O início dos anos 1990 já esboça com clareza novas formas de acumulação do grande capital monopolista. Vão se criando “maneiras modernas” de relacionamento entre os países imperialistas e os países dependentes.

A privatização de empresas foi transformada em bandeira econômica de ação imediata da oligarquia financeira internacional. O processo está em pleno curso e vai se dando em escala global, acentuadamente na América Latina e no Leste europeu.

De outra parte, a globalização e a aplicação maciça de investimentos através desse mecanismo ligam-se às privatizações e aprofundam a dominação dos países dependentes. O discurso que embasa tal política é o da “vitalidade da economia de mercado” que haveria superado para sempre a “economia de comando”, referência voltada contra não somente àquilo que se chamava de planificação socialista no Leste, mas que procura destruir igualmente o setor estatal da economia de muitos países burgueses dependentes.

Por que surge com tanta força o discurso antiestatizante da grande burguesia travestido de neoliberalismo? Quais as reais causas econômicas que estão a impulsionar esse processo onde os setores dominantes “abrem-mão” do papel que anteriormente destinavam ao Estado? A que se deve a palavra-de-ordem de “reformas estruturais” e de ”modernização do Estado” em moda? Investigar tais problemas, mesmo que em caráter inicial, nos parece importante.

A discussão do tema nos remete à análise do papel que tem sido destinado ao Estado na economia capitalista, e a estabelecer as diferenças desse papel em países de diferentes tipos atualmente.
O Estado burguês nunca foi indiferente para com a economia e a vida econômica do país, entretanto, as proporções e o caráter dessa influência variam de acordo com as distintas etapas do desenvolvimento do capitalismo. Na etapa do capitalismo pré-monopolista a intervenção do Estado na economia tinha um caráter episódico, que se limitava a alguns setores; a livre concorrência, o fracionamento e o isolamento da produção limitavam o papel econômico do Estado a manter as condições gerais do funcionamento do regime capitalista.

Na época do imperialismo a intervenção do Estado se estendeu a toda a economia, adquirindo um caráter sistemático e profundo. O Estado moderno desempenha diversas funções econômicas e ele mesmo constitui uma potente força econômica. Intervém diretamente no processo de reprodução capitalista, realiza atividades produtivas em ramos inteiros da indústria, atua como grande proprietário e consumidor, como credor e tomador de empréstimos. A “neutralidade” do Estado na luta interna entre os capitalistas foi substituída pela hegemonia da cúpula do aparelho estatal, que defende zelosamente os interesses dos magnatas financeiros.

O Estado é usado como alavanca na reprodução ampliada do capital em diversos setores
A base econômica de tal processo vem do alto grau de concentração e monopolização do capital e da socialização da produção capitalista em sua forma extremamente contraditória e antagônica. O alto grau de concentração da produção e a elevação do peso específico do capital fixo exigem enormes investimentos. Para realizar a reprodução ampliada do capital numa série de ramos industriais as acumulações dos capitalistas e das grandes corporações são insuficientes. Em seu socorro vem o Estado, que contribui para a centralização do capital e financia os investimentos e as pesquisas científicas, sobretudo nos ramos de ciclo lento e que requerem vultosos recursos. Os monopólios ficam com os ramos mais rentáveis da economia, mas a reprodução do capital social exige determinada correlação entre todos os setores da economia. O Estado realiza sua atividade econômica em ramos que sofrem prejuízos e são pouco rentáveis. Isso é válido tanto para países de capitalismo desenvolvido quanto para os dependentes.

Foi com base nessas modificações que Lênin no começo do século formulou o conceito de capitalismo monopolista de Estado, caracterizado pela união da força dos monopólios capitalistas com a força do Estado. A história demonstra que quanto maior a profundidade da crise do capitalismo, e especialmente nas épocas de guerras, o papel do Estado na economia é reforçado. São manifestações concretas do capitalismo monopolista de Estado:

1- Incremento da propriedade estatal e da atividade empresarial do Estado;
2- distribuição e redistribuição pelo Estado burguês de uma parte da renda nacional, orçamento, impostos, subsídios etc;
3- militarização da economia; e
4- “regulação” monopolista-estatal da economia capitalista. Da demanda das empresas estatais dependem em boa medida o volume e o investimento privado no país.

