur. Também ocorreram os famosos "expurgos vermelhos", quando milhares de operários conscientes foram banidos dos sindicatos, expulsos das fábricas, presos e assassinados.

Para domesticar os trabalhadores, enfraquecendo suas lutas, o governo e as empresas japonesas também impuseram o pluri-sindicalismo. Proibiram os sindicatos por ramos de produção, tão fortes antes da guerra, e estimularam os sindicatos por empresa. Os grandes trustes econômicos, os "Zaibastsus", criaram inclusive o "segundo sindicato", por local de trabalho, ou "Goyokiurniai", totalmente manipulado pelas chefias. Atualmente existem mais de 78 mil sindicatos no Japão, numa organização totalmente fragmentada e frágil. A maioria dessas entidades faz parte da própria hierarquia das empresas, contribuindo para aperfeiçoar os novos métodos de organização do trabalho dos capitalistas Japoneses.

Novos métodos para domesticar os trabalhadores e sufocar entidades sindicais

O intenso processo de acumulação capitalista no Japão, que criou as condições para o salto tecnológico das últimas décadas, ocorreu com base na brutal exploração de uma classe operária desorganizada e castrada. Aproveitando-se dessa desorganização – e também de outros fatores culturais e históricos marcantes –, o patronato encontrou terreno fértil para desenvolver inúmeros mecanismos de manipulação ideológica dos trabalhadores. Essas técnicas é que provocam tanta admiração dos empresários em todo o mundo. Eles ficam impressionados com a disciplina e humildade do trabalhador japonês que, quando doente, pede licença para que sua empresa não tenha prejuízo, faz horas-extras gratuitas e canta hinos de saudação aos patrões, como na Matsushita:

"Para construir um novo Japão,
Trabalha duro, trabalha duro;
Aumentamos nossa produção,
Vamos enviá-la a todas as nações
Sem trégua, sem repouso;
como um geyser,
Jorra a nossa indústria;
Sinceridade e harmonia:
é isso a Matsushita Eletric".

O sucesso desses novos métodos de organização do trabalho foi reconhecido e enaltecido pelos empresários das outras potências capitalistas a partir do final da década de 1960. As várias escolas existentes na Europa e nos EUA, como a da psicologia industrial, recursos humanos ou a sociotécnica, passaram a receber maiores recursos financeiros para pesquisar a realidade do mundo do trabalho e propor alterações na busca da elevação do nível de produtividade. A "ameaça japonesa" estimulou a generalização das novas técnicas de dominação no interior das empresas.

As velhas práticas tayloristas, que analisaremos em outro capítulo, também passaram a ser mais questionadas pelos trabalhadores. A exigência de melhores condições de trabalho e de relações mais democráticas no interior das empresas forçou a procura de novos métodos de manipulação dos operários. Estudos feitos nos EUA no início da década de 1970, por exemplo, constataram grande insatisfação dos trabalhadores.

Segundo relatório de um Força-Tarefa Especial, criada pelo governo dos Estados Unidos, a produtividade das indústrias nesse país estava em plena queda no início dessa década. Tinham aumentado o índice de absenteísmo, a taxa de mobilidade no trabalho (o turn-over), as paralisações violentas e a sabotagem nas empresas. "Os produtos são de má qualidade e há relutância por parte dos trabalhadores em se empenharem em suas tarefas", afirmava o relatório.

Artigo na revista Fortune, em 1970, informava que a taxa de absenteísmo dobrara na General Motors e na Ford "nos últimos dez anos". As faltas no trabalho atingiam seu pico nas segundas e sextas-feiras, alcançando 10% dos horistas. Os atrasos no serviço também haviam crescido, "o que dificulta o início do trabalho nas linhas de montagem. O clima de tensão é maior nas fábricas, com reclamações e brigas constantes". Essa mesma situação foi observada em vários outros países capitalistas, principalmente durante as generalizadas revoltas na Europa em 1968.

