A internacional socialista (1945-1985)
Nestes últimos anos temos observado uma ofensiva da Social-Democracia européia sobre os países dependentes da Ásia, África e América Latina.
Contraditoriamente este avanço se dá num momento em que a própria Social-Democracia na Europa atravessa uma profunda crise, vítima de uma série de derrotas eleitorais na Inglaterra e Alemanha, e vivendo um profundo desgaste político na França, onde governa há cerca de 10 anos.
A ofensiva política da IS somada às alterações operadas nas estruturas econômicas de vários países do chamado terceiro mundo criaram condições para o desenvolvimento do projeto social-democrático fora dos países centrais. No Brasil este fenômeno também pode ser observado.
A Social-Democracia, no sentido clássico, que sempre teve grandes dificuldades para implantar-se em nosso país, parece encontrar hoje um terreno mais favorável para se desenvolver. O processo de filiação da CUT à CIOLS e a aproximação de vários partidos brasileiros da Internacional Socialista são provas mais do que evidentes destas alterações na conjuntura nacional e internacional. Estas mudanças devem nos levar a estudar mais seriamente o problema da Social-Democracia no mundo atual.
Este artigo não trata de uma análise detalhada da natureza de classe da Social-Democracia das condições sociais para o seu surgimento e desenvolvimento. Ele também não se propõe a expor a complexa relação entre Partido-Sindicato-Estado nos países onde ela exerce uma real influência, ou seja, não se trata da análise dos modelos social-democráticos clássicos (Suécia, Alemanha, Inglaterra) ou não clássicos (França, Espanha, Portugal). O objetivo deste artigo é mais modesto. Ele busca expor de maneira mais sistemática a atuação da Internacional Socialista nestas últimas décadas, em especial na sua relação com os países dependentes, expondo o caráter contra-revolucionário de sua intervenção.
A derrota do nazi-fascismo criou as condições favoráveis para o avanço da unidade de ação entre as forças progressistas do mundo. Neste processo a URSS e os partidos comunistas tinham jogado um papel destacado, saíam do conflito mundial com uma força política redobrada, objetos de um profundo respeito das massas operárias e populares de todos os países. Os partidos comunistas da Europa, vanguarda da resistência, saíram da clandestinidade para se constituírem em grandes partidos de massa. Nos primeiros governos de coalizão, no imediato pós-guerra, os comunistas participaram lado a lado com socialistas e liberais. A febre da unidade também tomou conta do movimento operário e popular. Mesmo os inimigos da unidade foram obrigados a se curvar.
Numa reunião internacional de partidos social-democratas, realizada em Londres, em março de 1945, os representantes de diversos partidos reafirmaram a necessidade da unidade do movimento operário internacional. E um ano mais tarde, na 1ª Conferência oficial dos partidos socialistas, realizada em Clacton (Inglaterra), Harold Laski, representando o espírito reinante na Conferência afirmaria: “Se se lograr a cooperação da Rússia com a Internacional Socialista, em 20 anos a Europa se converterá em um continente socialista” (1).
No seio desta 1ª Conferência ocorreram discordâncias quanto ao problema da fundação ou não de uma nova internacional e de qual seria seu caráter. De um lado existiam aqueles que desejavam a imediata formação de uma nova Internacional, com o claro objetivo de demarcar campo com os comunistas e dificultar as ações conjuntas; de outro, aqueles que se posicionavam contra a fundação imediata porque, no fundo, ainda alimentavam a ilusão da possibilidade de construção de uma nova Internacional que congregasse social-democratas e comunistas, a exemplo do que ocorrera no campo sindical com a fundação da Federação Sindical Mundial (FMS), em 1945.
Devido às divergências apenas foi possível formar um frágil comitê de ligação e informação coordenado pelos trabalhistas britânicos.
Em uma nova conferência realizada em 1946 também não se conseguiu chegar a um acordo sobre a data da reconstrução da IS, formou-se então um comitê consultivo com os membros de todos os partidos presentes na conferência.
