Desemprego: marca do capitalismo atual
“Assiste-se a uma tremenda degradação da sociedade capitalista em sua totalidade. Cresce a marginalização de enormes parcelas da população. O sistema vigente funciona para pequena parte da comunidade humana. Não tem condições de envolver em atividades produtivas grande número dos que habitam o planeta, muito menos de garantir a sua sobrevivência".
Esta tese, apresentada na resolução política do 8º Congresso do PCdoB, corresponde à realidade objetiva. De fato, nos países imperialistas e em alguns outros, chamados industrializados, o desemprego é crescente. Na Europa, por exemplo, não são mais somente os jovens que não conseguem entrar no mercado de trabalho; há uma grande massa de pessoas com mais de 30 anos que nunca conseguiu trabalhar, muitas inclusive com formação técnica e mesmo universitária. "No Terceiro Mundo", destaca o documento do 8º Congresso, "observa-se o cerco não formal das grandes metrópoles pela periferia habitada por milhões de carentes de qualquer recurso, dispostos a tudo".
A resolução, além de alertar para os principais fenômenos que se observam atualmente, faz a sua generalização, corroborando a lei do desenvolvimento social descoberta por Marx para o capitalismo. E acentua: "Esse quadro sempre mais degradante reflete a lei absoluta, geral, da acumulação capitalista". Este artigo procura discutir as formas de manifestação da lei geral da acumulação capitalista nos dias de hoje, no que diz respeito à exclusão de parcelas crescentes da espécie humana da produção e distribuição da riqueza material.
Marx, com o objetivo de descobrir a lei geral de desenvolvimento da sociedade capitalista, estudou a forma simples e elementar da riqueza no capitalismo – a mercadoria –, bem como suas contradições. Mostrou como essas contradições se desenvolvem com a transformação da força de trabalho em mercadoria e também as leis gerais desse desenvolvimento. Formulou a lei geral da seguinte forma: "Quanto maior é a riqueza social, tanto maior é a superpopulação relativa, ou o exército industrial de reserva. E quanto maior é esse exército de reserva, em comparação com o exército operário ativo, tanto maior é a massa de superpopulação consolidada (permanente) ou as camadas operárias cuja miséria está na razão inversa de seus tormentos no trabalho".
“Economizar trabalho colide com o objetivo do capital de extrair mais-valia”.
É que no capitalismo o objetivo da produção é a valorização do capital, o lucro. O processo de trabalho é ao mesmo tempo um processo de valorização. As relações entre os seres humanos visam à auto-expansão dos valores já criados, constituem um "(…) modo de produção em que o trabalhador existe para as necessidades de expansão dos valores existentes, em vez de a riqueza material existir para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador. Na religião, o ser humano é dominado por criações de seu próprio cérebro; analogamente, na produção capitalista, ele é subjugado pelos produtos de suas próprias mãos".
Numa sociedade comunista a palavra desemprego perde significado já que tal questão não se coloca. O desenvolvimento das forças produtivas e da consciência humana é tal que o trabalho passa a ser entendido como necessidade vital, da mesma forma que respirar, comer etc… Assim como não fazia sentido uma tribo da comuna primitiva proibir algum membro de ir pescar ou caçar, no comunismo científico não haverá obstáculos sociais para que alguém exerça suas necessidades vitais.
Além de o capitalismo ser um regime explorador e opressor o seu desenvolvimento, manifesto no avanço das forças produtivas, é contraditório. A contradição consiste no fato de o objetivo da produção colidir com os meios empregados para esse objetivo. O meio – economizar trabalho através do avanço da produtividade – é contraditório com o objetivo, que é extrair a mais-valia, o trabalho não pago. As crises econômicas não são mais do que a materialização periódica dessa contradição.
A teoria marxista mostra e a prática comprova que o capitalismo tem um caráter cíclico. Periodicamente e de forma regular, ocorrem quedas na produção, queda nos lucros, aumento do desemprego, queda nos salários, queda no consumo, principalmente o produtivo.
Analisando as metamorfoses por que passa o capital industrial, Marx mostrou que durante seu movimento o capital percorre um caminho cíclico, passando por três fases e adquirindo três diferentes configurações concretas. Na primeira fase, o capital movimenta-se na esfera da circulação, toma a forma de capital-dinheiro e, através de atos de compra, transforma-se em capital produtivo, meios de produção e força de trabalho. Na segunda fase, o capital opera na esfera produtiva, constituindo-se em capital na forma produtiva. Na terceira fase, o capital apresenta-se como mercadorias e, mediante atos de venda, retorna novamente à sua forma de dinheiro. A crise é a interrupção das metamorfoses do capital em uma de suas fases.
