Abaixo a guerra! Viva a guerra!
Nas três últimas décadas do século passado já existiam partidos socialistas praticamente em quase toda a Europa, como em boa parte do Continente Americano; Ásia e África só conheceriam a sua expansão após a Revolução Russa de 1917.
O crescimento dos partidos resulta de um processo longo e de uma série de circunstâncias variadas. A luta pela afirmação partidária, em cada caso, depende de fatores internos e externos, isto é, fundamentalmente do processo de luta contra a classe dominante em seu país e contra os desvios ou correntes ideológicas contrárias, defendidas por facções ou grupos que compõem, ou não, o partido propriamente dito. É nessa hora que o proletariado vê engrossar de maneira contínua as suas fileiras, como resultado da Segunda Revolução Industrial (1860 em diante); é quando a burguesia dominante cede à pressão e aceita as imposições da classe trabalhadora, dando-se a ampliação das leis sociais, a difusão dos sindicatos e dos partidos de esquerda etc. Assim se consolidam os Partidos Social-Democratas na Alemanha, Áustria, Rússia, Polônia etc., enquanto os seus irmãos gêmeos proliferam com o nome de Partido Socialista na França, Espanha e Itália. Nesta hora, também os sindicatos crescem em número, passando a constituir federações e confederações, o que lhes dá maior força e maleabilidade.
Apesar da ligação entre partido e sindicato, relação que não pode deixar de ser feita, iremos nos restringir ao primeiro. Ele, na maioria das vezes, aparece defendendo ideologias diversas, de caráter reformista, acabando mais tarde por sofrer os efeitos do marxismo revolucionário. Exemplo desta trajetória podemos encontrar na Social-Democracia Alemã, entre outras. Na Alemanha de 1848, momento em que o país começa a se industrializar, dominam as associações Operárias, as Caixas de Solidariedade, e os grupos de finalidade religiosa etc. É em 1863 que Ferdinand Lassale funda a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães que, após a sua morte, se funde com o Partido Social-Democrata dos Trabalhadores, dirigido por Wilhelm Liebknecht e Auguste Bebel.
A ambiguidade programática se revela nos Congressos de Eisenach (1869) e no Gotha (1875), e é superada pelo Programa de Erfurt (1891). A partir de então a ideologia marxista se torna oficial. Trajetória idêntica em alguns aspectos, e particular em outros, se dá com o Partido Socialista Francês.
Após os acontecimentos trágicos da Comuna de Paris (1871), o movimento operário declina, expandindo-se novamente na década seguinte. Por causa da riqueza da tradição operária na França, a reorganização se faz de maneira intensa nos planos sindical e partidário. O anarco-sindicalismo domina boa parte dos sindicatos até que em 1906 é fundada a CGT (Confederação Geral do Trabalho), enquanto isso os socialistas se dividem em quatro corrente distintas: possibilistas, allemanistas, blanquistas e guedistas. A última delas defende o marxismo, as outras são a favor da política de conquista legal e paulatina. Em 1905 dá-se a fusão destas correntes e o nascimento de um novo Partido Socialista.
Além dos dois exemplos, temos a Social-Democracia Austríaca, que segue o modelo alemão tanto do ponto de vista sindical como partidário. A sua história pode dividir-se em duas partes: 1) da década de 1860 até o Congresso do Hainfeld (anos 1860 até 1889), quando coexistem as correntes reformistas, marxistas e anarquistas, sendo a maior questão a das nacionalidades; 2) período do compromisso entre os partidários e os críticos do reformismo, o que leva o partido a crescer eleitoralmente, ao mesmo tempo em que as divergências entre os tchecos e alemães aumentam de intensidade.
Os casos da Itália e da Espanha, entretanto, apresentam certas similitudes: correntes majoritárias reformistas e anarquistas e presença tênue do marxismo no período inicial; depois da década de 1880, aparece o Partido Socialista, que defende o marxismo. Apesar do avanço socialista, os anarquistas e anarco-sindicalistas continuam a representar papel importante na Espanha e na Itália.
Finalmente, o marxismo se torna conhecido na década de 1880 na Rússia, mas em 1893, através de Libertação do Trabalho e, em 1898, pelo Partido Social-Democrata Russo, começa a hegemonia do marxismo.
