Fundamentos para uma Política Cultural
1- Questão Conceitual de Lazer
A questão conceitual que envolve o Lazer, (“realidade em formação”, segundo M. F. Lanfant) enquanto objetivo, não avançou ao nível das investigações desenvolvidas, a ponto de garantir um espaço de colocação autônoma. Nesse sentido, os elementos considerados na avalização teórica do Lazer deverão incluir-se, como veículo de explicitação e articulação, no esforço da construção de conceitos operacionais e, ao mesmo tempo, inserir-se no bojo de uma proposta política cultural geral.
Apesar de constatar-se a inviabilidade transitória de determinação de um segmento exclusivamente voltado para o campo teórico, no conjunto da “ação do Lazer”, cabe assinalar os aspectos centrais levantados nesse particular.
As categorias atualmente utilizadas no terreno do “discurso conceitual” (tempo livre, tempo liberado etc.) ainda não ganharam dimensão científica, restando distanciadas da representação concreta da realidade objetiva. Isso numa verificação do grau de produção teórica específica, na instância mais ampla da sociedade. Em decorrência, a utilização das referidas categorias deve-se subordinar à crítica permanente e limitar-se a suas conotações operacionais.
Considerando o quadro factual do Lazer (como realidade empírica), impõe-se sua definição operacional. A prática social concreta desenvolvida no tempo não diretamente ligado ao processo produtivo, em sua multiplicidade de formas – culturais, artísticas, recreativas e esportivas – como bloco não-homogêneo de práticas sociais, comportaria, a partir de estudos e pesquisas, a construção de conceitos operacionais que emprestem viabilidade ao trabalho cultural. Nesse contexto, manifesta-se a necessidade, entre outras, de conhecimento objetivo do orçamento de tempo do trabalhador (e sua família), como levantamento empírico inicial.
A organização teórica do campo, no estágio da conceituação operacional constituir-se-á, em respaldo à crítica de concepções vigentes e reveladoras de traços obscurantistas, tanto na eleição metodológica quanto na precisão do objeto de trabalho. Assim, abriremos caminho à determinação dos elementos críticos e do conteúdo efetivo da prática social de Lazer, categoria que engloba uma gama extremamente heterogênea de práticas sociais de natureza distinta, que devem ser investigadas em sua especificidade histórica e cultural.
Partindo de uma investigação crítica das concepções correntes relativas ao Lazer, no contexto dos sistemas sócio-econômicos existentes no mundo contemporâneo, o lazer deveria ser compreendido além da função reprodutora; mas sobretudo como instrumento capaz de, no exercício de suas formas objetivas, contribuir para a elevação do nível de conhecimento e participação daqueles para quem está voltado. Nesse aspecto, definimos preferencialmente um sentido consciente, crítico-transformador para o Lazer.
Isso posto, merece revisão o entendimento restrito do Lazer como elemento de ocupação do tempo livre e de repercussão psicossomática como também a utilização acrítica dos instrumentos, técnicas e métodos, ou seja, sem a sua necessária vinculação aos valores sócio-culturais da comunidade, em vários níveis.
A concepção do tempo não diretamente vinculado ao processo produtivo como livre, envolve o desconhecimento da natureza mercantil da força de trabalho, da sua significação social e da necessidade de sua reprodução particular e ampliada. A noção de tempo livre, por conseguinte, compreende uma redução psicológica do processo do trabalho com sua inevitável resultante: a recuperação psicossomática.
Em seu lugar, constituir uma prática de Lazer inspirada na e voltada para a cultura nacional, preservando seus traços fundamentais: suas raízes populares. Desse prisma, o Lazer antes de servir ao distanciamento da realidade seria um veículo promotor da mais profunda relação do homem com o mundo circundante – social e natural, inserindo-se no conjunto das relações humanas técnicas (com a natureza) e sociais (com os modos historicamente determinados de produção).
Deve, ainda, ficar explícito que tal concepção rejeita o apelo simplista aos modelos importados e à transferência exclusiva das iniciativas programáticas, nesse caso específico, às instituições públicas e privadas. Em consequência, propõe-se a ampliação das iniciativas oriundas das camadas populares, em suas bases sociais concretas.
Em síntese, o Lazer, objeto de múltipla manifestação formal e distanciado do processo imediato da produção (enquanto tempo empregado, jamais como finalidade), numa formação social como a nossa, deve ser apreendido nas suas possibilidades crítico-transformadoras e nas suas raízes nacionais e populares.
