Neoliberalismo e governo Collor
O ressurgimento das velhas idéias liberais, sob o manto da “modernização conservadora”, se dá em decorrência do sistema capitalista mundial. Após mais de vinte anos de crescimento (1945-71) o sistema capitalista entrou num período de diminuição de suas taxas de incremento da produção, com uma forte redução do processo de acumulação capitalista.
Segundo dados do Banco Mundial o crescimento do PIB nos países desenvolvidos caiu de 5% entre 1960-70 (média) para 2,3% entre 1980-90. Esta situação abriu espaço para o surgimento do neoliberalismo, saída da grande burguesia para a crise.
O pensamento neoliberal tem como núcleo de suas idéias a crítica ao papel do Estado na economia e a defesa da economia de mercado, sob o lema “menos Estado, mais mercado”.
Para atingir tal objetivo prega a desregulamentação da economia e a privatização das empresas estatais.
No entanto, o pressuposto do neoliberalismo é falso. No capitalismo de hoje já não existe a economia de mercado pura, nem a livre concorrência total. Ela é limitada pelo monopólio e pela intervenção do Estado. Lênin já falava em sua obra O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, que a concentração da produção engendra, em determinado grau de seu desenvolvimento, o monopólio.
Nestas condições, a tal regulamentação da economia de mercado, na realidade, representa a lei do mais forte. Significa deixar o caminho livre para os monopólios agirem sem qualquer limitação, dominando as economias mais débeis.
O discurso neoliberal de retirada do Estado da atividade econômica não corresponde aos fatos. Ele esconde uma redefinição do papel do Estado na atividade econômica, em que este já não age diretamente no processo produtivo, mas cumpre o papel de repassador de recursos para o setor privado através de um conjunto de medidas como as isenções fiscais, os subsídios, a política monetária, fiscal e salarial. Portanto, o Estado continua interferindo sobre o “livre mercado”.
O Estado continua repassando recursos para o setor privado de várias formas
Os neoliberais voltam-se, também, contra o Estado do bem-estar. Este surgiu como alternativa da burguesia para atenuar as contradições sociais nos países capitalistas e evitar o crescimento das idéias socialistas. Ele se expressou sobretudo através da social-democracia. Hoje, diante da crise do capitalismo e da derrocada do socialismo, os capitalistas voltam-se contra os investimentos na área social, por considerá-los improdutivos. A palavra-de-ordem é o lucro máximo, independente das consequências sociais.
O desenvolvimento científico e tecnológico e o atual estágio de desenvolvimento do capitalismo conduziram a uma socialização da produção, sem precedentes. Isto impõe uma nova divisão internacional do trabalho e a necessidade de um desenvolvimento mais integrado entre as economias nacionais.
Esta maior interdependência entre os países tem levado os neoliberais a defenderem a necessidade da superação das barreiras nacionais. Falam em soberania limitada. François Miterrand chegou a defender a soberania limitada do Brasil e da Amazônia. Chegam mesmo a falar em superação dos Estados Nacionais.
Na realidade, o que pretendem é a completa internacionalização da economia com a total submissão dos países em desenvolvimento às economias centrais. A propaganda em torno da supressão das fronteiras nacionais visa a desarmar os povos na defesa de seus interesses.
O documento do Comitê Central do PCdoB intitulado Em defesa da Nação Brasileira Aviltada pelo Governo Collor afirma: “propugnando uma nova ordem, os imperialistas tentam liquidar as barreiras nacionais dos países do chamado Terceiro Mundo, a fim de apossar-se de suas riquezas, controlar totalmente suas economias”.
Aspecto decisivo da política neoliberal se relaciona com os salários. Falando sobre o assunto Suzanne Brunhoff, em seu livro A Hora Crítica do Liberalismo, afirma: “manter o rigor para os assalariados e restaurar a rentabilidade das empresas (mesmo que a queda desta última não seja o efeito dos salários elevados demais), seria a saída liberal para a crise, como mostrou a retomada americana de 1983-1984”. Em outro trecho de sua obra ela demonstra: os salários “em parte pagam os custos da saída da crise”.
