Entre 14 e 20 de agosto de 1904, realizou-se em Amsterdã, o 6º Congresso da II Internacional. Como vimos em outros artigos (1), a II Internacional se inicia com o Congresso de Paris, em 1889, que se considera o seu 1º Congresso; o 2º é o de Bruxelas, em agosto de 1890; o 3º, o de Zurique, em agosto de 1893; o 4º, de Londres, em julho de 1896; o 5º, de Paris, em setembro de 1900; afinal o de Amsterdã é o 6º. A persistência nas suas realizações, o brilhantismo dos seus resultados fazem dos eventos uma afirmação do movimento operário e mostram a sua capacidade de aplicar a tática e estratégia próprias, necessárias naquele momento histórico de seu crescimento. Também nessa hora, são levantadas polêmicas e apontados deslizes de seus participantes, como o caso da social-democracia alemã deixar de patrocinar o congresso, passando o encargo para outro país, em razão de eleições para o Reichstag etc. Desta maneira, as reuniões internacionais apresentam caráter dinâmico e crítico, o que lhes confere caráter pedagógico e teórico fundamental para a divulgação do pensamento e da ação proletária e partidária.

Quando do Congresso de Paris, em 1889, estipulou-se que, de dois em dois anos, haveria reunião dos diversos partidos socialistas. Os de 1896 e 1900 desmentem a previsão e várias críticas aparecem contra os seus organizadores: a culpa pela demora cabe aos alemães, que tinham sido indicados para organizá-lo, porém, por razões políticas internas – eleições – pedem que a França os substitua. A reunião de que Amsterdã está marcada para 1903, mas também devido a outro pedido da Social Democracia teutônica, que pretende intensificar sua ação nas eleições de junho de 1903, ela é transferida. Antes da mudança oficial da data, entretanto, o Bureau Socialista Internacional mandara comunicado oficial, datado de Bruxelas, em 31 de janeiro de 1902, marcando reunião para agosto de 1903. Após pedido, ainda temos a mudança para 1904.

Desde o fim do ano de 1902, chegam sugestões sobre os assuntos a discutir
No período preparatório começam a chegar a Bruxelas temas para a composição da futura Ordem-do-Dia. O Partido Socialista Argentino pretende submeter a questão da Legislação Internacional e Nacional sobre a emigração e imigração; a União Federativa do Centro (França) pretende as discussões sobre a greve geral, supressão das armadas permanentes, limitação da jornada para 9 horas; o Partido Socialista da França levanta a questão das regras internacionais da política socialista; a União Nacional das Mulheres Socialistas da Áustria propõe o direito de sufrágio para as mulheres; a Sociedade Fabiana deseja discussões sobre arbitragem obrigatória, salário mínimo, sindicato e política, comércio mundial de bebidas; o Independent Labour Party quer medidas para a melhoria das condições de vida municipal; os socialistas tchecos, da Áustria, desejam a discussão do tema sobre a conduta do proletariado internacional na questão das nacionalidades; o Partido Socialista da Holanda quer aposentadoria para os velhos. Estas sugestões, que vão se transformar em temas oficiais, estão levantadas desde novembro de 1902; nos meses seguintes, a eles vão sendo acrescentados outros como política colonial. O clericalismo e as escolas, habitação para o povo, solidariedade internacional, militarismo. Assim, em junho de 1904, ao ser anunciada a data definitiva do Congresso de Amsterdã – 14 de agosto e dias seguintes – a Ordem-do-Dia encontra-se definitivamente completa, e dividida em temas básicos e questões diversas.

Ao se reunirem em 14 de agosto de 1904, o imenso número de delegados da Europa e das Américas mostra o sucesso do Congresso. Da Holanda, 3; França, 82; Suécia, 5; Sérvia, 1; Bulgária, 5; Boemia, 3; Suíça, 7; Polônia, 20; Noruega, 2; Rússia, 37; Inglaterra, 101; Hungria, 3; Dinamarca, 7; Estados Unidos, 11; Argentina, 2; Alemanha, 68; Austrália, 1; Itália, 5; Bélgica, 38; Japão, 1; Armênia, 2; Áustria, 10. Entre os delegados compareceram os líderes de cada partido socialista ou social-democrata: da Alemanha, Augusto Bebel, Kautsky, Rosa de Luxemburgo. Clara Zetkin; da Inglaterra, Hyndman, Belfort-Bax, Keir Hardie, J. R. Macdonald, S. Webb; da Argentina, Manoel Ugarte; da Áustria, Victor Adler; da Bélgica, E. Anseele, E. Vandervelde, C. Huysmans; Espanha, Pablo Eglesias; dos EUA, Daniel de Leon; da França, Marcel Cachin, Jules Gueste, Jaurés, Briand, Aliemane, Charles Longuet; da Holanda, W. P. G. Helsdingen; da Itália, Enrico Ferri, Cláudio Treves; do Japão, Sen Katayama; da Polônia, Malinoviski Aleksander; da Rússia, G. Plekhanov, Vera Zassoultch. A listagem que fazemos engloba a parte menor dos 444 delegados que comparecem e a seleção de seus nomes não obedece à sua filiação partidária original, mas sim à nacionalidade.

