O monopólio é um vício que atravessou séculos e continua presente em nossas sociedades. Provavelmente, a primeira forma nociva de monopólio foi o da terra, com o Feudalismo. A partir da adoção das moedas como base de troca, ocorreram a expansão do comércio e o surgimento do monopólio dos mercadores. Paralelo ao desenvolvimento do artesanato, apareceu o monopólio das corporações de ofício, que procuravam impedir os que não fossem membros de trabalhar no ramo. “Até os mendigos da Basiléia e Frankfurt tinham suas corporações, que não permitiam aos mendigos de fora mendigar ali” (1).

Todo o poder da igreja do final da Idade Média não a livrou dos problemas com o poder das corporações monopolistas: apenas aos membros da agremiação dos padeiros era permitido fazer pão. Desta feita, para a igreja produzir pão – em suas próprias terras, com o trigo ali mesmo produzido e fermento próprio – era necessária autorização da corporação dos padeiros.

Situações como estas são consideradas absurdas atualmente. Assim como caíram esses monopólios, um dia cairá o monopólio das patentes, “último reduto oficial desse famigerado legado do vício monopolístico, o lixo intelectual do sistema de propriedade” (2).

Em seus primórdios, os monopólios eram circunscritos às cidades porque não havia países ou reinos. Com o surgimento dos reinos, o monopólio passou a ser uma concessão do soberano e a ultrapassar as fronteiras da cidade para tornar-se nacional. No início, o monopólio procurava estimular os artesãos e comerciantes em áreas de interesse do reino. Posteriormente, passou a ser concedido a amigos do rei com o objetivo de assegurar dinheiro e serviços para a família real.

As concessões de monopólio eram comunicadas ao povo através de cartas abertas denominadas “Litterae patentes”, daí vem a expressão “carta patente”. Esses monopólios eram tão nocivos ao povo que, na Inglaterra, durante o reinado de James I, todos os privilégios de monopólios foram abolidos pelo Estatuto dos Monopólios em 1623, o qual estabeleceu uma exceção para as novas invenções (3). Assim surgiu o sistema inglês de patentes. Seguiram-se à Inglaterra a França, a Alemanha e os EUA, que também desenvolveram seus sistemas nacionais de patentes.

“Patente é um sistema de monopólio privado com elevado custo para a sociedade”.

O governo da Áustria, por sugestão do governo norte-americano, enviou o primeiro convite para uma conferência internacional sobre direitos de patente na Exposição Universal, realizada em Viena em 1873. Após duas reuniões preparatórias, em 1878 e 1880, a convenção foi assinada em Paris, a 20 de março de 1883, e ficou conhecida como Convenção de Paris. A Conferência na qual elaborou-se a convenção foi considerada um “Teatro do absurdo”, segundo Patel (4). Os signatários originais foram 14 países: Bélgica, França, Inglaterra, Itália, Holanda, Portugal, Sérvia, Espanha, Suíça, Brasil, Equador, Guatemala, El Salvador e Tunísia. Brasil, Equador, Guatemala e El Salvador assinaram por influência norte-americana e a Tunísia por influência francesa.

Dos 14 assinantes originais, cinco (Brasil, Equador, El Salvador, Guatemala e Tunísia) tinham pouca idéia do problema e três (Holanda, Sérvia e Suíça) não tinham leis nacionais de patentes. Na Suíça, plebiscitos nacionais, feitos para decidir sobre a adoção da lei de patente, foram derrotados sete vezes: em 1849, 1851, 1854, 1863 por duas vezes, 1882 e 1886, sendo aprovada somente em 1887. Os EUA assinaram em 1887 (5). Desta forma, estava criado o principal mecanismo de internacionalização de mercado, com o qual os países industrializados, detentores da maior parte dos privilégios industriais em vigor, asseguravam mercados cativos para seus produtos, além de criarem um mecanismo internacional impeditivo do desenvolvimento dos demais países.