O debate técnico e teórico sobre o Lazer é ainda recente na sociedade brasileira, pois ele acompanha práticas em processo de formação e institucionalização. A discussão conceitual apenas se inicia, exigindo uma relativa concentração de esforços no trabalho teórico. Ao mesmo tempo, a organização e funcionamento dos serviços de Lazer ressente-se de políticas e normas que os orientem de forma sistemática e segura. Os custos exigem revisão. A metodologia e as técnicas de trabalho estão em grande parte indefinidas ou exigindo redefinições e desenvolvimentos. Os recursos humanos encontram-se em permanente processo de busca de novos métodos e técnicas e alojamento de suas qualificações profissionais em campos de trabalho ainda indefinidos, em crescimento ou embrionários. Por sua vez, a infra-estrutura das práticas de Lazer é também uma instância nova, onde a indústria do Lazer, sob determinadas condições de desenvolvimento da sociedade, provoca alterações nas prática espontâneas consagradas pelo povo e até mesmo seu desaparecimento.
2- Questões Conceituais da Cultura
Os conceitos antropológicos de cultura são insuficientes à apreensão do fenômeno cultural. A crítica das pretensões conceituais da chamada Antropologia Cultural apóia-se no Socialismo Científico, na análise concreta das formações sociais. O mesmo se aplica às correntes do psicologismo cultural.
No contexto cultural, a questão antropológica envolve a crítica do objeto e abrangência pretendida pela Antropologia Social, em busca da superação de seu caráter não histórico, da ampliação sem princípios dos traços exóticos das manifestações microssociais, da sua distância frente à base real a partir da qual se erigem as diferentes formas de cultura. Em suma, sem negar o espaço próprio da Etnologia e da Etnografia na abordagem dos fenômenos sociais, empreendemos o resgate de uma compreensão de cultura que possibilita a apreensão do seu movimento concreto: nacional pela forma; popular pelo conteúdo.
No que se relaciona às tendências do psicologismo em cultura, identificamo-as ao idealismo subjetivo, às vertentes do pensamento social que não partem da existência real dos homens para a compreensão de seus modos históricos de relação na sociedade e com a natureza.
Na investigação da cultura, em sua bases materiais, identificamos ser necessário seguir o progresso das formas humanas de existência. Assim sendo, a divisão entre o intelectual e o manual, entre o rural e o urbano, presentes nas sociedades modernas, segue um duplo curso: no presente, aprofundar-se, no futuro desaparecer. As formas distintas da cultura, desde uma ou outra divisão, não implicam antagonismo. O erudito tende a popularizar-se, e vice-versa. A cultura local, rural ou urbana é por sua concretude, universalizável.
A cultura é um fenômeno social que representa o nível alcançado pela sociedade em determinada etapa histórica: progresso, técnica, experiência de produção e de trabalho, instrução em educação, filosofia, ciência, literatura, arte e instituições que lhes correspondem. A cultura não é uma categoria sociológica empírica. Quando nos referimos ao fenômeno cultural não se trata de teorizar sobre a cultura em geral, abstrata, mas de agir, com suporte conceitual, sobre a cultura presente, concreta, procurando transformá-la estendê-la e aprofundá-la.
As discussões inerentes ao tema de preservação do popular envolvem o conceito científico do fato cultural. A intervenção dos elementos de consciência e erudição no curso livre da Cultura Popular depende diretamente do desenvolvimento dos modos de produção da existência social. As formas diferenciadas da Cultura Popular se mantêm em razão de raízes objetivas. Portanto, na linha de sua preservação e avanço, as concepções gerais devem considerar correta e concretamente cada caso. A perenidade do popular não se confunde com o dogma da imutabilidade.
Finalmente, as relações entre o popular e o erudito estão na íntima dependência das condições históricas de exercício da hegemonia pelos segmentos de base social civil. 3- Cultura popular
As discussões referentes à Cultura Popular revestem aspectos de conteúdo e forma, a partir de um quadro histórico-relacional: a formação social brasileira.