Antes das reuniões há ato de inauguração do Congresso, quando todos os delegados comparecem e no qual discursam os cidadãos Troelstre, da Holanda, Van Koll, da Alemanha, Katayama, do Japão, Plekanov, da Rússia. O primeiro acentua o progresso socialista no seu país, mostrando que em 1891, 1893 e 1896, a representação holandesa se limitara a defender a “utopia, a anarquia e o antiparlamentarismo”; hoje, depois de dez anos de luta, operários são resgatados para o socialismo e a Internacional; estabelecem-se as “bases para a lita futura”, luta-se contra as injustiças e “recorremos ao instrumento extremo, a greve geral” (2). Van Koll reivindica a “paz mundial” e vê Plekanov e Katayama darem um forte aperto de mão, no “momento em que seus governos fazem a guerra”. Katayama e Plekanov falam da guerra fratricida entre seus países e que a “fraternização dos delegados russo e japonês é um desmentido à guerra”. Ao término da abertura é redigida e aprovada moção contra a guerra, de autoria do Partido Operário Socialista Francês: a entente entre os operários e a ação combinada dos socialistas de todos os países é “garantia essencial da paz internacional”; no momento em que o czarismo está ferido pela guerra e revolução e os operários russos e japoneses massacrados pelo capitalismo e seus respectivos governos, convidam-se os socialistas e trabalhadores de todo o mundo a lutarem pela  paz e a “se oporem”, por todos os meios, à extensão da guerra” (3).

No dia 15, pela manhã, iniciam-se as reuniões, sugere-se que as comissões nacionais nomeiem seus representantes para as diversas questões, o que se dá à tarde. É no dia 17 que começam as discussões e são apresentadas resoluções. Em nome dos alemães, Molkenbuhr lê resolução, a Décima da Ordem-do-Dia, sobre o seguro operário, onde acusa o sistema capitalista de conceder “salário apenas suficiente para fazer face às necessidades, apenas necessário para o sustento durante o tempo em que os operários trabalham e que eles são levados à pobreza e à miséria desde que impedidos de trabalhar, por razão de doença, acidente, invalidez ou desemprego (…); e que os trabalhadores devem “exigir das instituições qualificadas medidas para prevenir doenças, acidentes invalidez”, “leis de seguro obrigatório”, para lhes dar “meios suficientes de vida e de assistência” durante o tempo de sua parada de trabalho. “O seguro operário é a afirmação direta à vida”. Outro tema discutido no mesmo dia é o do trust e desemprego. Caberia aos americanos redigir o relatório, mas por várias razões o texto não fica pronto e os holandeses esboçam um, que é considerado fraco. Dias depois sai a resolução, que repete, em parte, o que se anunciara em 1900: o trust é forma concentrada de produção, nacional e internacional, consequência “inevitável da concorrência”, que paga “baixos salários” e que leva à concentração capitalista e do proletariado. A legislação conta o trust, até hoje, é ilusória, pois é impossível ao operariado obstá-lo; e que deve-se prevenir contra sua alta rentabilidade e, diante deste poder crescente, a única solução é que, “os operários do mundo inteiro devem opor um poder organizado nacional e internacionalmente, como única arma contra a opressão capitalista” (4).

A greve geral proposta pelos anarquistas e greve política de massas

A questão da emigração e imigração, proposta pelos argentinos, provoca diferentes posições sobre as duas versões apresentadas, uma pela Comissão Oficial e outra por delegados da Holanda, Estados Unidos e Austrália. A primeira fala que o imigrante é a  vítima da sociedade capitalista, que o “força a se expatriar para que ele possa assegurar, de maneira possível existência e a liberdade”. E que eles são utilizados como fura-greves e que é necessário esclarecê-los, pela propaganda socialista, o que fará ficar ao lado do proletariado. E que cabe aos deputados socialistas, no Parlamento, propor leis que concedam “direitos políticos e civis nos países de imigração”. A outra proposta, que é derrotada, sublinha a “baixa de salário” provocada pelo pelo imigrante, o fato de muitos deles serem fura-greves, ou “amarelos”, e que este procedimento terá que desaparecer, desde que a ação sindical socialista cresça nos países onde a imigração é mais intensa” (5).