“Crescem os partidos de esquerda e movimento sindical, operariado exige mais espaço político”.
O crescimento dos partidos de esquerda e o movimento sindical levam o operariado a batalhar por maior espaço político. As correntes reformistas e marxistas defendem o direito e a necessidade de uma estratégia em que as organizações trabalhistas participem do Parlamento e ocupem cargos no Executivo, reivindicações rechaçadas pelos anarquistas, anarco-sindicalista e católicos. Como resultado, temos um crescimento vertiginoso dos partidos marxistas, que resultam em vitórias eleitorais cada vez maiores. Para ficarmos restritos aos casos alemão e francês, que representam até 1914 a espinha dorsal do trabalhismo, constatamos que o primeiro elege 111 deputados para o Reichstag em 1912, e que o segundo conta com 102 deputados no mesmo ano.
O crescimento provoca resultados vários, como a participação ativa dos socialistas na sociedade, a extensão das reivindicações sociais etc. Por sua vez, a estrutura burocrática partidária se torna mais complexa, já que ao lado do núcleo central do partido surgem as ramificações regionais, o que provoca a necessidade de maiores recursos financeiros “valorizando-se, as organizações eram obrigadas a munir-se de pessoal permanente – administradores, gestionários, redatores, secretários operários – que defendessem os interesses dos trabalhadores perante a jurisdição do trabalho e os serviços de segurança. Os eleitos municipais das grandes cidades, e os eleitos regionais (membros do Landtag) e nacionais estavam um pouco na mesma situação: como não havia indenizações oficiais (no Reichstag foram introduzidas em 1904), o Partido, sempre que pudesse, subvencionaria as suas atividades” (1).
Esses compromissos, que se somam a outros, como escolas, livros, jornais, revistas, sindicatos ligados ao partido etc., “fazem com que as agremiações tenham pesadas exigências financeiras, como no caso dos alemães e dos franceses”. Ao mesmo tempo, o crescimento numérico de seus afiliados e simpatizantes de deputados – na Alemanha, França ou Áustria –, e da difusão ideológica do marxismo, surpreende a todos, aparecendo para muitos como um processo inexorável de encaminhamento com destino à sociedade socialista. É a “esperança de um movimento revolucionário, mas sem fazer revolução”, segundo a fórmula de Karl Kautsky (2). O avanço de esquerda da Europa e na América desperta os partidos marxistas para a necessidade de criação de um organismo de caráter universal, que servisse ao debate e à orientação de seus membros. A I Internacional se esgotaria em 1872 e, por esta razão, a pretexto do Centenário da Revolução Francesa, o Partido Socialista Gaulês convida seus congêneres a irem a Paris. Reunidos em 1889, os delegados que comparecem ao evento resolvem torná-lo organismo permanente e, para isso, marcam o Congresso seguinte para 1891 (3). As reuniões têm como palavra-de-ordem questões levantadas pelos seus membros e aceitas pela Comissão Organizadora. Os temas que surgem refletem problemas que preocupam as fileiras dos partidos em cada um dos países, muitos deles já discutidos nos seus congressos nacionais. O esforço de esclarecimento torna a preocupação dos socialistas mais real, com resultados concretos e ressonância universal mais garantida. De maneira satisfatória, a II Internacional amplia e elucida as teses socialistas sobre questões de estratégia e tática do movimento operário. Dentre o conjunto de debates – imigração, legislação social, revisionismo, greve e greve geral, cooperativas, sindicalismo etc. (4) – um tema volta à tona de maneira constante e, por isso, pode ser avaliado de maneira mais precisa: o socialismo e a guerra.
“Guerras coloniais retalham África e Ásia entre principais potências capitalistas”.
Questão básica é esta da guerra, agora ameaçando o próprio território da Europa. As guerras coloniais se dão no século XIX, hora em que a África e a Ásia são retalhadas entre as principais potências imperialistas – Inglaterra, França, Rússia, Áustria, Estados Unidos, Bélgica, Holanda, Alemanha etc. Mas, os atritos entre as potências capitalistas não deixam de existir e a ameaça de um estado de beligerância parece presente. O que fazer nestas circunstâncias? As soluções apresentadas variam.
