A introdução da microeletrônica nas empresas capitalistas tem gerado enormes expectativas e polêmicas. Indaga-se sobre os seus efeitos no chamado mundo do trabalho e sobre o futuro da classe operária. Alguns afirmam que essa nova fase da automação “libertará o homem” e resultará em progresso para toda a humanidade. Outros argumentam que as novas tecnologias, sob o domínio do capital, servem para aumentar ainda mais a concentração de riquezas e resultam em enormes prejuízos para os trabalhadores. Decifrar esse enigma é uma tarefa urgente. O artigo a seguir procura apontar algumas pistas.

A automação não é um fenômeno recente no sistema capitalista. Existe praticamente desde o nascimento da indústria, a partir da superação do trabalho artesanal, do parcelamento das tarefas produtivas na fase manufatureira e da introdução das máquinas. O que há de diferente no atual momento são os meios utilizados para automatizar a produção. Até um período recente, eram utilizados na indústria apenas os recursos oferecidos por disciplinas como a mecânica, a física, a hidráulica ou a eletricidade. A partir do anos 1950, e em especial na década de 1960, a informática, e depois a eletrônica, vieram a se agregar como novos recursos à automação. Por isso é que se diz que a novidade atual é a introdução e difusão da microeletrônica.

Os avanços nesse campo são imensos. O principal insumo dos equipamentos microeletrônica são os circuitos integrados – os famosos chips. Eles começaram a ser pesquisados em 1958 pela Texas Instruments e sua produção comercial teve início em 1961. Os chips substituíram os transistores que, por sua vez, já haviam superado as válvulas eletrônicas. O primeiro computador a válvula, fabricado pela empresa norte-americana Eniac, no início da década de 1950, ocupava uma área de 150 metros quadrados. Já o atual circuito integrado, encontrado numa pastilha de silício, ocupa menos de 0,5 centímetros, cabendo em cima de um dedo.

“Robôs programados inclusive para observar e repetir o trabalho operário”.

Em decorrência do seu incrível poder de processamento de dados e de seus custos menores, nos últimos anos houve uma intensa massificação dessa nova tecnologia. Só nos EUA, mais de 1 milhão de casas já são equipadas com microcomputadores. Atualmente, pequenas calculadoras eletrônicas executam funções não realizáveis por grandes computadores há 20 anos atrás. Daí se tem uma idéia do impacto da microeletrônica quando esta passou a ser utilizada na produção industrial e em novos setores da economia.

O Comando Numérico Computadorizado (CNC) é considerado o primeiro passo da microeletrônica na automação industrial. Através dele, máquinas-ferramentas tradicionais, como tornos, fresadoras, mandriladoras e outras, ganham controles eletrônicos que garantem maior rapidez e precisão no processo produtivo. A alma do CNC é um microprocessador, que lhe dá capacidade de memorizar informações, fazer cálculos e transmiti-los à máquina para efetuar a operação produtiva. As primeiras máquinas-ferramentas de controle numérico computadorizado foram usadas nas indústrias naval e aeronáutica.

Enquanto o CNC serve à indústria mecânica, os Controladores Lógicos Programáveis (CLPs) reinam na siderurgia e na indústria química, onde administram processos contínuos de produção. Dotados de memória, os CLPs são gerentes eletrônicos que “tomam decisões”, como as de abrir ou fechar válvulas, soar alarmes, selecionar produtos químicos etc. Esses equipamentos são os mesmos usados no controle de tráfego da rede metroviária e na sinalização de trânsito.

Já os robôs representam um novo salto na automação na fase recente. Segundo definição do Instituto Americano de Robótica, ele é “um manipulador reprogramável e multifuncional, projetado para movimentar ferramentas, operar dispositivos especiais e transportar materiais, por meio de movimentos programados variáveis, o que permite a execução de um conjunto diversificado de tarefas”. Os primeiros protótipos foram construídos no início dos anos 1970 e calcula-se que hoje existam cerca de 300 mil em operação no mundo. Os robôs soldam carrocerias, pintam peças, carregam máquinas, montam produtos mais complexos etc.