As crises econômicas, como acentuou Marx, repetem-se de maneira periódica. Elas se manifestam em determinado intervalo de tempo. Isso dá ao capitalismo um caráter cíclico. O ciclo econômico ou industrial, que abrange o período entre a eclosão de uma crise e a eclosão de outra, é constituído de quatro fases: crise econômica, depressão ou estagnação, recuperação e crescimento ou florescimento industrial. A periodicidade dessas fases sucessivas vincula-se ao processo de renovação do capital fixo: aquela parte do capital que fica presa na forma produtiva (edificações, máquinas e equipamentos).
Marx chamava a substituição massiva do capital fixo de base material da eclosão das crises e do caráter cíclico da reprodução capitalista.
"Desde já está claro que em virtude desse ciclo de rotações conexas, que abarca uma série de anos e no qual o capital está preso por sua parte fixa, forma-se uma base material das crises periódicas em que os negócios passam por fases sucessivas de depressão, animação média, auge, crise. São bem diversos e díspares os períodos em que se aplica capital. Entretanto, a crise constitui sempre o ponto de partida de grandes investimentos novos e forma assim, do ponto de vista de toda a sociedade, nova base material para o próximo ciclo de rotações" (2).
Assim, no capitalismo pré-monopolista o desemprego adquiria uma forma principalmente oscilante. Na crise, quase todos os trabalhadores passavam fome, a maioria ficava sem trabalho; nos períodos de crescimento e auge, chegava a faltar trabalhadores em certos ramos da produção em alguns locais. Ao lado disso, aumentava em termos relativos a proporção de trabalhadores que nas crises ficavam desempregados em relação à população empregada. A superpopulação relativa, ou exército industrial de reserva, aparecia nos centros industriais, principalmente sobre a forma flutuante:
"A superpopulação relativa existe sob os mais variados matizes. Todo trabalhador dela faz parte durante o tempo em que está desempregado ou parcialmente empregado. As fases alternadas do ciclo industrial fazem-na aparecer ora de maneira aguda, nas crises, ora de maneira crônica, nos períodos de paralisação (…)".
"Nos centros da indústria moderna – fábricas, manufaturas, usinas siderúrgicas e minas etc. –, os trabalhadores são ora repelidos, ora atraídos em quantidade maior, de modo que, no seu conjunto, aumenta o número dos empregados, embora em proporção que decresce com o aumento da escala da produção. Aí a superpopulação assume a forma flutuante" (3).
“O monopólio aumenta o exército industrial de reserva em relação ao exército ativo”.
Ao lado do ciclo econômico, e vinculado a ele, avança a produtividade do trabalho, assim como o processo de concentração da produção e centralização do capital.
Quanto ao primeiro aspecto, entende-se que "(…) o grau de produtividade do trabalho, numa determinada sociedade, se expressa pelo volume relativo dos meios de produção que um trabalhador, num tempo dado, transforma em produto com o mesmo dispêndio de força de trabalho".
Assim, "a massa dos meios de produção que (a força de trabalho) transforma aumenta com a produtividade de seu trabalho" (4).
No capitalismo, à medida que aumenta a produtividade do trabalho, aumenta a proporção entre trabalho pretérito, morto, materializado nos meios de produção, e o trabalho vivo, o dispêndio de força de trabalho. Além disso, a proporção entre os meios de produção e o trabalho vivo, que coloca em movimento esses meios de produção, sempre aumenta em termos materiais – a chamada composição técnica do capital – como também em termos de valor – a chamada composição orgânica do capital. Dessa forma, é sempre menor o número de trabalhadores empregados em relação ao volume de mercadorias produzidas. De fato, Marx acentuava:
"O capital adicional formado no curso da acumulação atrai, relativamente à sua grandeza, cada vez menos trabalhadores. E o velho capital periodicamente reproduzido com nova composição repele cada vez mais trabalhadores que antes empregava" (5).