De qualquer jeito, a problemática volta constantemente à baila exatamente porque, de 1900 até 1914, a ameaça de conflito armado é constante. Dois focos são centrais: o Marrocos e os Bálcãs. No primeiro caso, são os alemães que pretendem ocupar espaço na África do Norte e o Kaiser Guilherme II, em viagem surpresa, desembarca em Tanger (1905) ocupada na maior parte pelos franceses; o incidente provoca reação crítica, dá-se a Conferência de Algesiras (1906) e o acordo da França com a Rússia (1907), que sela definitivamente a Tríplice Entente (França, Rússia e Inglaterra). Logo surge a primeira crise Balcânica: a Áustria anexa a Bósnia-Herzegovina (1908), aproveitando-se da revolução na Turquia (1908), fato que, consequentemente, representa derrota diplomática da Rússia (1909). Em 1911, franceses ocupam Fez (no Marrocos) e os alemães respondem com envio de navio de guerra para Agadir; são feitos démarches e dá-se o acordo franco-alemão sobre o Marrocos e o Congo. No mesmo ano os italianos ocupam a Tripolitânia e iniciam guerra contra a Turquia (1911-1912). Entre 1911 e 1914, após vários incidentes, a Grécia, a Sérvia e a Bulgária iniciam guerra aos turcos, com a finalidade de libertar a católica Macedônia, oprimida pela Turquia maometana (e ajudados secretamente pela Rússia).
“Conflitos armados chegam ao próprio território dos países capitalistas europeus”.
Desta maneira, os conflitos armados se manifestam agora no berço central do sistema capitalista, no coração das potências mais ricas. Além do aspecto militar e diplomático intenso que se dá nessa hora, um outro problema é representativo do período que antecede a Primeira Guerra Mundial. É a questão das nacionalidades, problema que preocupa socialistas e provoca o nascimento de extensa bibliografia, mas que não faz parte deste trabalho.
A Guerra Mundial de 1914-1918 é um momento final destas crises armadas e, antes de analisá-las, vamos nos fixar nos seus primórdios. Os socialistas europeus acreditam que o perigo de guerra não “podia senão seguir uma progressão contínua no período do imperialismo; apesar de tudo, a Social-Democracia vivia na esperança de que os partidos socialistas dos grandes Estados europeus fossem tão poderosos a ponto de impedir que uma guerra estourasse; ela supunha também que todos os Estados empregariam suas forças para evitar um conflito armado, por causa da incerteza do resultado que uma guerra apresentava para cada um deles. Em outras palavras: a Social-Democracia acreditava sempre na eventualidade de uma guerra; mas acreditava, ao mesmo tempo, na possibilidade de evitá-la” (5).
Para evitar a guerra, a tática utilizada pelos partidos socialistas e oficializada pela II Internacional é bastante complexa e faz uso de mecanismos controvertidos. Os seus fatores aparecem delimitados e entre eles situa-se o aspecto moral. Deste ponto de vista, a guerra é um crime contra a civilização, é a destruição da sociedade, do ser humano e do seu bem-estar (6).
A denúncia em que se procura culpar o inimigo é instrumento utilizado pela burguesia e pequena-burguesia. O operariado, que tem consciência de sua exploração pela classe dominante, entende a sua situação e sabe que o patriotismo é um valor ideológico açambarcado pelas classes dominantes, que o utiliza como forma de preservação de seu poder. Daí a idéia, aparentemente dialética, entre patriotismo e o internacionalismo, que Marx e Engels levantam já no Manifesto Comunista. Sem querer analisar a questão, ficando restrito aos acontecimentos daquela hora, o problema é ventilado por certas correntes operárias. O IX Congresso do Partido Operário Francês afirma: a “solidariedade operária não exclui o dever do operariado de se defender contra os traidores de sua classe, a solidariedade internacional não exclui ou não limita o direito e o dever de uma nação de se defender contra um governo, qualquer que seja, traidor da paz européia. A França atacada não teria mais ardentes defensores do que os socialistas do Partido Operário” (7).