A patente é um direito de monopólio concedido pelo governo. O artigo 53 do projeto de lei (824/91) de propriedade industrial é ilustrativo desse monopólio: “Art. 53. A patente confere ao titular o direito de impedir terceiros, sem seu consentimento, de fabricar, usar, vender, expor à venda, comprar, ofertar, importar, exportar ou estocar”. É o monopólio privado com custo público. Quem ganha é o detentor do monopólio, quem perde é o consumidor. Quando o número de produtos é grande no mercado, o lucro tende a zero, com o monopólio o lucro se eleva. O efeito de uma “patente natural” – a semente híbrida de milho – e sua influência sobre os preços da semente foi estudado comparando esses preços com os da semente de soja, que não possui essa “patente natural” e pode ser multiplicada por qualquer agricultor (6).

QUADRO 1

Tecnologia Produto Quantidade de grão necessária para pagar a semente
Livre Soja 2
Segredo comercial Milho híbrido Cargill 125 10
Segredo comercial Milho híbrido Cargill 525 15
Segredo comercial Milho híbrido Cargill 606 15
Segredo comercial Milho híbrido Agroceres 303 16

Proporção entre o preço do grão e a semente, representado pela quantidade do grão necessária para pagar a semente, numa cultura com segredo comercial (“patente natural”) o milho híbrido e uma cultura livre, a soja, no estado de São Paulo, março de 1991 (7).

Enquanto o agricultor de soja com dois sacos de grão pagava um de semente, o agricultor de milho precisava de 10 a 16 deles para pagar um saco de semente híbrida. Pode-se imaginar que o fato de a semente ser híbrida é que encarece sua produção. Isto também foi investigado. Na região de Palmital, SP, uma empresa produtora de milho híbrido estava pagando 65% sobre o preço do grão para os agricultores produzirem a semente do milho híbrido para a empresa.

QUADRO 2

Preço máximo pago ao produtor pelo grão Cr $ 1.500,00
Preço pago ao produtor pela semente híbrida Cr $ 2.475,00
Preço de venda da semente ao agricultor Cr $ 24.096,00

Preço máximo pago ao produtor pelo grão de milho, preço pago pela empresa ao produtor pela semente híbrida e preço de revenda dessa semente híbrida ao agricultor. Palmital, SP, março 1991 (8).

O Quadro 2 revela um incremento de 873% no preço da semente híbrida comprada do produtor e revendida aos agricultores. Os valores não se referem somente a lucro, haja vista aí estarem embutidos os custos da semente entregue de graça ao produtor pela empresa, além de custos de transporte, beneficiamento, ensacamento e eventuais impostos. A semente de soja, todavia, está sujeita aos mesmos custos e seu preço final é apenas duas vezes o preço do grão. Esses resultados foram confirmados por dados de preços de grãos e sementes da Fundação Getúlio Vargas de 1982 a 1990 (9).

“Além da elevação dos preços, a indústria local não tem desenvolvimento”.

O milho híbrido e a soja tiveram grande expansão a partir da década de 50. Nos últimos quarenta anos tivemos, portanto, uma cultura com uma “patente natural” – o milho híbrido – e outra sem privilégio natural ou legal – a soja. O comércio de sementes de milho híbrido é mais lucrativo que o de soja e atraiu para ele as grandes empresas multinacionais como a Pioneer, ICI, Ciba-Geigg, Cargill, Dinamilho e uma antiga multinacional que foi nacionalizada, a Agroceres. O comércio da semente de soja, menos lucrativo que o de milho híbrido, não atraiu essas grandes empresas e permaneceu em mãos de inúmeras pequenas empresas sementeiras brasileiras, cooperativas e usinas.
Nos últimos quarenta anos, o esforço de pesquisa em sementes de milho híbrido teve o concurso de grandes empresas multinacionais, além da pesquisa do Estado, enquanto em soja a pesquisa foi do estado, de cooperativas e pequenos sementeiros brasileiros. Qual o impacto dessas diferentes realidades sobre a produtividade do milho e da soja? Radomille e Krieger (10) levantaram a produtividade média da cultura do milho e da soja, baseando-se nos dados do Boletim Estatístico da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), por um período de 27 anos (de 1962 a 1989), nos Estados Unidos e no Brasil (Quadro 3 e Gráfico 1).

Nível médio de produtividade (kg/ha) de soja e milho no Brasil e nos Estados Unidos (Radomille e Krieger 1991).

