A escolha de Copenhague para a realização do VIII Congresso Socialista Internacional é uma homenagem ao crescimento espetacular do socialismo na Dinamarca, cujo total de votantes salta de 700, em 1878, para 98 mil, em 1910. Somam-se a esses números mais de 120 mil votos de operários sindicalizados e outros 120 mil leitores de seus jornais.

Apesar de sua distância das principais capitais européias, Copenhague recebe a expressiva participação de delegados do Continente e da América do Norte, em números superiores a de outros Congressos, tal como o VII Congresso, sediado em Stuttgart, que contou com 884 delegados, representação ligeiramente inferior aos 896 registrados em Copenhague. Entre os participantes, 189 eram da Alemanha, 146 da Dinamarca, 86 da Suécia, 84 da Inglaterra, 65 da Áustria, 49 da França, 44 da Boêmia, 39 da Rússia, 31 da Noruega, 26 da Bélgica, 24 dos Estados Unidos, 19 da Finlândia; Holanda e Hungria com 14 cada um, 13 da Suíça, 9 da Itália, 7 da Bulgária, 5 da Espanha, 3 da Sérvia, 2 da Turquia-Armênia, 2 da Romênia e 1 da Argentina. Dentro destas delegações comparecem as lideranças partidárias, sobressaindo-se os nomes de J. Keir Hardy, Belfort Bax, Ramsay Mac Donald, pela Inglaterra; Kautsky, Ledebour, Clara Zetkin, pela Alemanha (Bebel, doente, não comparece); Karl Renner, Oto Bauer, pela Áustria; Ed Vaillant, Jules Guesde, Jaurés, pela França; Angelica Balabanof, pela Itália; Plekhanov, Lênin, Kolontay, Trotsky, pela Rússia; Radek, Rosa Luxemburgo, pela Polônia etc.

O início da organização do Congresso remonta a 1909. Sob a direção de uma Comissão Provisória, o evento se estrutura rapidamente com diretrizes seguras. São lançados a Ordem-do-Dia, a data do acontecimento e o convite para a adesão. Para esta última, repetem-se as exigências fundamentais, já enfatizadas anteriormente: as associações que aderirem devem aceitar os “princípios essenciais do socialismo: socialização dos meios de produção de troca; união e ação internacional dos trabalhadores; conquista socialista dos poderes públicos pelo proletariado, organizado em partido de classe” e todas as organizações corporativas que defendem a luta de classes, “declarando reconhecer a necessidade da ação política, isto é, legislativa e parlamentar, e que não participam, entretanto, de uma maneira direta no movimento político” (p. 17).

Neste mesmo documento, levanta-se a Ordem-do-Dia, que consiste nos seguintes tópicos: as relações entre as Cooperativas e os partidos políticos; a questão do desemprego; a Arbitragem e o Desarmamento; os resultados internacionais da legislação operária; organização de uma manifestação internacional contra a pena de morte; o procedimento a ser adotado para a execução rápida das resoluções dos Congressos internacionais; a organização da solidariedade internacional; resoluções sobre outras questões.

“A social-democracia não tem fronteiras e não tem outro povo como inimigo”.

Antes da abertura, a Comissão encarrega-se de indicar preços e condições do alojamento na cidade e acentuar a obrigação das delegações de enviarem os textos de suas proposições e resoluções, bem como os dados estatísticos sobre cada um dos partidos que comparecerão ao evento. E, ao iniciar o Congresso, fica estabelecido o número de votos de cada delegação. Alemanha, Áustria, Grã-Bretanha, Rússia e França tiveram direito a 20 votos. A Itália, a 15, os Estados Unidos, a 14; a Bélgica e a Suécia, a 12 votos; a Dinamarca, a Polônia, a Suíça, a 10; outros países, variando entre 8 e 2 votos. Ao mesmo tempo, cada tópico da Ordem-do-Dia seria apresentado pelas delegações que levantaram a questão.

Como em Congressos anteriores, a inauguração é solene, ocorrendo “na magnífica sala do Palácio dos Conventos, artisticamente decorado”, tendo ao fundo a divisa consagrada: “Trabalhadores de todos os países, uni-vos” (p. 287). O discurso do Dr. C. Bang fala no esforço dos socialistas dinamarqueses em defender as suas idéias, na solidariedade com os alemães quando perseguidos por Bismarck, e no esforço para transformar a exploração capitalista em novo produto, isto é, na produção de “armas que servirão a fazer desaparecer todas as oposições de classe no interior e todas as oposições nacionais no exterior, em fazer desaparecer a exploração, a servidão e a humilhação” (p. 291).