A grande burguesia cria condições para vulnerar o mais possível o poder de barganha da classe operária em sua luta por melhores salários. Utiliza desde a “chantagem do emprego” que tem levado a classe operária dos Estados Unidos e do Japão a concessões consideradas inimagináveis há alguns anos atrás, até a “modulação salarial”, ou seja, a diferença de salários entre os trabalhadores, como forma de dividi-los.
Outra arma da burguesia é a crítica ao “corporativismo”. Não ao corporativismo entendido como a luta meramente reivindicatória, econômica, sem sua articulação com a sua política, pela construção de uma nova sociedade. Mas sim a crítica contra as conquistas dos trabalhadores com maior nível de organização. Nesta ofensiva ideológica a burguesia tem voltado o alvo de suas críticas à “nocividade dos Sindicatos” por considerar que eles criam “situações de privilégio” entre os operários mais organizados. A ofensiva é toda no sentido de domesticar a classe operária. Por sinal, os modernos meios de comunicação têm jogado importante papel na despolitização dos trabalhadores.
Escrevendo sobre o neoliberalismo o professor italiano Giuseppe Vacca em artigo intitulado “Estado e Mercado, Público e Privado” afirmou: “estão em jogo interesses de classe evidentes quando se propõe ‘menos Estado e mais Mercado'”. A fórmula aparentemente neutra esconde uma verdade política elementar. De fato, o liberalismo nada mais é que um programa de distribuição de renda e do poder com a vantagem para os mais fortes.
Retirar o Estado da atividade produtiva e deixar campo livre para multinacionais
O governo Collor é a expressão brasileira do projeto neoliberal, de conteúdo antinacional e antipopular. O chamado Plano de Reconstrução e a Carta de Intenções dirigida ao FMI sintetizam esta política.
Repetindo o receituário neoliberal, o Projeto de Reconstrução Nacional fala da necessidade de “mudança significativa na natureza do Estado e das suas formas de atuação. O que se propõe é um Estado Menor, mais ágil e bem informado” e que a “tarefa da modernização da economia terá na iniciativa privada o seu principal motor”.
O Estado tem jogado papel destacado sobretudo nos países do Terceiro Mundo. Isto porque as burguesias locais não dispõem de recursos suficientes para grandes investimentos e nem estão interessadas em empreendimentos dispendiosos e do retorno demorado como foi a implantação da indústria de base no país. Hoje o Estado deve continuar jogando papel fundamental no desenvolvimento de papéis estratégicos da economia tais como energia, siderurgia; e os setores de ponta da economia tais como a informática, a biotecnologia e a mecânica fina. Todavia, a participação do Estado na atividade econômica tem sido um obstáculo ao controle mais efetivo das economias dos países em desenvolvimento, pelas multinacionais. Daí esta ofensiva contra o papel do Estado na atividade produtiva e contra as estatais.
Na verdade, a retirada do Estado da atividade econômica é uma falácia. Não há como conduzir a economia moderna sem a sua participação. O que a grande burguesia pretende é retirar o Estado da atividade produtiva, abrindo campo para as empresas estrangeiras. Por outro lado, pretende que este encontre novas formas de atuação para assegurar maior lucratividade do capital.
O Projeto de Reconstrução Nacional fala que o Estado brasileiro recuperará sua dimensão de “promotor do bem-estar social” e que deveria dedicar-se a saúde, educação e infra-estrutura. Aqui o discurso collorido entra em contradição com o projeto neoliberal. No entanto, só nas palavras. Os fatos comprovam o contrário. O Emendão, por exemplo, teve no seu início as conquistas sociais da Constituinte como seu alvo preferido. Em relação à Educação o governo propôs o corte dos 18% destinados a esta área. Bem como a privatização das universidades brasileiras. Esta orientação é confirmada na proposta de orçamento da União para 1992 onde o governo propôs gastos para a educação da ordem de 2,97% do total de recursos orçamentários, enquanto em 1991 gastou-se 3,83%.
O ridículo desta verba fica mais evidente quando se compara com os encargos financeiros da União que em 1991 foram 27,43% do orçamento e em 1992 deverão se elevar para 46,29%. Os recursos do Estado são destinados essencialmente para o pagamento de juros. Essa irracionalidade, a principal responsável pelo desequilíbrio financeiro da União, o governo não combate nem toma nenhuma medida para saná-la.