Os Estados Unidos e a grande burguesia européia não podiam observar impassíveis o avanço do movimento comunista e antiimperialista. Na Europa os partidos comunistas cada vez mais consolidavam suas posições entre a população a ponto de se tornarem os principais partidos na França na Itália. Este crescimento da influência comunista poderia ser constatado em todas as partes do mundo. As democracias populares do Leste europeu também definiam o seu caminho rumo ao socialismo. Somava-se a isso o impulso das lutas de libertação nacional na África e na Ásia. Os impérios coloniais desabavam como castelos de cartas, reforçava-se o espírito nacionalista entre os povos das nações economicamente dependentes. Era preciso pôr um freio nesta situação, pensavam os grandes grupos imperialistas. O tempo dos acordos e da coexistência pacífica estava chegando ao fim.
“Já em março de 1946 Winston Churchill faz virulento ataque à URSS e às democracias populares”.
O primeiro sinal desta mudança de ventos foi a declaração do ex-primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, quando em visita aos EUA, em março de 1946. Ele fez um virulento ataque à URSS e às democracias populares, apelando para o rompimento de todos os pactos e a formação de uma aliança ocidental contra a “ameaça soviética”. Este apelo calaria fundo na consciência da grande burguesia e dos militaristas.
Em março de 1947, o presidente norte-americano, Harry Truman, formularia uma “nova” doutrina para a política externa de seu país, na qual era atribuída aos EUA o papel de xerife do mundo, autorizando as intervenções dos exércitos americanos onde os interesses da grande potência estivessem ameaçados. Poucos meses depois o secretário de Estado americano, General Georg Marshall, apresenta ao Congresso um programa para reconstrução da Europa. Este programa previa pesados investimentos para a Europa arrasada pela guerra; mas as condições para o recebimento desses empréstimos eram lesivas à soberania destes países e tinham implicações políticas sérias.
O plano tinha basicamente dois objetivos: primeiro, fortalecer o capitalismo naquela parte do mundo, que se encontrava bastante debilitado pelos resultados da guerra e pelo ascenso do movimento operário dirigido pelos comunistas; segundo, colocar as burguesias desses países sob a orientação política e militar do imperialismo americano. Através do Plano Marshall, os EUA conseguiram arrastar os países europeus para um bloco militar hostil à URSS, e que culminaria com a criação do Pacto do Atlântico Norte em 1949.
Estas alterações na conjuntura mundial teriam reflexos na política interna de cada país, e a Social-Democracia não poderia ficar à margem deste processo. Novamente diante dela se colocava a questão: marchar com o socialismo ou capitular?
Na Europa, como consequência direta do Planalto Marshall, os comunistas foram afastados do governo de coalizão e a sua ação passou a ser reprimida. Em meio aos primeiros conflitos da guerra fria é convocada uma nova conferência socialista que se realizava em Anversa nos fins de 1947. A luta de tendências ganha vulto na conferência, consolidam-se dois blocos, um majoritário, que assume a defesa intransigente do Plano Marshall e outro minoritário representado pelos partidos socialistas do Leste Europeu e pelo PS Italiano, que criticava o plano por seu caráter imperialista e prejudicial à unidade do movimento operário e socialista internacional. Nesta conferência foi criado um novo órgão para a coordenação dos partidos socialistas, o Comitê Internacional das Conferências Socialistas (Comisco), presidido por Morgan Phillips.
O Comisco, embrião da nova Internacional, graças à ação dos trabalhistas britânicos, acabou por se constituir um instrumento de propaganda do Plano Marshall entre os partidos e sindicatos europeus.
Os líderes da direita social-democrata acreditavam piamente que a injeção de capitais americanos poderia reacender a chama da produção e com isto minorar a crise que atravessava o capitalismo europeu, o que permitiria distribuir algumas migalhas para os trabalhadores destes países. A volta do desenvolvimento capitalista era condição fundamental para o seu projeto reformista. A crise, segundo eles, criava a caldo cultural para a radicalização operária e o crescimento da influência comunista, solapando assim sua base político-eleitoral.
A situação se agrava depois dos acontecimentos na Tchecoslováquia. Em 1948, os partidos burgueses abandonam o governo tcheco buscando com isto desestabilizar o regime de democracia-popular. Diante desta manobra da reação, os operários dirigidos pelo Partido Comunista e apoiados pelos socialistas de esquerda se mobilizam e conseguem barrar a ação dos golpistas, garantindo a manutenção de um governo com hegemonia comunista, apressando assim a caminhada no sentido da construção do socialismo.