O "just-in-time" envolve operários, gerentes e até os fornecedores

As novas técnicas de organização do trabalho começaram a ser implantadas no Brasil, ainda de maneira tímida, em meados da década de 1970. Uma das primeiras a ser introduzida no país foi o "just-in-time", ou trabalho no "tempo certo". Esse método foi elaborado originalmente nos EUA no começo do século, por iniciativa do magnata dos automóveis Henry Ford. O projeto, entretanto, não saiu do papel.

Só no Japão destruído pela Segunda Guerra Mundial é que o "just-in-time" encontrou condições para ser aplicado pela primeira vez. O ex-gerente da indústria Toyota, Taiichi Ohno, foi o responsável pela sistematização das antigas idéias de Henry Ford e por sua viabilização na fábrica de veículos japonesa.
Posteriormente as idéias de Ohno se disseminaram em quase todas as empresas do país. Tanto que ele é considerado um dos principais "heróis" do chamado "milagre japonês". Na década de 1950, as indústrias de automóveis dos EUA tinham uma produtividade oito vezes superior as do Japão. Em menos de 20 anos, ocorreu a inversão no ranking mundial. O sistema "just-in-time" envolve a produção como um todo – trabalhadores, gerência e até clientes e fornecedores. Sua filosofia é "produzir o necessário, na quantidade necessária e no momento necessário", o que é próprio para um período de crise mundial do capitalismo, onde a disputa pelo mercado exige uma produção diversificada e ágil.

Para atingir esses objetivos, esse sistema remodela o desenho das fábricas, encurtando os espaços de circulação das peças. Ele também reduz o tempo de troca de ferramentas, aproximando as seções-chave, e subordina a produção à demanda do mercado. Cabe ao departamento de vendas da empresa o papel detonador do processo produtivo, que só fabrica o que estiver encomendado. Todo esse processo diminui o desperdício de tempo de produção, obrigando os trabalhadores a realizarem várias operações sempre dentro dos prazos fixados pelo setor de vendas. Há também a diminuição de estoques, o que representa uma redução do capital de giro na fabricação.

O "just-in-time" possibilitou generalizar uma proposta há muito defendida por várias escolas européias e americanas de organização do trabalho: a da constituição das "ilhas de produção" ou group technology (grupos de tecnologia). Ao invés da linha de montagem, que foi fundamental num período do desenvolvimento do capitalismo para controlar o trabalho, as "ilhas de produção" que facilitam a operação em equipamentos mais avançados. Essa técnica possibilita uma intensificação maior do ritmo de trabalho, já que reduz o chamado "tempo ocioso" ou porosidade que são os períodos de tempo em que o operário aguarda o término de uma operação na linha de montagem.

Além disso, as "ilhas de produção" dão maior mobilidade à mão-de-obra, que desta forma pode ser deslocada através de vários processos fabris de acordo com a conveniência da empresa num dado momento. O "just-in-time" também estimula a polivalência na produção, o que não significa o fim do trabalho rotineiro e embrutecedor. Ao contrário. A polivalência se dá com base em operações simples sem qualquer exigência de especialização no serviço. Por último, o sistema de "ilha de produção" gera maior concorrência entre os próprios trabalhadores, forçando a que eles próprios se fiscalizem e controlem.

O "just-in-time" começou a ser implantado nos EUA no final da década de 1960. Já no Brasil, a primeira empresa a utilizá-lo foi a Toyota, localizada em São Bernardo do Campo, em 1976. Atualmente, segundo a consultoria Coopers & Lybrand, calcula-se que cerca de 700 empresas brasileiras já adotem esse método de organização do trabalho. E a tendência é a do aumento vertiginoso de sua aplicação. "Agora os empresários brasileiros são obrigados a eliminar desperdícios e otimizar a produção para enfrentar a concorrência das empresas estrangeiras", justifica o engenheiro Victor Báez, diretor da Coopers, para "vender o seu peixe".