A privatização, juntamente com a desregulamentação da economia, são instrumentos para a concretização da política de redefinição do papel do Estado na atividade econômica. A política de privatizações foi formulada no Programa de Reconstrução Nacional e é reafirmada na Carta de Intenções ao FMI. Ali o governo afirma que as privatizações deverão render 18 bilhões de dólares nos próximos anos. Fala da venda da Usiminas e de empresas dos setores de “siderurgia, petroquímica, fertilizantes e transporte”. Assegura que o “programa de privatização está aberto à participação de investidores estrangeiros” e assegura a permissão do “uso de títulos da dívida externa no seu programa de privatização”. Na realidade, é a política de troca de papéis “podres”, desvalorizados, por patrimônio efetivo. Pela riqueza construída pelo nosso povo.
Meias verdades para justificar liquidação de empresas rentáveis e de valor estratégico
Os argumentos utilizados a favor das privatizações representam meias verdades. Dizem que as empresas estatais são rentáveis. No entanto, a Carta de Intenções presta conta ao FMI dizendo que a venda da Usiminas representa a privatização da “maior companhia siderúrgica da América Latina”. Trata-se de uma empresa altamente rentável. Bem como rentável é a Petrobras sobre a qual voltam os olhos dos grupos estrangeiros.
Na luta para desmoralizar as empresas estatais falam que elas são cabides de emprego. Na verdade, muitas delas foram transformadas em cabides de empregos antinacionais. Entretanto, não se fala no papel que os governos militares destinaram às estatais como captadoras de recursos esternos, causando graves problemas para suas fianças. E o mais grave, os subsídios destinados às empresas particulares, em particular às multinacionais. A Siderbrás tem vendido aço aviltado, 40% abaixo dos preços internacionais. Nos últimos 10 anos teve um prejuízo de 17 bilhões de dólares em vendas sobretudo à indústria automobilística multinacional. Quanto ao Sistema Nacional de Eletricidade há um prejuízo anual de 3 a 4 bilhões de dólares em subsídios, principalmente às empresas produtoras de alumínio (Alcan, Alunorte). O mesmo ocorre com a Petrobras que vende a nafta à indústria petroquímica por 100 dólares a tonelada enquanto no mercado internacional o preço é de 170 dólares. O resultado disso é que somente até novembro a Petrobras havia tido uma perda da da receita de 556 milhões de dólares. Tais medidas representam uma transferência de recursos do setor público ao setor privado. Aí reside o principal problema enfrentado pelas estatais.
É por tudo isto que os setores progressistas se manifestam contra as privatizações das estatais e defendem a desprivatização do Estado brasileiro. Ou seja, o Estado deve deixar de favorecer os interesses privados e passar a expressar os interesses coletivos.
O Plano de Reconstrução Nacional fala da política de abertura comercial do país para o mundo como forma de “colocar maior pressão concorrencial sobre os produtos brasileiros, facilitar a importação de máquinas e equipamentos e tecnologias necessárias à modernização dos processos produtivos”. Na Carta de Intenções há uma prestação de contas destas política. O governo afirma que em 1990 foi abolida a maioria das restrições quantitativas às importações, extinta a lista de exportações proibidas, além de inúmeras outras medidas. Além disto a Carta é categórica ao dizer que “o governo continuará a abrir a economia a fim de aumentar a eficiência econômica e promover inovações tecnológicas”.
Certa abertura da economia é uma imposição do desenvolvimento capitalista. Com uma nova divisão internacional do trabalho e o surgimento de uma especialização maior da produção entre países, as multinacionais construíram grandes unidades produtivas, com a alta tecnologia. Tais produtos deverão ser posteriormente exportados necessitando, assim, de fronteiras abertas para o “livre comércio”.
Ocorre que o comércio internacional não é tão livre assim. A política de abertura completa das fronteiras para o comércio internacional conduz a um tratamento igual para desiguais, ou seja, expõe uma economia débil à força das maiores potências econômicas do mundo. O resultado é a desorganização das economias nacionais.
Sob a bandeira do livre comércio os norte-americanos fizeram uma brutal pressão sobre o Brasil para liquidar a reserva de mercado da informática. Para assegurar esse objetivo foi aprovada uma lei no Congresso e a Carta ao FMI diz: “o governo irá abolir em outubro de 1992 a exigência da autorização prévia para a importação de produtos de informática”.
