Os Congressos da II Internacional (Setembro de 1900)
O 5º Congresso da Internacional Socialista, isto é, da II Internacional, é um sucesso que anima os socialistas de todo o mundo. A afirmação da unidade dos que se dizem marxistas é uma realidade, que se concretiza, cada vez mais nas reuniões dos diversos partidos socialistas: o primeiro deles, em 1889, em Paris, é de resultado incerto, mas o de 1891, em Bruxelas, o de Zurich, em 1893, e o de Londres, em 1896, mostra a determinação e a linha doutrinária de seus participantes, quando expulsam os anarquistas do recinto da reunião e proclamam a necessidade da participação na atividade política.
Nesta hora, um dos objetivos básicos – a separação com os acráticos – é uma realidade superada, e o socialismo internacional – entenda-se, o europeu – encontra-se em fase de amadurecimento e novos problemas aparecem, como resultado do crescimento e de novas exigências que surgem, conseqüência das recentes situações objetivas da sociedade e, naturalmente, das novas atitudes táticas e estratégicas do movimento operário. Entre estas questões, duas são primordiais e resultam deste momento histórico, que são: a da participação dos socialistas em um ministério burguês e a do revisionismo do marxismo, o primeiro exemplificado com o caso Millerand, o segundo, pelo caso Bernstein. O Millerand será analisado neste artigo, o de Bernstein em outro, pois ele será o tema tratado no 6º Congresso da Internacional Socialista, em Amsterdã, em 1904.
A maior parte do operariado organizado na época participa do Congresso de Paris
O 4º congresso marcará, em 1896, a data do próximo encontro, que seria em Berlim, em 1889, mas os alemães pedem aos franceses que tomem a iniciativa de o realizar em seu país, porque em 1900 haveria eleição para o Parlamento. As tarefas e a mobilização necessárias para o evento iriam prejudicar a tarefa da Social Democracia Alemã, o que justifica o pedido feito aos franceses. Estes aceitam realizar o conclave em Paris, mas um problemas existe: é o da divisão das correntes socialistas dos gauleses. Em março de 1900, as cinco correntes superam a divergência e assinam a Circular convocando as organizações socialistas do mundo inteiro a comparecerem ao congresso Socialista Internacional de Paris: pela Confederação Geral dos Socialistas Independentes, assinam, entre outros, Jean Jaures; pela Federação dos Trabalhadores Socialistas de França, Paul Brousse; pelo Partido Operário Francês, Jules Guesde; pelo Partido Operário Socialista, A. Barrat; pelo Partido Socialista Revolucionário, Ed. Vaillant.
A organização do Congresso de Paris acompanha a regra doutrinária estipulada em Londres, em 1896, por Liebknecht. O convite se dirige: 1 º) aos grupos que desejam a substituição da propriedade e produções capitalistas pela propriedade e produção socialista e “consideram a ação legislativa e parlamentar como um dos meios necessários para atingir esse fim”; 2º) às associações cooperativas, que não fazem política, mas reconhecem a “necessidade da ação legislativa e parlamentar. Em conseqüência os anarquistas estão excluídos”. A estas resoluções, escritas em Bruxelas, em 1889, acrescenta-se novo texto, que situa mais radicalmente a posição socialista: podem participar “todas as associações que aderem aos princípios essenciais do socialismo:socialização dos meios de produção e de troca; união e ação internacionais dos trabalhadores; conquista socialista dos poderes públicos pelo proletariado organizado em partido de classe- (p. 40-44). E junto à circular é transcrita a Ordem ~ Dia provisória: 1) meios para a entente, a organização e a ação internacional dos trabalhadores e dos socialistas; 2) limitações da Jornada de trabalho e salário mínimo; 3) condições para a libertação do trabalho: organização do partido de classe, expropriação política e econômica da burguesia e socialização dos meios de produção; 4) paz internacional, militarismo e supressão dos
exércitos permanentes; 5) política colonial; ( … ); 9) “a conquista dos poderes públicos e as alianças com os partidos da burguesia”, tema esse o mais polêmico de todos. Fora estes, três outros assuntos são debatidos, que deixamos de comentar pela pouca importância que tiveram no Congresso.