A questão colonial leva os participantes a travarem grandes debates. Retomando a estratégia do Congresso de 1900, o relatório de Van Koll acusa o imperialismo inglês, entre outros, de dirigir política agressiva externa e “para afastar a guerra civil aos 40 milhões de habitantes do Reino Unido, pretende conquistar países novos”. A exploração holandesa em Java atinge limites absurdos. Que a expensão monetária destina-se a retornar com grandes lucros: “desde a metade do século XIX, capitais enormes foram enviados ao estrangeiro para ali produzir. Eles trabalham o solo dos países virgens, remexeram os intestinos da terra e dotaram o Globo inteiro de estabelecimentos industriais. A mais-valia, assim, retorna à Europa. A importação dos produtos além-mar aumentou, mas a exportação dos produtos industriais diminuiu de maneira sensível e o preço baixou”. Confessando que a expansão colonial iria durar muito tempo e que boa parte dos países colonizados não tinha condições para a autodeterminação, a conclusão do congresso é de que a exploração existente é cada vez “mais extensa” e “mais dispendiosa”, “sem regra e sem freio, que esbanja capitais e riquezas naturais, expondo as populações coloniais à opressão a mais rude, frequentemente a mais sanguinária” (6). Para combater o imperialismo, deve-se se opor às medidas imperialistas ou protecionistas, a expedições coloniais, impedir a exploração de recursos coloniais, melhorar as condições de vida e profissional dos habitantes das colônias, conforme o estado de seu desenvolvimento e, tornar mais efetiva a ação parlamentar na questão colonial” (7).

Importantes debates sobre a atitude a tomar diante dos governos burgueses
A comissão encarregada da questão da greve geral e da greve política levanta grandes celeumas. O ponto de partida é a análise da famosa greve de 1893, na Bélgica, quando o proletariado cruza os braços e reivindica o direito do sufrágio universal. Precedida da propaganda há alguns anos, num país onde a organização sindical é frágil, a greve surpreende a burguesia, que não acredita no sucesso da mobilização e se assusta com a marcha dos mineiros em direção a Bruxelas. Diante dessa situação, ela concede o sufrágio, mas se previne para o futuro. Em 1902, após outra greve geral, e política, a burguesia reage e nada concede aos 300 mil operários em greve, que reivindicam outras concessões de direito. A luta política se dá, também, na Suécia e na Holanda, com resultados menores. Depois de justificar o tema, o delegado holandês faz questão de diferenciar a posição socialista da posição anarquista, relativa à greve geral: é preciso, em primeiro lugar, “usar de muita prudência no seu emprego”; “entre a quimera da greve geral anarquista e a idéia da greve política das massas como entendem os socialistas” há diferença. A greve de massas não tem “fim econômico, mas é dirigida contra o Estado capitalista, para o impedir de diminuir os direitos dos trabalhadores ou para o impedir de extorquir novos”. Isto só é possível se o operariado estiver organizado, disciplinado e preparado para a ação. A greve, no entanto, só pode atingir algumas categorias como, também, a “greve geral não poderia ser a revolução social. A transformação da sociedade não poderia se fazer de um golpe. Ela se realizará, ela se realiza cada dia por nosso esforço contínuo” (8). Por isto não se deve deixar enganar pela propaganda anarquista de “greve geral”, para afastar o operariado da “luta verdadeira e incessante, isto é, da ação política, sindical e cooperativa” (9).

Várias outras questões são analisadas, recebendo aprovação de todos. Um exemplo é da relação entre trade unions (sindicato) e a política. No Projeto de Resolução aplaude-se a disposição dos sindicatos ingleses em cooperarem com os socialistas na “ação política corrente” e lamenta-se a escolha feita pelas trade unions de alguns “candidatos reacionários”. A questão da habitação, a da solidariedade internacional e a do alcoolismo surge na mesma ocasião. Em nome dos ingleses, reconhece-se a necessidade de construção de casas operárias, vendidas a preço de custo, para que o trabalhador possa ser “decentemente e confortavelmente abrigado (10). No caso da solidariedade, a questão é a seguinte: havendo Congresso Internacional, os socialistas de outros países, para tomar certas posições, devem se informar da posição do partido socialista do país hospedeiro, para evitar entrar em choque com a posição deste. E a luta contra o alcoolismo é levantada por uma Liga Operária Alemã, que denuncia o perigo do “embrutecimento alcoólico”, “que afasta as massas da propaganda socialista e do desenvolvimento cultural, paralisa a energia revolucionária dos camaradas comprometidos no movimento e abafa o estudo mais aprofundado do socialismo teórico como doutrina, assim como o desenvolvimento intelectual” (11).

