A queda do muro de Berlim e o futuro do socialismo / Soberania e Dignidade – Raízes da sobrevivência
O problema é difícil e, tudo indica, está em aberto. De qualquer forma Hobsbawn insiste que “os socialistas estão aqui para lembrar ao mundo que em primeiro lugar devem vir as pessoas e não a produção. As pessoas não podem ser sacrificadas”, assegurando que “o futuro do socialismo assenta-se no fato de que continua tão necessário quanto antes, embora os argumentos a seu favor já não sejam os mesmos em muitos aspectos”.
José Carlos Ruy
Soberania e Dignidade – Raízes da sobrevivência
José W. Bautista Vidal, Vozes, 1991.
No auge da onda neoliberal, o livro do professor Bautista Vidal, da Universidade de Brasília, levanta a voz em defesa de um modelo independente de desenvolvimento para o país. São 213 páginas repletas de dados que contestam os projetos atuais e apresentam alternativas, particularmente no campo energético.
Ainda que a leitura do texto não seja exatamente como o general Andrade Serpa diz no prefácio “(…) fi-lo de um jato, como quem lê um conto de Poe ou um romance de Agatha”, seu texto trata em linguagem acessível, de diversos assuntos complexos, em especial a questão energética: as alternativas de substituição do petróleo por energias advindas da biomassa dos trópicos; aborda o modelo dependente adotado pelas elites brasileiras etc.
O autor é conhecido não só pela atividade docente como também pela defesa firme de idéias nacionalistas. Foi no período em que o professor Bautista ocupou a STI, Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio, em especial a partir de 1976, que o Brasil decidiu implementar, de forma acelerada, talvez o maior programa energético alternativo de que se tem conhecimento em nossa história – o “Pro-Álcool”. Foi uma forma de tentar contornar a crise decorrente do primeiro e grande embargo de petróleo, decretado pelos árabes em 1973, que elevou os preços internacionais de US$ 5.00 o barril, para mais de US$ 20.00, causando enormes prejuízos no endividamento externo dos países dependentes dessa forma não renovável de energia.
Em várias passagens do seu livro, há uma firme defesa do “Pró-Álcool” e do desenvolvimento de outras formas energéticas nacionais, que utilizem de fonte solar em suas derivações. Exemplos são o bagaço da cana, o óleo de mamona, o óleo de dendê, o carvão vegetal e outras formas – viáveis sem danificação do solo, sem alterar a malha fundiária produtora de alimento e, fundamentalmente, sem nenhuma poluição, gerando muito mais empregos do que a produção de gasolina e diesel.
Outras Fontes de energia
Com fatos, dados e números que impressionam até mesmo o leitor completamente leigo no assunto, o professor Bautista investe contra o modelo de matriz energética brasileira, de 35 anos implementando basicamente a partir de 1955, pelo presidente Juscelino Kubitschek. Diga-se de passagem, o autor arrisca uma opinião de que Juscelino teria feito um grande acordo com as montadoras multinacionais de veículos: a partir de suas instalações no Brasil, ele construiria milhares de quilômetros de estradas, como de fato o fez (p. 119).
Suas críticas firmes e embasadas em números incontestáveis, atingem até mesmo o sistema hidro-elétrico brasileiro. O Plano 2010, da Eletrobrás, prevê a construção na região amazônica de mais de 79 usinas hidro-elétricas, além de 10 já em funcionamento. A de Tucuruí, por exemplo, construída ao custo de vários bilhões de dólares, alaga uma área de 2.430 Km quadrados (pelo fato de a região ser de terras muito planas, o lago formado é sempre imenso), e derrubou milhares de metros cúbicos de árvores que, se transformadas em matéria energética (carvão vegetal), renderiam, segundo o professor Bautista, o equivalente a milhões de litros de combustível. Isso tudo para produzir energia elétrica para a indústria de alumínio, que exporta o nosso metal a custos menores que os de produção e muito abaixo dos preços internacionais, atendendo às exigências do imperialismo.
Não pense o leitor que tal idéia possa implicar, pela proposta do professor, qualquer devastação, por menor que seja. Pelo contrário. Ele é radicalmente contra o desmatamento de florestas. Sua proposta é, para a Amazônia, desenvolver grandes plantações de dendê, que produz um óleo que poderia funcionar em motores de ciclo Otto, substituindo a gasolina. Ou plantar cana em no máximo 1% do território nacional, o que atenderia a 70% das necessidades de combustíveis automotivos no país.
Há dados que demonstram que 70 milhões de hectares de terra produzindo dendê, resultariam, por ano, em 21 bilhões de barris de óleo combustível ou diesel, suficientes para abastecer nossas necessidades energéticas, e ainda cerca de 9 bilhões de barris que poderiam ser exportados. Tal produção é superior à da própria Arábia Saudita, 3ª maior produtora mundial de óleo cru, a detentora da maior reserva descoberta e presumível do planeta (200 bilhões de barris). São soluções que trariam desenvolvimento independente ao país, mas que não são sequer cogitadas pelas elites brasileiras, historicamente subordinadas aos interesses imperialistas e antinacionais.
Questões filosóficas e políticas
Há contudo uma heterogeneidade no nível geral quando o professor Bautista incursiona no terreno filosófico referindo-se ao pensamento de autores como Ortega y Gasset, Roger Garaudym, Sérgio Rouanet ou Karl Marx.
EDIÇÃO 28, FEV/MAR/ABR, 1993, PÁGINAS 70