Emile Vandervelde, o belga, enfatiza o avanço parlamentar socialista na Europa: a Inglaterra com 40 deputados; os austríacos tornando-se a “mais forte fração da Internacional Socialista”; os suíços, belgas, italianos etc verificando um aumento em número de deputados; os alemães superando os efeitos negativos da eleição de 1904.

A inauguração se dá num domingo de manhã, 28 de agosto. Na tarde desse mesmo dia, realiza-se uma excursão, seguida de meeting, no parque de Sondermarken, próximo a Copenhague. Como em Stuttgart, organizam-se quatro tribunas ao ar livre. Na 1ª, fala, entre outros, Jaurés, que frisa: as “responsabilidades do Socialismo aumentam com seu poderio (maior). É o Socialismo que conduz agora os democratas à batalha pela conquista da liberdade, à luta contra o absolutismo e o direito divino, contra a aristocracia feudal, a oligarquia burguesa, contra o capitalismo, e que fará com que todos os homens sejam irmãos e todas as nações irmãs afetuosas” (p. 307). Na 2ª Tribuna, Legien atesta que a Social-Democracia não “conhece fronteiras e que ela não pode considerar outro povo como inimigo”; na 3ª Tribuna, Ledebour acentua a grandeza do movimento. Na 4ª Tribuna, Perner Storfer fala da importância do Congresso, e Van Kol comemora a 8ª reunião Socialista e sua força na “luta contra o capital”.

Essas e outras falas enaltecem o acontecimento. Mas é no dia seguinte que as Comissões se reúnem separadamente e quando são lidos, respectivamente, os pontos de vista apresentados a cada tema.
O primeiro deles, que iremos analisar, é o das Relações entre as Cooperativas e os Partidos Políticos, para o qual são apresentados os Relatórios do Partido Social-Democrata Alemão, do Partido Operário Belga, do Partido Social-Democrata Holandês e uma Resolução do Partido Socialista Francês.

Conforme a Social-Democracia Alemã, a legislação de seu país proibia a filiação das cooperativas aos partidos políticos, ou de que tomassem posição política. O operariado, contudo, entendia as vantagens das cooperativas para o barateamento dos produtos e a entrada de trabalhadores nas cooperativas vinha aumentando, apesar da oposição de entidades sindicais cooperativas de origem pequeno-burguesa e burguesa. O Congresso de Eisenach (1908) concretiza, afinal, a ligação contratual entre sindicatos e cooperativas (p. 31-32).

“Rica discussão sobre a relação entre cooperativas e a ação política do partido”.

Na Bélgica, a relação é mais complexa. Para o Partido Socialista Belga, “as cooperativas devem ser sempre neutras. Independentes das organizações políticas, presas a eles por ligação pessoal, ou afiliadas ao partido?”. A resposta está, em parte, na tradição que vem do século XIX, quando acentua a posição favorável à cooperativa de consumo. O Socialismo pretende a “socialização dos meios de produção e de troca”. E para isto é preciso acabar com o regime capitalista; o operário quer o “produto integral de seu trabalho” e, como consumidor, deseja “vida barata”.

Na Inglaterra os salários operários são altos e é neste país onde há um maior número de cooperativas de consumo. Não estaríamos no ideal socialista se diminuíssemos o poderio capitalista, e aumentássemos o poderio do trabalhador? Do ponto de vista prático, a cooperativa é forma de arregimentar e disciplinar a classe operária. E qual sua relação com a política? Seria ideal a sua neutralidade? A neutralidade política é em relação a um partido ou no seu sentido amplo? Na Bélgica, França etc. existem cooperativas neutras; mas na Inglaterra, cooperativas agem no sentido social. Na Bélgica, as cooperativas criadas no campo são obras de homens políticos de partido e do clero católico, “que não escondem perseguir fins políticos”. Assim, existem na Bélgica cooperativas socialistas, católicas e neutras. A rivalidade leva ao oferecimento de vantagens e a novas conquistas sociais. Desta maneira, a idéia de neutralidade entre cooperativas e política deve ser abandonada.