A direita da Social-Democracia, sob pressão da burguesia, passa então para a ofensiva. Aproveitando a sua maioria no Comisco adverte e expulsa o PS Tcheco e inicia um processo para expulsão coletiva dos partidos da Romênia, Bulgária e Hungria. Contra eles pesava a séria acusação de manter uma unidade de ação com os comunistas. A direção do Comisco envia um ultimato aos partidos da Polônia e da Itália no qual afirma: “escolham entre a submissão ao Kominform ou a livre cooperação socialista” (2). Como se pode ver, a cooperação passaria a não ser tão livre assim. Os poloneses e o PS Italiano acabariam por se afastar da organização. O próximo passo do Comisco foi aceitar a participação de grupos socialistas de direita exilados da URSS e do Leste europeu. O anticomunismo passou a ser condição fundamental para o ingresso no Comisco.
“Social-Democracia participa do acordo de Bruxelas, embrião da famigerada OTAN”.
Em março de 1948, por iniciativa do governo trabalhista inglês, firmou-se o tratado de Bruxelas, que seria o embrião da famigerada OTAN. Dos 12 países que iriam assinar o Pacto Atlântico, sete possuíam governos com participação social-democrata.
E em 30 de junho de 1951, expurgados todos aqueles que pudessem pôr em risco os seus planos de capitulação diante da burguesia, a direita social-democrata poderia finalmente reconstruir a sua Internacional.
A conferência de fundação da IS realizada em Frankfurt aprova também um documento que seria o programa para a ação política da Social-Democracia para as décadas seguintes: “A Declaração de Tarefas e Objetivos do Socialismo Democrático”. Ela é a síntese do pensamento reformista imperante na Social-Democracia européia.
Este programa, ao contrário das internacionais anteriores, é marcado pela “neutralidade ideológica”, segundo ele: o “socialismo não exige um critério uniforme, os socialistas já basearam suas convicções no marxismo, nos princípios religiosos e humanistas, pois todos eles se orientam para um mesmo objetivo: um sistema de justiça social, de busca de uma vida melhor, da liberdade e paz universal” (3). Esta maneira desideologizada de compreender o socialismo só tendeu a se agravar. O próprio termo marxismo desapareceria dos documentos de vários partidos da IS.
Mesmo durante o Congresso de Frankfurt, o próprio presidente eleito da IS, Morgan Phillips, se gabaria do fato de o movimento operário inglês nunca ter aceito as concepções marxistas da luta de classes.
Os socialistas, afirma a declaração de Frankfurt, “lutam para construir uma sociedade nova dentro da liberdade e por meios democráticos” (4). O caminho para o socialismo era o caminho das urnas e a principal arma era o voto. E isto, segundo eles, estava mais que comprovado pelas vitórias eleitorais dos socialistas. O documento ia mais longe ao afirmar que nos países capitalistas governados pelos social-democratas “já estavam assentadas as bases da sociedade socialista. Ali estavam desaparecendo os males do capitalismo e a sociedade se desenvolvia com um novo vigor” (5). Decerto este “socialismo” só foi possível graças ao incentivo dos dólares ianques, talvez por isso na declaração não conste nenhuma linha sobre o imperialismo americano e o perigo que ele representava para a paz mundial.
A declaração de Oslo de 1962 seguiria na mesma direção: A história não confirmou a doutrina de pauperização do proletariado. A ação dos partidos socialistas, trabalhando em ligação estreita com os sindicatos (…) corrigiu os piores excessos do capitalismo. Novas formas de propriedade e o controle de produção apareceram. O desemprego massivo foi vencido, as horas de trabalho diminuíram, a seguridade social foi instaurada e a formação escolar alargada. Mesmo onde os partidos socialistas estão na oposição, os governos são obrigados, sob pressão da opinião pública, a adotar soluções essencialmente socialistas sobre o problema do pleno emprego e do bem-estar social” (6). Por tudo isso, eles podem afirmar que muito do que seria uma democracia socialista já foi realizado na Europa Ocidental e com a ajuda, ou omissão, da própria burguesia.
“Estado “democrático” alemão coloca na ilegalidade o Partido Comunista da Alemanha”.