Enorme interesse na questão da exploração colonial em expansão sem regra e sem freio

Afinal, o clericalismo e a escola são outros temas novos que apareceram no Congresso. A Social-Democracia Federativa da Inglaterra, assinala que o clero obtivera sucessos ultimamente em vários países, no controle de escolas e, portanto, o congresso declara que o “clericalismo foi sempre, e será sempre, o inimigo da cultura, da emancipação e da liberdade intelectual; que o sustento que lhe é dado pelos diferentes partidos burgueses constitui um atentado direto ao direito elementar de todo indivíduo à liberdade da consciência completa; e que essa ação de parte do clericalismo é ditada pelo desejo de abafar, no espírito da juventude proletária, o germe do pensamento de emancipação”. Os socialistas em todos os países devem combater a influência do clericalismo nas escolas e trabalhar a favor da educação laica, “convencidos que são, de que os interesses da classe e os ideais de liberdade e de cultura são, nestes casos, como sempre, idênticos” (12). O problema das 8 horas de trabalho e do 1º de Maio é tema que aparece interligado, por razões de tática, e apresentado desde 1889, isto é, em todos os congressos anteriores da II Internacional. O novo é a convocação para que todos usem de maior “energia” na reivindicação enquanto o resto do texto é a repetição dos relatórios anteriores: continuar as manifestações anuais, lutar pelas 8 horas de trabalho e que as organizações operárias, nos “países onde o movimento operário está representado no Parlamento, devem apresentar projetos de lei, semelhantes se possível, tratando dessa reivindicação” (13). A última das questões menores é a do sufrágio às mulheres: o relatório conclui que a luta a favor do movimento operário inclui o sufrágio universal e é dever dos partidos socialistas lutarem para que esse direito se estenda ao sexo feminino (14).

A discussão das temáticas, importantes para a afirmação dos ideais socialistas, ocupa largo espaço das diversas comissões de que se compõe o congresso. Algumas teses são polêmicas, outras pacíficas. Apesar de suas relevâncias, da afirmação que representam, elas não ofuscam o tema central – a questão do revisionismo. Esta é que irá levantar celeumas ideológicas, marcar a posição dos diversos partidos socialistas, mostrar a tendência das correntes que vêm se encaminhando para a política de conciliação com a burguesia; do outro lado, revela-nos os radicais, os revolucionários, e o que pretendem. Pela primeira vez, naquele momento, surge claramente a divisão entre esquerda, centro e direita nas hostes socialistas, o que não quer dizer que estas posições continuem a se reproduzir rigidamente até 1914.

Quando grande número de socialistas pensa que a problemática do revisionismo fora  superada pelos resultados da Moção de Kautsky, votada no Congresso de Paris em 1900, e nada haveria a se acrescentar àquele texto, como acredita o próprio Plekhanov, eis que, para surpresa geral, Jules Guesde e Edouard Vaillant levantam outra interpelação sobre o tema, em nome do Projeto de Resolução do Partido Socialista de França. A inclusão trata da questão de tática e faz parte da seção sobre regras internacionais da política socialista, isto é, sobre a escolha do comportamento a ser seguido pelas entidades socialistas em todos os países. O que eles desejam é retornar à estratégia radical e, para isto, voltar à discussão de 1900, para, desta vez, tentar acabar não só com o revisionismo representado pela ala de Jean Juarés, como a de pôr fim ao sentido equivocado da Moção de Kautsky, vencedora no Congresso de Paris, em 1900.

Aparecem diferenças entre as correntes de centro, esquerda e direita no socialismo
O texto dos franceses é claro nos seus objetivos. O relatório começa dizendo que a colaboração dos socialistas com a burguesia, que se dera na França em 1899 – caso Millerand – (15), agora se estende a outros países europeus. O problema que se apresenta para todo socialista é: “deve-se conservar, em face de todos os governos burgueses, a atitude de oposição revolucionária que fora sempre a sua ou esperar trabalhar pela sua libertação colaborando com as frações burguesas e, mesmo, aceitando de tomar com ela, em seu proveito, uma parte do poder”. Importante é que os partidos socialistas tomem posição de luta contra a burguesia, até a “conquista total do poder pelos trabalhadores”. Em Dresde, no ano de 1903, a social-democracia alemã adota essa posição revolucionária, posição que é ratificada pelo Partido Socialista da França, no seu Congresso de Reims, pouco depois. Lido o relatório, passa-se ao Projeto da Resolução, de autoria dos alemães em Dresde e que fora aceito, in totum, pelos franceses. “O congresso condena de maneira a mais enérgica as tentativas revisionistas, tendendo a mudar nossa tática, comprovada e vitoriosa, baseada sobre a luta de classes, e a substituir a conquista do poder político e a intensa luta contra a burguesia, por uma política de concessão à ordem estabelecida. A consequência de tal tática revisionista seria fazer um partido, que pretende a transformação a mais rápida possível da sociedade burguesa em sociedade socialista – de um partido, por conseguinte, revolucionário, no melhor sentido da palavra – em um partido se contentando em reformar a sociedade burguesa”. Por acreditar nisso e não nas teses revisionistas, o congresso declara: 1) o partido declina de qualquer responsabilidade pelas condições econômicas e políticas existentes no atual sistema capitalista; 2) “que a democracia socialista não poderia aceitar nenhuma participação no governo da sociedade burguesa, e nem se conformar com a Moção de Kautsky, votada no Congresso de Paris em 1900. O congresso condena, além disso, toda tentativa feita para mascarar os antagonismos de classe sempre crescentes, a fim de facilitar uma aproximação com os partidos burgueses”.