O próprio baixo custo da implantação do "just-in-time" é outro motivo para que esse sistema se torne cada vez mais comum no país. De acordo com cálculos da mesma agência de consultoria, as empresas conseguem, em média, um retorno de quatro a oito vezes o valor investido no sistema já no primeiro ano de sua implantação.

Uma reportagem publicada recentemente na Folha de São Paulo mostra as lucrativas vantagens do "just-in-time" para o bolso dos empresários. Ela cita como exemplo motivador a Vison, uma pequena indústria de lingerie no bairro paulistano de São Mateus. Antes de implantar esse sistema, a firma demorava cerca de 28 dias para fabricar seus produtos. Hoje ela produz a mesma mercadoria no máximo em dois dias. A fábrica foi subdividida em seis "ilhas de produção", cada uma responsável pela confecção de oito a dez produtos diferentes – numa espécie de mini fábrica. Antes cada costureira realizava uma única operação. Hoje ela executa de três a quatro tarefas diferentes e simplificadas. Cada funcionário é inspetor de qualidade do seu próprio trabalho.
Ilhas de produção fazem de cada operário inspetor do seu trabalho

A produção também passou a ser determinada pela demanda do mercado. Ao invés de tentar vender o que produz, a Vison só fabrica o que já está previamente encomendado. Com isso, a empresa reduziu os estoques de produtos fabricados – de dois meses para apenas 15 dias. O custo da produção (mão-de-obra, matéria-prima e outras despesas de fabricação), que em 1989 engolia 34,8% da receita da empresa, no ano passado caiu para 26,1% graças à implantação do "just-in-time".
Outra técnica moderna de organização do trabalho é o chamado CCQ – Círculo de Controle de Qualidade. A exemplo do "just-in-time", esse programa também foi criado originalmente nos Estados Unidos, mas não encontrou terreno para ser aplicado nas empresas desse país. Foram dois cientistas norte-americanos, Edward Deming e Josephy Juran, convidados pelo governo japonês para auxiliarem na reconstrução industrial no pós-guerra, os responsáveis pelo desenvolvimento dessa técnica no Japão. O primeiro registro de funcionamento de um CCQ nesse país data de 1962.

Segundo o administrador e consultor de empresas Claudius D' Artagnan Barros um dos principais divulgadores desse programa no Brasil, vários fatores explicam a facilidade de implantação do CCQ no Japão. Alguns dos mencionados são bastante elucidativos. Ele cita a "cultura fortemente disciplinada" do povo japonês; a difícil situação econômica no pós-guerra; a ausência de sindicatos classistas; e a força da ideologia dominante, que faz com que os trabalhadores "coloquem como coisa mais importante a empresa, de onde tiram o seu sustento, e depois a família".

O programa CCQ é bastante simples. Ele consiste na formação de pequenos grupos de trabalhadores – de 6 a 12 funcionários –, que se reúnem periodicamente para propor medidas de melhoria da produção. Essa estrutura caminha paralelamente à hierarquia da empresa. Os "circulistas" continuam subordinados às chefias, suas sugestões têm caráter indicativo e não há mudanças do sistema de trabalho – diferentemente das "ilhas de produção". Se as propostas formuladas pelos também chamados "times" forem aceitas pela direção patronal, o circulista recebe prêmios em dinheiro ou recompensas simbólicas – como um almoço com a diretoria da empresa ou a foto publicada no jornal interno da firma.

Todos os manuais de CCQs, raramente divulgados aos trabalhadores, são enfáticos ao reafirmarem o poder da hierarquia (termo de origem grega e eclesiástica que significa: arckia – comando; e heróis – sagrado). Como aconselha Beardsley, um dos expoentes teóricos desse programa, "é preciso dizer logo de início que continuaremos a gerenciar as nossas empresas após a implantação dos Círculos de Qualidade. Na verdade, será muito mais fácil administrar o nosso pessoal (…) Não se está simplesmente entregando a administração da empresa a eles (os trabalhadores )".