Gabriel Deville, no mesmo ano, declara: “nós devemos ser e nós não devemos temer declarar que estamos firmemente resolvidos a nos defender, como a não provocar. Em caso de ataque, é por eles que os trabalhadores, internacionalistas tanto como trabalhadores, têm que se bater enquanto franceses; e eles seriam, estou seguro, os mais interessados em defender o seu direito à independência e a impor o respeito a todos. Quem é aquele que, praticamente na presença de uma declaração de guerra, de uma agressão, de uma provocação, teria a triste coragem de lutar pela greve militar! Sob que máscara de um pretenso internacionalismo, que não passaria de um nacionalismo às avessas, porque para não favorecer os seus, favoreceriam, afinal de contas, uma nação em detrimento de outra. Há aí o antipatriotismo e não o internacionalismo” (8). Millerand sintetiza a questão dizendo: em “nenhum momento nós esqueceremos que, ao mesmo tempo que internacionalistas nós somos franceses e patriotas. Patriotas e internacionalistas são dois títulos que, antes de nós, nossos ancestrais da Revolução Francesa nobremente aliaram” (9).
“Trabalhadores devem empregar todos os meios para impedir eclosão da guerra”.
A posição a favor do nacionalismo, acima dos valores internacionalistas, é a posição de grande número de socialistas franceses (como Jaurés) e alemães (Bernstein). Extremada, no ponto oposto, é a atitude de Gustave Hervé, que confessa: “nós não somos patriotas e não podemos sê-lo, sendo socialistas. As pátrias existem; são feitas, como as chuvas de Limoges. Mas as pátrias não são mães, são madrastas para os pobres. Nós não a amamos, tais como são atualmente. Hoje, o patriotismo é um vínculo entre as classes burguesas de cada país. A este patriotismo nós opomos o nosso: nossos compatriotas não são os burgueses da França; nossa pátria, é nossa classe” (10).
Mas anarquistas e socialistas procuram instrumentos práticos para a sua luta contra a guerra. Uns falam em greve dos povos, isto é, diante do perigo de guerra, a população se negaria a engajar-se nas forças armadas; ou na greve militar, quando o exército cruzaria os braços na hora do conflito. Mas a palavra-de-ordem mais popular, que preenche boa parte do anseio do movimento operário, é a greve geral. Em 1904 dá-se grande debate sobre o tema, que acaba sendo visto como inexequível pelos socialistas. A restrição não é peremptória, havendo casos de sua aceitação. E também para os anarquistas a palavra-de-ordem é válida e faz parte de sua estratégia. Exemplos podem ser encontrados nas manifestações acráticas, como na Resolução das Conferências Extraordinárias das Bolsas e Federações, em 1911: “a toda declaração de guerra, os trabalhadores devem, sem demora, responder pela greve geral revolucionária”. E de maneira mais maleável, somada com fatores mais amplos, o Partido Socialista preconiza: “entre todos os meios empregados para prevenir e impedir a guerra, e para obrigar o governo a buscar arbitragem, o Congresso considera como particularmente eficaz a greve geral operária, simultânea e internacionalmente organizada nos países interessados, assim como a agitação e a ação populares sob as formas mais ativas” (11).
O instrumento mais constante é, no entanto, a mobilização popular e a agitação. Com a organização dos comícios, tem-se oportunidade de denunciar a política imperialista da classe dirigente, os interesses escusos da burguesia com sua política interna e externa, a guerra e os lucros desenfreados da corrida armamentista. No momento maior da crise – que abrange os anos de 1905 e 1914 –, temos manifestações em Paris, Berlim, Madri etc; no primeiro deles, por exemplo, a fraternidade operária é exaltada, pois “não houve jamais oposição entre o proletariado francês e o proletariado alemão (…) nossos camaradas alemães sabem que nós não esquecemos tudo o que lhes devemos. O comício de Treptow repercutiu em todos os corações franceses, e nós fazemos o melhor para responder ao seu chamado. Ouçam, camaradas, e espalhai na Alemanha o que nos disseram agora, que o chauvinismo não tem mais raízes entre vocês, como também entre os trabalhadores franceses: nós podemos jurar (…) divulga-se entre nós, que vocês têm vontade de invadir a França, nós não acreditamos (…) Nosso Partido está decidido a se opor, por todos os meios, à guerra e, em particular, à guerra entre nossos dois países” (12).