Para finalizar, a resolução diz caber ao grupo parlamentar a obrigação de lutar pelo socialismo, ser contra o militarismo e a favor das liberdades políticas etc. (16).

A posição crítica e radical de Jules Guesde, Bebel e outros vai não só reacender a questão, mas dar brilho e agitação às diversas sessões posteriores. A tribuna será ocupada por vários participantes, a favor de uma ou outra tese, com o brilhantismo, a verve e a argumentação sólida de cada um dos presentes, já que eles são conhecidos pelas suas lideranças e atitudes ideológicas. Revezam, assim, na tribuna, Jaurés, Anseele, pelos reformistas; Bebel, Enrico Ferri, Jules Guesde, Vaillant, pelos radicais. O que se dá, segundo Victor Adler, é “um espetáculo brilhante de retórica política que tornar-se-á inesquecível para todos os que puderam assisti-lo. Diante do calor do debate e, pensando em evitar mal-estar entre frações, Victor Adler e Emile Vandervelde apresentam resolução conciliatória, que não condena o revisionismo e, ao mesmo tempo, reafirma a necessidade de preservar a tática da luta de classes.

Jaurés defende com ardor as teses reformistas e reclama maior autonomia

Vamos começar pelo debate que se fez após a leitura do Relatório e Projeto de Resolução pelos franceses. Quem inicia o contra-ataque à Resolução de Dresde, como é conhecida, é Jean Jaurés. O grande tribuno fala mais de uma vez, e seu pensamento traduz toda crítica ao documento lido por Jules Guesde. A sua fala se faz em duas oportunidades, na V Sessão – na discussão sobre o relatório, no dia 15 de agosto – e em sessão pública, antes da votação final, no dia 19. Vejamos as duas sessões.
No dia 15, Jaurés lamenta as restrições que recebe, pois é criticável o fato de se procurar uma reunião internacional para se debater uma questão francesa. “Temos a convicção de que nosso próximo método é mais conforme à vontade do proletariado e, por sentir isso, que Guesde levanta o problema aqui”. O socialismo internacional pode intervir e ele tem “por dever definir os princípios e precisar os métodos para realizá-los”. É o que foi feito quando o socialismo internacional “proclama a necessidade de conquistar os poderes públicos”. No entanto, entrar na tática “interior das nacionalidades é fato mais delicado e é preciso agir com prudência”. Se não, é preciso intervir na “questão da greve geral” na Alemanha. A luta de classes existe, mas “aproveitando do regime republicano, acreditamos que o interesse de nosso ideal e de nosso proletariado nos obriga a ajudar a burguesia republicana a resolver problemas como o da instrução ou da secularização do Estado e, com isso, nós não traímos em nada o princípio de luta de classes, o interesse do proletariado, que é a nossa lei dominante”. O mesmo pode se dizer de Bebel, que não traiu o proletariado ao fazer a “conquista do poder público. Em 1900, em Paris, aceitou-se a idéia de ser possível a participação, em casos excepcionais; o texto de Dresde diz que é interdito aceitar a colaboração. “Esta é a fórmula digna de um partido internacional como o nosso? Se chegar uma hora onde pode ser útil aceitar a participação socialista, não é preciso ruborizar-se; pode haver uma hora, ainda, onde haverá interesse proletário a procurar”. A política de democracia existe “para o maior bem do proletariado”. Se vocês querem abrigar a “vossa política interior francesa revolucionária sob a coberta de uma tática alemã”, eu vos lembro de 1871. Nós lutamos, “ao contrário, para pacificar e hegemonizar o espírito dos dois povos, desprezando velhos preconceitos”. Vocês, alemães, se defrontam com a Igreja Reformista e o regime imperialista; nós, com a Igreja Católica e um regime de democracia republicana: “tenham conta da diferença entre estes dois meios”. É um crime querer impor “uma das duas nações a outra”. Reivindicando “nossa ação e nosso método, como nossos princípios e nosso ideal, eles triunfarão por nossa ação e nossos métodos” (17).