Porém, nas fases de maior expansão das forças produtivas, esse decréscimo relativo do número de trabalhadores empregados era compensado, em certa medida, pelo maior volume de capital adicionado no sentido de expandir a produção. A abertura de novos ramos da produção e, mais à frente, no início do século, a expansão em maior escala do capitalismo para os países coloniais e dependentes criavam novos mercados para a força de trabalho, mesmo que os trabalhadores tivessem que emigrar para outros países na luta pela sobrevivência.
O segundo aspecto, a concentração da produção e a centralização do capital, levou a que o capitalismo atingisse sua fase superior e última, o imperialismo. Na época do imperialismo, identificada por Lênin como de decomposição do sistema, novos fatores influem na problemática do desemprego. Tais fatores relacionam-se com o grau a que chegou o processo de concentração da produção e centralização do capital e a formação dos monopólios.
A lei descoberta por Marx a respeito do aumento relativo do exército industrial de reserva em relação ao exército ativo torna-se evidente com o advento dos monopólios. Na atualidade, três elementos se destacam no que diz respeito à relação entre os monopólios e o desemprego:
Em primeiro lugar, há um encurtamento do período do ciclo econômico. Se no século passado o período entre uma crise e outra era de dez a doze anos, hoje assistimos a uma crise a cada quatro ou cinco anos. A revolução técnico-científica aliada ao acirramento das contradições entre os monopólios leva a um menor período de vida útil das máquinas e equipamentos. Hoje, as tecnologias produtivas ficam mais rapidamente obsoletas. Tal fato implica incertezas quanto ao retorno esperado para os novos investimentos, dificultando a renovação do capital fixo em maiores proporções. O gráfico a seguir ilustra esta situação de decréscimo relativo da chamada formação bruta de capital fixo.
De fato, uma das particularidades da economia mundial na atualidade é o permanente desajuste entre a produção de meios de produção e a produção de meios de consumo. Nas últimas crises, a queda na produção de meios de produção tem sido muito maior que a verificada na produção de meios de consumo. Nos fracos períodos de recuperação, o crescimento da produção de meios de produção, ilustrado pela formação bruta de capital fixo, além de iniciar mais tarde, é menor do que o verificado na produção de meios de consumo. Mais ainda, durante toda a década de 1980 ocorreram muito poucos investimentos em novas unidades produtivas e mesmo na ampliação das já existentes. Os investimentos produtivos voltam-se fundamentalmente para a modernização dos parques industriais já estabelecidos. Esse fenômeno manifesta-se com força no mundo dependente devido ao seu esforço para se enquadrar nas estratégias de especialização impostas pelos grandes monopólios internacionais.
Gráfico (p. 33)
“O desemprego tende a crescer em todos os países capitalistas após a década de 1970”.
O Brasil, por exemplo, há mais de onze anos não experimenta grandes investimentos em infra-estrutura ou mesmo em abertura de novos parques industriais. Tanto as importações quanto a produção da indústria pesada, de máquinas e equipamentos, não avançam. Isso acirra a tendência à redução na base sobre a qual o capitalismo opera. Parcelas da população, particularmente no Terceiro Mundo, vão ficando total e permanentemente excluídas do processo de produção e distribuição das mercadorias.
Em segundo lugar, ocorre uma duração mais prolongada das fases de crise e depressão. Se no século passado a fase de crise perdurava por cerca de seis meses ou menos, hoje as crises chegam a durar quase três anos como foi a de 1980 ou a atual, que já vai para mais de dois anos nos Estados Unidos, na França, na Itália, no Canadá e no Reino Unido. Os monopólios vão estreitando seus horizontes de investimentos, passando a investir somente na modernização dos parques produtivos já existentes, e não na construção de novas plantas industriais.
Em terceiro lugar, nas crises do capitalismo pré-monopolista ocorriam violentas quedas nos preços, o que viabilizava o retorno, sobre novas bases, do crescimento econômico. À medida que a economia foi se monopolizando, as quedas nos preços durante a crise foram desaparecendo. A partir da crise de 1970, os preços passaram a subir mesmo durante as crises. Uma das consequências desse processo são os empecilhos cada vez maiores aos deslocamentos de capital para novos ramos após a fase de crise, uma vez que os monopólios conseguem manter parte de sua lucratividade mesmo com a eclosão de crises e depressões.
Esses três fatores acima indicados implicam dificuldades crescentes quando da recuperação econômica para a absorção dos trabalhadores que perderam o emprego durante as crises. Assim, particularmente após os anos 1970, o desemprego mostrou sempre uma tendência de elevação em praticamente todos os países capitalistas.