Às ações particulares, feitas por organizações nacionais – partidos, sindicatos – se acrescenta a da II Internacional. Nos seus Congressos são levantadas teses pertinentes às reivindicações operárias, e entre elas aparece a que trata da guerra. Em 1907 no Congresso de Stuttgart, em 1910 no de Copenhague, e no Congresso Extraordinário de Bäle (Suíça) em 1912, a questão do conflito armado aparece com realce; ainda mais, o de Bäle é dedicado exclusivamente ao tema no momento da segunda crise Balcânica. O documento de 1907 é o mais radical deles, pois a sua redação inicial, de tendência reformista – de autoria de Bebel – é modificada com as inserções radicais introduzidas por Lênin e Rosa Luxemburgo.
“Em julho de 1914 os fatos se precipitam e os partidos operários se definem”.
O texto final reza que “se uma guerra for desencadear-se, é dever da classe trabalhadora dos países interessados, é dever dos seus representantes nos parlamentos, com auxílio do Bureau Socialista Internacional, força de ação e de coordenação, empregar todos os esforços para impedir a guerra por todos os meios que lhes pareçam mais adequados e que variam, naturalmente, segundo a gravidade da luta de classes e a situação política geral. Se a guerra chegar, apesar disso, a estalar, tem o dever de esforçar-se para fazê-la cessar imediatamente e de utilizar de toda a energia de que forem capazes, da crise econômica e política gerada pela guerra para agitar as camadas sociais mais profundas e precipitar a queda do domínio capitalista”.
O espírito da Resolução de 1907 é atenuado em 1910, quando a Conferência de Stuttgart diz que a classe operária é o “único inimigo da guerra com que se pode contar”; o de Copenhague (1910) atenua mais o texto e proclama “que a classe operária tem maior interesse que as outras classes em opor-se à guerra, embora só o proletariado organizado disponha de força suficiente para garantir a paz. E indica, por fim, que se as guerras não podem ser completamente abolidas enquanto o capitalismo não acabar por completo, podem, no entanto, ser diminuídas a partir deste momento em frequência e intensidade”.
O Congresso Extraordinário de Bäle continua a tomar posições atenuadas, indicando aos operários a necessidade de que façam ouvir suas vozes e reivindicações: “elevai com toda vossa força o vosso protesto unânime nos Parlamentos; uni-vos em manifestações e atos de massa, utilizem todos os meios que a organização e a força do proletariado põem em vossas mãos, de modo que os governos sintam constantemente diante de si a vontade atenta e atuante de uma classe trabalhadora resolvida a defender a paz. É preciso opor, assim, ao mundo capitalista da exploração e do crime às massas do mundo proletário da paz e da união dos povos” (13).
Analisando a posição socialista sobre a guerra, vemos que a luta travada é uma constante no movimento operário e que se dá em todos os seus níveis de organização. O que os distingue é a estratégia e a tática utilizadas por cada um, ao qual se acrescenta o seu lado ideológico. Definidos na sua totalidade, levanta-se a questão da relação entre a definição e a ação pragmática. Em que medida a denúncia do perigo de guerra se desdobra em ação contra a guerra, ou seja, em que medida passa-se da análise crítica à luta contra a guerra? Como adotar a tática a ser utilizada, como lutar contra o sistema capitalista? O mês de julho de 1914 é um momento em que, em cada partido, em cada sindicato, em cada consciência proletária surgem reações amplas e conflitantes que confirmam ou não parte da herança acumulada nos últimos 50 anos da história européia.
Localizamos os acontecimentos em julho de 1914 porque neste mês os fatos se precipitam e as correntes operárias se definem diante do problema. É a partir do atentado de Sarajevo, a 28 de julho, quando morrem o Arquiduque François-Ferdinand, herdeiro do trono da Áustria, e sua mulher, que a crise se acelera, criando situação mais grave que as anteriores, como nos casos do Marrocos e dos Bálcãs. Aproveitando-se da crise, a Áustria se aproxima mais da Alemanha e, certa do seu apoio, envia ultimatum à Sérvia, no dia 23 de julho; em 25, a Áustria rompe relações com a Rússia e convoca seus reservistas; em 1º de agosto é a vez da França e da Alemanha fazerem o mesmo, na hora em que a Germânia declara guerra à Rússia consolidam a Entente Cordial, enquanto a Alemanha e a Áustria, que formam parte da Tríplice Aliança, não conseguem levar a Itália a acompanhá-las na declaração de guerra.