O grande número de participantes é significativo da importância com que o movimento operário encara o conclave, havendo a presença de, praticamente, representantes da maior parte do operariado organizado na época. Da Alemanha, temos 57 delegados, do quais 45 são de organizações políticas, 2 de mulheres socialistas, 2 da fração parlamentar e 8 de sindicatos operários. A Inglaterra com 95 delegados, dos sindicatos e comitês socialistas. Áustria, com 10, Bélgica com 37, Boemia com 2, Bulgária com 3, Dinamarca com 19, Espanha com 4, Estados Unidos com 6. A da França está dividida em duas partes: uma com 600 delegados, com 1.600 mandatos, outra com 473 delegados e 1.083 mandatos: a primeira com maioria de membros sindicais, outra mais política. A Holanda com 9 delegados, a Hungria com 1, a Irlanda com 3, a Itália com 15, a Polônia com 20, Portugal e Argentina com 1, a Rússia com 24, a Suécia com 3 e, a Suíça, finalmente, com 10. Boa parte dos indivíduos das diversas nacionalidades são teóricos e dirigentes de fama mundial, o que dá ao conclave, como nos anteriores, uma projeção internacional. Alguns nomes mostram o alto sentido da reunião: Bebel, Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo, Paul Singer, Fr. Adler, Emile Vandervelde, Jean Jaures, Ch. Lonquet, Jules Guesde, Andrea Costa, Enrico Ferri, Plekanov, Van Koll, Pablo Iglesias etc. Entretanto, de todas delegações, a única que se mostra dividida e conflitante é a francesa, apesar das suas diversas correntes terem feito trégua anteriormente. A briga entre radicais e reformistas acaba após longos atritos, até que o Congresso usa de tática conciliatória e nomeia franceses, de cada uma das cinco tendências, para encabeçarem as listas das doze comissões do Congresso. Com isso, eles resolvem adiar as suas divergências.
O socialismo toma como tarefa construir o exército da luta de classes
Os temas da Ordem do Dia são discutidos e aprovados praticamente de maneira pacífica, ainda mais que muitos ,deles já tinham sido aceitos em Congressos anteriores. E o caso, entre outros, da limitação da jornada de trabalho para 8 horas. A Resolução final de 1900 declara ser necessário o esforço maior do movimento operário e, neste esforço para as 8 horas, deve-se unir a ação sindical à ação política. Questão que surge pela primeira vez é a do salário mínimo. Apesar de pontos de vista diferentes – uns achando impossível seu funcionamento por causa do atraso do movimento operário em grande parte de países (posição dos ingleses e alemães) – o Congresso reconhece ser necessária a existência de pressão a favor de salário mínimo só nos países onde o movimento sindical esteja organizado e forte. Segundo a delegada alemã Sitz, quando essas reivindicações forem triunfantes no mundo, “todas as liberdades políticas e econômicas não tardariam a seguir este primeiro triunfo do proletariado sobre o capitalismo europeu”.
O 1 º de maio é exemplo da persistência da luta operária a favor da comemoração de uma data do proletariado e de reivindicações da classe, naquela hora, a favor das 8 horas de trabalho. A marcação da data se dera no Congresso de 1889 e a sua confirmação nos Congressos posteriores. No entanto, a dúvida que surge – e que não é resolvida – é a de ser ou não ser festejada na data. Os alemães e ingleses justificam ter que adiantar ou atrasar a festa para o domingo, para evitar atritos com a burguesia de seu país, que aproveitariam para despedir seus empregados. Por esta razão, em 1896, o 1 º de maio não é comemorado em todos os países na mesma data.