Essa liberdade de comércio internacional tão defendida por países desenvolvidos não é por eles praticada. Bush decretou a expansão por mais 30 meses da restrição da importação de aço pelos EUA com o objetivo de proteger a siderurgia norte-americana. O Mercado Comum Europeu garante subsídios a sua produção agrícola contra toda a grita americana.
A lógica dessas medidas é que a abertura ou não da economia, seus limites, depende dos interesses nacionais. A imposição da norma da abertura total não passa de um ardil dos países desenvolvidos para assumir, por completo, o controle da economia dos países dependentes.
A lógica da política de abertura economia para o mundo se relaciona com um novo tratamento a ser dado ao capital estrangeiro. Mas isto passa pela solução do problema da dívida externa. Na Carta de Intenções o governo brasileiro se propõe a realizar todos os esforços para normalizar suas relações com a comunidade financeira internacional, fazendo acordo com os credores oficiais e com bancos privados internacionais. A novidade de tais formulações é que no início das negociações sobre a dívida externa o governo Collor condicionava o repasse aos credores internacionais à capacidade de pagamentos do país. A prática demonstrou que esse arremedo de postura própria durou pouco. Face à pressão dos banqueiros o governo sucumbiu.
O Plano de Reconstrução Nacional afirma que o capital estrangeiro deverá ocupar papel relevante na retomada do crescimento, destacando medidas a serem tomadas no sentido de estimular o investimento estrangeiro no Brasil, prevendo inclusive reforma Constitucional.
Com o objetivo de forçar a execução de tais promessas empresários e autoridades estrangeiras desencadearam uma poderosa pressão sobre o governo brasileiro. Enquanto as multinacionais acusavam a “discriminação” existente ao capital externo no Brasil, o vice-presidente dos EUA, Dan Quayle, afirmou que o aumento dos investimentos americanos no país iria depender de reformas internas. Submetendo-se a estas imposições o governo brasileiro diz na Carta ao FMI que a ampliação de investimentos externos no país “deverá ser alcançada com mudanças institucionais que trarão investimentos privados até aqui reservados ao setor público, tais como telecomunicações, mineração, transporte e comercialização de petróleo e com um tratamento igualitário parra empresas de capital estrangeiro”. Por tudo isso o governo Collor vai se caracterizando como um governo de traição nacional.
Após ter recebido a Carta de Intenções, o diretor gerente do FMI, Michel Camdessus, disse: agora “está tudo azul, azul, azul”. Evidentemente, se está tudo azul para o FMI e as multinacionais é porque está tudo preto para o povo brasileiro.
Abismado com o avanço das idéias antinacionais no país o ex-senador Severo Gomes publicou um artigo intitulado “O discurso de entreguismo nacional”. Ali ele comenta um estudo sobre “Barriers to Foreign Investiment in US and Others Nations” de autoria de economistas do “Affairs Departament” do FMI. Lá se dá uma idéia das restrições americanas ao investimento estrangeiro. Tais restrições estão ligadas às questões de segurança nacional. Muitas atividades foram sempre restritas aos cidadãos e empresas americanos. Assim, “para ser considerada americana ela precisa ser organizada e registrada de acordo com a lei americana com o seu capital votante pertencente a cidadãos americanos no máximo”. 75%. O controle do capital é frequentemente acompanhado de exigência de que todos ou a maioria dos diretores sejam cidadãos americanos”. Por outro lado o mesmo trabalho informa que o “The Agricultural Foreign International Discloruse act” de 1978 estabelece que para o estrangeiro adquirir terras tem que se submeter à aprovação do Departamento da Agricultura. E assim por diante. Nada de completa liberdade para o capital estrangeiro. E isto nos Estados Unidos. Se um país poderoso como aquele toma tais medidas procurando preservar seus interesses, com muito mais razão terão os países de economias mais débeis de tomar medidas que resguardem sua soberania.
Encontrar os meios de incorporar avanços científicos sem se atolar na submissão
Os defensores da abertura do país aos capitais estrangeiros partem do princípio de que este é o único caminho para a modernização do país.