Nesse contexto, prioriza-se um enfoque analítico das bases sociais concretas, desde a produção e a divisão social do trabalho, a partir das quais se erigem as modalidades de consciência social. O aprofundamento da divisão social entre o trabalho manual e o intelectual (igualmente, fator de sua superação) correspondente ao estágio de desenvolvimento atual das modernas (centrais ou periféricas) sociedades de classe, é identificado como fio condutor da compreensão dos fenômenos integrantes da cultura.
Desde tal posição, no enfrentamento das questões objetivas do processo cultural, promove-se o relacionamento entre a cultura e o popular. Em consequência, a necessidade de um conceito científico de povo torna-se imprescindível à compreensão da Cultura Popular e, nos seus desdobramentos, ao exercício organizado da ação cultural. Tal conceito deve, imperiosamente, apoiar-se no caráter histórico de povo, compreendendo-o como o bloco maioritário e produtivo (intelectual e materialmente) da população.
Os traços que informam o universo da cultura, suas distinções não essenciais (técnicas e/ou formais), são apreendidos no conjunto do movimento da existência social. Não exitem contradições intransponíveis, por exemplo, entre o popular e o erudito. Cabe, nesse particular, investigar as condições históricas dadas, as possibilidades abertas de prática à cidadania e as tendências conjunturais hegemônicas.
As questões que envolvem a indústria cultural e os meios de comunicação de massa merecem inserção no mesmo quadro referencial pelo fato de tais fatores, de instrumentalização contraditória, encerrarem imenso potencial de progresso e vitalização das várias formas de expressão da cultura. Quanto à cultura de massas, predominante, deve-se promover sua identificação como fenômeno de dominação multinacional, as quais utilizam recursos decadentes e retrógrados retirados do depósito do “lixo cultural”, em projeção localizada, impedindo o livre curso das manifestações culturais capazes de ampliar o patrimônio da humanidade.
A produção cultural não espontânea deve ser assimilada não somente nos seus indicadores intelectuais-eruditos mas, com grande peso, no concurso aos elementos nacionais e populares. Vale salientar que o componente nacional da cultura é revelado pela sua raiz popular. Nesse campo, manifestam-se relações de contradição entre culturas, quanto à sua nacionalidade ou multinacionalidade, cabendo destacar criticamente os indicadores de dominação aí inseridos. A cultura, enquanto fenômeno histórico objetivo, requer uma abordagem abrangente, isto é, de suas relações internas e externas, equidistante de visualizações dualistas e em negação ao tratamento mecanicista, inclusive porque o universal surge do concreto/particular. Em consequência, não obstante o tipo de formação sócio-econômica determinar seu conteúdo último, a prática cultural concreta apresenta-se como portadora de elementos de contradição que merecem ser investigados em suas marcas particulares.
A concepção de “cultura nacional-popular” não se reduz a simples oposição à “cultura de massas”, nem se restringe aos aspectos imateriais da cultura produzida pelas camadas populares. A cultura popular tem caráter eminentemente nacional, já que a visão cultural que a alimenta – como movimento e como fenômeno – emerge dos problemas do país. Em suma, o que determina o sentido nacional da cultura popular é sua visão básica da realidade, sua radicalidade – na essência marxista deste termo.
Nesse sentido é que se deve empreender a defesa da cultura nacional-popular, de seus valores, de suas características, dentro da conjugação entre o geral e o particular, isto é, daquilo que tem validade universal, em termos de cultura humana, e daquilo que guarda o traço brasileiro. A preservação e desenvolvimento da cultura nacional-popular, partindo de sua realidade objetiva, não exclui a receptividade ao conjunto positivo do produto cultural da humanidade, muito ao contrário.
A preservação das formas de expressão popular é tida como uma necessidade cada vez mais imperiosa. Como campo de manifestação da cultura nacional, muitas modalidades de Lazer Espontâneo correm o risco de desaparecimento em decorrência das formas de crescimento desordenado das cidades, das formas especulativas de apropriação do espaço urbano e da intensificação da cultura de massas.
A Cultura Popular, parte componente dos processos em curso numa formação econômico-social, tem sido objeto de aproximações diversas. As denominadas vanguardas culturais são um exemplo palpável de aproximação, ressalvando-se o conflito expresso nas suas tendências, ou seja, as oscilações verificáveis entre o “culto da modernidade”, de um lado, e a consequente apreensão do novo, de outro.