A terceira temática é a que se refere às condições necessárias para a libertação do trabalho. E a seguinte: a) Construção e ação do proletariado organizado em partido de classe; b) Expropriação política e econômica da burguesia; c) Socialização dos meios de produção. A Resolução concluísse, de maneira “anodina”, que a exploração do proletariado é conseqüência do regime capitalista e que a emancipação proletária só se dará em combate de classes. “O socialismo, que tomou como tarefa
Outros variados temas são abordados, mas alguns deles são interligados, apesar de serem expostos separadamente: são os casos do truste, do imperialismo e da questão colonial. A última delas é abordada pela primeira vez em um Congresso da II Internacional Socialista. A conclusão de todos oradores é unânime em condenar a política de rapinagem dos países capitalistas: os belgas massacrando a milhares de negros no Congo; os franceses, idem, no DamoheY,e Madagascar; a Inglaterra, idem, em várias partes da África; os Estados Unidos, idem, na América Central, etc. A
Resolução final denuncia esta política, resultado do “desenvolvimento do sistema capitalista” e de sua ganância, e que leva o imperialismo a “excitar o chauvinismo em todos os países”; a produzir sistema extorsivo contra o proletariado e as populações indígenas das colônias. A classe operária deve lutar contra esta situação, analisando a questão colonial, encorajando a formação de partidos socialistas nas colônias e criar meios de contacto entre os partidos socialistas do mundo colonial. Na parte sobre militarismo, especificamente militarismo e imperialismo, tomam a palavra Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin, Volkaert (Bélgica) e outros. Rosa Luxemburgo fala em nova fase do sistema capitalista e que é o “ultimo esforço” antes de seu débâcle. E preciso um combate permanente contra o militarismo, não só no terreno econômico e sindical, mas é preciso passar ao plano político. O proletariado é a base da paz, e é ele que vai engendra~ a reação contra os países capitalistas e beligerantes. E a hora do “dobrar os sinos” do capital, é o instante da “união mais estreita dos proletários de todos os países em matéria política”, no momento da existência de uma “vasta crise política mundial” do capitalismo. Afinal, a Resolução final fala em os partidos políticos educarem a juventude para combater o militarismo; os deputados socialistas votarem contra os créditos de guerra; da organização do protesto mundial contra a guerra e de agitação anti-militarista. Os trustes, por sua vez, moderna forma de concentração econômica do capitalismo, é tema abordado criticamente e é visto como processo inevitável, dificilmente controlável. Somente uma legislação “repressiva poderia modificar a sua forma, mas não poderia entravar a sua ação”. A única saída, num momento possível, é a “nacionalização e, num estado consecutivo, a regularização internacional da produção”. O proletariado deve regular melhor sua organização de classe, política e economicamente, que seriam reforçadas pela ação cooperativa, “a fim de se preparar e de se aproximar da expropriação pública das grandes atividades da produção, completamente organizadas pelos trustes. Assim se transformará gradualmente a produção privada, tendo como fim o lucro, em produção social, que terá como objeto o produto”.
A questão da greve geral é debatida e divide os membros da Comissão em duas facções. A minoria, na maior parte representada por delegados sindicais, é favorável a greve geral, pois, acredita ser ela um instrumento de ação revolucionária e de pressão, conforme a circunstância. Briand admite que um “sindicato se organize para conduzir, pela greve parcial, a luta contra um patrão ou vários; e quando a classe operária inteira terá formulado todas suas reivindicações, vocês não admitem que ela recorra à greve geral contra a classe patronal coalisada! A greve geraL.. é a prima da organização sindical, como a greve parcial é a prima da organização do simples sindicato”. Esta tese é derrotada, sendo aprovado texto que limita o alcance da greve geral. admitido pela minoria: a maioria alerta que as -pl:’o e os boicotes são meios necessários para realizar as c.das da classe operária, mas, não há possibilidade atual de uma ~e geral internacional; o que é imediatamente necessário é a organização sindical das massas operárias, porque da extensão da organização depende a extensão das greves de todas as indústrias e de países inteiros”.
A questão do sufrágio universal é pacífica, pois todas as correntes socialistas a defendem. O que se pede é a ampliação da medida para países onde ele ainda não existe que, também a mulher adquira esse direito, e que haja aperfeiçoamento de seus mecanismos em alguns países. Como diz um delegado, a questão do sufrágio universal é uma questão em que todos estão de acordo e todos a defendem com afinco.
Todas estas teses ou temas se desenrolam em clima de debates, polêmicas e divergências que separam correntes socialistas de um país ou entre vários países. Também as Resoluções oficializadas são as das correntes socialistas de um país ou entre vários países. Elas são as das correntes majoritárias, mas as minoritárias expõem seu pensamento, apesar da derrota que sofrem.
No entanto, o fundamental no Congresso de 1900 é o caso Millerand, como o eixo básico fora anteriormente a luta contra o anarquismo e no futuro Congresso de 1904 (Amsterdã) será a luta contra o revi sionismo de Bernstein. O pivot representado por estas questões, profundamente polêmicas, não desmerecem as outras desenvolvidas em cada uma das reuniões realizadas então. Ao contrário, mostram a amplitude das concessões e valores do socialismo.