Os documentos da IS reafirmam a democracia como valor universal. Mas chegam mesmo a retroceder de suas posições reformistas para posições abertamente conservadoras, ao verem nas democracias ocidentais instrumentos privilegiados para a construção do socialismo e que por isto deviam ser defendidas contra a hipotética ameaça soviética e protegidos também do ímpeto contestatório da classe operária. Hans Jochen Vogel, ex-ministro e membro da direção do PSD alemão, referindo-se ao programa do partido de 1959, afirmaria: “ele estabelece como um dos deveres dos social-democratas não combater o Estado democrático” (7). Este mesmo Estado democrático alemão colocaria na ilegalidade o Partido Comunista, seus líderes na prisão e mais tarde sob a direção social-democrática, em nome da defesa do Estado, impediria o acesso de comunistas e socialistas de esquerda aos empregos nos serviços públicos.
A posição da IS em relação ao movimento comunista é bastante sintomática. No documento de 1951 ela afirma: “o movimento comunista internacional é instrumento de um novo imperialismo”.
Esta posição anticomunista acompanharia a IS durante toda a sua vida. Em 1962, na Declaração de Oslo ela não se intimidará em afirmar entre outras coisas que a “China representa o principal perigo aos países da Ásia” e que “os líderes comunistas são os principais responsáveis pelas rivalidades entre o Leste e o Oeste” (8).
“Social-Democracia francesa sustenta guerra sanguinária contra argelinos”.
Estas avaliações distorcidas servirão de base para justificar o apoio incondicional à política militarista norte-americana representada pela OTAN. Nesta mesma declaração os social-democratas afirmam: “rejeitamos a idéia de um desarmamento das democracias ocidentais, o poder defensivo em caso de ataques deve ser preservado como meio de desencorajar a agressão (…) Os partidos dos países membros da OTAN a consideram como um poderoso instrumento para a paz e por isso afirmam a sua vontade de mantê-lo” (9). É por isso que entre os pontos da declaração da nova Internacional consta que o “princípio da soberania nacional ilimitada deve ser abolido”. Este item cairia como uma luva para justificar a política atlantista, como para instrumentalizar alguns partidos membros da IS para o seu apoio às aspirações colonialistas de suas respectivas burguesias.
Desde 1954, o povo argelino vinha lutando pela libertação de seu país do jugo francês. A SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária) filiada à IS, desde o início se colocou ao lado das pretensões imperialistas da burguesia francesa. Em 1956, Guy Mollet, vice-presidente da IS é eleito primeiro-ministro e mantém a guerra sanguinária, contra o povo argelino, compactuando com métodos fascistas empregados pelo exército francês contra a resistência argelina. Diante da crítica mundial Pierre Comim, da direção da SFIO afirmaria: “Nós socialistas nos negamos a considerar que a fase nacionalista seja o meio para lograr a libertação do homem (…) é dever dos socialistas ajudar a evitar esta fase perigosa e avançar até formas mais desenvolvidas de cooperação entre os povos da colônia e da metrópole” (10). Como pode haver cooperação amigável entre o imperialismo e um povo subjugado?
Ainda em 1956 estoura um novo conflito, desta vez no Oriente Médio. O presidente Nasser, do Egito, seguindo a sua política nacionalista assume o controle do canal de Suez. Mais que depressa uma aliança de três países (França, Inglaterra e Israel) invade o Egito. Na direção de dois desses governos (França e Israel) se encontravam socialistas ligados à IS. Dessa vez seria o próprio primeiro-ministro “socialista” francês que responderia às críticas: “a expedição a Suez se situa no espírito internacionalista e de solidariedade socialista. Nós estamos salvando Israel, um pequeno país que marcha para o socialismo em face do ditador Nasser” (11).
Em todos estes acontecimentos a IS não deixou de emitir críticas, mas em nenhum momento ousou tomar medidas mais sérias contra os seus membros que se viram envolvidos nestas aventuras imperialistas.
No congresso de 1959 o PS uruguaio fez pesadas críticas ao comportamento de diversos partidos membros da IS, e solicitou a expulsão da SFIO. A direção da organização achou por bem ignorar a solicitação uruguaia. Indignado, o Partido Socialista do Uruguai abandonou a IS. Com isso a Internacional perdeu seu principal membro na América Latina.
As posições pró-imperialismo adotadas pela IS, mantinham afastados muitos partidos reformistas e nacionalistas dos demais continentes. Muitos deles até desejariam uma aproximação, mas se tornava impossível defender em seus países qualquer ligação orgânica com a IS, encarada como um braço da política colonialista da burguesia européia. A IS, portanto, continuava a ser uma organização internacional de partidos reformistas da Europa Ocidental.