Atualmente já são fabricados inclusive robôs programados para aprender o trabalho. Eles observam os movimentos de um pintor industrial, por exemplo, registrando suas posições a cada vinte milésimos de segundo. Depois, são capazes de reproduzir toda a sequência de movimentos do operário, de forma contínua e em tempo real . Desta forma, o robô se transforma numa nova alavanca para a expropriação do saber operário. Ele confisca e se apropria do conjunto de habilidades dos trabalhadores fabris.
Por último, também atuam na automação das empresas os sistemas CAD/CAM (Computer Aided Design/Computer Aided Manufacturing). São equipamentos altamente sofisticados que permitem projetar e definir as peças numa tela de computador e, posteriormente, enviar as especificações diretamente para a máquina de comando numérico, que se encarregam da produção. Desta forma, todo processo é informatizado, do projeto à produção direta. As atividades dos engenheiros, projetistas e desenhistas, que ainda estavam imunes à automação, são atingidas drasticamente. Há uma redução substancial do tempo necessário para o projeto de novas peças e produtos. No Brasil, empresas como a Villares e a Embraer já utilizam esse sistema. Os aviões Brasília e Tucano foram projetados e produzidos através do uso do CAD/CAM.

“A automação visa ao lucro. E não a qualquer interesse filantrópico pelo bem-estar geral”.

Todo esse avanço tecnológico tem enormes reflexos. Do ponto de vista da burguesia, a microeletrônica possibilita um aumento sem precedentes da produtividade e uma brutal redução dos custos operacionais – incluídos aí o corte de empregos, os ganhos com a economia de tempo e a diminuição dos reparos, dos refugos e dos estoques. Além disso, permite uma grande flexibilidade na produção – o que é fundamental para se manter a competitividade num momento de crise crônica do sistema. Com esses novos equipamentos, basta ditar as instruções ao sistema de controle, baseado no microprocessador, para que o robô ou a máquina-ferramenta com CNC se adapte de imediato às novas funções, redesenhando peças ou produtos. Essa versatilidade é que faz com que algumas empresas automobilísticas hoje já possam produzir carros com acabamentos específicos e características exclusivas, atendendo à demanda de um mercado cada vez mais elitizado e excludente.

Mas as vantagens não se limitam apenas ao aumento da lucratividade. Através da microeletrônica, a burguesia também consegue tornar mais rígido o controle sobre os trabalhadores. Desde a superação do trabalho artesanal, essa é uma questão decisiva para a sobrevivência do atual sistema. Segundo Benjamin Coriat, “microcomputadores ou terminais de computador instalados em máquinas podem permitir – antecipando informações sobre a velocidade do corte, a frequência de utilização de cada ferramenta, os tempos perdidos que separam duas operações – o exercício de um controle rigoroso de ritmos, da cadência do trabalho, bem como da frequência com que as peças são aceitas”. Sem a presença física de contramestres ou supervisores e de forma muito eficaz, a empresa pode combater o que Taylor chamava de “corpo mole” do trabalhador. A microeletrônica, a serviço do capital, diminui ainda mais a autonomia operária.

Esses são os grandes objetivos da burguesia e é nesse contexto que a automação precisa ser analisada, sem qualquer ilusão com a tese da ciência como algo neutro. A introdução e difusão das novas tecnologias têm como motivações básicas o aumento da lucratividade e da capacidade competitiva das empresas capitalistas. Além disso, visam ao controle mais seguro sobre o trabalho. Essa é a lógica do sistema capitalista. Não há por parte do capital nenhum interesse filantrópico pelo “bem-estar da humanidade”. Ele se apropria inclusive da ciência, dos conhecimentos acumulados pelo homem, para atingir os seus fins lucrativos. Como diz o sociólogo italiano Pino Ferraris, nesse ponto incorre em erro quem vê a tecnologia “como se fosse um instrumento neutro e dócil, adaptável a todas as boas intenções e conciliável com os mais diversos e contrastantes interesses”. Em outras palavras, ilude-se quem não enxerga que “a maquinaria é um meio para produzir mais-valia”.

Já para os trabalhadores, os efeitos da automação no capitalismo podem ser dramáticos. Um dos mais graves é o desemprego. Segundo parâmetros médios, a implantação de uma máquina-ferramenta com CNC pode implicar a dispensa de quatro a oito operários; já o robô, de cinco a sete; e o sistema CAD/CAM, de dois a vinte trabalhadores. Estudos feitos nos EUA demonstram que, até o final da década de 1980, cerca de 7 milhões de empregos na indústria e de 30 milhões em escritórios e bancos foram afetados pelos novos avanços da automação.

“A microeletrônica no capitalismo provoca uma queda do número absoluto de empregos”.