Analisando o desenvolvimento científico e tecnológico das sociedades modernas o professor Giuseppe Vacca no artigo já referido diz que por suas características intrínsecas “a ciência se desenvolve e se organiza em circuitos e organismos cada vez mais transnacionais”. Lênin afirmou: “a competição se converte em monopólio. Daí resulta um gigantesco progresso da socialização da produção. Se socializa, também, em particular o processo das invenções e aperfeiçoamento técnicos”. Se na época de Lênin esta realidade já estava presente, hoje mais ainda. Assim sendo não se pode pensar em desenvolvimento autárquico. Mais do que nunca há uma interdependência entre os países. Ocorre que os países imperialistas querem transformar esta necessidade de maior integração num instrumento de subjugação dos povos.
Assim, há que se encontrar os meios de incorporar os avanços científicos e tecnológicos ocorridos no mundo sem que isto represente submissão.
A abertura do país aos capitais estrangeiros está longe de ser o caminho que representa uma efetiva modernização. Na realidade esta abertura poderá representar maior facilidade para a compra de equipamentos mais avançados do ponto de vista tecnológico. Isto não significa transferência de tecnologia. As empresas estrangeiras não têm interesse em transferir seus conhecimentos tecnológicos e científicos. O controle deste conhecimento é poderosa arma de dominação. Assim, resta aos países que querem encontrar um caminho próprio incorporar o avanço científico e tecnológico, segundo os seus interesses, sem respeitar as rigorosas normas internacionais que visam a impedir a difusão tecnológica. Aliás, foi este o caminho adotado pelo Japão. Ele não respeitava as patentes. Importava produtos e os reproduzia, procurando incorporar seus avanços ao conhecimento científico e tecnológico do país.
As grandes potências pressionam os países de menor desenvolvimento para aprovarem leis de patentes ou os chamados Códigos de Propriedade Industrial.
A agressividade dos norte-americanos em torno deste assunto é grande. Allan Browley, assessor de Ciência e Tecnologia de Bush, afirmou: “O Congresso dos EUA exige uma lei de propriedade industrial anexada ao acordo de cooperação para que seja feita a renovação”. E o governo Collor, submisso aos interesses do capital estrangeiro, enviou ao Congresso Nacional o Código de Propriedade Industrial.
Em essência este Código traduz as exigências dos países desenvolvidos, formuladas na Rodada Uruguai do Gatt e tem por objetivo reduzir a difusão tecnológica, limitar o acesso do Brasil à tecnologia.
Em síntese o Código de Propriedade Industrial em tramitação no Congresso visa aos seguintes objetivos: a) Reconhecimento das patentes nas áreas farmacêuticas e de produtos alimentícios que até agora o país não reconhece. Reconhecimento de patentes em áreas que o país necessita desenvolver conhecimentos próprios como a área de informática, biotecnologia e química fina. b) A retroatividade prevista no projeto de lei estende a proteção a patentes já depositadas no estrangeiro, concedendo monopólios a conhecimentos tecnológicos que se tornarão de domínio público nos próximos anos. c) A concessão da patente não obriga a industrialização do invento no país. Pelo contrário, a simples importação é considerada exploração efetiva. d) A ampliação do prazo de vigência da patente para 20 anos. A Lei atual fixa o prazo de 15 anos. Com isto certas patentes que dentro em breve cairiam no domínio público terão ainda, por muitos anos, sua difusão impedida. Tais foram as conclusões essenciais do seminário promovido no Rio de Janeiro pela Rede Tecnologia do Rio para debater o novo Código de Propriedade Industrial.
Japão só reconhecer patentes ao se tornar uma das maiores potências mundiais
Para compreender a importância da questão das patentes no desenvolvimento do país este seminário discutiu o fato de o Japão só ter passado a reconhecer patentes de produtos recentemente, quando sua produção industrial era a segunda do mundo.
Comentando a questão da tecnologia do desenvolvimento de um país, o professor Bautista Vidal em seu livro Do Estado Servil à Nação Soberana afirma: “a tecnologia externa é o principal instrumento através do qual se molda e se controla a estrutura de produção nacional”. Ressaltando que por meio dos “pacotes tecnológicos” se escolhem as matérias-primas, as formas de produção e as formas de energia, não levando em conta os fatores de produção do país. Como consequência dos “pacotes tecnológicos” o Brasil é obrigado a produzir 1.500 tipos de aço, enquanto as economias mais sofisticadas, como a japonesa, produzem somente 500 tipos. Isto representa enormes custos financeiros para o País, elevando o preço de nossos produtos e comprometendo sua competitividade no mercado externo. Esta distorção provocada pela dependência tecnológica não é identificada pelos defensores da completa abertura aos capitais estrangeiros.