A consideração positiva da vanguarda cultural parte de vários pressupostos. Entre eles, destacaríamos o compromisso de preservação e desenvolvimento dos valores da Cultura Popular; a transposição das distâncias entre a produção espontânea e o conhecimento científico do real; a vinculação da proposta cultural às perspectivas de efetivo exercício da cidadania. Portanto, os instrumentos de avaliação da vanguarda implicam a não diluição/destruição do acervo cultural popular, dos seus veículos de universalidade expressos no seu próprio mecanismo de construção.
Nesse contexto, a vanguarda artístico-cultural é apreendida em sua dupla expressão: forma e conteúdo. Ou seja, enquanto processo inovador/modernizador das estruturas técnicas de construção da linguagem e, concomitantemente, como modo de apreensão concreto da realidade objetiva.
4- Cultura de Massas
A utilização corrente da expressão Cultura de Massas parte de pressupostos que a identificam com o popularesco. Tais pontos de partida se traduziriam numa concepção de cultura destituída de compromisso com a realidade – portanto, alienada e alienante; ausente de humanismo; supraclassista e, em síntese, instrumento ideológico de dominação e reprodução.
Numa outra direção, a Cultura de Massas seria compreendida nos seus aspectos formais de caráter massivo, decorrentes dos seus métodos de produção e difusão. Os limites dessa posição evidenciam-se no fato de a conjugação da cultura com as massas, muito além dos elementos técnicos de produção e difusão, variar de acordo com seu conteúdo, estar condicionada pela natureza do regime histórico-social na qual se insere.
Em cada cultura nacional, na sociedade de classes, existem, ainda que de forma rudimentar, elementos de cultura progressista, pois em cada nação existem segmentos populares cujas condições de vida engendram, inevitavelmente, uma consciência inovadora e humanista. Mas cada nação possui, mesmo assim, uma cultura que não existe sob forma de elementos, porém como cultura dominante.
No mundo em que vivemos, as culturas dominantes das sociedades centrais assumem um caráter expansionista frente às formações periféricas e dependentes, gerando mecanismos de colonização cultural, basicamente, através de uma Cultura de Massas transnacional.
As contradições da produção e difusão da cultura dominante, inclusive no terreno multinacional, são o campo no qual se desenvolvem os processos de afirmação da hegemonia, a partir de suas frações. Os choques entre os elementos conservadores e os progressistas passam a exigir, em favor desses últimos, sua organização prática no contexto concreto da cultura. Nesse sentido, as diferenças não se expressam no limite das formas, mas na abrangência do conteúdo.
Na avaliação crítica da Cultura de Massas, dois pontos merecem destaque: as massas como sujeito da história e o avanço das ciências e das técnicas.
A cultura, conforme já tentamos demonstrar, deve ser definida por seu conteúdo. Por conseguinte, não pode ser, simplesmente, rotulada como “de massas” ou “não de massas”. As diversas modalidades de expressão cultural não podem ser agrupadas a partir de tal critério. Nesse particular, apresenta-se como falaciosa a dicotomia proposta entre a Cultura de Massas (por sua ampla difusão, mesmo que ao nível de pasto cultural) e uma possível cultura de elite (consumo das minorias eruditas).
A Cultura de Massas, nas suas determinações usuais, busca diluir o conjunto das relações que constituem objetivamente o homem num agregado historicamente indeterminado: as massas. Ao mesmo tempo em que elege uma base conceitual técnico-quantitativa.
Uma questão que se destaca na abordagem das formas objetivadas da Cultura de Massas vincula-se, em decorrência da internacionalização do processo industrial-produtivo e do mercado, nos seus objetos de consumos, ao cosmopolitismo cultural (tradução presente do eurocentrismo vigente até o início do século) e às investidas pseudocientíficas que, apoiadas no avanço da técnica, pretendem reduzir os antagonismos do mundo na utopia da “aldeia global” (com seus “valores universais”).
Seria ingênua a postura que negasse o inevitável reflexo da chamada revolução técnico-científica no movimento cultural. Contudo, não cabe sua assimilação passiva, nem a ignorância de que o avanço nos modos de apropriação técnica da natureza conduz às ampliações da dominação e, consequentemente, de sua reprodução. Basta que nos detenhamos na observação das formas de utilização dos meios de comunicação de massa.
A resistência cultural, desde os elementos populares existentes nas culturas nacionais, a promoção de sua unidade e a justa compreensão do desenvolvimento técnico científico são os veículos de superação dos impasses inerentes à problemática que envolve a Cultura de Massas e da construção de uma Cultura para as Massas.