No final, a Resolução fala em “pôr os trabalhadores socialistas em guarda contra as teorias dos que, sustentando que a cooperação seja suficiente em si próprio, vêem nessa forma de associação o meio de resolver a questão social. Declara que a classe operária tem maior interesse em utilizar, na sua luta de classe, a arma cooperativa, que lhe permite a organização do poderio de compra dos trabalhadores.

O Congresso estima que é desejável que as ligações orgânicas cada vez mais estreitas se estabeleçam entre os partidos socialistas e as cooperativas, e lá, onde a legislação o permite, elas adiram efetivamente ao partido, consagrando uma parte do excesso de seus bens a obras de propaganda, de educação e de luta para a emancipação da classe operária” (p. 60-65).

O Relatório holandês, por sua vez, acentua a ligação necessária entre partido e cooperativas e o Partido Socialista Francês diz reconhecer a “importância essencial da criação e do desenvolvimento de organismos operários de luta e de organização coletiva” e que, a este título, ele inclua a cooperativa no número de “elementos necessários à transformação social” com valor próprio no “esforço geral de educação e organização proletárias” (p. 65-66).

O resultado final é a aprovação de Resolução elogiando a ação das cooperativas, por dispensarem os intermediários, “pela melhora de vida dos operários, pelo sentido educacional”, mas que, isoladamente, ela é “impotente para realizar o fim desejado pelo socialismo, que é a conquista dos poderes públicos pela apropriação coletiva dos meios de trabalho”. Os cooperativistas socialistas devem lutar para que seus funcionários recebam salários segundo as reivindicações feitas pelos sindicatos e que a classe trabalhadora “na sua luta contra o capitalismo, tem maior interesse que os sindicatos, as cooperativas e Partido Socialista, cada um deles conservando sua autonomia e sua unidade próprias, sejam unidos por relações cada dia mais íntimas” (p. 723-725).

“O desemprego preocupa cada vez mais os partidos que têm vínculo com a classe operária”.

O problema da relação entre cooperativa e partido político é um dos temas-chave do Congresso, outro é o da Unidade Sindical. Entre um e outro, levanta-se uma série de debates tratando de questões menos polêmicas. Comecemos pelo Desemprego. O Relatório da Social-Democracia Alemã acusa o governo de seu país de nada ter feito a favor do desemprego e, pressionado pelos deputados socialistas, o Chanceler alemão responde: “não estava convencido de pôr em prática o seguro contra o desemprego, pelo Estado”. Medidas concretas a favor do desemprego vinham sendo tomadas por algumas comunas alemãs – Munique, Colônia etc. – fora levantamentos estatísticos federais. Além destes, temos somente os próprios sindicatos livres que auxiliam os desempregados afiliados à sua entidade (p. 32-33).

O Relatório da Social-Democracia da Holanda repisa o mesmo problema: crises econômicas contínuas, desemprego e miséria. São recursos comunais que aliviam parte das necessidades e o Partido reivindica seguro desemprego geral de iniciativa do governo (p. 33-35). É na Bélgica que se dá o grande avanço na questão do socorro aos desempregados. Em 1907, Henry Buri propõe, em nome dos socialistas, de Liége, crédito para o socorro aos desempregados.

Nos anos seguintes, os créditos aprovados para os sindicatos aumentaram drasticamente. Em Gand, há novas formas de votar créditos aos sindicatos, destinados aos desempregados. Outras comunas seguem a corrente e em toda a Bélgica concretiza-se o auxílio aos desempregados (p. 66-69). Nos Estados Unidos, segundo o relatório americano, o problema é mais complexo, e a linha existente está ligada ao Estado e à categoria do trabalhador (p. 69-73). No final, consta da Resolução sobre a Questão do Desemprego que o sistema capitalista e desemprego fazem parte intrínseca e que durante a fase capitalista “tudo que se fizer neste domínio não será senão paliativo”. Mas, o Congresso reclama medidas governamentais, cuja direção será confiada aos operários. E é necessário estatística confiável, realização de trabalhos públicos, maiores subvenções às caixas de desemprego durante o período de crise, diminuição das horas de trabalho, etc (p. 703-704).