Os dados do Quadro 3 e regressão do Gráfico 1 demonstram que há uma tendência de convergência entre a produtividade da soja no Brasil e Estados Unidos, ou seja, a produtividade média de soja do Brasil tende a equiparar-se à média americana. No milho as retas são divergentes, a produtividade média americana distanciou-se da brasileira. Observando com objetividade as culturas do milho e da soja no Brasil, não é possível verificar nenhuma superioridade tecnológica do milho sobre a soja. Acresce notar que a cultura de soja nos Estados Unidos teve o privilégio de monopólio concedido às empresas privadas a partir de 1970 (11) e, apesar disso, não houve nenhuma vantagem sobre a produtividade média da soja brasileira.

A conclusão lógica que deve ser extraída desses dados é que a patente natural teve como efeito a elevação dos preços, aumentou o lucro das empresas do setor, atraiu a participação de grandes empresas multinacionais, mas não houve reflexo visível em vantagens produtivas que possam ser atribuídas à patente natural. A patente garante o monopólio, eleva os preços, aumenta o lucro do seu detentor, mas, em contrapartida, não garante benefícios aos consumidores e ao povo em geral.
Outro exemplo da elevação de preço pelo monopólio é da Hoffman – Laroche fabricante dos remédios Librium e Valium. O governo inglês, por recomendação de sua comissão de monopólio, obrigou a companhia a rebaixar os preços desses produtos em 60 e 75% e aplicou uma multa de US$ 27,5 milhões. A comissão de monopólio descobriu também que a subsidiária inglesa dessa companhia, a Roche Produtos, estava comprando da sua matriz um produto a US$ 925 por Kg, o qual podia ser comprado na Itália – onde não havia patente – por US$ 22,50 por Kg. Outra substância era comprada por US$ 2.305 o Kg, e a mesma na Itália valia US$ 50 o Kg (12).

Se isso aconteceu na Inglaterra, é de se supor o que está acontecendo no Brasil, onde essas grandes companhias e seus governos estão, através de seu poderoso lobby, fazendo até a própria lei (projeto de lei 824/91, que constitui uma imposição externa sobre o governo brasileiro).
O custo direto do monopólio é a elevação dos preços, mas, além disso, há outros malefícios graves como: transferência de preço, práticas abusivas e limitação do desenvolvimento de industria local.

“Leis de interesse econômico são feitas pelos lobistas das multinacionais”.

A partir desses dados, pode-se levantar alguns questionamentos: qual o grande jurista brasileiro que foi a Paris, em 1883, participar do “Teatro do Absurdo”? Qual o grande jurista brasileiro que elaborou o atual projeto da lei 824/91? As leis de interesse econômico não são feitas para satisfazer os princípios de justiça, são feitas para satisfazer os interesses econômicos privados das empresas. Da sua elaboração não participam grandes juristas de renome nacional, participam advogados dessas empresas, lobistas de multinacionais, como Robert M. Sherwood, profissional formado pela Universidade de Harvard, com escritório de consultoria em Washington, EUA, a quem se atribui o direito exclusivo de importação incluído no projeto 824/91 de propriedade industrial, Art. 58, § 2º (13).

Em 1883 o mercado foi internacionalizado. A Convenção de Paris estabeleceu uma reserva internacional de mercados para produtos resultantes de novas invenções. Houve equidade nesse acordo? As estruturas inventivas dos diferentes países signatários estavam em equilíbrio? O Quadro 4 mostra as dez universidades mais antigas do Brasil, da Inglaterra e dos Estados Unidos, ano de fundação e anos de existência em 1883. Como afirma Surendra Patel (14), esse foi o acordo da desigualdade e da iniquidade. Foi o acordo do 177 x zero, porque os Estados Unidos tinham, em pleno funcionamento, 177 universidades e o Brasil zero. Foi o acordo 600 x zero, porque a Inglaterra tinha as Universidades de Cambridge e Oxford com 600 anos e o Brasil não tinha nenhuma. Enfim, foi o acordo equitativo entre partes desiguais, o mais injusto da história do Brasil. O atual projeto de lei 824/91 da propriedade industrial apenas amplia a cruel injustiça cometida contra o povo brasileiro há 108 anos atrás. A pobreza brasileira tem raízes nessa injustiça.

Aos brasileiros resta uma única esperança: ter sede de justiça.