Mesmo no Brasil, onde a difusão da microeletrônica ainda é recente, suas consequências também são sentidas. Pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas), realizada em 1987, indicou a queda do número de funcionários nas indústrias que instalaram o CNC. Conforme constatou, as prensas automatizadas, por exemplo, executavam 25 golpes por minuto – contra apenas 10 efetuados pelas máquinas tradicionais. Já a troca de ferramentas, antes realizada em até cinco horas, passara a ser feita de forma automatizada em somente 25 minutos. O saldo final para uma fábrica pesquisada, cujo nome não foi citado, é de que o operador de máquina-ferramenta com CNC produzia o equivalente a 21 prensistas do sistema antigo.

Nesse processo de queda do número absoluto de empregos, algumas profissões entram em declínio e outras aumentam sua importância. As mais prejudicadas são as funções vinculadas à mecânica, como ferramenteiro, prensista, torneiro e outras. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) chega a prever para breve o desaparecimento dos postos de trabalho de pintura a pistola e de solda a ponto na indústria automobilística. Já as profissões em alta são as ligadas à eletrônica e ao conserto dos novos equipamentos, como analista de sistema, manutenção de computadores e técnicos em eletrônica.

Diante desse quadro, alguns ideólogos procuram minimizar o impacto da microeletrônica sobre a mão-de-obra. Afirmam que o emprego atingido pela automação será compensado em outros setores da economia. Há ainda os que argumentam que as novas tecnologias suprimem apenas as tarefas penosas e perigosas e criam profissões mais criativas e enriquecidas. Os fatos, entretanto, desmentem as afirmações dos apologistas do sistema em vigor. Quanto à tese da compensação, as pesquisas demonstram que o chamado “desemprego tecnológico” já é uma realidade que se agrava ainda mais em decorrência da crise crônica do capitalismo. “Os efeitos de redução dos empregos são certos e imediatos, enquanto os efeitos positivos são condicionais e de mais longo prazo”, conclui Coriat.

Além disso, o desemprego agora não vitima apenas os operários industriais. Ele atinge outros setores da economia que antes serviam como amortecedores e absorvedores da mão-de-obra expelida pela indústria. É o caso do comércio, onde hoje são introduzidos modernos equipamentos computadorizados, como o terminal de ponto de venda e a caixa registradora eletrônica. O primeiro é ligado ao sistema on line dos bancos, de maneira que os gastos das compras são debitados automaticamente na conta do cliente. Esse equipamento reduz o número de cheques em circulação, afetando o emprego dos comerciários envolvidos na manipulação desses documentos. O segundo potencializa o código de barras – aquele pequeno gráfico impresso na maioria das mercadorias em circulação no país. Através do scanner acoplado ao caixa, o próprio consumidor fotografa o código.

Esse registra o preço, dá baixa no estoque, emite pedido de reposição etc. Remarcador, controlador de estoques e também os caixas, entre outras funções, são as vítimas dessa impressionante modernização.

Além da indústria e do comércio, a informática e a microeletrônica estão presentes nos escritórios, em áreas de ponta da agricultura e nos bancos. Nesses, por exemplo, são visíveis as drásticas mudanças dos últimos anos, com a introdução do sistema on line, do caixa automático etc. Mesmo o setor de fabricação dos componentes microeletrônicos e de computadores, que está em expansão, não cria as vagas necessárias para compensar os empregos eliminados, já que é altamente automatizado.
No que se refere à criação de “profissões mais criativas e enriquecidas”, é preciso relativizar a questão e desmistificá-la. Segundo vários estudos, o que está ocorrendo na indústria é uma certa polarização.

Algumas profissões desaparecem, outras perdem o seu conteúdo e poucas se tornam altamente qualificadas. A perda de conteúdo da tarefa ocorre como resultado da simplificação do processo produtivo e da retirada das mãos dos operários do controle do seu trabalho. Os trabalhadores não mais se auto-organizam para efetuar suas tarefas e nem impõem o seu ritmo de trabalho. Com a microeletrônica, a máquina comanda totalmente a produção.

“O operário recebe sinais insensatos com base nos quais realiza operações”

O médico e psicanalista italiano Emílio Rebecchi, autor do livro O Sujeito Frente à Inovação Tecnológica, afirma: “é evidente uma vivência geral e dramática de perda do próprio profissionalismo. A capacidade de trabalho é transferida do homem para a máquina. A criatividade é anulada. A expropriação do profissionalismo atinge em maior medida, evidentemente, as camadas de trabalhadores que desempenhavam funções de elevada qualificação profissional”. Com base em pesquisas e entrevistas, ele conclui: “o nível profissional é alto apenas para poucos, uma elite limitada, enquanto é muito baixo para os outros”. Há um alargamento da base desqualificada e um afunilamento do vértice, sem figuras intermediárias.