A questão da legislação social é debatida e são valorizados alguns avanços legislativos em alguns países e denunciadas as falhas existentes. No Relatório do Partido Socialista Holandês essa dualidade é clara: o seguro social atinge unicamente determinadas profissões, na maior parte, de agricultores e criadores. As leis sobre duração de trabalho, profissão perigosas, salários trabalhos com fósforo, trabalho em minas etc. também excluem parte do operariado, por seu caráter particular na questão dos benefícios concedidos. As reivindicações tratam de cada melhoria legislativa, o que torna difícil resumirmos a questão da legislação social holandesa (p. 73-79). O mesmo pode se falar do relatório do Partido Socialista Francês. A Resolução final resume melhor a questão: é preciso lutar pelas oito horas, proibição do trabalho para menores de 14 anos, supressão do pagamento em mercadoria, direito de coalizão, inspeção eficaz de trabalho industrial e agrícola, com participação operária. “As leis protetoras do trabalho e de seguro operário, em vigor, não satisfazem as reivindicações necessárias e justificadas dos operários (…) e no domínio da legislação operária não pode-se esperar algum progresso a não ser que haja esforço enérgico dos trabalhadores” (p.721-723).

“Certo recuo na luta contra a guerra – em relação às posições tomadas em Stuttgart”.

A questão da Arbitragem e do Desarmamento provoca o aparecimento de Relatórios ricos e variados. O Partido Social-Democrático Alemão trata da ação da sua bancada no Reichstag, quando pressiona o chanceler a entrar em contato com os ingleses, já que o primeiro-ministro Asquith tinha proposto diminuir os gastos navais e concretizar convenção para elaborar plano para a diminuição da frota de guerra; apesar da ação social-democrata. No Reichstag, a proposta não encontra apoio da burguesia alemã. Os ingleses do Partido Operário Independente afirmam: “os trabalhadores de todos os países não têm entre si nem rixas nem desacordos de natureza a provocar guerra; que as guerras modernas são feitas no interesse e benefício das classes governantes”. O Partido Social-Democrata da Grã-Bretanha acentua as teses do Congresso de Stuttgart (1907), já anteriormente analisadas (p. 35-37). O Partido Socialista Francês diz: a “guerra só terá fim com o desaparecimento do sistema capitalista” e que cabe à Internacional “traduzir em fatos as resoluções de seus Congressos e do Congresso de Stuttgart, notadamente nos casos de ameaças de conflitos armados entre as nações” (p. 73).

Nesses textos, principalmente o do Partido Social-Democrata Alemão, são retomadas frágeis do espírito da Resolução e Stuttgart (1907) e vai ser a razão de incidente grave, Karl Radek, da delegação polonesa, crítica acerbadamente o texto moderado da delegação alemã, dizendo: a “supressão das frotas” – tese defendida pelo Partido Social-Democrata no Reicshtag – é utopia e é absolutamente impossível de a apoiar com argumentos socialistas. Os social-democratas não devem seguir semelhante transformação, pois, mesmo que aceita, ela seria inaplicável. A supressão da marinha seria possível só quando existisse um poder executivo internacional, capaz de contrabalançar, os interesses opostos”. E, depois, o governo alemão não tem interesse na limitação de sua marinha. “É preciso dizer às massas que essas medidas são puramente marítimas haja vista que o limite das frotas pode ter como consequência o aumento das forças da terra. A atitude do Worwarts e a atitude da fracção socialista no Reichstag são tudo o que há de mais antidemocrata, é a contrapartida da atitude de Hydman que reivindica novos armamentos” (p. 423-424). O discurso provoca mal-estar, e Rosa Luxemburgo, depois de conversar com alemães e russos, redige nota afirmando ser a intenção de Radek não a de “minimizar a ação a favor da paz, mas somente a de criticar as ilusões pacifistas” (p. 8).

O final das discussões e da Resolução aprovada mostra um recuo frente aos resultados registrados pelo Congresso de Stuttgart (1907). A Resolução sobre a Guerra constata o aumento geral dos armamentos, apesar de os países capitalistas proclamarem a paz. A guerra é provocada pelos países capitalistas, enquanto o movimento operário não apresenta “desacordo de natureza a provocar uma guerra. As guerras não cessarão completamente senão com o desaparecimento da sociedade capitalista”. Cabe às bancadas socialistas combater os armamentos e de “recusar para esse fim toda despesa financeira”. E reclamar a arbitragem internacional para qualquer conflito entre Estados, lutar pelo desarmamento geral e pelo limite de armamentos, abolição da diplomacia secreta, a luta a favor da autonomia de todos os povos etc. E no caso de uma guerra, agir como a Resolução de Stuttgart (1907): sabotar e “utilizar em todas as suas forças a crise econômica e política criada pela guerra para agitar as camadas populares as mais profundas e precipitar a queda do domínio capitalista” (p. 713-717).