Mas a IS não podia ficar de olhos fechados diante dos movimentos de libertação nacional e dos novos países que surgiam na luta contra o colonialismo. Em 1960 a IS realiza a 1ª conferência fora da Europa, em Haifa (Israel). Este ato simbólico sinalizava uma tentativa de aproximação com a África e a Ásia.
Analisando a nova política da IS, o jornal The Times afirmaria: “o objeto de líderes da IS é impedir que os partidos dos novos Estados caiam no controle comunista”. Isto é reconhecido pelos próprios dirigentes da IS. No VII Congresso, G. Saragat afirmaria: os 800 milhões de pessoas que se libertaram neste último ano do colonialismo vão influir decididamente sobre a futura evolução da humanidade. Se se deixarão seduzir pelo comunismo ou se unirão sob as bandeiras do socialismo democrático. Esta é a questão decisiva” (12).
Neste Congresso participaram pela primeira vez representantes de organizações africanas. Estiveram presentes partidos da Nigéria, Tanganica, Senegal, Madagascar e Camerun. Desses apenas os partidos do Camerun e de Madagascar se filiaram à IS.
A Declaração de Oslo (1962) reafirmaria que a IS reconhece o direito dos povos à autodeterminação, mas alerta às novas nações de que “o nacionalismo levado a seus extremos pode levar à ruína da liberdade e do progresso humano. É preciso evitar os excessos nacionalistas” (13). A saída era a cooperação fraterna entre os países desenvolvidos (exploradores) e os países subdesenvolvidos (explorados).
Apesar dos esforços da IS ainda na década de 1960 continuava a ser uma organização de partidos social-democratas da Europa Ocidental. Dos seus 40 membros, apenas 7 representavam a Ásia, África e América Latina (14).
Uma das alternativas encontradas para driblar o embaraço dos dirigentes reformistas do terceiro mundo foi a alteração dos estatutos da IS com a inclusão de um artigo que permitiria a participação de observadores convidados nas reuniões da Internacional. Esta medida, segundo Sibiliov, “abriu as portas para muitas organizações que estavam dispostas a cooperar sem se converterem em membros plenos para não assumirem a responsabilidade pelas decisões e ações desta organização” (15).
Nos fins da década de 1960 e início da de 1970, a crise do capitalismo se agrava. Segundo Sibiliov, “o aumento das dificuldades econômicas dos países capitalistas, o incremento da luta competitiva entre eles pelos mesmos mercados, pelas fontes de matérias-primas (especialmente petróleo) conduziram a crescentes contradições entre os imperialistas e as aspirações de muitos governos presididos pelos partidos social-democratas que defenderiam os interesses de seus países e buscariam limitar a influência das transnacionais norte-americanas” (16).
“Guerra do Vietnã divide os social-democratas. Parte opõe-se à agressão dos EUA”.
A primeira divergência pública mais aguda entre a direção da IS e a política externa norte-americana se deu em 1965 quando da intervenção americana na República Dominicana, e a segunda durante a Guerra do Vietnã. Por algum tempo a IS acompanhou, impassível, as agressões americanas do sudeste asiático, mas a partir dos fins da década de 1960 vários partidos e sindicatos ligados à Social-Democracia Européia aderem à campanha internacional contra a guerra no Vietnã. Dentro dos principais partidos ocorre uma luta entre aqueles que desejam manter a subordinação política norte-americana e aqueles que desejavam maior independência. No Congresso do Partido Trabalhista Britânico de 1965, uma emenda condenando os bombardeios indiscriminados contra o Vietnã do Norte foi derrotada, pouco tempo depois esta mesma moção seria aprovada no Congresso dos sindicatos britânicos. Na Suécia o próprio primeiro-ministro, Olaf Palme, liderou manifestação de protesto contra a agressão americana, o que custou o rompimento das relações diplomáticas entre os dois países. Mas somente em 1972 a IS se colocaria de maneira mais decidida contra a intervenção americana.