Avanços políticos geram polêmica sobre o papel da luta parlamentar
O caso Millerand ocupa o espaço maior do tempo e espaço do conclave. O caso só pode ser avaliado, mais profundamente, se entendermos que ao lado de outros fatores que examinaremos adiante, existe a questão do amadurecimento e crescimento do movimento operário e dos impasses que se apresentam então, principalmente nos países mais adiantados. Na Alemanha, o Partido Social Democrata tem um número grande de deputados eleitos no Reichstag, vereadores em algumas unidades federativas, e até alguns alcaídes (prefeitos) em cidades. Na França, a bancada socialista no Parlamento é significativa e, em alguns Departamentos, são eleitos vereadores e prefeitos. Estas vitórias resultam da afirmação da política socialista de ser necessária defender os valores políticos, participar das eleições, defender as reivindicações operárias no Congresso, isto é, praticar a política Parlamentar, como se diz na época. No entanto, mesmo que a bancada parlamentar social-democrática crescesse (em 1910, a Social Democracia Alemã elege I IO deputados), O• seu número não seria suficiente para atingir a maioria absoluta e lhe permitir votar leis de caráter socializante, capazes de por em xeque o sistema capitalista. Mesmo assim, o P.S.D. Alemão, o Partido Socialista francês e outros continuam a defender a política Parlamentar, ela aparecendo, às vezes, como medida complementar, outras vezes como solução para a passagem da sociedade capitalista à sociedade pluralista. O enfoque dado às vitórias parlamentares, no entanto, barram em situações limitativas, resultantes do mecanismo legal do sistema parlamentar burguês e da própria rejeição da burguesia frente ao avanço proletário. Por este mecanismo parlamentar, o partido majoritário indica o chefe do Gabinete, isto é, o chanceler (Alemanha), o 1 º Ministro (na França) etc., que recebe ou não a aprovação ao seu nome. pelo Imperador (Alemanha) ou Presidente da República (França). Natural que, nesta fase do processo histórico – em que na maioria dos países, as correntes monarquistas e burguesas reacionárias dominam -, seria impossível apresentar-se uma oportunidade para que houvesse a vitória de um Gabinete liderado por correntes socialistas. E, ainda mais, neste caso, o veto à indicação seria praticamente automático. Daí entender-se, que além da ilusão de um processo legal e pacífico, a solução certa seria a de um jogo de força. Por isso, quando surge o caso Millerand, que é a primeira passagem do Rubicon do movimento operário, o que temos, ao mesmo tempo, são posições antagônicas de indignação, de incompreensão e de aplauso, num episódio que representa um momento importante nas mudanças tática e estratégica do trabalhismo do começo do século.
Por conta própria, Millerand aceita participar do governo Waldec-Rousseau
A 1 ª Comissão é encarregada de discutir dois temas correlatos: “a conquista dos poderes e as alianças com os partidos burgueses”. E é deste último tópico que resulta a longa discussão do caso Millerand. O episódio é o seguinte: sem o consentimento do Partido Socialista, agindo individualmente, o deputado socialista A. Millerand, ativista de renome entre os companheiros de militância, aceita fazer parte do Ministério Waldec-Rousseau, em 13 de junho de 1899. Só que Waldec-Rousseau é representante da alta burguesia francesa e, no seu Gabinete, o Ministro da Guerra é o General Gallifet, um dos carrascos da Com una de Paris (1871); Millerand ocupa o Ministério do Comércio.
Imediatamente, o Partido Socialista e outras facções de esquerda, contrários a esta situação, se reúnem e mostram-se favoráveis à tática de luta de classes e não a colaboração de classes. A atitude dos radicais franceses irá se refletir no Congresso Socialista, em Paris, que estamos analisando. No entanto, para ficar clara a sua posição, Millerand afirma que sua atitude não é nova, que desde 1893 preconizava uma “política pacífica e reformadora” (Le Socialisme Reformista Français, p. 63). Em 1903, ele justifica sua posição de reformista, ainda que seu pensamento não tenha grande base teorizante.