“A pena de morte é discutida pela primeira vez num congresso da Internacional”.

Um tema é inédito: o da pena de morte, tratado pela primeira vez na II Internacional. Ele volta-se não para a questão de criminosos comuns, mas para a condenação de ativistas políticos, cuja condenação à morte é episódio corriqueiro nos países autocráticos, tais como a Rússia e a Áustria. Por isso é que o Congresso pensa na organização de uma Manifestação Internacional Contra a Pena de Morte. O breve relatório da Social-Democrata Alemã fala na “Abolição da Pena de Morte, que é um dos meios de luta do governo do Czar”. Os socialistas holandeses vão mais longe: seu Código penal era anterior a 1880, incluía vários crimes entre os que eram puníveis com a pena de morte. O novo Código é mais liberal, porém, o Código Penal Militar inclui a supressão da vida do faltoso. Em 1902, o Partido Social-Democrata tenta suprimir esse item, até que ele deixa de vigorar no Código.

O Partido Socialista da Polônia amplia a análise: as classes dominantes são combatidas e se defendem – e a pena de morte é um dos seus instrumentos de defesa. O avanço da cultura, no entanto, obriga as elites a mudarem de método e a persistência de “prescrições antiquadas do direito criminal é ainda uma manifestação das classes dominantes”, para não dizer que a mais ignóbil é a pena de morte. Hoje esta medida, “posta em prática com um selvageria que denota o retorno, por atavismo, das elites aos instintos sanguinários dos séculos mais recuados (…)”, que se mostra, em toda a sua situação, na “Rússia, na Polônia e em todos os países submetidos ao cetro do Czar, assim como na Espanha, e notadamente aos defensores do povo subjugado ou, como nesta mesma Espanha, aos pacíficos propagandistas do livre pensamento” (p. 37-38).

O Partido Operário Belga homenageia Francisco Ferrer, morto no ano anterior, e seu relatório começa dizendo: “Como falar da pena de morte sem pensar, em primeiro lugar, na execução de Ferrer?” (p. 79-81). A Resolução final reproduz estas posições. O texto começa dizendo que o racionalismo burguês condenou à pena de morte no passado, mas hoje, por causa do maior conflito de classe, “a burguesia degenerada” abandona esta bandeira e preconiza a pena de morte e de “outros fins democráticos e liberais”. Na Alemanha, intelectuais lutam contra estas medidas extremas, enquanto países como Rússia, Espanha, França e Estados Unidos mantêm medidas extremas na sua legislação. O proletariado é o “mais importante e o mais fiel dos adversários da pena de morte. Só a luz refletida pelos partidos socialistas, só o crescimento da cultura das massas trabalhadoras pela ação política e sindicalista, só o poderio crescente do proletariado organizado pode eficazmente combater este ultraje à humanidade civilizada, que é a pena de morte” (p. 705-707).

Uma última questão, básica no Congresso, e que vai provocar debates acalorados e certa frustração é o da Unidade Sindical e o da Solidariedade Internacional. Cabe à II Comissão tratar do primeiro tema, mas, ao mesmo tempo, todos voltam a atenção para o conflito entre os socialistas tchecos e austríacos. Esse conflito abrange temas mais complexos que a Unidade Sindical: trata-se da relação entre socialismo e nacionalidade, preocupação que se refletirá nas discussões e levará o debate para um quiprocó sem solução.

“Crítica às idéias de caráter separatista da delegação do partido tcheco”.

Conforme proposta da delegação francesa, começa-se a discussão lendo a resolução dos sindicatos austríacos: o texto fala na intensão de manter uma unidade de relações entre partido e sindicato, conforme decisão tomada em Stuttgart, “especialmente no que concerne à afirmação de que a unidade da afirmação sindical deve ser observada em cada Estado e constitui uma condição essencial do sucesso da luta contra a exploração e a opressão. O Congresso declara, ainda mais, que toda tentativa de dividir sindicatos internacionalmente unidos em partes nacionalmente separatistas vai ao encontro da intenção desta resolução do Congresso Socialista Internacional” (p. 362). A leitura do texto explica-se pelas divergências de posições que já existem entre austríacos e tchecos, medida esta já visível há tempos. Para ficar mais claro, o problema extrapola a questão específica da organização sindical e passa também pela do nacionalismo. Não se pode esquecer que os tchecos fazem parte do Império Austro-Húngaro e que eles procuram a sua independência, o que se dará em 1918. O que nos interessa agora é a questão propriamente dita e seus resultados imediatos.