“Com o concurso da democracia burguesa podemos acelerar a legislação operária”
Na sessão de 19 de agosto, depois da leitura do discurso de Vandervelde, com seu relatório final, onde expõe as teses defendidas e os seus participantes, Jaurés volta a falar ao público em geral. Nesta hora, véspera da votação, Jaurés se mostra mais agressivo. Voltando ao que disse anteriormente, afirma: a “unidade do partido socialista não pode ser uma unidade opressiva”, e ele se prejudicaria e esqueceria “seu próprio dever se negasse os direitos da minoria”. Falsamente nos impingem a idéia de que somos contra a luta de classes. Não é verdade, o que fazemos é utilizar o “meio mais eficaz de conduzir essa luta proletária numa democracia republicana”. O que faremos é pedir a conta aos que dizem que a “República política não valia que o proletariado perdesse uma hora ou um dia para defendê-la, aos que disseram que o esforço para laicizar a escola, para emancipar os cérebros, devia ser postergado até a vitória automática das forças cegas, sem o consumo das inteligências e das consciências proletárias”. (Aqui Jaurés trata de Vaillant e companheiros). Dizemos que é preciso que o proletariado “tenha um partido de classe, um partido autônomo pela organização, autônomo pelos meios. Autônomo pelo fim, porque, além das reformas que podem adoçar as miseráveis e as vias da sociedade capitalista, ele prossegue a transformação completa da propriedade individual capitalista em propriedade social”. Queremos “arrancar, desenraizar até a última raizinha, todas as formas do capitalismo, a renda, o lucro rural, o aluguel”. O que se quer não é consolidar o capitalismo, como afirma Vandervelde, mas “salvo a República, salvo as liberdades públicas, laicidade completa ao ensino, separação das Igrejas do Estado, reforma do imposto, leis operárias, todas essas reformas não são degraus para se elevar para a libertação total, para atingir o fim revolucionário do trabalho oprimido”.

Querendo ser autônomo na organização, queremos que o proletariado também se organize “política e economicamente como um partido de classe distinto de outros partidos” que, paralelamente ao apoio de Dresde, faça apelo “para as liberdades políticas, à legislação social, à toda democracia”. Há na França e Alemanha milhões de cidadãos contrários ao socialismo coletivista. Seria criminoso deixá-los abandonados. É preciso perceber  “todos os movimentos de evolução que levem as camadas ainda obscuras da democracia a reconhecerem a necessidade de nossa política e admitirem a legitimidade de nosso ideal”. E existem entre nós radicais avançados, radicais socialistas, que não são socialistas e nem exclusivamente capitalistas, operários da pequena e média indústria, artesãos, camponeses democratas etc. Esta democracia burguesa reage diferentemente. Os radicais socialistas defendem a separação entre Estado e Igreja, impostos progressivos sobre renda, sobre herança; a nacionalização progressiva das estradas de ferro etc”. “Não confundimos esta democracia burguesa, porque não é comunista, coletivista, proletária como nós”. “Mas com seu concurso podemos repelir a reação, obter reformas, desenvolver a legislação operária, acelerar a legislação operária e seríamos loucos, criminosos, ao rejeitar este concurso”. As formas de tática estreita de Dresde limitam a ação do proletariado universal, e criam “funesta ilusão”, dando idéia que elas são universais.

Arrancar concessões sem deixar de combater nossos inimigos de classe permanentes
O que há, apesar da pujança e crescimento ininterrupto do socialismo teutônico é a “impotência política da democracia socialista alemã”. O Partido Social-Democrata  é “grande e admirável”, que nos deu grandes pensadores, organização e representa o futuro da Alemanha, mas lhe falta a “tradição revolucionária do proletariado e ação parlamentar”. Não há, na história do movimento germânico, conquista do sufrágio universal após a luta de barricadas, e sim por concessões que vieram de cima; Bebel discursa contra o Kaiser, mas os operários socialistas, sob pressão dos patrões, felicitam o imperador no seu aniversário. Sem essa conquista pela força, pelo avanço do proletariado revolucionário, os alemães não podem entender o sentido do processo.

O mesmo se dá com a conquista do poder parlamentar. O Partido Social-Democrático elege cada vez mais deputados, mas o resultado é nulo, porque o parlamento não é meio-Parlamento, porque ele “não tem em suas mãos a força executiva, a força governamental, que suas decisões não passam de votos arbitrariamente vetados pelas autoridades do Império”. O caminho para a libertação não foi traçado pelo Congresso de Dresde e a impotência do partido se traduz em “fórmulas teóricas, que vosso eminente camarada Kautsky vos fornecerá até o esgotamento vital”. Nos países onde impera a democracia – França, Holanda, Bélgica, Suíça, Inglaterra –, “mais o proletariado exerce ação política e eficaz no seu Parlamento, mais ele é ferido por vossa moção que será um entrave ao desenvolvimento da universal liberdade política e, por conseguinte, ao desenvolvimento do socialismo internacional” (18).