O gráfico a seguir aponta esta situação tomando como indicador os índices calculados de taxa de desemprego.
O advento dos monopólios e consequentemente das empresas gigantes viabilizou a introdução dos chamados métodos científicos de organização do trabalho. Ou seja, além de o monopólio apontar para uma tendência à não-expansão do sistema, ele viabiliza grandes avanços na produtividade do trabalho, com consequências nefastas para o nível de emprego. Com os monopólios, a pesquisa operacional, utilizando métodos e modelos matemáticos complexos, passou a ser amplamente aplicada à organização do trabalho. O objetivo é sempre a maximização do lucro via aumento da produtividade. É no início deste século que começa a ser empregado o que ficou conhecido como Taylorismo. Em resumo, esse método de organização do trabalho baseia-se nos seguintes princípios: "1) Separação entre concepção e execução, implicando a quebra da unidade do trabalho até então realizada pelos trabalhadores qualificados. A concepção passa a ser de responsabilidade da gerência.
2) Parcelamento ao máximo do trabalho, correspondendo a cada operação um trabalhador na medida do possível.
3) Classificação das tarefas, isto é, retirada do processo de trabalho dos gestos e ações tradicionalmente realizados pelos trabalhadores, que não contribuíam para a produção.
4) Determinação do tempo ótimo para a realização das operações" (6).
Gráfico (p. 34)
Mais à frente, e correspondendo a um grau superior de concentração da produção e centralização do capital, aparece o chamado fordismo. No fordismo, além dos princípios do taylorismo, acrescente-se a mecanização das linhas de produção, a introdução das esteiras e sistemas aéreos de transmissão das peças durante o processo trabalho.
O ritmo de produção acelerou-se muito. Passou a ser ditado pelo ritmo das máquinas e não pelo operário multitarefa como era no capitalismo pré-monopolista, ou do operário controlado por "tabelas" que impunham e controlavam os movimentos a serem realizados, como no caso do taylorismo. Ao lado de uma desqualificação do trabalhador e da especialização de seu trabalho concreto, o fordismo propiciou uma elevação significativa da produtividade do trabalho.
À medida que vai aumentando o desemprego crônico por conta das taxas decrescentes de crescimento médio, aliadas ao avanço significativo da produtividade, aumenta a parcela da população excluída do processo econômico, a renda tende a se concentrar e os mercados vão ficando cada vez mais restritos, sofisticados (bens de luxo) e disputados pelos monopólios. Para atuar nesta situação, os monopólios implementam a automação das unidades industriais e procuram aumentar os lucros em decréscimo através de uma produtividade do trabalho maior. Por outro lado, automatizam desqualificando o trabalho para tornar a produção mais flexível: maior variedade de produtos, mas em menor quantidade para uma parcela decrescente de consumidores.
Podemos concluir que a lei geral da acumulação capitalista permanece atuando com mais força na época do imperialismo e particularmente no estágio atual de monopolização da economia. À medida que os monopólios acumulam seus superlucros, o desemprego e a pobreza vão atingindo proporções insuportáveis.
"Por isso, a população trabalhadora, ao produzir a acumulação do capital, produz, em proporções crescentes, os meios que fazem dela, relativamente, uma população supérflua" (7).
Um outro enfoque de análise – que será objeto de estudo de futuro trabalho – sobre as particularidades do desemprego no mundo atual refere-se ao desenvolvimento e crise do Capitalismo monopolista de Estado, tendo em vista em especial, os gastos públicos.
* Engenheiro naval e mestre em Economia.
NOTAS
(1) MARX, Karl. O Capital, Livro I, Vol. 2, Civilização Brasileira, RJ, 1980, p. 722.
(2) MARX, Karl. O Capital, Livro II, Vol. 3, Civilização Brasileira, RJ, 1980, p. 194.
(3) MARX, Karl. O Capital, Livro I, Vol. 2, Civilização Brasileira, RJ, 1980, p. 743.
(4) Idem p. 723.
(5) Idem p. 730.
(6) MARQUES, Rosa Maria. Automação e Microeletrônica e o Trabalhador, Bienal, SP, 1990, p. 14.
(7) MARX, Karl. O Capital, Livro I, Vol. 2, Civilização Brasileira, RJ, 1980, p. 732.
EDIÇÃO 26, AGO/SET/OUT, 1992, PÁGINAS 30, 31, 32, 33, 34