Explanamos os seus conceitos porque a sua “teoria” e exemplo serão defendidos no Congresso Socialista de 1900 . e, naturalmente, em época posterior – pela ala de Jean Jaures. Para Millerand, o socialismo é uma fórmula igual para todos os países e homens; como também a propriedade deve ser para todos e “para cada homem, como seu prolongamento natural e necessário sobre as coisas, o indispensável utensílio de vida e de desenvolvimento”. No entanto, é preciso lutar contra a antecipação do mundo do futuro, do uso de fórmulas mecânicas, visionárias; o que é preciso não é “criar ritos prescritos a um edifício imutável”, mas tomar o mundo mais habitável, com a “desaparição sucessiva das iniqüidades sociais, pela educação do homem emancipado progressivamente das tiranias interiores como dos constrangimentos exteriores”. Daí o operariado ter como necessário reivindicar a educação, a regulamentação do trabalho sobre higiene, prevenção de acidentes, as leis sobre desemprego, doenças e velhice etc, isto é, medidas que dão “direito à vida”; ou formas de associação – sindicatos profissionais, cooperativas ., que darão ao proletariado força. Ainda mais, o trabalhador não deve se organizar unicamente fora da usina, mas cada média e grande empresa deverá ter seu delegado, que servirá “os interesses próprios do trabalhador, os interesses que são inseparáveis da produção nacional”. O fundamental é o interesse nacional, a solidariedade das classes, valores ambos que um socialista “tem o direito de se inquietar sem trair o Ideal que pretende servir, o nascimento de uma humanidade liberta das lutas de classes e das guerras dos povos” . A República é a fórmula política de Socialismo, daí a “democracia socialista na França” “adaptar seu método às condições de regime político onde ele se move”, e não se refugiar “num verbalismo revolucionário para se dispensar das responsabilidades e das obrigações que implicam o método reformista e a procura dos próximos resultados; em outras palavras, ele “sacrificaria, dessa maneira, os interesses primordiais do proletariado”.
Por isso, o Partido Socialista deve se voltar para as emoções e aspirações da Nação Francesa, dos pensamentos e tradições da democracia republicana, das finanças públicas e de sua prosperidade, dos trabalhos públicos, da indústria, comércio, agricultura. Para afirmar esta política “realista e ideal”, o Partido Socialista “deve reivindicar” suas responsabilidades. O Partido se diz Revolucionário, mas haverá “mais real e a mais profunda das revoluções do que a desaparição dos assalariados”; “se julgamos a violência condenável e inútil, se as reformas legais nos parecem às vezes o objetivo imediato e o único processo prático para nos aproximar do fim longínquo, tenhamos pois a coragem, aliás fácil, de nos chamar pelo nosso nome e de nos denominarmos reformistas, pois que assim o somos. Enfrentemos corajosamente a questão e, tendo-nos pronunciado pelo método reformista, ousemos aceitar as suas condições e as conseqüências” .
Este longo intróito, que não faz parte dos debates do Congresso, toma-se necessário para se compreender a atitude individual e ideológica de A. Millerand, que vai provocar toda uma polêmica acerca; nas fileiras dos Partidos Sociais Democratas da Europa. Para evitar alongarmos demais, deixemos de lado as intervenções contemporâneas de Rosa Luxemburgo, de Kautsky, de Jules Guesde, no Congresso francês de Ivry etc. e nos restrinjamos aos debates de Paris. Como dissemos, o crescimento do movimento operário leva-o a impasses, já que a estratégia de conquista do poder, dependendo do ponto de vista, se faria ou a força – como dizem Marx -Engels-, ou do ponto de vista reformista, via eleitoral, o que permitiria avanços limitados, como a vitória para a ocupação de uma prefeitura, a eleição de deputados para o parlamento, etc. Nesta hora, as forças socialistas não poderiam esperar que a classe dirigente aceitasse a idéia da formação de um governo de esquerda.
Mas, de qualquer maneira, a situação exige novas estratégias, que vão se apresentando gradualmente e que servem de defesa aos que apóiam a posição de Millerand.