A resposta de Bebel não demora. Na tarde do mesmo dia, em longo discurso, o líder da social-democracia alemã responde às críticas feitas por Jaurés. Em primeiro lugar, as Resoluções de Dresde não foram impostas por alemães, mas por Jules Guesde. No entanto, as causas de sua adoção, por nós, encontram-se presentes em vários outros países. É justo dizer que a resolução só serviria à monarquia alemã? E a nossa declaração sobre monarquia e república feita por Reichstag, que levanta celeumas? Mesmo que invejamos a sua república, nada faremos, nada a “favor da república burguesa; ela não vale a pena”. “Monarquia burguesa, república burguesa, uma e outra são Estados de classe; uma e outra são, necessariamente, por sua natureza, feitas para a manutenção da ordem capitalista. Uma e outa devem trabalhar, com toda força, para que a burguesia conserve todo o seu poderio legislativo. Pois, no momento em que ela perderia o poder político, ela perderia também a sua situação econômica e social. A monarquia não é tão má e a república burguesa não é tão boa como vocês pintam. Mesmo na nossa Alemanha militarista, dos latifundiários, da burguesia, temos Constituições que, para vossa república burguesa, são ideais”.

“Olhe a legislação do imposto na Prússia e na França: nesta última ele é miserável e reacionário, explorador, espécie de sucção ao contrário do que se dá na Prússia, onde é progressivo”. Quando se trata de reivindicações operárias se dá mesmo: “ela emprega todas as forças contra o trabalhador, como nos EUA, Suíça etc. Quando surge conflito entre operários e patrões, “é de maneira odiosa que se procede contra os franceses. O que é hoje o exército, senão o melhor dos instrumentos para a manutenção do domínio de classe?” Todas as lutas, nestes últimos quatro anos, provam isto: em Lille, Roubaix, Marselha, Brest, Normandia (fuzilada de Tréport), “onde o ministério Waldeck-Rosseau-Milletand, onde o ministério Combes não fez mais nada do que pôr a arma contra o trabalhador. E a eleição dos deputados? Mesmo tendo a Alemanha o pior dos governos, elegemos grande número de representantes no Parlamento. Nenhuma reforma foi rejeitada, nenhum progresso cancelado. O que temos é progresso político-social, em grande parte devido a nós, arrancados de nossos inimigos, tanto os liberais, como o centro. Depois de arrancar as concessões, logo após, 'nós o combatemos todos', homens do centro e do governo e liberais, como nossos inimigos permanentes”.

O revisionismo surge do processo político quando se esquece o interesse de classe
Jaurés reivindica a aliança dos radicais burgueses como positiva. Em caso de perigo comum, sim. O mesmo no caso da luta contra o clericalismo. Mas, na questão da paz universal dos franceses votam a favor do orçamento colonial, nos impostos indiretos etc. E a questão do sufrágio universal? Temos três milhões de eleitores e isto assusta a burguesia e quando tivermos quatro, cinco, oito milhões? Na Alemanha tentou-se acabar com o sufrágio universal; não se dará o mesmo na França quando os socialistas passarem de dois milhões para três ou quatro? E a burguesia francesa que ajudou o proletariado a conquistar o sufrágio universal e impediu as reformas sociais? É preciso lutar contra a ambiguidade do apoio a alas burguesas e voltar a Resolução de Dresde (19).

Os discursos de Jaurés e de Bebel são ovacionados ou apupados pelos partidários de cada uma das tendências. Depois temos a fala de Anseele, que é a favor do reformismo. Para ele, o “proletariado, na sua marcha para frente, se encontra diante de uma nova via. Em certos países da Europa, uma fração da burguesia tem necessidade do proletariado socialista e ela está pronta a pagar o nosso concurso com concessões: ela nos oferece ou nos oferecerá a participação direta ou indireta ao governo” (20). “Sofisticada pela Igreja, brutalizada pelo militarismo, esgotada pelas longas horas de trabalho (…) esmagada na luta pela existência, parte da burguesia nos propõe reformas, tudo isso com a condição de tomarmos uma parte da responsabilidade governamental e, neste caso, deveria dizer: não! Não, eu não o direi, e tenho a profunda convicção de que, quando o proletariado belga será forte para impor semelhante situação, minha recusa será acolhida por uma bofetada da classe operária!” (21)” Contrário ao reformismo é o discurso de Enrico Ferri. Anteriormente, no Congresso do Bolonha, ele defendera posição “idêntica àquela de Dresde”. Para Ferri, a tendência revisionista não é “fenômeno artificial”, mas natural e saído das entranhas do processo social e político de determinados países. Ela tem papel importante porque nenhuma doutrina pode permanecer imutável. “Mas o revisionismo, quando chega à questão da prática política, esquece sempre que, debaixo da divergência superficial, parcial e momentânea de interesses políticos entre uma e outra fração da classe dominante, persiste entretanto e sempre a identidade fundamental e tirânica de seu comum interesse em conservar o monopólio econômico, de onde nasce cedo ou tarde – em toda ocasião decisiva, a despeito das alianças e das promessas – o bloco de todas as frações burguesas contra o único partido socialista” (22). Depois de mostrar a ação do partido socialista na Itália e no plano internacional, Ferri revela que em Mantova, o partido socialista triunfa, travando a luta, “não contra tal ou tal fração burguesa, mas contra o bloco burguês inteiro, que vai dos mais reacionários aos radicais” (23).