Um dos operários entrevistados pelo autor comenta: “Saber usar o computador significa, para mim, apertar um botão para ligá-lo e apertar teclas segundo os programas fixados. Até um débil mental é capaz de aprender coisas assim”. Outro fala que “o nosso trabalho ficou cada vez mais mecânico e repetitivo. Até as crianças sabem fazer hoje em dia o que nós fazemos”. Para Rebecchi, essa é uma das questões-chave da automação. “Há uma perda global de significado do trabalho. Há uma transferência da inteligência do homem para a máquina e uma nova dependência, pelo homem, dessa inteligência que ele mesmo depositou na máquina. Enquanto na situação anterior o operário pertencia normalmente a grupos de trabalho que tinham a possibilidade de reconhecer o significado do trabalho, na fábrica informatizada pode acontecer de o operário não saber mais o que resultará de seu trabalho”.

A simplicidade das operações é facilmente aprendida. Um curso para a utilização do CNC leva em média apenas seis dias, enquanto um ferramenteiro necessita de vários anos para aprender sua profissão. Há uma perda de posição em relação ao processo produtivo e ao objeto produzido. O trabalhador não sabe mais em que ponto da produção ele se encontra. Recebe sinais “insensatos” com base nos quais deve realizar operações. Mesmo para a pequena elite especializada, as pesquisas indicam ser uma questão de tempo para que as modernizações atinjam outras fatias de profissionais. Jean Lojkine, autor do livro A Classe Operária em Mutações, prevê que “a distância entre o engenheiro e o operário que manipula os sistemas automizados tende a desaparecer ou, pelo menos, diminuir, se se quiser utilizar eficazmente tais sistemas”.

Um dos entrevistados por Rebecchi, um operário especializado, alerta: “O que estou fazendo será modelizado e automatizado e escapará do meu domínio”. Na verdade, a microeletrônica uniformiza o trabalho nos níveis de base. A perda de qualificação tem profundos reflexos, como a falta de identidade profissional, a ausência de identificação com o próprio trabalho e a inutilidade das experiências acumuladas, das capacidades pessoais e do conhecimento adquirido.

Harry Braverman, autor de um dos clássicos sobre o assunto, o livro Trabalho e Capital Monopolista, é categórico. Para ele, toda a trajetória da automação indica que as tarefas sempre se tornam mais repetitivas, rotineiras, parciais e elementares. “As novas funções e ocupações, que surgem após a automação das atividades, exigem trabalhadores com habilidades inferiores às exigidas antes do desenvolvimento tecnológico”. Outro estudioso do tema, James Bright, chega a apresentar gráficos demonstrando que quanto maior é a automação, menor é o grau necessário de especialização.

“As decisões saíram da fábrica para os escritórios. O operário apenas aperta botões”.

Acompanhando o processo histórico de degradação do trabalho, pode-se dizer que a revolução industrial do século XXVIII foi marcada pela passagem da ferramenta para a máquina-ferramenta. Já a chamada “terceira revolução industrial”, a da microeletrônica, designaria a passagem da máquina-ferramenta para o sistema de máquinas auto-reguladas. Nessa nova fase, o capital não procura apenas substituir as habilidades da mão humana. Ele visa a substituir também as funções cerebrais requisitadas pelo processo produtivo. Isso não significa o desaparecimento da intervenção do homem, mas sim o seu rebaixamento.

Exemplos da desqualificação profissional são visíveis. É só lembrar o desaparecimento repentino do linotipista, que já foi considerado um operário símbolo. Em seu lugar, o setor gráfico emprega hoje o digitador, cujo grau de especialização é bem menor. O mesmo ocorreu no sistema bancário. Conforme lembra Roque Aparecido, até alguns anos atrás o bancário evoluía de profissão se fosse contador. Hoje, com a informática e o sistema on line, não se exige grande aperfeiçoamento profissional – o que facilita, entre outras coisas, a política de rotatividade no emprego dos bancos. Nas fábricas, antes o responsável pela operação da máquina-ferramenta precisava conhecê-la, era um operário manual bastante qualificado. “Quando se lhe acoplaram dispositivos microeletrônicos e essas máquinas se transformaram em máquinas-ferramentas de controle numérico, passou a haver uma mudança radical do processo de trabalho. Essas mudanças acabaram por acarretar com que o controle e a capacidade de tomar decisões saíssem da fábrica para os escritórios e o operário do novo equipamento passou a ser um mero apertador de botões”, comenta Paulo Roberto Feldmann.