Como afirma Enrico Ferri, o caso Millirand não é o “sintoma, e sim o efeito” da evolução e do desenvolvimento do “grande partido socialista internacional”. Em outros países, este estado de alma, que se “revela nos momentos de crise”, toma as seguintes denominações: “tática autônoma”, na Itália; na Alemanha, “resolução Bebel sobre a questão de participação às eleições do Landtag”. Em resumo, a questão é a seguinte: durante a crise Bernstein, este afirma que tudo está no “no movimento”, nada no fim final; Rosa Luxemburgo, afirmara, nesta hora: “nada está no movimento, tudo está no fim final. Liebknecht dissera, enfim: “o essencial é o fim final, mas é preciso movimento para se aproximar dele”.
E é exatamente esta conclusão que justifica as duas táticas de compromisso, na Alemanha e Itália. No primeiro deles, a Social Democracia não quer participar das eleições para o Landtag, e até proíbe qualquer pretensão nesse sentido; há dias, Bebel propôs resolução, que é aprovada por maioria, que “não somente permite, mas toma obrigatória a participação no Landtag”. Na Itália, após o atentado ao rei Victor Emanuel II, em 1900, socialistas vão ao enterro do soberano, atitude condenada, apesar do Partido Socialista ser contrário ao regicídio; mas, na verdade, o Congresso de Roma concedera autonomia às organizações nacionais. Na França, nenhum deputado socialista protesta contra a aprovação dos créditos no Parlamento concedidos à expedição à China. Estes casos demonstram que a política dos fins domina também entre correntes socialistas não-francesas.
O debate no Congresso vai mostrar, na prática, o pensamento das correntes existentes, que se dividem entre radicais e reformistas tendo alguns ligados ao centro. Na verdade, o centro traduz posição ambígua, como veremos. A ala radical é aquela originada da facção Jules Guesde, do Partido Operário Francês, que tem o apoio de Enrico Ferri; a reformista conta com a colaboração de Jean Jaures, da ala independente, Auer, de Social Democracia Alemã, etc. A discussão, por sua vez, gira em torno das teses dos membros da 9ª Comissão, cujos temas são à “questão das alianças e das coalisões” e da “participação eventual de um socialista em um governo burguês”.
A primeira questão é debatida pacificamente, pois, é continuação de tema antes discutido, ainda mais por ser aceito pelos franceses em seu Congresso de Ivry,de 1899. O texto reza que a “luta de classes interdiz toda espécie de aliança com qualquer facção da classe capitalista”. Circunstâncias particulares podem obrigar os socialistas a realizarem coalisões (“bem entendido, sem confusão de programa e de tática”), mínimas possíveis, “até sua completa eliminação, mas serão unicamente toleráveis se reconhecidas pela organização regional ou nacional da qual dependem os grupos engajados”.
O mesmo não se dá com a segunda questão, a da participação de socialistas em um Gabinete burguês. Duas correntes se formam: Enrico Ferri e Jules Guesde, contrários absolutamente a,entrada; Kautsky aceita a entrada segundo circunstâncias. E em torno dessas posições que discursam vários oradores. Para se entender melhor, é preciso resumir as Resoluções de ambas correntes. A de Kautsky reza que “num Estado democrático moderno, a conquista do poder político pelo proletariado não pode ser o resultado de um golpe, mas sim de um longo e possível trabalho de organização proletária no terreno econômico e político, da regeneração física e moral da classe operária e da conquista gradual das municipalidades e das assembléias legislativas. Mas, em um país onde o poder governamental é centralizado, ele não pode ser conquistado fragmentariadamente.A entrada de um socialista isolado em um governo burguês não pode ser considerado como o começo normal da conquista do poder político, mas sim como um expediente forçado, transitório e excepcional. Se, num caso particular, a situação política necessita esta experiência perigosa, isto é uma questão de tática e não de princípio; o Congresso internacional não deve se pronunciar sobre esta questão”. Porém, a entrada de um socialista no governo burguês não permite esperar bons resultados, a não ser que o
Partido aprove o ato e o ministro socialista continue a ser mandatário do Partido. Se não for esse caso, a atitude do ministro representa ato de desorganização e confusão para o movimento operário. A Resolução Kautsky recebe adendo de autoria de Plekanov e Jaures, que diz que o ministro socialista deve se retirar do Ministério se este der mostra de “parcialidade entre Capital e Trabalho”. A Resolução de Jules Guesde – Enrico Ferri é tomada de posição radical, ao afirmar que “o Congresso recorda que a luta de classes interdiz toda espécie de aliança com qualquer faccção da classe capitalista. Admitindo-se que circunstâncias excepcionais tomem necessárias coalizões locais (bem entendido, sem confusão de programa e de tática), estas coalizões que o Partido deve reduzir a um mínimo, até a completa eliminação, não poderão ser toleradas senão quando sua necessidade for reconhecida pela organização regional ou nacional do qual dependem os grupos engajados”.