Aos parlamentares socialistas cabe preservar a atividade a favor do socialismo
Vaillant e Victor Adler se pronunciam a favor da Revolução de Dresde, o que reforça o grupo radical. No entanto, como a crise entre os reformistas e revolucionários se acentua, ambos pretendem evitar o confronto e, para isso, redigem texto que poderia substituir o de Jules Guesde. O documento fala em repudiar as tentativas revisionistas, “que querem mudar nossa tática gloriosa, baseada na luta de classes, e trocar a luta contra a burguesia por uma política de concessão à ordem estabelecida”. No resto, há negação de que o partido tenha responsabilidade sobre a ação do capitalismo e que a “democracia socialista não poderia aceitar nenhuma participação no governo da sociedade burguesa. E que cabe aos parlamentares socialistas preservar a ação e a propaganda a favor do socialismo, das liberdades políticos etc (24).

Esta resolução é aprovada pela comissão por 25 votos contra 5, e 12 abstenções. Mas rejeitada pelo congresso, por 21 votos. A Moção de Dresde é aceita por 25 votos contra 5 e 12 abstenções. O resultado a favor dessa Moção é sintomático da hegemonia das esquerdas, mas também reflete a existência de nuances a favor de outras tendências. A direita se pronuncia contra e é representada pela Inglaterra (trade-unions), a Áustria e o Transvaal, uma pequena fração francesa o outra norueguesa. A tendência revolucionária é maioria no resto dos países. Daí verificar-se que “Jaurés está praticamente isolado no socialismo internacional; e esta constatação, imagino, vale ser feita” (25).

Ao terminar o congresso, no dia 20 de agosto de 1904, é aprovada a resolução a favor da unidade socialista, tema que fora levantado e discutido anteriormente. O texto é redigido por várias mãos: A. Bebel, V. Adler, E. Anseele e E. Ferri. Nele se declara que na luta contra o capitalismo é preciso que o proletariado use de toda a sua força. “Em consequência, todos os militantes e todas as frações, ou organizações que se dizem partidárias do socialismo, têm o imperioso dever de trabalhar com todas as suas forças na realização da unidade socialista, na base dos princípios estabelecidos pelos congressos internacionais e no interesse do proletariado internacional, se não acabam sendo responsáveis pelas consequências funestas da continuação de suas divisões. Para esta tarefa o
Bureau Internacional se põe à disposição de quem precisar” (26).

Um aspecto particular e novo se revela neste congresso: pela primeira vez são lidos Relatórios do Bureau Socialista Internacional, instalado em 1900, após o Congresso de Paris, neste ano. Quem apresenta o balanço e discute a ação e as necessidades do órgão é Victor Serwy, seu atual secretário.

* Historiador, Professor da Universidade de São Paulo.

NOTAS
(1) GÉNÉVE, Minkoff. Congrés Socialiste International, Amsterdã, 14-20 de agosto, 1904, vol. 14-15, p. 293.
(2) Idem, p. 299.
(3) Idem, p. 400-401.
(4) Idem p. 395-398.
(5) Idem, p. 43.
(6) Idem, p. 603.
(7) Idem, p 320-321.
(8) Idem, p.584.
(9) Idem, p. 185-186.
(10) Idem, p.190.
(11)Idem, p. 180-181.
(12) Idem, p.173-174.
(13) Idem, p. 401-402.
(14) CARONE, Edgard, Revista Princípios, n. 22, São Paulo, 1991. Anita Garibaldi, p. 64.
(15) idem nota n. 1, p. 69-71.
(16) Idem, p. 407-411.
(17) Idem, p. 343-358.
(18) Idem, p. 359-370.
(19) Idem, p. 384.
(20) Idem, p. 386-387.
(21) Idem, p. 373-374.
(22) Idem, p. 375-377.
(23) Idem p. 390-392.
(24) In: Le Mouvement Socialiste, n. 139-140, 1904, p. 1009-1014. Reproduzido no livro.
(25) Idem nota n. 1, p. 388-389.

EDIÇÃO 23, NOV/DEZ/JAN, 1991-1992, PÁGINAS 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77