Apesar da "simplicidade" desse programa, do ponto de vista do patronato os CCQs representam um grande achado. Através de técnicas reformadas de envolvimento, esse sistema possibilita absorver os conhecimentos acumulados por aqueles que são responsáveis diretos pela produção. Desde o nascimento do capitalismo a burguesia observa que os operários tendem a reter certas informações – temendo o próprio desemprego.

Os círculos geram disputas entre os próprios assalariados dentro da empresa

O CCQ visa exatamente a estimular a criatividade do trabalhador e liberar suas iniciativas, para que ele apresente as soluções necessárias à redução de custos e à elevação de produtividade. Além disso, os círculos acirram a concorrência entre os assalariados.

O próprio uso do termo "qualidade" é pura mistificação, já que o objetivo não é melhorar a mercadoria para o consumidor, mas sim a chamada qualidade de conformação – ou seja: como produzir com o mínimo custo e de acordo com as especificações e prazos da gerência. Hoje inclusive é público que as grandes empresas utilizam a filosofia da "obsolescência planejada", o que significa que as mercadorias modernas são produzidas de tal forma que só duram o suficiente para expirar o prazo da garantia ou o vencimento da última prestação do consumidor.

Por todas essas vantagens, o CCQ é uma das técnicas com maior aceitação entre os empresários brasileiros. Isso também se deve tanto à sua operacionalidade, já que não exige nenhum investimento maior a princípio e nem altera a estrutura formal da empresa, como à sua flexibilidade. O CCQ é facilmente aplicado em qualquer setor da economia. Além disso, o patronato brasileiro tem utilizado esse programa como um instrumento para envolver os trabalhadores e afastá-los do sindicato.

As primeiras indústrias a utilizarem esse programa no Brasil foram a Johnson & Johnson, em São José dos Campos, e a Volkswagem, em São Bernardo, em meados da década de 1970. O gerente da primeira empresa, Oleg Greshner, é considerado o introdutor do CCQ no país. Há muita controvérsia sobre o número de firmas que já implantaram esse método de organização do trabalho variando entre 500 e 2 mil empresas.

Mas não há dúvidas sobre os efeitos positivos desse programa na redução dos custos e no aumento da produtividade das indústrias brasileiras. Estudo feito pelo engenheiro de produção Mário Salemo, que pesquisou 18 empresas onde funcionam CCQs, demonstra como essa técnica é altamente lucrativa para os empresários. Das 1762 sugestões formuladas por esses círculos, 74% resultaram em redução dos custos de produção. Ele cita inclusive alguns casos em que as propostas de circulistas tiveram como consequência a demissão de companheiros!

O programa CCQ é um dos pontos altos de elaboração da chamada "administração participativa", uma escola de organização do trabalho que tem longa história. Já na década de 1930, empresários e "cientistas" dos EUA e da Europa propunham o uso de vários recursos para forjar um clima de harmonia no local de trabalho. É dessa fonte que surgem as correntes de "relações humanas", de "enriquecimento individual de tarefas" e outras, que nessa época ainda não foram bem sucedidas.
Durante o fascismo na Itália, grandes empresários também procuraram aproveitar a oportunidade para introduzir alguns modelos "participativos". Giovani Agnelli, presidente da Fiat, fez todos os esforços para "higienizar" sua poderosa indústria, afastando o "perigo comunista". O dopolavoro, instituído na fábrica de automóveis, tinha como objetivo organizar as atividades recreativas e culturais dos operários nos seus tempos livres de modo a integrá-los por todos os meios ao mundo do trabalho. A idéia era impôr a imagem da empresa como "uma grande família", onde predominassem o consenso, o respeito a hierarquia e a paz social.