Um outro ponto polêmico sobre a automação relaciona-se ao ambiente de trabalho. Os que absolutizam a diminuição das atividades penosas, insalubres e perigosas, particularmente nas fábricas, tentam esconder os novos riscos decorrentes da microeletrônica e da informática. É consenso que ocorre uma melhora no ambiente ocupacional, já que os equipamentos automatizados permitem operações em áreas de maior risco e em serviços mais pesados. Isso não quer dizer, entretanto, que estejam resolvidos os problemas de saúde nessa nova fase. Os distúrbios físicos diminuem, mas não desaparecem totalmente. Outros surgem, como a tenossenovite – problema de articulação dos músculos das mãos. Há também problemas oriundos da falta de correntes de ar e da baixa temperatura na sala de máquinas, entre outros.

Mas o que tem gerado maior preocupação entre os estudiosos do assunto são os chamados distúrbios psicossomáticos. Eles ainda são pouco conhecidos, mas afetam os trabalhadores e exigem constantes pronunciamentos do sindicalismo internacional. A Fiom (Federação dos Metalúrgicos da Itália), filiada ao Cgil, recentemente concluiu: “o trabalho com computadores influencia no equilíbrio psíquico, cujos sintomas vão desde um mal-estar generalizado até verdadeiros indícios de doença mental”. O que se observa nos países industrializados é o aumento dos casos de gastrite, úlcera, tensão nervosa e estresse. Cresce também o número de suicídios de operários na Europa, EUA e, principalmente, no Japão. Várias causas explicam essas anormalidades. O médico e psicanalista Emílio Rebecchi aponta, entre elas, a mudança abrupta do conteúdo do trabalho, os ritmos cada vez mais intensos e impostos pelas máquinas automatizadas, o aumento das dificuldades de relações interpessoais nas fábricas. Algumas das entrevistas publicadas no livro citado são elucidativas. Um metalúrgico afirma: “Você se sente completamente vazio”. Outro comenta: “Vamos acabar virando robôs de segunda categoria, menos importantes do que as máquinas”. E outro é enfático: “Onde tem informática, as pessoas parecem todas loucas. Somos agressivos e competitivos”. Ele cita seu próprio exemplo: “Eu me vejo mentalmente trabalhando na frente do computador quando estou em casa. O trabalho volta à minha frente de maneira decididamente obsessiva, fica difícil expulsar aquele pensamento. É como quando ouço uma música e não consigo tirá-la da cabeça”.

“Cria-se uma relação cada vez mais individualista entre o operário e a empresa”.

Há também o problema do isolamento. O trabalhador fica preso ao seu terminal, não podendo se descuidar na atenção. Em muitas empresas inclusive são construídas estações de trabalho só para alojar os equipamentos microeletrônicos. Além do isolamento físico, há também o distanciamento sobre o processo de trabalho. A função de um trabalhador não encontra correspondência na dos outros, mesmo quando estão próximos. “Agora o trabalhador fica isolado e a centralização do trabalho é feita por um cérebro localizado no nível superior”, explica Rebecchi. Desta forma, a empresa cria uma relação cada vez mais individualizada com cada trabalhador, o que resulta num empobrecimento das relações de classe.

A depressão, causada pela monotonia do trabalho, é outra queixa constante dos operários europeus e japoneses. Através dos computadores, são retirados do processo produtivo os fatores imprevistos; a cadência e o ritmo são determinados pelas máquinas. Há maior alienação em relação à atividade produtiva. Alguns equipamentos também exigem um nível de atenção maior. Várias pesquisas já apontam casos de solidão nos novos ambientes de trabalho automatizados. A desqualificação profissional e a redução dos contatos humanos também causam depressão e outras anomalias psíquicas.