Sem que tenha havido uma modificação essencial no capitalismo monopolista de Estado o fato é que a sua primeira característica vem sofrendo alteração nos chamados países centrais de uns dez anos para cá. Poderia ser apresentado como fato concreto o processo de privatização levado a cabo por Margareth Thatcher na Inglaterra, onde foi preciso uma década inteira para que fossem privatizadas 25 empresas. Na França e na Itália o setor estatal responde por um terço do PNB; a Alemanha possui também gigantescas estatais, apesar de ultimamente seus dirigentes terem feito discursos e proposto à CEE medidas de privatizações.

A base de tal fenômeno está relacionada ao incremento da internacionalização e concentração do capital. Os Estados apresentam grandes déficits e lentamente vão se “retirando” de algumas de suas atividades econômicas. Os beneficiados são os grandes grupos da oligarquia financeira internacional. Mas é preciso ressaltar que o capitalismo monopolista de Estado se mantém vivo. É só olhar para o crescente grau de militarização da economia norte-americana (ver quadro n. 1) ou para as estreitíssimas relações entre o Ministério da Indústria japonês e os monopólios daquele país.
Outro é o caso do capitalismo de Estado nos países dependentes. Em muitos deles – e o Brasil pode ser tomado como exemplo destacado – a empresa estatal passou a ter um peso decisivo na economia nacional. Sobretudo a partir dos anos 1950 a atividade econômica do Estado se localizou em setores tão importantes como a siderurgia, as fontes de energia (produção petrolífera e hidroelétrica), as rodovias, ferrovias e os portos, os sistemas de comunicação, os bancos etc.

Passou a existir não propriamente um capitalismo monopolista de Estado, fase desenvolvida do imperialismo segundo a concepção de Lênin, mas um capitalismo de Estado subordinado e a serviço dos grandes monopólios internacionais e locais. Surgiu em muitos lugares como uma forma de promover o desenvolvimento nacional protegendo-o, mas foi cada vez mais se colocando a serviço dos monopólios. Com suas encomendas promoveu um desenvolvimento razoável de empresas capitalistas nacionais, ao mesmo tempo em que dava suporte aos investimentos diretos dos países imperialistas dependentes. Criou uma infra-estrutura para a implantação das multinacionais.

As estatais representam parte da soberania dos países dominados, e servem às multinacionais
As empresas estatais dos países dependentes apresentam, assim, um caráter contraditório. Ao mesmo tempo em que servem aos monopólios representam parte da soberania dos países dominados, pois o controle, o planejamento da produção, dos investimentos e da comercialização se encontram em mãos nacionais. Por esse motivo – por mais entreguistas que sejam as classes dominantes locais – as empresas estatais dos países dependestes jogam um papel importante no desenvolvimento nacional soberano. Hoje trata-se de privatizá-las total e rapidamente. Destaca-se tão somente o lucro maior ou menor dessas empresas ou o prejuízo que dão; a politicagem que existe no preenchimento de seus cargos mais importantes, ou a maior ou menor corrupção de seus dirigentes. O secundário toma o lugar do que é realmente relevante.

A política de privatização das empresas estatais dos países dependentes tem sido ditada pelos representantes maiores dos interesses do grande capital internacional. Sua matriz de pensamento está nos EUA, na Europa e no Japão. Enrique Iglesias, presidente do BID, em artigo publicado em 1º de dezembro de 1991, na Folha de S. Paulo, fala do que ele considera avanços para a América Latina: “Enquanto outros discutem as modalidades de privatização, os latino-americanos estão preocupados em aplicá-la (…) a reforma do Estado mesmo é a primeira pauta das agendas nacionais (…) o setor público deve estabelecer um conjunto bem definido de regras básicas, com recompensas e penas eficazes, no contexto de um sistema que protege os direitos de propriedade e estimula a poupança e o investimento privado (…) financiando projetos de privatização e reduzindo o peso da dívida”. Já Nicholas Brady, atual secretário do Tesouro norte-americano e inspirador do plano que leva seu nome, perguntado sobre o que deveria fazer a Argentina respondeu: “Já está fazendo o que tem que fazer, seguir trabalhando nos projetos que já desenvolve, continuar com a estabilidade e as privatizações”. Poderia falar ainda da célebre frase de Bush quando da última viagem de Collor aos EUA: “A chave para o crescimento e a prosperidade do Brasil é a privatização das empresas, o combate à inflação e a liberalização do comércio” (FSP, 19-06-1991).

Dessa forma o processo de privatização de estatais na América Latina e no Leste europeu tem sido orientado e monitorado pelo FMI.