Quanto ao Kanban, citado no início desse artigo, esse é mais um sistema de informação para administrar o "just-in-time". Também oriundo do Japão, numa fase mais recente, o termo significa sinal. É que através de cartões ou outros instrumentos visuais, a empresa dá sua ordem de produção um sinal. Esse mecanismo ajuda a controlar de forma rigorosa o ritmo de trabalho, indicando o tempo de operação, o seu fluxograma (a sequência de tarefas) e a qualidade padrão desejada no fabrico. Entre outras consequências, o Kanban faz com que o operário agregue funções de inspeção e supervisão – o que reduz o número de funcionários não envolvidos diretamente na produção.

Diante do exposto, sintetizamos algumas conclusões sobre essas técnicas de organização do trabalho, que tendem a se generalizar no Brasil:

1- Elas resultam num maior controle capitalista sobre os trabalhadores. Se antes, para impôr o regime de exploração, era necessária a disciplina férrea na fábrica, agora o empresariado utiliza também métodos mais requintados para manipular e envolver os explorados. O poder do patronato, que considera a empresa um local sagrado, não é alterado. Pelo contrário. Ele é reforçado, permeando toda a estrutura da empresa. Como afirma David Jenkins: "Ceder um pouco de poder aos trabalhadores pode ser um dos melhores meios para aumentar a sua sujeição, se isso lhes der a impressão de influir sobre as coisas". Esse é o objetivo maior dos métodos "participativos" ou das "ilhas de produção" – as novas "ratoeiras do capital".

As inovações vão no sentido de aperfeiçoar os métodos de manipular operários

Quanto a isso não pode haver ilusão ou a crença de que essas técnicas são neutras. Toda a história da organização capitalista do trabalho mostra que o patronato visa sempre basicamente a dois intentos: o econômico, que é o do crescimento e da acumulação de capital; e o político, que é o de manter a submissão dos trabalhadores para garantir o primeiro objetivo. Há inúmeros estudos que inclusive comprovam que muitas vezes a burguesia sacrifica a "eficiência econômica" para conseguir desqualificar, desorganizar e envolver os trabalhadores, minimizando a possibilidade do surgimento de conflitos do interior das fábricas.

2- Elas geram mais concorrência entre os trabalhadores, incentivando a disputa por melhores índices de produtividade e absorvendo os conhecimentos retidos no contato diário com a máquina. Nesse rumo, elas inclusive transferem certas funções de supervisão e inspeção para os próprios operários, dividindo-os e criando um clima de vigilância permanente entre os companheiros de trabalho.

3- Na busca de maior produtividade e de menor custo de produção, essas técnicas também têm como consequência o aumento do desemprego e da desqualificação profissional do trabalhador. Sugestões dos CCQs, eliminação do tempo dito ocioso (porosidade) e exercício de dupla função (operação e supervisão) são utilizados para justificar demissões. Quanto à "polivalência", necessária nas "ilhas de produção", estudos demonstram que as operações desenvolvidas são ainda mais padronizadas e repetitivas. A "polivalência", necessária ao "just-in-time", por exemplo, significa que o operário deve alimentar mais de um tipo de máquina e não que seja especializado em cada uma delas. Essa "polivalência" visa a dar maior flexibilidade à mão-de-obra, possibilitando que ela esteja sempre ocupada produtivamente.

4- Esses e outros sistemas de organização do trabalho são um pré-requisito indispensável para que o patronato introduza – com menos risco e maiores resultados – máquinas de tecnologia mais avançada nas empresas. São meio caminho andado para o aumento da automação. Além de domesticarem os trabalhadores, sistemas como os das "ilhas de produção" redesenham as fábricas, facilitando a troca de maquinário antigo por robôs e máquinas ferramentas de controle numérico computadorizadas.

5- Por último, só para enfatizar, todas essas técnicas modernas visam a aumentar a extração de mais-valia do trabalhador, gerando maiores lucros para os capitalistas.

Altamiro Borges é jornalista, presidente do Centro de Estudos Sindicais (CES) e assessor do sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

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EDIÇÃO 22, AGO/SET/OUT, 1991, PÁGINAS 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56