5- Povo e Lazer
O processo de trabalho, na realidade social atual, atinge níveis elevados de desgaste de sua força, aumento real da jornada, queda dos salários reais, aumento da taxa de desemprego, deterioração das condições de vida dos trabalhadores, dos inativos e dos dependentes dos trabalhadores. Desta forma, o Lazer articula-se com a questão do salário real e das condições de vida e de trabalho. Os trabalhadores são atingidos progressivamente pela carência de alternativas de Lazer, seja pela inexistência destas, seja pelo baixo poder aquisitivo ou ainda pelas formas de isolamento sócio-cultural e mesmo a destruição do patrimônio da cultura nacional-popular, onde residem quase todas as formas históricas de Lazer ainda vivas, num difícil exercício de resistência.
O movimento real do Lazer está vinculado ao processo de informação de idéias e valores. As interferências podem ocorrer através de práticas que contribuam efetivamente para o desenvolvimento da consciência crítica. Uma linha de ação deve se constituir através da recuperação da memória nacional, tanto pelo apoio às formas de expressão populares quanto pela criação de condições de acesso das camadas populares ao campo da produção cultural da sociedade como um todo. Para tanto, deve-se atuar fora e dentro dos meios de comunicação de massa e, através deles, exercer uma ação que não se deixe envolver pelos processos negativos da massificação cultural. Deste modo, poderá consolidar-se o papel do agente da organização da cultura e do Lazer, atuando no sentido de estimular (e não embotar) a capacidade criativa individual e coletiva.
O exercício social das formas conscientes de Lazer (Lazer Crítico), em última instância, deve servir à apropriação dos esforços de alocação do tempo não diretamente vinculado ao trabalho produtivo para a compreensão e resgate das relações sociais de produção, superando os mecanismos de distanciamento da realidade e desenvolvendo a consciência dos produtores em direção crítica.
O aspecto econômico da política do Lazer está articulado com a problemática do salário real. Nas camadas populacionais mais atingidas pela pauperização, o atendimento às necessidades básicas absorve praticamente todo o salário do trabalhador. Uma parcela inexpressiva do salário é canalizada para as necessidades de Lazer. No entanto, os efeitos sociais negativos do processo de desenvolvimento acelerado exigem que uma parcela crescente do salário seja destinada ao atendimento das necessidades de Lazer. Daí a importância de incorporar ao salário real o equivalente ao valor dos serviços de Lazer necessários ao trabalhador.
6- Modo/Processo de Trabalho
O entendimento de que a cultura e suas práticas correspondentes devem desenvolver-se a partir das situações surgidas das condições objetivas de vida exige a não principalização de formas isoladas, mas, ao contrário, uma absorção plena e, em decorrência, levando em conta as realidades locais, a eleição de modalidades que encerrem um maior potencial de universalidade e compreensão dos elementos gerais circundantes.
Essa linha de trabalho está a erigir sujeitos ativos em sua execução, com mais domínio e verticalidade em suas funções, que superem o estágio do “animador cultural” e ultrapassem as concepções e técnicas funcionalistas inerentes ao subjetivismo sociológico. Em progressão, indica-se a necessidade da formação de agentes culturais (organizadores, divulgadores, receptores, incentivadores, pesquisadores) que, pela sua visão de totalidade, sejam trabalhadores orgânicos da cultura, ou seja, engajados na dinâmica sócio-cultural das comunidades/clientelas às quais se ligam, distanciados do culto organicista-funcionalista da perfeição e eternidade das “instituições”. Na verdade, o agente cultural, como o concebemos, é autêntico agitador cultural.
A prática cultural, artística e/ou esportiva, organizada a partir de suas determinações e dominâncias sócio-históricas, elimina progressivamente as proposições do funcionalismo no trabalho social. Este, por sua vez, nada mais representa do que uma desfigurada herança das tendências conceituais (positivismo e evolucionismo) dominantes no corpo embrionário das Ciências Humanas, no Século XIX, aliada às limitações lógico-metodológicas do mecanicismo, enquanto instrumental de apreensão da realidade.
O agente cultural, acionador do bloco da prática de cultura, é um elo entre o consciente e o espontâneo, entre os valores dispersos da Cultura Popular e o conhecimento científico do real.
* Sociólogo e militante do PCdoB/RJ.
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