O processo de privatização das empresas públicas dos países dependentes se insere na estratégia imperialista de buscar novas formas de acumulação de capital para fugir da crise profunda em que se acha o sistema, particularmente no que diz respeito ao problema de natureza estrutural das fontes de energia. Um relatório recentemente publicado pelo Bureau de Avaliação Tecnológica (OTA) dos EUA prevê que com a queda contínua da produção doméstica e o aumento da demanda, os Estados Unidos terão de provavelmente importar três em cada quatro barris de petróleo que consumir nas próximas duas décadas. O estudo mostra que as importações foram responsáveis por 42% das necessidades petrolíferas do país em 1990 – 7,1 milhões de barris por dia de um consumo total diário de 16,9 milhões de barris – que deverão representar em 2010 cerca de 75% se o consumo e a produção doméstica continuarem apresentando os resultados de hoje. O caso do Japão é ainda mais significativo pela grande dependência desse país em relação ao petróleo e a outras várias matérias-primas.

Por outro lado, o relatório do Banco Mundial publicado nos meses finais de 1991 dá conta de que as taxas de crescimento das economias dos chamados países centrais se encontra em declínio, mostrando sinais evidentes de estagnação. O crescimento, em 1991, foi de apenas 1% nos países capitalistas mais desenvolvidos. Somem-se a isso as dificuldades pelas quais passa a economia americana do Norte cujos números insistem em desmentir o otimismo que previa uma recuperação rápida com base em alguns resultados dos dois primeiros trimestres desse ano (1).

Quadro 2 (p. 23)

O quadro número 2 mostra claramente a crise profunda do sistema bancário norte-americano. Mas convém lembrar também que os índices apresentados pela economia alemã dão conta de que o país entra já numa “recessão técnica”. O PIB nos onze estados que formam a parte ocidental da Alemanha unificada teve uma redução real de 0,5% no terceiro trimestre deste ano, igualando o declínio do segundo semestre.

Uma estrutura baseada na ruína das fronteiras nacionais e comerciais dos países dependentes
As privatizações são influenciadas também pela crescente concorrência entre as grandes potências que as obriga a formação de blocos por regiões, onde cada um tenha controle quase total e melhores condições de competição. Vão sendo quebradas barreiras nacionais, fronteiras comerciais e alfandegárias dos países dependentes. Monta-se uma nova estrutura produtiva, coordenada pela potência líder do bloco em função de seus interesses.

Os Estados Unidos já se encontram em adiantado processo de “integração” com o México e o Canadá; e avançam sobre o resto da América Latina. A Europa continua se unificando e investe no Leste e na própria URSS. O Japão volta-se ainda mais para a Ásia, culminando um processo de três fases bem demarcadas. Procura-se para tal fim destruir os Estados nacionais, no seu aspecto mais abrangente e o setor estatal da economia em particular. Exemplo disso é o acordo recentemente assinado entre os países do Mercosul e os EUA onde há uma cláusula que prevê o voto unificado dos signatários nas reuniões da Rodada do Uruguai do GATT.

A dívida externa dos países dependentes atingiu níveis astronômicos e foi estatizada (ver quadro n. 3). Os Estados se transformaram em grandes devedores e o esquema de pagamento tal como vinha sendo feito passou a dar mostras crescentes de esgotamento. Vários países declararam moratórias sobre suas dívidas na década de 1980. Com os enormes fluxos de dinheiro mandado às “metrópoles” e baixas taxas de investimento de capital, muitos países dependentes chegavam a uma situação de “inadimplência”. A América Latina transferiu ao exterior US$ 200 bilhões nos anos 1980 e seu PIB caiu em cerca de 10% no mesmo período; os investimentos brutos como proporção do PIB se reduziram de 22,8%, em 1980, para 15,9% em 1984, chegando em 1989 com 16,2%.

Diante da crise dos países imperialistas e das dificuldades crescentes na relação com os países dependentes, estava colocada a necessidade de que a oligarquia financeira internacional encontrasse novas formas de acumulação e de exportação de capital, com altos rendimentos e rápido retorno ao mesmo tempo. A saída encontrada foi a política de privatização das estatais, o controle direto sobre toda a base econômica essencial de uma série de países medianamente industrializados. A intermediação do Estado-empresário como suporte para as atividades das empresas multinacionais havia se transformado num estorvo. Nesse contexto, o papel dos governos dos países dependentes é o de criar todas as condições para que a privatização se dê da melhor forma possível no interesse do grande capital internacional. Entre as medidas adotadas para esse fim podemos alinhar:

