O jornalista Bernardo Kucinski aparentemente reunia as credenciais básicas para realizar um estudo sério investigativo e interpretativo sobre o fenômeno da chamada imprensa alternativa, que se desenvolveu no país sobretudo nos anos que se seguiram ao golpe militar de 1964. Kucinski foi colaborador do Opinião, e um dos fundadores do Movimento e fundador do primeiro editor do jornal Em Tempo, além de ser considerado profissional sério e persistente na busca dos fatos. Contrariando tudo isso, porém, ele produziu um trabalho – originalmente uma tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicações e Artes da USP e agora lançado em livro – que se caracteriza por flagrante primarismo político, em termos de análise e interpretação, e pela frequente inexatidão, do ponto de vista factual.

A tese básica de Kucinski – que está fazendo escola em certos meios e sendo amplamente acolhida e repercutida por veículos, como a revista Veja – é a de que os grandes veículos de imprensa alternativa, entre eles Opinião e Movimento, acabaram não por causa das dificuldades de toda ordem causadas pela ditadura militar – como a censura prévia, os atentados terroristas de que foram vítimas e os prejuízos financeiros decorrentes desta pressão –, mas como resultado de ação dos partidos políticos de esquerda que, segundo o autor, manipularam permanentemente os jornais, até a sua completa exaustão.

Opinião foi fruto da mobilização e do amadurecimento de vários setores que naquele instante se articulavam contra o regime militar e que consideravam importante conquistar terreno também no plano institucional, apesar da asfixia geral provocada pela ditadura.

Jogaram papel destacado neste projeto desde segmentos empresariais representados pelos empresários Fernando Gasparian e Eurico Amado, passando, por um destacado grupo de jornalistas combativos, tendo à frente Raimundo Rodrigues Pereira, até partidos políticos revolucionários postos na clandestinidade, como Ação Popular e PC do Brasil.

Bernardo Kucinski nem de longe destaca como Opinião, mesmo sendo censurado a partir da edição de número nove, furou várias vezes a grande imprensa. Cutucou a repressão terrorista e os “acidentes” por ela criados para justificar o desaparecimento e a morte de presos políticos, através de sucessivas notas publicadas nos números 2, 9, 12, 13, 14, 15, procurando, dentro de seus limites, mostrar como os fatos se repetiam e se ligavam, coisa que a grande imprensa nunca fazia. Na edição de número 22 – e não na de número 24 como informa o livro de Kucinski – foi o único jornal que noticiou a missa na Catedral da Sé de São Paulo, e que reuniu mais de 3 mil pessoas no final de março de 1973, por motivo da morte do estudante de geologia da USP, Alexandre Vanucchi Leme, assassinado pela polícia política paulista.

As bases da frente política que sustentava Opinião foram ameaçadas no processo sucessório do general Médici, quando se definiu que seu substituto seria o então presidente da Petrobras, general Ernesto Geisel. Este encetou várias manobras visando a quebrar o isolamento político do regime, acenando com a famosa abertura lenta, gradual e segura. Neste novo quadro, acirrou-se a luta pela hegemonia dentro do jornal, tendo a posição diante do novo governo como pano-de-fundo (Geisel tomou posse em março de 1974). Fernando Gasparian acabou apelando para o recurso definitivo na tentativa de impor sua hegemonia: em princípios de 1975, numa atitude brusca e unilateral, demitiu o editor Raimundo Pereira em caráter irrevogável. A redação e a maioria dos colaboradores não apoiaram a atitude de Gasparian. Bernardo Kucinski, de forma absolutamente irresponsável, atribui essa crise do jornal a uma suposta “orientação partidária” do PCdoB para que fosse rompida a aliança com Gasparian.

Esta tese é inteiramente falsa, pois quem participou do jornal sabe perfeitamente o esforço feito para não romper a aliança com Gasparian, mantida mantida a linha de oposição ao regime. E mesmo após a demissão de Raimundo Pereira realizaram-se sucessivas negociações no sentido de não se aguçarem as contradições com Gasparian, a exemplo da posição assumida pela maioria da redação do jornal que, numa decisão eminentemente política, decidiu não ingressar na Justiça do Trabalho contra a empresa que editava Opinião. Bernardo Kucinski sabe perfeitamente – mas não relata – que Fernando Gasparian teve na época problemas com personalidades expressivas como o editor Ênio Silveira, o poeta Moacir Félix (que se demitiu da Editora Paz e Terra, controlada por Gasparian) e o ex-deputado Max da Costa Santos, que também se desligou da Paz e Terra para fundar a Editora Graal.

Para mim não há dúvida de que a equipe que deixou o Opinião somente teve sucesso em organizar o semanário Movimento e arrecadar recursos para financiar o novo projeto porque manteve a proposta básica de oposição ao regime militar. Contrariando, portanto, inteiramente a tese de Bernardo Kucinski, os partidos políticos – entre eles o PCdoB – que trabalharam pela manutenção da unidade política em torno da oposição à ditadura militar, contribuíram decisivamente para a continuidade da experiência de Opinião, através do jornal Movimento, lançado em julho de 1975 e que saiu de circulação em novembro de 1981.

Muito teríamos a dizer sobre a história de Movimento para demonstrar a mesma linha de explicação político-conspiratória de Bernardo Kucinski e retificar inúmeros dados. Deixemos isso para outra ocasião, mas fique o nosso alerta: acautelem-se os leitores quanto às interpretações e informações difundidas no livro de Bernardo Kucinski.

Luiz Marcos Gomes

EDIÇÃO 24, FEV/MAR/ABR, 1992, PÁGINAS 77