Assim sendo é inteiramente falsa a idéia de que a abertura ao capital estrangeiro vai assegurar o avanço tecnológico do país.
Na Carta de Intenções o governo Collor assume o compromisso com o FMI de aprofundar a recessão, estabelecendo para 1992 o índice de crescimento zero. As consequências desta política são tão sérias em termos de desemprego, falências e desorganização da economia que o diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, afirmou: “este vai ser um programa extremamente duro para ser implementado, mas os brasileiros o vêem como uma realidade e estão determinados a cumpri-lo”. Suzanne Brunhoff, no livro já referido, afirma que para os neoliberais “as recessões ou crises não são problemas, mas soluções: elas fazem parte da restauração do equilíbrio dos mercados. Seu custo em falências e desemprego é considerado como inevitável: é apenas o aspecto temporário do restabelecimento das condições de retomada”. É a lei da selva, a lei dos mais fortes. E como os mais fortes são as multinacionais já podemos vislumbrar o resultado deste processo. As consequências sobre a vida de milhões de trabalhadores não importa para os neoliberais. Ocorre que os trabalhadores não pensam assim e sua reação pode alterar completamente o quadro.
Segundo o governo, a recessão é o caminho adequado para combater a inflação. Parte da visão monetarista de que a inflação é um fenômeno puramente monetário. Assim, a política de altas taxas de juros é o mecanismo adotado no sentido de limitar a oferta monetária e restringir a demanda. Ocorre que a política de altas taxas de juros pesa sobre os custos de produção, sendo fator alimentador da inflação. Tanto assim que esta política não consegue debelar o processo inflacionário. Para acabar com a inflação, por este caminho, os prejuízos serão extremamente graves para os trabalhadores e para o parque produtivo brasileiro.
A reforma tributária, com o aumento da carga de impostos, é outro instrumento de que o governo lançou-mão para tentar equilibrar as finanças do país, tão combalidas pelos custos da dívida interna e externa.
O arrocho salarial adotado pelo governo visa a reduzir o impacto da inflação. Já ficou mais do que provado que o salário não é causa da inflação, tanto assim que o arrocho salarial mantido há muito tempo não levou à sua queda. Segundo o caminho neoliberal de combate à crise, o governo brasileiro assume como o FMI o compromisso solene de manter o arrocho salarial. Na carta ao FMI o governo informa que tem adotado a política de “menor intervenção no mercado de trabalho” afirmando que tem colocado em prática “medidas para reduzir a indexação salarial no processo de negociação dos salários”. Enquanto isto sabe-se que os ativos financeiros são indexados e na Carta o governo afirma que “todos os impostos serão indexados”. Assim sendo o capital e os impostos são indexados, mas o trabalho não. A resultante deste tratamento diferenciado é o que assegura o constante arrocho salarial face aos constantes crescimentos da inflação. Fruto disto, os trabalhadores terminam pagando parte ponderável do ajuste econômico.
A ofensiva neoliberal em plano internacional e interno por causar prejuízos às forças progressistas. Inúmeros setores ficarem sem respostas aos novos problemas colocados pela realidade. Outros foram cooptados pelo discurso neoliberal.
Através da crítica ao neoliberalismo e suas falsas soluções de caráter antinacional e antipopular torna-se imprescindível a formulação de um Projeto Alternativo de caráter nacional, democrático e popular para o Brasil como caminho de construção de uma nova unidade das forças progressistas e democráticas.
* Membro do Comitê Central do PCdoB.
Bibliografia
LÊNIN, Vladimir. O imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. Obras Escolhidas v. 1, Editorial Progresso, Moscou, 1966.
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BOBBIO, Noberto. O Futuro da Democracia – Uma defesa das Regras do Jogo. Paz e Terra. São Paulo, 1989.
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Resolução do Comitê Central do PCdoB. Em Defesa da Nação Brasileira Aviltada pelo Governo Collor. 1991.
EDIÇÃO 24, FEV/MAR/ABR, 1992, PÁGINAS 9, 10, 11, 12, 13, 14