– Modificações nas legislações desses países, quanto ao direito de propriedade, retirando em especial quaisquer dificuldades referentes a estrangeiros;
– Criação de organismos para encaminhar as privatizações, a exemplo da Comissão Nacional de Desestatização brasileira e da Treuhand da Alemanha do Leste;
– estabelecimento de preços os mais baratos possíveis de acordo com a máxima “a empresa vale aquilo que alguém se disponha a pagar por ela”;
– estabelecimento de facilidades quanto aos meios de venda, aceitando para tal papéis da dívida do próprio Estado, extremamente desvalorizados pela sua condição de devedor “inadimplente”; – Adoção de uma política flexível que combine ao mesmo tempo “rapidez e firmeza” com um mecanismo gradual e mais lento para as empresas onde existem maiores resistências. É o caso da privatização das lucrativas subsidiárias da Petrobras e do crescente endividamento externo da empresa que visam a inviabilizá-la economicamente e desgastá-la perante a opinião pública;
– cumprimento de etapas que tenham como objetivo final a retirada total do Estado da atividade econômica. O que está sendo feito na Argentina e no México mostra exatamente isso;
– eliminação de restrições ao investimento estrangeiro no setor financeiro e “liberalização” dos mercados financeiros internos e, ao mesmo tempo, busca de recursos para as estatais no mercado internacional de capitais. Tanto no primeiro como no segundo caso são oferecidas grandes vantagens aos investidores estrangeiros, o que vai aumentando controle do capital externo sobre as estatais;
– adoção de uma série de outras medidas paralelas para facilitar o funcionamento das empresas já privatizadas; melhores condições de importação, combate à inflação, arrocho salarial, medidas fiscais que permitam um melhor equilíbrio do orçamento público etc.

A globalização dos mercados de capitais eleva o parasitismo a um nível superior
Para entender melhor os mecanismos de privatização das estatais e novas formas de penetração do capital imperialista nos países dependentes analisaremos a seguir, em maior detalhe, a internacionalização dos mercados de capitais.

Um dos fenômenos mais importantes que está a acontecer na economia mundial é a globalização do mercado de capitais. Os recursos advindos desse mecanismo se constituem hoje na forma principal de exportação de capital entre os países ricos e desses para os países dependentes. Passam a predominar sobre os empréstimos bancários conjuntos (sindicalizados) que tiveram seu auge durante a década de 1970 e que, por sua vez, já haviam deslocado os créditos oficiais e os investimentos diretos. O parasitismo do imperialismo atinge um nível muito superior.

A participação dos bônus nas transações totais entre os países passou de 42,2%, em 1982, para 63,4%, em 1990. Em valores absolutos: de US$ 75,5 bilhões para US$ 228,8 bilhões no mesmo período. Nos nove primeiros meses de 1991 foram captados US$ 320,7 bilhões em títulos. A taxa média anual de crescimento do mercado internacional (entre não residentes) de ações de 1979 a 1989 foi de 17%; foram US$ 92 bilhões em 1989, ano no qual o volume total de ações nas mãos dos investidores estrangeiros atingiu US$ 830 bilhões. Ao contrário, os empréstimos bancários combinados baixaram sua participação nas transações totais de 54,8%, em 1982, para 16,3%, em 1986, e recuperaram-se para 32,8% em 1990. Ver quadro n. 4. Em 1989 a saída líquida dos “países industrializados”, no item de investimentos em carteira, alcançou a cifra de US$ 272 bilhões, 35% maior que em 1988. O Japão sozinho fez em outubro último um investimento líquido (compras menos vendas) de US$ 14,6 bilhões no mercado internacional de títulos.

É através desse processo que os EUA procuram financiar seus enormes déficits e que a Inglaterra financiou seu programa de privatização. É ainda assim que o capital financeiro japonês vai se sobrepondo aos demais e firmando sua hegemonia. Ver quadro n. 5.

O que sobra para os chamados países em desenvolvimento é uma pequena parte das transações totais, como se pode ver no quadro n. 6. Isso explica em boa parte as condições de grande desvantagem com que os países dependentes entram no mercado internacional de capitais e o significado de doação das privatizações.

Os principais instrumentos através dos quais se captam recursos no mercado internacional de capitais são: a emissão de bônus e o investimento em carteira de ações. Quanto a este último pode-se citar três modalidades: os fundos especializados, as colocações diretas nos mercados internos de valores e a cotização no exterior de ações de empresas.