Uma série de acontecimentos vai reforçar a tendência antiamericana dentro da militância social-democrata. Primeiro, o golpe militar na Grécia, em abril de 1967, que teve apoio americano. Mas a gota d’água foi o golpe militar contra o governo de Frente Popular do Chile, dado com o apoio direto dos EUA. O Partido Socialista Chileno, que foi desalojado do governo, era ligado à IS. O governo Allende era propagandeado como um modelo para a América Latina de como se podia avançar para o socialismo sem luta armada. A queda do presidente criou um profundo mal-estar nas fileiras social-democratas, o que levou a uma certa radicalização das suas posições.
No Congresso do PS Francês, Pontillon afirmaria: “os socialistas também devem tratar de criar uma Europa independente, porque hoje ela se encontrava ameaçada pelo domínio econômico do imperialismo americano”. O Secretário-Geral do PSOE, Felipe Gonzales, no Congresso de 1977 exortou o governo espanhol a romper os acordos com os EUA sobre as bases militares no território espanhol, porque eles “submetem a política exterior de nosso país aos interesses dos EUA”. Neste mesmo período, o presidente do PSDA, Willy Brand, qualificou de “absurda” a proposta dos EUA para aumentar os gastos militares em detrimento dos gastos sociais (17).
É fato que toda esta retórica não se traduziu em medidas efetivas. Mesmo estes partidos, quando estiveram no poder, não tiveram a vontade política para romper com os laços que prendiam seus países ao imperialismo americano, mas nem por isso deveríamos menosprezar tais declarações que, em certo sentido, mostram a existência de contradições não solucionadas. Criadas com certeza pela existência das disputas inter-imperialistas, mas também pelas pressões das bases da própria Social-Democracia que só radicalizavam.
A constatação da existência de certas contradições com o imperialismo americano não deve nos levar a falsas conclusões quanto ao caráter dessa organização. Ela continua desempenhando um papel ativo na luta contra as transformações revolucionárias e socialistas no mundo. Esta continua sendo a essência de sua política.
O Congresso de Genebra, realizado em 1976, tentava mostrar ao mundo que a IS mudava os seus rumos, rompendo com a lógica dos grandes blocos (EUA-URSS) e sinalizando uma aproximação maior com o terceiro mundo. Neste Congresso, Willy Brandt foi eleito presidente da IS, e Berndt Carlson do PS Sueco para a secretaria-geral. Os trabalhistas ingleses passam para uma posição secundária na organização.
Ainda em 1976 a IS realiza uma reunião em Caracas, dentro de sua nova estratégia de aproximação dos movimentos democráticos e nacionalistas do continente americano. Em 1980 realizou-se na República Dominicana uma 1ª Conferência Regional sobre os problemas da América Latina e Caribe, na qual os partidos “socialistas” condenaram a “campanha caluniosa contra a Revolução da Nicarágua e a política dos EUA, que estrangula o desenvolvimento econômico do país” e declararam seu apoio à Frente Sandinista e Frente Democrática e Revolucionária de El Salvador. Posições que foram ratificadas no Congresso da IS em Madri (18).
Os resultados desta ofensiva da IS foram significativos. Se em Genebra somente 7 partidos da América Latina eram membros, no Congresso de Madri em 1980 o seu número mais que dobrou, chegando a 15 membros. Neste período ingressou como membro efetivo o movimento Nova Jóia de Granada, primeiro movimento revolucionário caribenho que ingressava na IS. A Frente Sandinista passava a tomar assento nas reuniões da IS como Observadora (19).
Os objetivos de tais aproximações são claros; em primeiro lugar visam a desbancar a hegemonia norte-americana na região e, em segundo lugar, impedir que os movimentos revolucionários da América Latina e Caribe se liguem à Cuba ou radicalizem suas posições no sentido de levar as suas revoluções até as últimas consequências, ou seja, a construção efetiva do socialismo. Era preciso afastar estes dois perigos para que se pudesse abrir caminho para a construção de uma nova hegemonia política e econômica na América Latina e Caribe: a hegemonia do grande capital europeu.
No Brasil a ofensiva da IS se deu no final da década de 1970 em pleno ascenso do movimento de oposição popular à ditadura militar. Em fevereiro de 1978, Brizola participaria de uma reunião de bureau da IS onde trava contatos com Willy Brandt e sob auspícios deste último se realiza em Lisboa a 1ª reunião de socialistas brasileiros, cujo objetivo era discutir a formação de um partido social-democrata no Brasil.
