A discussão parlamentarismo versus presidencialismo não é inédita na sociedade brasileira. Quando da elaboração da atual Constituição, entre 1987 e 1988, realizou-se rico debate sobre o tema, onde muitos setores afirmaram a opção parlamentarista como sistema de governo mais democrático. Cabe lembrar que a tese parlamentarista foi derrotada ao final derrotada ao final por uma ampla coalizão encabeçada pelo então presidente Sarney, interessado em segurar 5 anos de mandato, com o apoio da imprensa conservadora, de Ulysses Guimarães e dos militares, estes interessados em um sistema de governo no qual é mais fácil controlar o chefe de governo. Concorreram também para essa derrota o PDT e o PT, que votaram pela manutenção do presidencialismo.

Mas o debate de hoje tem novos elementos, em parte decorrentes da experiência presidencialista sob os governos Sarney, Collor e agora Itamar. Em parte devido à nova conjuntura política que o influencia fortemente.

Decorridos quase 5 anos desde o término da Assembléia Constituinte, quais os novos elementos para o debate sobre o sistema de governo?

Cresceu a aceitação do parlamentarismo no seio da sociedade brasileira. Podemos afirmar que foi a desastrada experiência do governo de Fernando Collor que deu novo alento à crítica ao presidencialismo enquanto sistema concentrador de poderes no Executivo. A prática do governo Collor desmoralizou o presidencialismo por duas razões: a primeira é que evidenciou o risco presente quando se concentra excessivamente poderes em um indivíduo, com mandato inquestionável durante 5 anos, o qual monta uma quadrilha para assaltar e erário público em proveito próprio e aplica uma política econômica abertamente antinacional e antipopular.

A segunda razão é ter ficado evidente o quão traumática é a solução das crises do presidencialismo, mesmo nesse caso singular com amplas manifestações populares e a vitória do “impeachment”.

Todos os observadores são unânimes em afirmar que desde o mês de agosto o presidente era completamente minoritário na opinião pública e no parlamento, mas só 5 meses depois é que seu afastamento consumou-se. As bravatas de Collor, voltando-se contra os poderes Legislativo e Judiciário, só não tiveram maiores consequências devido ao elevado isolamento do presidente. A crise do governo Collor também evidenciou que a instituição Congresso Nacional é muito mais sensível às pressões e alterações da opinião pública que a instituição Presidência da República.

Aliás, é sintomático a consumação do “impeachment”, a primeira em nossa história republicana e um exemplo para o mundo, não se converter em argumento a favor do presidencialismo. Entre as forças de esquerda é muito difícil argumentar com a existência do instituto do “impeachment” como evidência da natureza democrática do presidencialismo porque é clara a excepcionalidade, política e jurídica, deste recurso. E pela direita como argumentar com as crises inerentes ao parlamentarismo depois desta paralisia governamental exemplar nos marcos do presidencialismo? A própria antecipação do plebiscito – previsto originariamente para setembro – surgiu como manobra no centro conservador tentando evitar o crescimento da corrente favorável ao “impeachment” como solução para a crise do governo Collor. A conversão da Folha de S.Paulo ao parlamentarismo, expressa em editorial de 10 de janeiro, é um exemplo de mudança sob pressão da experiência presidencialista sob o governo de Fernando Collor.

“Presidencialistas apostam na inércia e na indiferença quanto ao plebiscito”.

Outro elemento novo no debate é que o militarismo, uma das tendências responsáveis pela vitória do presidencialismo na Assembléia Constituinte, enfraqueceu-se politicamente. Em parte devido à democratização posterior ao regime militar, mas também devido às mudanças na situação internacional. O fim da guerra fria consequente à desagregação da União Soviética e países do Leste Europeu e à afirmação dos EUA como principal superpotência militar no mundo acarretou mudanças no papel das Forças Armadas dos países dependentes. Nesse quadro o Departamento de Estado dos EUA tem apregoado a criação de uma força militar internacional sob a bandeira de ONU (leia-se EUA) esvaziando assim o papel autônomo de cada força nacional. Além disso o governo Collor encarregou-se de executar uma política adequada a esses novos tempos cortando verbas militares, inclusive aquelas destinadas a projetos tecnológicos estratégicos.