Empresas de Coréia do Sul, Taiwan e Tailândia emitiram bônus internacionais no valor de US$ 1,6 bilhões durante os 18 meses depois de janeiro de 1990. O mesmo estão fazendo empresas indianas. Tal forma de captação de capital externo vai ganhando muita força nos países da América Latina, onde é utilizado largamente pelas estatais. O quadro n. 7 dá uma idéia do que tem sido feito no México e na Venezuela.

Dessa forma, a participação dos bônus nas obrigações da dívida externa dos países latino-americanos teve um crescimento notável; grande parte dos empréstimos bancários antigos se transformou em bônus.

Só nos nove primeiros meses de 1991 estima-se que os países da América Latina tenham captado por esse mecanismo perto de US$ 10 bilhões, o que representa mais que o total conseguido entre 1982 e 1989.

Este ano também o Brasil mergulhou fundo na captação de investimentos externos através da venda de bônus de empresas estatais. Há muito tempo não se usava esse mecanismo de captação. Só nos últimos meses de 1991 foram captados US$ 1,5 bilhão, predominantemente das estatais entre as quais se destacam: Petrobras, US$ 850 milhões; Telebrás, US$ 200 milhões; Vale do Rio Doce, US$ 200 milhões. Ver quadro n. 8.

Todos os países das estatais brasileiras são colocados no mercado por agentes financeiros internacionais. O Citybank, por exemplo, coordenou a venda dos eurobônus da Petrobras, seu diretor gerente de finanças corporativas internacionais, Carlos Guimarães, faz a seguinte avaliação: “Os investimentos deram um crédito de confiança assumindo a premissa de que o governo realizará as reformas prometidas de privatizar, negociar a dívida e tratar corretamente o capital estrangeiro. Eles assumiram que isso vai acontecer em um futuro próximo” (grifo meu, DT).

É acintoso o processo de dilapidação do patrimônio público brasileiro com as privatizações
O México é apresentado como o grande exemplo a ser seguido pelos demais países latino-americanos. A recente trajetória da economia mexicana é assim descrita: “Acertou primeiro a economia com um pacto entre o governo e trabalhadores, combateu a inflação com o corte dos gastos públicos, saneamento das finanças e privatização. Paralelamente, renegociou a dívida externa dentro do Plano Brady – a dívida se transformou em problema do passado, sem afetar a vinda de capital voluntário. Depois desses passos, as barreiras do mercado internacional foram diminuindo”, explica C. Guimarães do Citybank.

Há em todo esse processo uma grande dilapidação do patrimônio brasileiro que pode ser comprovado pelo seguinte:

– Os juros pagos aos compradores desses papéis, os mais altos da América Latina, estão muito acima das taxas internacionais, duas vezes e meia a mais. Paga-se cerca de 11 a 13% em média, quando a taxa paga pelos títulos do Tesouro norte-americano é de 5% aproximadamente. As comissões pagas aos agentes é de cerca de 2,5% o que dá um total de quase 15% (juros mais comissões);

– os preços do mercado interno são normalmente muito subavaliados em relação aos do internacional. Ou seja, os investidores estrangeiros compram barato papéis de alto rendimento sem praticamente correr nenhum risco;

– para tornar mais atrativos os papéis das estatais brasileiras pretende-se adotar, ainda, dois tipos de medidas que já têm sido tomadas por estatais de outros países. A primeira é emitir bônus conversíveis em ações e, a segunda, a emissão direta de ações para venda no exterior. É claro que quando as ações dessas empresas são vendidas com preços abaixo de seu valor patrimonial, há uma imediata depreciação do seu capital da empresa;

– há, quanto aos prazos, uma grande diferença em relação ao processo anterior em endividamento feito através de empréstimos bancários, normalmente a longo termo. Agora com os bônus, o prazo médio é 2 ou 3 anos sendo que o credor pode reaver seu dinheiro após 6 meses ou um ano, muito antes de vencido o tempo do contrato;

– a relação credor-devedor passa a ser direta, sem a intermediação do Estado. Daí um maior controle sobre as empresas, diretamente o que afeta ou modifica todo o processo de planejamento da produção e de investimentos. Tudo isso quando a empresa não foi ainda privatizada como a Petrobras, Telebrás ou Vale do Rio Doce. O endividamento das empresas estatais nessas condições pode ser tomado como um passo para a sua privatização ou o que se chama de “privatização gradual”.
Uma outra medida que vem sendo tomada pelos diversos governos de países dependentes é a abertura de suas bolsas de valores aos investimentos diretos estrangeiros. Em janeiro deste ano, Taiwan anunciou a permissão para que estrangeiros investissem diretamente nos seus mercados de ações. Em junho o Brasil fez o mesmo. O Peru resolveu abrir seu mercado em setembro. A Coréia do Sul já permitiu que algumas corretoras estabelecessem seus escritórios em Seul.
O investimento nos EUA volta ao bolso do aplicador em 14 anos. No Brasil em 6 anos
O “grande negócio” para os investidores estrangeiros se verifica em três níveis, como mostra o caso brasileiro onde até meados de novembro já haviam sido investidos US$ 414,2 milhões com um retorno ao exterior de US$ 41 milhões.