Em outubro de 1984, em pleno governo Figueiredo, com o Partido Comunista do Brasil ainda na ilegalidade, se realiza no Brasil uma nova reunião do bureau da IS. Desta reunião participam representantes do PDT, PT e PMDB. Diante da impossibilidade de se construir um partido social-democrata único, a IS passa a relacionar-se e a investir em várias alternativas partidárias do país.
Ao firmarmos a essência não revolucionária da Social-Democracia em geral, não devemos chegar a conclusões falsas e sectárias da impossibilidade de fazermos alianças ou estabelecermos pontos de unidade com as direções destas correntes. A Social-Democracia em determinadas condições, movida pelas contradições inerentes à sociedade capitalista dependente, pode se constituir numa aliada importante na luta contra os projetos conservadores e ditatoriais das classes dominantes neste continente. Estas organizações podem cumprir também um papel, ainda que de maneira vacilante, na luta contra o imperialismo norte-americano.
A unidade de ação deve também pressupor uma luta permanente no seio da frente no sentido de construir uma hegemonia socialista e revolucionária no processo de transformação da sociedade brasileira e latino-americana.
A IS nunca se constituiu em uma verdadeira Internacional, ou seja, numa organização que se pautasse pelo princípio internacionalista da solidariedade operária e cumprisse um papel de coordenação e apoio à luta dos trabalhadores de todo o mundo contra o capitalismo. A IS nasceu como um aglomerado de partidos social-democratas da Europa Ocidental, que tinha como principal objetivo barrar o avanço da consciência revolucionária dos operários europeus. A IS, neste período, cumpriu o infame papel de alinhar parte da classe operária ao lado das burguesias nacionais e do imperialismo norte-americano, contra as organizações comunistas e o bloco socialista. Mesmo com a inclusão de novos partidos da África, Ásia e América Latina esta hegemonia ocidental não foi quebrada. As alterações efetuadas na década de 1970 apenas transformaram a IS num instrumento mais eficaz na cooptação de novos partidos e nações para a influência político-econômica das potências da Europa Ocidental.
“Social-Democracia nunca promoveu apoio e solidariedade às lutas dos trabalhadores e povos”.
Outra característica da IS é que ela não consegue tomar decisões que sejam acatadas pelo conjunto dos partidos a ela filiados, pois existe uma forte tendência de cada partido colocar os interesses de suas respectivas burguesias (e também de parcelas privilegiadas da classe operária) acima dos interesses históricos dos trabalhadores. Cada vez que os interesses nacionais entram em choque com os princípios do internacionalismo proletário, os dirigentes destes partidos não têm dúvidas em optar pelos interesses menores de próprios países capitalistas.
Foi este espírito mesquinho que levou à bancarrota a II Internacional em 1914 e mais tarde levaria também à falência a Internacional Operária e Socialista. A essência do projeto social-democrata se contrapõe ao verdadeiro espírito internacionalista. O internacionalismo só pode ter por base o marxismo revolucionário, uma concepção proletária do mundo, ou seja, uma concepção despojada de todo o reformismo e social-patriotismo, tão típicos da consciência pequeno-burguesa e também compartilhada por uma reduzida camada de operários que se beneficiariam, e ainda se beneficiam, das migalhas que caem da mesa do grande banquete imperialista.
* Historiador, e membro da direção da CUT Regional Interior I, SP.
NOTAS
(1) SIBILOV, N. La Internacional Socialista, p 10.
(2) PORTELLI, H. L’Internacionale Socialiste, p. 51.
(3) Idem, p. 181.
(4) Idem, p 181.
(5) Idem, p 180.
(6) Idem, pg 185.
(7) POULAIN, J. A Social-Democracia Hoje, p 153.
(8) PORTELLI, H. L’Internationale Socialiste, p. 185.
(9) Idem, p. 185.
(10) SIBILOV, N. La Internacional Socilista, p. 182.
(11) PORTELLI, H. L’Internacionale Socialiste, p. 95.
(12) SIBILOV, N. La Internacional Socialista, p. 188.
(13) PORTELLI, H. L‘Internacionale Socialiste, p. 186.
(14) SIBILOV, N. La Internacional Socialista, p. 195.
(15) Idem, p. 196.
(16) Idem, p. 146.
(17) Idem, p. 146.
(18) Idem, p. 219.
(19) PORTELLI, H. L’Internacionale Socialiste, p 11.
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