No começo de julho de 1914, as diversas correntes socialistas ainda acreditam que a crise será superada como em outros momentos passados, enquanto isso a realidade demonstra que a um momento trágico sucedem-se outros mais trágicos. Assim, nas duas primeiras semanas de julho, os socialistas acompanham os acontecimentos ainda certos de que a paz sobreviveria a todos esses acontecimentos. A certeza advém de algumas das reações que começam a aparecer na França e na Alemanha, como resultado das Conferências realizadas pelos socialistas alemães e franceses, em Berna (1913) e Bäle (1914). Esses conclaves são seguidos da reunião preparatória ao Congresso Extraordinário de Viena, da Internacional Socialista, marcada para 23 de agosto de 1914. Para preparar o evento, os franceses se reúnem em Paris, nos dias 15, 16 e 17 de julho, e votam pela greve internacional. A Resolução vencedora reza que o “Partido Socialista (seção francesa da Internacional Operária) considera a greve geral espontânea dos trabalhadores de todos os países, combinada com a propaganda contra a guerra entre as massas, como o meio mais apropriado para impedir a guerra e impor a arbitragem internacional do conflito” (14).
Outro esforço é a reunião do Bureau Socialista Internacional, em Bruxelas, em 28 de julho. Nela comparecem delegados de Alemanha, França, Bélgica, Inglaterra, Polônia, Rússia, Itália, Suíça, Áustria-Hungria, Dinamarca e Espanha. Estão presentes Jaurés, J. Guesde, Vaillant, Jean Longuet, Marcel Sembat, Haase, Rosa Luxemburgo, Victor Adler, Nemec, Keir Hardie. Adler diz que a guerra contra a Sérvia é popular na Áustria e que o Congresso da Internacional, marcado para Viena seria impossível nestas condições. Haase diz que se deve prosseguir na luta contra a guerra, na Alemanha. É essa a opinião de Jaurés sobre a França. À noite, em comício, falam Rosa Luxemburgo e outros delegados (15).
Na Alemanha, o Partido Social-Democrata se reúne no dia 28, após o ultimatum da Áustria à Sérvia (23 de julho, só divulgada no dia seguinte). Ele é seguido de outro, do próprio Comitê Diretor, no dia 31. Nesta hora existe a certeza de que haveria mobilização militar alemã. Os socialistas realizam então comícios e o Comitê Diretor se reúne. Enquanto esperam a notícia sobre a mobilização militar, o órgão máximo do Partido (C. D.) contacta o grupo parlamentar para avaliar o problema dos créditos de guerra. Haase e Ledebour procuram apoio entre os companheiros para votar pela recusa; Fischer e Molkenbourg são a favor da concessão dos créditos para o governo. E todos concordam em que se envie o camarada Müller a Paris, via Bruxelas, para ouvir – e, também convencer – o Partido Socialista, para que os socialistas franceses aceitassem tomar posições iguais às do Reichstag Alemão. A chegada do enviado alemão a Paris, acompanhado de Huysmans, secretário do Bureau Internacional Socialista, provoca estupor. Nesse dia, 1º de agosto, Müller recebe a notícia do assassinato de Jaurés (31-07) mas, mesmo assim, ele entra em contato com os delegados franceses (16).
“Karl Liebknecht e Clara Zetkin votam contra os créditos de guerra”.