O principal objetivo dos economistas do Brasil deveria ser estudar com detalhe as causas da pobreza do povo brasileiro. Um país tão privilegiado como o Brasil, com sol abundante, capaz de produzir alimentos o ano todo, sem desertos, sem nevadas, com solos férteis, sem vulcões, sem terremotos, com raros tornados, sem diferenças de línguas, sem graves discrepâncias culturais e raciais internas, com grande extensão costeira e grande território continental, sem grandes montanhas, mas com grande potencial hidroelétrico; por que esse país tem um povo tão pobre?

A Convenção de Paris foi um acordo espúrio, com ganhadores e perdedores certos. Os países com estrutura inventiva bem montada dominaram os mercados dos países que não estavam preparados cientificamente e tecnologicamente para competir. O monopólio eleva os preços e lucros e, por conseguinte, acelera a transferência de renda dos consumidores para os produtores.
Quem tinha tecnologia monopolizou e ampliou mercados, acumulou riquezas e poder (político e militar) e a riqueza reinvestida pôde gerar novas tecnologias, repetindo-se o ciclo, tal qual uma bola de neve que vai crescendo. Os países que entraram nesse ciclo tiveram recursos para sanear seus problemas de educação, saúde, habitação e assim reduzirem seus problemas sociais.

Do lado oposto, os países que não tinham tecnologia entraram no ciclo da pobreza, perderam seu próprio mercado interno, transferiram sua renda para os monopólios dos países detentores de tecnologia, empobreceram-se e são, em geral, governados por títeres, servis aos interesses dos países detentores da tecnologia. Sem recursos, esses países acumulam graves desequilíbrios sociais, falta de programas adequados de educação, saúde e habitação, e também não podem investir o suficiente em tecnologia para competir e ganhar mercado. Sua pesquisa é, não raro, colocada a serviço das grandes empresas estrangeiras que estão dominando seu próprio mercado.

“Resgatar o direito de aprender e de praticar o que se aprende, para sair da pobreza”.

Para quebrar este ciclo da pobreza não é suficiente, embora seja necessário, investir em educação. Em primeiro lugar, não há recursos para investir em educação na proporção que seria desejável, e mesmo que houvesse o simples investimento em educação iria apenas treinar pessoal qualificado para os dominadores do mercado. Enquanto não for resgatado o direito pleno de aprender, que é natural do homem, e o direito de fazer aquilo que se aprendeu – direitos ainda não reconhecidos pela ONU como direitos humanos essenciais – o investimento em educação de per si não retirará esses países do ciclo da pobreza.

O investimento em educação necessita vir acompanhado de uma conscientização política, de um programa nacional de desenvolvimento de tecnologia e domínio do próprio mercado, extinguindo-se em definitivo os monopólios privados, especialmente os estrangeiros. Outros advogam o cancelamento do pagamento da dívida externa como solução para o problema brasileiro. Mesmo que isso fosse feito sem retaliação, decorrido algum tempo o país estaria endividado novamente. A suspensão do pagamento da dívida poderia liberar recursos para maciços investimentos em educação, saúde, habitação e tecnologia, contudo, teria que ser acompanhada da abolição total do monopólio privado dos detentores de tecnologia.

A outra vertente procura na reforma agrária – ou melhor, distribuição de terra – uma saída para a crise brasileira. O monopólio da terra será sempre motivo de preocupação. Sem dúvida, a terra no Brasil está concentrada. No entanto, essa má distribuição da terra não é a causa maior da má distribuição da riqueza. O principal feudo deixou de ser o agrário: a tecnologia ocupou esse lugar. A má distribuição da riqueza no mundo está intimamente ligada à má distribuição da tecnologia que, por sua vez, é devida a acordos injustos impostos pelos países mais ricos e poderosos sobre os mais pobres e fracos. Uma ampla reforma agrária, com contornos radicais, apenas ampliaria o mercado para os seus dominadores e rebaixaria o preço dos produtos primários. O Brasil continuaria chafurdando na miséria. Ademais, os países do Primeiro Mundo sempre foram muito simpáticos a idéias de reforma agrária no Terceiro Mundo porque isto não afeta em nada sua riqueza, seus monopólios e seu domínio do mercado.