As novas tecnologias também facilitam o controle da empresa sobre os trabalhadores, o que resulta em aumento da tensão cotidiana nas fábricas. Hoje já se fala, no sindicalismo europeu, no “homem de vidro”, já que o trabalhador fica transparente, é facilmente observado pela hierarquia da empresa. “A informática possibilita um controle até bem pouco tempo totalmente impensável sobre o tempo de trabalho efetivo, sobre a quantidade de trabalhos realizados e sobre a sua qualidade. As próprias funções tradicionais da hierarquia empresarial são transformadas. O chefe de departamento perde a tarefa do controle repressivo, não precisa mais verificar diretamente o tempo de trabalho efetuado, mas sim colher as informações que os instrumentos de controle informatizados fornecem. Seu papel, então, pode mudar, voltando-se para o paternalismo e a compreensão repressiva”, comenta Rebecchi. Via computador, a empresa sabe no final do dia a quantidade precisa das operações realizadas, o tempo real de trabalho e os espaços utilizados para folgas, o número de erros cometidos na operação pelos trabalhadores e o tempo de sua correção. Com isso é possível estabelecer curvas de rendimentos e normas de produção mais rígidas. Esse aprimoramento da vigilância tem gerado protestos. O movimento sindical de países industrializados tem, inclusive, procurado firmar acordos que reduzam esse controle, como os assinados pela Ford inglesa e a IBM italiana. Mas os avanços nesse terreno são pequenos, uma vez que permanecem vigorando as regras da propriedade capitalista. “A influência dos trabalhadores limita-se geralmente a um direito de negociação, ficando intacto o direito dos empregadores de dirigir e repartir o trabalho”, comenta a pesquisadora Rosa Maria Marques, num dos textos do livro Organização, Trabalho e Tecnologia.

“O taylorismo, com o princípio da separação entre concepção e execução, sobrevive”.

Todos esses fatores reforçam a tese de que, apesar das profundas mudanças introduzidas pelas novas tecnologias, os princípios do taylorismo permanecem bem atuantes. A separação entre a concepção e a execução, entre o trabalho intelectual e manual, é acentuada. A concepção pode se dar inclusive fora da fábrica, e até do país, onde ela está instalada. A hierarquia – palavra que deriva do grego e significa poder sagrado – é mantida e agora é auxiliada pelos equipamentos informatizados que permitem maior poder de controle sobre os trabalhadores. Esses agora ficam submetidos ao “poder hierárquico tecnológico”. A informática possibilita inclusive que o taylorismo penetre em setores da economia em que sempre teve dificuldades de se viabilizar, como o comércio e os escritórios.
Pino Ferraris é categórico ao afirmar que a microeletrônica é a “nova encarnação técnica do taylorismo, fundada na separação radical entre sistemas informativos e áreas operacionais, entre continuidade da rede informativa e descontinuidade dos pontos de trabalho, que substitui a fragmentação física da ação do trabalho por uma nova atomização lógica do trabalhador, como privação total do acesso à racionalidade global e visível do ciclo de produção”. Para ele, “a inovação tecnológica, ao tornar completamente obsoletas a inteligência e a experiência de trabalho, realiza uma dissipação daqueles recursos humanos que são a base moderna da produção e do desenvolvimento do sistema”.

Pode-se afirmar que a recomendação de Taylor, de que os operários não pensem porque não são pagos para isso, atinge sua plena realização com o avanço da microeletrônica e da informática. Emílio Rebecchi chega a falar num hipertaylorismo. “Se no passado foram expropriados os operários profissionais, agora é a vez dos técnicos, dos funcionários, dos próprios programadores. A administração científica alcançou-os através da revolução da informática e os coloca cada dia mais sob o comando rígido das máquinas e dos tempos das máquinas, num mundo onde a regra é representada pela subordinação e execução. A organização do trabalho reafirma, assim, a divisão do trabalho, a divisão entre execução e direção, e a reafirma exatamente no momento em que os limites entre o trabalho manual e o intelectual vão ficando cada vez menos nítidos”.

Em outras palavras, o que as novas tecnologias comprovam é que o avanço das forças produtivas e a existência da apropriação privada só demonstram que o capitalismo não serve à humanidade. É um sistema que utiliza também a ciência para acumular capital, jogando a civilização na barbárie – no desemprego, na desqualificação profissional, na ausência de autonomia, na miséria. Num próximo artigo procuraremos analisar o outro lado da questão – os reflexos da automação na consciência operária, nas lutas sindicais e no próprio perfil da classe.

* Jornalista, presidente do Centro de Estudos Sindicais (CES) e assessor do Sindicato dos trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo.

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EDIÇÃO 25, MAI/JUN/JUL, 1992, PÁGINAS 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60