Hueber, delegado austríaco, é o primeiro a falar. Lamenta tratar do assunto, mas a interferência de um grupo socialista internacional o obriga a trazer à baila a questão. “Esperávamos tratar do problema internamente, ainda mais que encaramos a classe operária sem distinção de nacionalidade. Nos últimos tempos, o partido tcheco fez todo possível para destruir e dispersar os sindicatos, como dividi-los em oito agrupamentos de nacionalidades diferentes que compõem a Áustria. Eu acrescento que na Áustria não temos territórios fechados, pois as fábricas podem empregar operários de nacionalidades diferentes. Pode-se citar tal ou tal usina em que se concentram as oito nacionalidades de nosso país. Se queremos conquistar direitos econômicos, se queremos transformar as condições de trabalho e de salário, é necessário criar uma organização sindical única (…) O partido tcheco criou um movimento entre os operários tchecos por espírito de nacionalismo separatista, movimento que constitui um perigo não só para o movimento sindical, mas que o poderia tornar igualmente para o movimento socialista em geral”.

A resposta é dada por Nemec, da Boêmia. Inicialmente, nega a idéia de que o seu movimento sindical é “separatista e que irá prejudicar a unidade da organização”. Na Áustria há muitas nações e, com o desenvolvimento da organização, o Partido teve que levar em conta os agrupamentos nacionais. “O Partido é dividido em seções nacionais autônomas”. Mas, a direção sindicalista não é a mesma das organizações políticas e, para uni-los, é impossível “se o partido tcheco tiver um centro em Praga e os sindicatos em Viena. A comissão sindical austríaca é de 1893 e ela nunca levou em consideração as desideratas da social-democracia tcheca, por isso fundamos, em Praga, em 1896-1897, uma Comissão Sindical tcheca, que colaborou com a de Viena. Depois de várias atividades conjuntas, na Conferência Sindical de Amsterdã, recusaram o direito de nos fazer representar e a centralização austríaca aumenta. As organizações que não podem se desenvolver por causa da centralização rompem todas as relações com a Comissão Sindical de Viena. É preciso que nos deixem livres para dirigir nossos Partidos e nossos sindicatos, sem centralização exagerada. A maioria dos trabalhadores tchecos não pertence à Comissão Sindical de Viena, mas à de Praga” (p. 362-368).

“Contribuição de um dia de salário para a luta grevista de outros países”.

Uma série de oradores se seguem, no mesmo dia e nos seguintes. Uns são a favor da tese tcheca. Fiquemos nos mais importantes. Depois de afirmações a favor da Resolução de Stuttgart acerca da unicidade sindical, Soukup, da Boêmia, afirma que os tchecos não transgrediram as Resoluções. Existem sindicatos tchecos com mais de 40 mil filiados, os quais a Comissão Sindical de Viena nega-se a reconhecer por não considerá-los organizados. O Partido deve reconhecê-los como organização sua? A resposta é positiva, o Partido decide admiti-los, fato que faz com que existam duas formas de organização: os organizados e os não-organizados. “A direção do Partido não pode incontestavelmente excluir os membros destas organizações autônomas e os estigmatizar como não-organizados. É necessário que todos os operários de um ramo industrial estejam reunidos em um sindicato único que inclua todos os países da Áustria? Ou, então, num Estado poliglota, como a Áustria, não seria possível agrupar os sindicatos internacionalmente para todos esses países, concedendo-lhes autonomia nacional?”

Legien, da Alemanha, critica todos os tchecos e pergunta se eles não transgrediram as Resoluções de Stuttgart. “A questão não deve ser examinada do ponto de vista da forma, mas de princípio”. A unidade sindical (Stuttgart) “interdiz as organizações localistas. Ela exige uniões centrais e a coordenação internacional destes”. O polonês Zulawski fala em unidade e diz que existem 30 mil poloneses na Galícia, Morávia e Silésia e o que fazer, aderir à Central tcheca, alemã, ou ser separatista? A Comissão de Praga os convidou a aderir. Victor Adler, da Áustria, castiga os tchecos dizendo que eles são contra a centralização proposta por Viena e, no entanto, concretizam a centralização de Praga recrutando operários tchecos até em Viena. “Então, qual a diferença entre Viena e Praga, ou Praga e Viena? Nada de enquete, mas sim acordo sobre as nossas divergências”. Plekhanov apóia a resolução austríaca, pois “não podemos preparar a via a uma divisão artificial do movimento proletário na Áustria”. Otto Bauer, da Áustria, estigmatiza os separatistas e o “espírito que anima o partido tchecoslovaco. Nós somos um partido forte, dizem comumente. O que é isto, nós? É a social-democracia tchecoslovaca? Mas nós não reconhecemos na Áustria senão um único partido social-democrata internacional, abraçando todas as nacionalidades que vivem na Áustria e que, conforme nosso desejos, será realmente forte” (p. 386-389).