A reforma agrária é algo que terá de ser feito obrigatoriamente, pois com o término das reservas energéticas não renováveis, o movimento de êxodo rural a que assistimos na segunda metade do século XX será substituído por grande êxodo urbano, na primeira metade do século XXI.

A justificativa mais frequente para o sistema de patentes é que, em troca de uma descrição do invento colocado à disposição da sociedade, o governo concede ao inventor o monopólio do mercado por tempo limitado (15). Para os países do Terceiro Mundo, todavia, esse sistema não foi eficiente para a transferência de tecnologia, mas o foi para a perpetuação do monopólio e domínio do mercado. Quem tinha tecnologia e dominou mercados gerou riqueza. São grandes corporações que contratam equipes de pesquisadores para fazer modificações nos próprios inventos, requerendo novas patentes de modificação do invento anterior e, com isso, conseguem perpetuar o monopólio.

Com os recursos gerados, essas grandes empresas podem comprar diretamente novas patentes para perpetuar o monopólio; outros fatores importantes de perpetuação de monopólio são a marca e a rede de assistência técnica. Após 20 anos no mercado, uma marca torna-se conhecida resultando difícil para um novo produtor competir com a marca já aceita pelo público. Em caso de bens duráveis, quem tem o mercado reservado por 20 anos faz acordos com revendedores, cria uma rede de assistência técnica e dificulta a entrada de novos competidores no futuro.

Com a Convenção de Paris, o mundo dividiu-se em Primeiro Mundo rico, detentor de tecnologia, e Terceiro Mundo pobre, dependente tecnológico. Na década de 1970, havia 3,5 milhões de patentes concedidas no mundo; sendo apenas 200 mil (ou 6% do total) concedidas por países do Terceiro Mundo. Cerca de 84% dessas 200 mil eram propriedades de estrangeiros, especialmente grandes companhias multinacionais dos cinco países mais desenvolvidos. Cerca de 95% dessas patentes não estavam em uso no Terceiro Mundo. Apenas cerca de 30 mil, ou 1% do total de 3,5 milhões de ações, pertenciam ao Terceiro Mundo que, no entanto, tem 75% da população mundial (16). O Gráfico 2, do trabalho de Hobbelink, ilustra essa triste realidade, que apenas serve para confirmar o óbvio: a Convenção de Paris constituiu-se na mais flagrante injustiça da era moderna. Uma companhia americana, a CHI Research Inc., associada ao jornal New York Times, contabilizou os estoques científicos de todos os países e chegou aos 15 de maior potencial de prosperidade, baseando-se não apenas no número de patentes, mas também na sua qualidade (18). Esses 15 países, baseando-se na tecnologia e patentes detidas, estão colocados no mapa sobre a distribuição de patentes entre as nações.

A Coréia do Sul e Taiwan foram, como se sabe, incentivados pelos EUA como bastiões de resistência contra o movimento socialista da China e Coréia do Norte, enquanto o Panamá aparece devido ao enclave da zona franca do canal do Panamá, pertencente a este país, mas apropriado militarmente pelos EUA.

Embora negue na teoria, na prática o sistema de patentes aboliu o direito de aprender, um dos direitos naturais do homem e essencial para sua realização. São bem conhecidas as constantes acusações de pirataria a quem exerce o direito legítimo de aprendizado. A declaração dos direitos do homem da ONU reconhece apenas o direito à instrução no artigo XXVI.1. “Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito”.

O direito de aprender, todavia, é muito mais amplo que a simples instrução escolar. Esse direito é confiscado pela má aplicação do artigo XXVII.2. “Todo homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor”.
Contudo, esses interesses morais e materiais não podem ser jamais a exclusão do direito de aprender, o monopólio de mercado, a tirania tecnológica. Em protesto contra isto, a assembléia geral da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), reunida no Rio de Janeiro em 18-06-1991, aprovou, sem nenhum voto contra, a moção do anexo 4 em defesa do direito de aprender (publicada no final deste artigo).

Outro direito natural essencial do ser humano, o qual conflita com a aplicação indevida do artigo XXVII, é o direito do homem de fazer aquilo que aprende. O homem vem fazendo o que aprende há milênios e não pode ter seu direito natural cassado por outros interesses. O direito ao trabalho expresso no artigo XXIII da ONU é incompleto.

Artigo XXIII

1. “Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses”.