A esperança de que os franceses e alemães pudessem se manifestar conjuntamente contra a guerra se mostra quimérica. Fora os comícios e outros atos praticados, nem o Partido Socialista Francês, nem o Partido Social-Democrata Alemão dão mostras, neste último mês de paz, de que estivessem dispostos a boicotar as pretensões das classes dirigentes. Com o fracasso das últimas tentativas, tudo faz crer que o conflito é inevitável. A última esperança se dá no dia 31 de julho, quando Jaurés, acompanhado de Bedouche Cachin, Bracke, Longuet, Compere-Morel, Vaillant e Renaudel procuram o subsecretário do Ministério das Relações Exteriores, para avaliar as obrigações internacionais da França – na verdade, a Aliança com a Rússia – e saber o que fora feito até então para evitar a guerra. Também nesta noite de 31, Jaurés é morto e o Partido Socialista se reúne com o delegado alemão em 1º de agosto, como vimos.
A partir de 1º de agosto, os partidos socialistas mostram a verdadeira face de suas intenções. Num mesmo momento, o Partido Socialista Francês, o Partido Socialista Belga, a Social-Democracia Alemã, a Social-Democracia Austríaca etc, aderem aos seus respectivos governos. O pretexto de cada um deles é de que estariam se defendendo contra a hostilidade de um inimigo, isto é, adotam posição defensiva, contra a ofensiva de seus contrários: jogando com este critério, a Alemanha teria que se defender da ação feudal da Rússia; os franceses revidariam ao autoritarismo prussiano e ao pangermanismo. Em 3 de agosto o PSDA vota a favor dos créditos de guerra, com exceção da minoria composta de Ledebour, Haase, Lensch, Liebknecht, Geyer, Stolle, Peiroles, Emmel, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin, Mehring, Otto Ruhle, Eisner que seguem a linha internacionalista. Na França a adesão à guerra é quase total; contrários são pequeno grupo de sindicalistas, como Alfred Rosmer, Merrhein, Pierre Monette. Na Rússia, os bolcheviques mostram-se contrários à guerra; o mesmo não se dá com Plekhanov, nesta hora mais ligado aos mencheviques; e nem com o anarquista Kropótkin, que adere ao social patriotismo. Na Áustria, o fenômeno de adesão inclui Friedrich Adler e outros líderes social-democratas. Desta maneira, a crise dos socialistas e de seus valores ideológicos aparece em profundidade, levando a acreditar no naufrágio dos movimentos de esquerda.
* Historiador, professor da FFLCH-USP.
Notas
(1) ROVAN, Joseph. História da Social Democracia Alemã, p. 68-69. O grifado está no original.
(2) ROVAN, Joseph. Ibidem, p. 95.
(3) Os congressos seguintes se dão em 1893, 1896, 1900, 1904, 1907, 1910 e 1912.
(4) Ver Edgard Carone, A II Internacional pelos seus Congressos (1889-1914). (A sair)
(5) SCHEIDEMANN, Philipp. L’Effondremant, p. 10-11.
(6) A literatura retrata bem o aspecto de horror e de repúdio à guerra: O Fogo, de Henri Barbusse; A Cruz de Madeira, de Roland Dorgelès; Nada de Novo no Front, de Remarque.
(7) ZEVAÈS, Alexandre. Le Parti Socialiste de 1904 a 1923, p. 48. O Congresso é de 1893.
(8) ZEVAÈS, Alexandre. Ibidem, p. 48-49.
(9) Idem, Ibidem, p. 50-51.
(10) ZEVAÈS, Alexandre. Ibidem, p. 52.
(11) ROSMER, Alfred. Le Mouvemen Ouvrier Pendant la Guerre, p. 93.
(12) ZEVAÈS, Alexandre. Ibidem, p. 78. É discurso de Marcel Sembat, em Congresso de Lyon, do Partido Socialista, em 18-02-1912. Nele comparece delegação alemã.
(13) Os textos são tirados de RIBAS, A. Fabra. O Socialismo e o Conflito Europeu, p. 28-30. Os textos completos estão em: CARONE, Edgard. A II Internacional, Anita Garibaldi e Edusp.
(14) RIBAS, A. Fabras. Ibidem, p. 32.
(15) ZEVAÈS, Alexandre. Ibidem, p. 114-118. Ver o artigo seguinte,onde o encontro é analisado de maneira mais cuidadosa.
(16) Sobre o Relatório de Müller, ver o artigo seguinte.
EDIÇÃO 28, FEV/MAR/ABR, 1993, PÁGINAS 44, 45, 46, 47, 48, 49