O período que vai da queda da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, até o fim da Segunda Grande Guerra, em 1945, teve uma importância crucial para o mundo. Essa época assistiu ao colapso definitivo do desenho do mundo gerado na segunda metade do século XIX, foi testemunha do naufrágio do imperialismo inglês (que só sucumbiu completamente devido à bóia em que a velha Albion se agarrou, o imperialismo norte-americano) e a resolução de suas contradições resultou no mundo bipolar das últimas quatro décadas, mundo organizado em torno dos EUA e da URSS como potências dominantes.

Para o Brasil, aqueles também foram quinze anos cruciais. As repercussões, no país, dos acontecimentos de 1929 aprofundaram a crise da economia de exportação (baseada fundamentalmente no café), ajudando a corroer as bases do arranjo oligárquico que dava o controle do poder político no país às elites agrárias e ao capital mercantil ligado ao comércio exterior. Além das oligarquias tradicionalmente dominantes na política brasileira, e da burguesia industrial, irromperam novos atores, como a classe média e a classe operária. A revolução de 1930, um movimento conservador conduzido por setores dissidentes da velha ordem, sinalizou um processo de mudanças profundas que mudaram a face do país. O Brasil de vocação essencialmente agrícola, acanhado e profundamente antidemocrático da República Velha começou a morrer em 1930, numa agonia longa e contraditória, agitada por uma guerra civil, uma Constituição, um levante revolucionário, um golpe de Estado e uma ditadura fascista, No fim desse período, surgiu o Brasil moderno, com uma classe operária grande e atuante, que consolidou suas instâncias organizativas políticas e sindicais. Com uma indústria que iniciou um período de crescimento vertiginoso, acentuando o predomínio do capitalismo no país – predomínio que, finalmente, se impôs na década seguinte ao fim da guerra mundial.

Edgard Carone é um dos mais importantes historiadores da República em nosso país, autor de um conjunto de obras de valor inestimável não só pela riqueza documental, mas principalmente pelo esforço de síntese desse período tão longo. Ele acrescenta, agora, mais um volume a essa obra, cujo tema é justamente esse período fecundo e controverso: Brasil: Anos de Crise (1930-1945), pela Editora Ática.

Solidamente ancorado em dados, Carone atribui para o conhecimento mais detalhado desse período amparando-se principalmente em documentos produzidos pelas próprias forças políticas que foram personagem daquele drama histórico. Compreendendo a história política como resultado da atuação das classes sociais e de seus agentes, Carone privilegia a análise da classe operária e das diferentes organizações da esquerda (o Partido Comunista, os trotskistas, os reformistas), analisa a tentativa revolucionária da Aliança Libertadora em 1935, estuda a influência da Internacional Comunista e da luta contra o fascismo na esquerda brasileira. Assim, Carone analisa a política oficial getulista (a reação dos anos 1930, a perseguição aos comunistas e aos revolucionários, e mais tarde a aproximação com os sindicalistas e a criação de um movimento trabalhista) como reação das elites brasileiras à atuação dos militares operários e revolucionários no país.

Numa época em que proliferam, entre os especialistas em história, temas voltados às modas estrangeiras, que privilegiam aspectos (de importância inegável, mas secundária) ligados ao comportamento e à ação individual dos agentes históricos, o lançamento de uma obra como esta é animador: ela mostra que a grande história – a história das tendências gerais, dos movimentos das classes, da importância política fundamental da ação dos homens – está em pé e dá frutos.

José Carlos Ruy

EDIÇÃO 24, FEV/MAR/ABR, 1992, PÁGINAS 76