Figura 4 (p. 31)

É preciso fazer o seguinte adendo ao artigo XXIII: “Todo homem tem direito a fazer o que aprender”.
O direito ao trabalho mais essencial é esse, o direito de empreender por si mesmo. Esse direito é a base da “livre iniciativa” sem o qual ela torna-se uma farsa.

Da forma atual, os quatro pontos que compõem a Declaração apenas se referem ao direito de trabalho como empregado. Como resultado das patentes, a atual declaração está restringindo o direito de trabalhar como empresário a uma minoria privilegiada de inventores ou a grandes corporações que compram seus direitos expressos no atual artigo XXIII.2, ficando a quase totalidade dos homens restrita aos direitos dos empregados expressos no atual artigo XXIII.

Para existir livre iniciativa precisa existir o direito de aplicar os conhecimentos adquiridos. A liberdade de trabalho não pode ser suprimida oferecendo-se o monopólio dos mercados mundiais a um pequeno clube de empregadores de inventores.

Há outra omissão grave na atual declaração dos direitos humanos da ONU relacionada com o atual sistema mundial de patentes, administrado pela própria ONU. Foi mostrado que esse sistema de patentes é injusto para 75% dos habitantes da terra, cidadãos do Terceiro Mundo, empobrecidos artificialmente pela imposição de leis espúrias. O artigo VIII: “Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei”. Isto é condicionar os direitos humanos fundamentais a instrumentos contingentes e mutáveis como Constituição e lei. Esses têm que reconhecer e garantir os direitos fundamentais, e não o contrário. É preciso acrescentar a esta declaração o seguinte artigo:

Todo homem tem direito à Justiça que é alicerçada em equidade, reciprocidade, proporcionalidade e respeito ao próximo.

Esses três direitos fundamentais do ser humano – direito à justiça, direito de aprender e direito do homem fazer o que aprende – têm que ser reconhecidos e estão em choque direto com o atual sistema mundial de patentes. Sem o pleno exercício desses três direitos, o homem não pode expressar o seu potencial.

* Doutor em agronomia, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas e membro do Conselho da Associação de Agricultura Orgânica. NOTAS
(1) HUBERMAN, Leo. 1986. História da Riqueza do Homem, 21ª edição, RJ, Guanabara Koogan S.A., 313p.
(2) LEITE, R. C. de C. 1992. “Propriedade Industrial e Servilismo”. Folha de São Paulo, 16-03-1992. Caderno 2, p. 2.
(3) LADAS, Stephens P. 1948. “Patentes”. In SELIGMAN, E. R. A. Encyclopedia of the Social Sciences. The Macmillam Co., New York, Vol. XI, p. 19-24.
(4) PATEL, Surenda J. 1989. Intellectual Property Rights in the Uruguay. Round. A disaster for the South?, Economic and Political Weekly. May 6: 978-993.
(5) Ibidem.
(6) ROSSETO C. J., CARMO, M. S. do, KRIEGER, M. e PINHEIRO, J. B. 1991. “Efeito da patente no preço da semente”, Ciência e Cultura, n. 43 (7, suplemento): 212.
(7) Ibidem.
(8) Ibidem.
(9) HATHAWAY, David. 1991. Notas críticas sobre a proposta de lei de Cultivares, AS-PTA, Rio de Janeiro, 20 p.
(10) RADOMILLE, B. de P. e KRIEGER, M. 1991 A Questão das Patentes sob o Ponto de Vista do Melhoramento. Trabalho apresentado na segunda Fenabio Biolatina, S. Paulo.
(11) VELHO, Paulo. 1990. “Direito de Propriedade Intelectual Para Melhoristas de Plantas em Países em Desenvolvimento: “Atraso” ou necessidade?”, Ciência e Cultura, n. 42 (10): 733-744.
(12) PATEL, op. cit.
(13) SBPC. 1991 “Patentes: Sherwood soube antes”. Jornal Ciência Hoje. Ano VI, n. 238, p. 1.
(14) PATEL, op. cit.
(15) LADAS, op. cit.
(16) PATEL, op. cit.
(17) HOBBELINK, Henk. 1991. Patenteamento da Vida. Textos para debate 38. AS-PTA, Rio de Janeiro, 23 p.
(18) O Estado de São Paulo. 1991. “Avanço Técnico Redesenha Mapa-Mundi”. Domingo, 09-06-1991, Caderno de Economia, p. 9.