O debate prossegue e iniciam-se acusações de ambos os lados, criando-se um impasse, até que Nemec propõe a Resolução onde acentua as relações entre partido e sindicato, razão para o sucesso da luta proletária. Qualquer esforço para destruir ou comprometer a unidade de classe operária de “cada nação é contrário aos princípios do socialismo internacional. No caso de acontecerem conflitos sérios numa nação ou num Estado qualquer entre o partido político e o sindicato, o Bureau Internacional será autorizado até a tomar as medidas necessárias para reconciliar os partidos em desacordo e tentar regular suas relações mútuas, com o fim de realizar as intenções da Internacional” (p. 396-397). Outro texto apresentado pelo próprio Nemec fala em adiamento do problema e seu julgamento futuro pelo Bureau Socialista. Procedida a votação, o adiamento é rejeitado por 185 votos contra 9.

Outra resolução é apresentada pelo mesmo grupo, com o mesmo espírito, porém, não é discutida. O Partido Social-Democrata Operário Sueco lança proclamação de solidariedade operária e luta contra o capital até que, finalmente, para evitar divisão, transfere-se a solução do caso para o Bureau Internacional Socialista. Na verdade, o que se dá, resumidamente, é que o Congresso “se vê confrontado numa situação inédita e deve se pronunciar sobre o longo e profundo conflito que divide, na Áustria, os socialistas e sindicalistas tchecos e alemães, cujo conteúdo lhe escapa”. E é exatamente esta indecisão que se reflete na Resolução final, o que desgosta os tchecos, que acusam a Internacional de não levar em conta as pequenas nações (Prefácio, Georges Haupt, p. 9).

O texto final começa renovando o apoio à Resolução de Stuttgart sobre Partido político e sindicatos e unidade da organização sindical em cada Estado, condição essencial na luta contra a burguesia. Nos Estados poliglotas, “os sindicatos unidos devem evidentemente levar em conta as necessidades linguísticas e de cultura de seus membros. O Congresso declara ainda que toda tentativa de dividir sindicatos internacionalmente unidos em partes nacionalmente separadas vai de encontro à intenção desta Resolução do Congresso Socialista Internacional. O Bureau Socialista Internacional e o Secretariado Internacional dos sindicatos estão prontos a oferecer seus bons ofícios às partes diretamente interessadas para aplainar os conflitos que se produziriam sobre o assunto, num espírito de existente e de fraternidade socialista” (p. 718).

Sem discordância é tratada a questão seguinte, a da Solidariedade Internacional, que merece Resolução do Partido Social-Democrata Operário Sueco que, por sua vez, conta com emenda dos belgas. O primeiro texto fala no “espírito essencialmente internacional do movimento proletário e lembra as tradições de solidariedade ativa que remontam à origem da primeira Internacional”. E cabe aos sindicatos maior ação internacional, o mesmo à imprensa socialista, cuja obrigação é a de “desmentir as balelas fantásticas e frequentemente mentirosas que a imprensa e as agências a soldo do capital não esquecem jamais de publicar para tapear a opinião pública” (p. 401-403). Os belgas pedem que, na necessidade, cada operário contribua com um dia de salário para o movimento grevista de outros países.

Outras Resoluções são votadas: denúncia da imigração na Argentina; contra a perseguição política na Rússia; sobre o Marrocos etc. Afinal, paralelamente ao Congresso, dá-se a II Conferência das Mulheres Socialistas.

* Historiador, professor da Universidade de São Paulo – USP.

Bibliografia
Congresso Socialista Internacional: Copenhague 28 Aout – 03 Septembre 1910. Introduction de Georges Haupt. Geneve, Minkoff Reprint, 1981, 916 p. (Histoire de la II Internacionale, IX, tome 19).

EDIÇÃO 25, MAI/JUN/JUL, 1992, PÁGINAS 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72