Cuidado com as instituições! A preocupação tem fundamento num país agredido por dezenas de golpes e quarteladas, submetido diversas vezes ao estado de sítio e de emergência, que viveu oito anos sob a ditadura do Estado Novo e duas décadas sob regime militar.

Mas, agora, as instituições sofrem outro tipo de ataque. O presidente da República atropela tudo que interrompe seus passos apressados, no sentido de solapar os fundamentos da nação e degradar a vida do povo.

A privatização de empresas estatais estratégicas foi realizada a toque de caixa, num processo marcado por jogadas fraudulentas. Um juiz que presidiu as eleições presidenciais – cheia de lances duvidosos – tornou-se ministro de Collor e, depois, de forma inusitada, voltou a fazer parte do Superior Tribunal Federal. Decide-se não pagar os 147% aos aposentados, ou protelar o pagamento, em flagrante violação de ordens judiciais. Até em coisas aparentemente menores, como pilotar moto contrabandeada ou dirigir em velocidade acima do permitido, o chefe do governo revela seu desprezo pela legalidade.

Pior ainda, denúncias muito bem fundamentadas apontam uma verdadeira quadrilha em torno da Presidência. Apesar dos esforços – que já se tornaram ridículos – de restringir o mar de corrupção ao tristemente famoso PC, nem mesmo os que padecem de ingenuidade crônica conseguem acreditar que Fernando Collor não seja o chefe de toda a trama.
Como reagem a isto nossas instituições tão sagradas?

O Judiciário é cego. E surdo. Não no sentido da imparcialidade da Justiça. Mas pela insensibilidade quase total aos reclamos populares contra a impunidade dos poderosos. Para a condenação de uma greve – que a Constituição diz ser livre – basta um aceno dos grandes. Mas o julgamento de uma demanda dos trabalhadores perde-se em labirintos impossíveis de desvendar.
A tal ponto as normas jurídicas estão falidas que o promotor do processo contra fraudadores do INPS, no Rio, diante da suavidade das penas, desabafou: "O crime compensou!".

O Legislativo, dominado por maioria esmagadora de representantes da burguesia e do latifúndio, aparece diante da opinião pública como uma Casa de mutretas e arranjos, emperrada, sem iniciativa, submissa ao Executivo. No próprio episódio Collorgate, apesar da avalanche de provas da impossibilidade de Collor continuar governando, age com revoltante parcimônia. O povo, nas ruas, continua desconfiado. "A CPI não vai dar em nada", é o que dizem as pessoas, revoltadas.

Tudo isso revela instituições incapazes de assegurar um funcionamento harmônico ao país, defasadas com as exigências do Brasil de nossos dias. Instituições que não conseguem assegurar a democracia, débeis diante da ousadia de um aventureiro como Collor, incapazes até para combater a corrupção mais flagrante.

Embora do ponto de vista imediato, na luta contra Collor, seja necessário exigir respeito à Constituição, para evitar soluções arbitrárias de um presidente comprovadamente descomprometido com a democracia, o povo precisa, com urgência, tomar consciência de seu direito e de seu papel legítimo de transformador da sociedade.

As instituições obsoletas passam a constituir, elas mesmas, fator de instabilidade e insegurança. A batalha por democracia e defesa da soberania nacional encontra-se, nas condições dramáticas de nosso país, inseparavelmente ligada à luta por um tipo de poder mais avançado.

A estrutura construída pelas atuais classes dominantes não permite a retomada do progresso em nossa pátria. Por imposição da vida, são as mãos honestas de quem trabalha que devem estabelecer os alicerces de um novo sistema econômico, político, jurídico, cultural adequado ao ingresso do Brasil no século XXI.

EDIÇÃO 26, AGO/SET/OUT, 1992, PÁGINAS 3