O direito de aprender é direito humano essencial
Moção aprovada pela 43a Assembléia Geral da SBPC – Rio de Janeiro – 18-07-1991

A declaração universal dos direitos humanos da ONU, da qual o Brasil é signatário, reconhece o direito à instrução primária, secundária e universitária, mas é omissa com relação ao direito de aprender, que é muito mais abrangente que o simples direito à instrução escolar de diferentes níveis, constante dessa carta. Essa omissão é agravada pela limitação ao direito de aprender, imposta em nome da proteção dos inventores e seus inventos.

O direito dos inventores interessa muito aos países ricos do mundo porque estes montaram forte estrutura de ciência e tecnologia, tanto em nível governamental como privado, por meio das poderosas empresas e cartéis transnacionais. O direito de aprender interessa a todos os povos do Terceiro Mundo, pois são os que menos inventam e os que mais dependem do aprendizado para assimilar e absorver o progresso científico e tecnológico.

A ciência e tecnologia geram poder e riqueza. Esta pode ser reinvestida, gerando mais conhecimento científico e tecnologia que irão gerar mais riqueza. Este ciclo pode ser quebrado pelo aprendizado. Aos países ricos interessa, portanto, inibir o aprendizado como forma de proteger seu poder e riqueza. Como os ricos dominam a ONU, tendo inclusive poder de veto, fica claro por que a atual declaração de direitos humanos feita sob sua égide privilegia o direito dos inventores e ignora o direito humano fundamental de aprender. Uma declaração universal de direitos humanos não pode ser parcial, refletindo os interesses dos países ricos. Não reconhecer o direito humano fundamental e essencial de aprender é condenar os povos pobres do Terceiro Mundo à eterna miséria.

O direito dos inventores é um privilégio que enriquece a poucos. O direito de aprender interessa às massas sofredoras pobres de todo o mundo. O direito dos inventores deve ser limitado pelo direito básico e essencial dos homens de aprender. O direito de aprender deve se sobrepor ao direito de inventar.

Nas artes, literatura e música, copiar revela mediocridade e falta de criatividade. O direito autoral nessas áreas é justo e necessário, devendo a cópia ser reprovada como roubo e deslealdade. Na ciência, todavia, a reprodução de metodologias, inventos e descobertas constituem a regra e inúmeras vezes a única maneira de aprender, ampliar o conhecimento científico e assimilar novas tecnologias. Monopolizar a utilização de inventos por 15 a 30 anos, até mesmo para fins de pesquisa científica, como fazem a maioria das normas de proteção da propriedade intelectual, não é forma adequada de promover o progresso da ciência. É, claramente, uma forma sutil de inibi-lo, inventada pelos países ricos, para ampliar seu poder e sua riqueza explorando eternamente os países pobres, por meio do imperialismo tecnológico, que substituiu o imperialismo territorial do século XIX.

Os cientistas, professores, estudantes, reunidos na histórica 43a Assembléia Geral da SBPC, conclamam cientistas, instituições de pesquisa, universidades, entidades e associações de classe, organizações comunitárias, religiosas e de direitos humanos, escolas, partidos políticos, sindicatos e cidadãos de todo o mundo a refletirem sobre o direito de aprender e a defenderem a universalidade do conhecimento científico e tecnológico.

À Diretoria da SBPC compete dar ênfase a ações, comunicados, debates, simpósios, seminários, mesas-redondas, que objetivem a implementação do direito de aprender como fundamental para o ser humano.

Enquanto não for feito um debate mundial e conclusivo sobre o direito de aprender, como condicionante e balizador dos direitos do inventor, o governo brasileiro não deve submeter-se às pressões das empresas transnacionais e governos dos países do Primeiro Mundo e seguir propondo leis que privilegiam os inventores, em sua maioria dos países ricos, contribuindo para ampliar a má distribuição da riqueza entre as nações, aumentando a dependência tecnológica e a consequente miséria do seu próprio povo.

Rio de Janeiro, 18 de julho de 1991.

EDIÇÃO 25, MAI/JUN/JUL, 1992, PÁGINAS 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32