Comecemos pelo discurso de Jean Jaures, justificativa de apoio à Resolução de Kautsky. Como diz Vandervelde, a questão Millerand é “puramente francesa”. Infelizmente ela não pode ser de todos; “ela é francesa, no sentido que o aumento de liberdade que traz a República amadureceu a questão antes que ela tivesse nascido em outros países. E pergunto aos camaradas de fora, quando se lhe dirão que, no caso da França, os socialistas devem recusar as funções ofertadas pela direção do Estado burguês e não esquecer que os socialistas concorrem para a eleição deste chefe de Estado”. O problema é que a questão da participação poderia se apresentar em outros países se, as forças socialistas liberais tivessem vencido as forças clericais, na última eleição na Bélgica; na Inglaterra, se o velho partido liberal, imperialista, fosse substituído por nova corrente liberal, etc. Diante desses impasses, adiro à moção de Kautsky porque ela permite que o “Partido Socialista resolva a questão numa situação determinada; também, é porque ela afirma que é uma questão de prática, não de teoria, de princípio”.
Freqüentemente, o Partido Socialista cometeu o erro de transformar “questões de princípio em questões de tática”. Em nome da luta de classes, “proíbe-se a participação às eleições do Landtag, são obrigados a permiti-Ias, depois torná-las obrigatórias… A luta de classes nos obriga dizer que o proletariado está maduro para dirigir seus negócios, e é por isso, precisamente, que é necessário não amarrar as suas mãos”. Ainda mais, dou apoio à moção Kautsky porque ela “prevê que só o Partido organizado dará o sinal de partida e entrada”.
Posição aparentemente ambígua, mas favorável à tese reformista é a de Emile Vandervelde, socialista belga. Em discurso de encerramento da votação das Resoluções – como iremos ver adiante -, ele afirma que as coalizões e as alianças são um “mal; elas podem, numa certa medida, enfraquecer a consciência de classe do proletariado. E, pois, um meio que se deve usar com extrema prudência; mas as circunstâncias podem exigir semelhante coalizão”, como na França, Itália etc (casos citados anteriormente neste artigo). “As coalizões podem ser um mal; elas são sempre um mal; mas são, às vezes, um mal necessário”. Na parte relativa à participação em um Ministério burguês, os argumentos favoráveis à posição de Millerand não compensam os inconvenientes de sua atitude. Millerand cometeu um “erro”, ao aceitar entrar pessoalmente num governo de Defesa republicana. Mas, o Congresso Socialista não destina-se a excomungar as pessoas, e sim ter papel de tolerância e conciliação, salvaguardando as questões de princípio, dando liberdade às questões táticas. “A participação ao poder ministerial é uma questão de tática e não uma questão de princípio”.
Pela minoria falam Enrico Ferri, Jules Guesde e Edouard Vaillant. O discurso do primeiro é o mais rigoroso e rico. Ele começa a dizer que pensa que iria falar em nome da minoria, mas os discursos anteriores o faz acreditar que exprime a voz da maioria, pois a “moção Kautsky – a vencedora -, afirma que tudo é proibido em princípio, mas que tudo é permitido na prática”. Entretanto, mesmo em países em que o socialismo cresce de forma inquietante para a burguesia. não há mudança na divisão fundamental: a da classe dominante e as dominadas. Por isto, não se deve mudar o programa e os métodos de propaganda e luta política do Partido Socialista para a conquista do poder público e reformas graduais. Unicamente em países onde há grande organização operária, sob a direção do Partido, pode-se aceitar que se façam “alianças transitórias e excepcionais” com facções da burguesia, unicamente em defesa das liberdades públicas e ameaças de golpe de estado.