1- O rendimento dos oito principais fundos ficou este ano entre 49,59% e 79,96%, enquanto a taxa de juros londrina (Libor) está em 5%. Isto significa que o aplicador estrangeiro que investiu no Brasil obtém em curto espaço de tempo a rentabilidade equivalente a uma aplicação de renda por dez anos. Ver quadro n. 9.
2- No Brasil, o número de anos em média necessários para que o investimento retorne é de 6,1; no Chile 8,86, enquanto nos EUA é 14,1. A este indicador se chama Preço/Lucro.
3- No Brasil, como no caso de vários outros países dependentes, o preço das ações está muito abaixo de seu valor patrimonial, numa relação de 0,28. As cotações médias das ações ficam em 28% dos valores patrimoniais. Um dos mais baixos do mundo. Ver quadro n. 10.

O processo de privatização das empresas estatais dos países dependentes, ou “a venda do século” como tem sido comumente chamado, significa uma enorme transferência de riqueza aos “países ricos” e inaugura uma nova etapa na dependência, muito maior do que até então. Os centros de decisão de setores vitais da produção, do comércio e das finanças passam a ser controlados desde a sede das grandes potências. O neoliberalismo para os “países pobres” nada mais é do que a liberdade total para o imperialismo agir e dominar. A consequência é o aparecimento de uma série de países sem nenhuma soberania, habitados por milhões de miseráveis (2).

Um setor da elite dominante dos países dependentes, através do movimento de privatizações, vai procurando novas e melhores formas de associação com os monopólios externos. Representam basicamente o capital bancário. Uma outra parte manifesta insatisfação ainda que incipiente.
Quanto à situação dos países do Leste e da extinta URSS cabe aqui estabelecer uma diferença. Lá não havia e não há capitalismo monopolista de Estado por causa da inexistência de monopólios privados que, em estreita aliança com os monopólios estatais, caracterizariam tal regime econômico. E, sim, a propriedade estatal sob a dominação de uma camada de funcionários burocratas da pequena-burguesia. Um regime econômico de transição (que agora se esgota) do socialismo rumo ao capitalismo, que não era mais socialista, mas que ainda não era capitalista (3). Pela ausência de capitais internos poderosos, a tendência é de que naquela região o processo de privatização das grandes empresas se dê sob domínio absoluto do capital imperialista.

Nesse quadro, ganha importância transcendental a intensificação da luta pela preservação da presença do Estado em setores estratégicos da economia. Esse é um dos aspectos centrais da luta antiimperialista dos trabalhadores e dos povos do mundo para conquistar a soberania nacional.

* Jornalista, editor do jornal A Classe Operária.

Notas
(1) As medidas adotadas por Bush visando à recuperação econômica não têm dado o resultado esperado e têm sido responsáveis por uma queda vertiginosa de seu prestígio junto à população. Segundo o Wall Street Journal, nas últimas dez semanas perderam emprego 2.600 pessoas por dia (Gazeta Mercantil, 16-12-1991).
A Pan Am, companhia aérea que espelhava a pujança norte-americana, fechou em novembro. Agora no fim do ano a GM, maior indústria automobilística do mundo, anunciou o fechamento de 21 fábricas nos EUA e Canadá e a dispensa de 70 mil funcionários nos próximos 4 anos. Em 1991 o seu prejuízo nos EUA deverá ficar em torno de US$ 7 e 8 bilhões.
(2) No México, onde o processo de privatização está bem avançado, existem hoje 40 milhões de pessoas, metade da população, em condições de miséria. Dezessete milhões em situação de extrema miséria, o desemprego cresce e o salário real caiu em 60% (Dados apresentados por C. Cárdenas do Partido da Revolução Democrática do México no começo de dezembro de 1991). O déficit em conta corrente em 1991 atinge US$ 11 bilhões, cerca de 4% do PNB.
(3) Para melhor aprofundamento, ver diversos artigos de Luís Fernandes a esse respeito.

EDIÇÃO 24, FEV/MAR/ABR, 1992, PÁGINAS 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29