Esta posição de Enrico Ferri vai ser enriqueci da por outro projeto, agora de autoria de Jules Guesde. A posição é exposta de maneira mais direta, pois o orador começa a afirmar que, “por conquista dos poderes públicos entende-se a expropriação política da classe capitalista, quer seja pacífica ou violentamente”. A única situação em regime burguês são os trabalhadores organizados em partidos poderem se amparar de cargos eletivos, e estarem interditados da participação socialista ao governo burguês. A participação ao governo introduziu no partido um espírito novo, isto é, uma ambição individual nociva, sem limites, capaz de desviar os seus membros de sua verdadeira missão. “Ela não interdiz o que senão realmente o que deve ser interdito, isto é, o que Vandervelde chamava de funções nominativas, aquelas que dependem da classe adversa. Todas as funções eletivas, de direito, é dever do Partido em conquistá-las”.
Edouard Vaillant, Auer e outros falam a favor da proposta Kautsky e de Enrico Ferri-Jules Guesde. Os argumentos são repetitivos, por esta razão não será necessário reproduzi-los. Terminada a discussão e a apresentação das proposições, sugere-se o voto por nacionalidades e, conforme o número dos delegados, por cada país, haveria direito de 1 ou 2 votos, no máximo. A Resolução Kautsky consegue 29 votos; a Resolução Guesde-Ferri, 9 votos. O quadro é o seguinte:
Na questão das alianças, a Resolução de Guesde obtém maioria dos votos. Desta maneira, a vitória esmagadora da Resolução Kautsky mostra que a maior parte dos delegados ao Congresso de Paris ainda não avaliavam a ambigüidade do texto denominado na época de “moção borracha”. O próprio texto não deixa dúvida quanto a sua maleabilidade, isto é, a possibilidade de se fugir para N soluções.
O trecho inicial do parágrafo é claro e preciso, quando diz que “a luta de classes interdiz toda espécie de aliança com uma facção qualquer da classe capitalista”, mas, logo a seguir temos a conclusão: “sendo admitido que circunstâncias excepcionais podem tomar necessárias algumas (parciais) coalisões (bem entendido, sem confusão de programa e de tática)”. Na verdade, os reformistas participantes do Congresso se consideraram vitoriosos, ainda mais que Karl Kautsky-é conhecido como sendo o Papa da ortodoxia marxista; e na época é denominado discípulo e herdeiro de Engels; e é o grande teórico e fundador da revista do marxismo internacional, o Neue Zeit, etc. O real traço, que vai se acentuar progressivamente, e que vai se revelar abertamente em 1914, é seu caráter reformista e até anti-revolucionário.
É neste Congresso, afinal, que é afirmada a idéia, que vêm sendo apresentada desde 1896, sobre a necessidade de um órgão administrativo e de propaganda permanente da 11 Internacional. A necessidade de um mecanismo como esse é sentido por todos, certos de que ele facilitaria a vida dos que comparecessem às reuniões, ajudaria a difusão das Resoluções aprovadas, seria elemento de ligação entre os socialistas de todos os países, propagaria a idéia do socialismo em caráter internacional etc. A Resolução apresentada pela Comissão presidida por Van Koll (Holanda) é favorável à escolha de uma Comissão Provisória, composta de delegados de vários países; o comitê formado publicaria relatórios de delegados de todos os países, e seria escolhido um secretário geral, que se encarregaria de todas as tarefas – publicações, propagandas, organização de fichários e bibliotecas etc -, e que trabalharia profissionalmente, com salário. Desta maneira, a partir de 1900, nasce o Bureau Socialista Internacional, sob a direção de Camille Huysmans e que terá papel importante para a história da II Internacional.
A última proposta é a da marcação do Congresso seguinte. Acidade escolhida é Amsterdã, e três propostas se apresentam: para 1902, 1903 e 1904. Escolhe-se 1903, mas sua realização se dá em 1904, por razões que serão analisadas posteriormente.
EDGAR CARONE . Historiador, professor de Universidade de São Paulo (USP).
GENÉVE, Minkolf, 1980, Congrés Socialiste Internacional, Paris 23-27. Setembre, 1900. (790 p.) (Histoire de Ia Second Internacional. Congrés Socialiste Internacional, Paris. 23-27, setembre, 1900, VI, tomo 13)
MILLERAND. A., le Socialisme réformist Français, Paris, Societé Nouvelle de lebreire er d’Edition 1903 (123p) (Biblioteque Socialiste nQ 15)
EDIÇÃO 22, AGO/SET/OUT, 1991, PÁGINAS 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71