Os militares brasileiros buscam situar-se nessa nova conjuntura. Temporariamente, pelo menos, está enfraquecida a tendência militarista que via no presidencialismo a forma mais adequada para garantir sua influência sobre o poder político.

Mesmo enfraquecida, a corrente presidencialista tem importantes reservas que jogarão papel na decisão plebiscitária. O presidencialismo tem apoio nos projetos pessoais de prováveis candidatos a Presidente da República. Maluf, Antonio Carlos Magalhães, Brizola e Quércia. O próprio Lula, que vinha defendendo o parlamentarismo, animado pelos resultados eleitorais, refluiu na sua defesa, e o PT parece voltar-se ao presidencialismo.

Os presidencialistas jogam também na inércia. Afinal o presidencialismo já é conhecido há mais de 100 anos, e o parlamentarismo é pouco conhecido. É nesse sentido que Leôncio Martins Rodrigues defende a manutenção do presidencialismo arguindo que o “nosso país não mais aguenta tantas mudanças e reformas” (1).

Sistema de governo: um debate antigo

“O regime presidencial é fácil de descambar para o militarismo, máxime entre nós, e muito jeitoso para o manter indefinidamente” – esta crítica ao presidencialismo foi feita há cem anos, em 1893, logo após a inauguração, pela Constituinte Republicana de 1981, desse sistema no Brasil. Seu autor foi o escritor Sílvio Romero, em cartas a Rui Barbosa. Romero elencou nessas cartas os defeitos do presidencialismo: além do militarismo, o sistema é autoritário, irresponsável, leva e mantém no poder “indivíduos medíocres”, favorece a fraude eleitoral e a corrupção, é incapaz de atrair o povo etc. Romero intervinha, assim, no rico debate sobre o sistema de governo que, iniciado já sob o Império, aprofundou-se com a República.

Em 1870, Alberto Sales – irmão do futuro presidente da República, Campos Sales –, dizia, em seu Catecismo Republicano, que o sistema de governo era uma questão importante para a ciência política, mas não ia além disso. Mais tarde, em abril de 1889, Rui Barbosa escreveu que tanto a República quanto a monarquia representativa eram sinônimos de “autogoverno do povo” e, portanto, a diferença entre ambos os regimes era coisa secundária. Tendência semelhante a desconsiderar a questão foi manifestada por Alberto Sales em 1891, quando a República já se consolidava sob o domínio das oligarquias estaduais. Apesar disso, na Constituinte Republicana de 1891 houve setores importantes, como republicanos históricos e antioligárquicos (representados por Nilo Peçanha) e membros de oligarquias regionais, que perdiam espaço na República (como Rosa e Silva, de Pernambuco), que defenderam veementemente o parlamentarismo.

Com a crise institucional e política aberta pela Revolução de 1930, o debate voltou com força. Outro membro da oligarquia pernambucana, Agamenon Magalhães, voltou a defender o parlamentarismo, acusando o presidencialismo de favorecer o predomínio dos Estados maiores e mais ricos. Maurício Medeiros, médico, escritor e deputado federal pelo Rio de Janeiro na República Velha, por sua vez, atacou o presidencialismo, preocupado com a estabilidade política do regime. O presidencialismo, escreveu, é uma “sementeira de revoluções”.

A tradição presidencialista, porém, inspirada no modelo norte-americano, mas extremamente adequada – como temia Sílvio Romero – ao liberalismo republicano antidemocrático e antipopular de nossas elites, levou a melhor neste século de República. Foi interrompida somente no breve interregno parlamentarista de 1961-1963 – quando foi instituído, após o fracasso da tentativa militar de impedir a posse de João Goulart na presidência da República.

O debate sobre o sistema de governo, longe de ser uma questão menor, é esclarecedor das contradições que existem dentro da elite brasileira, e do esforço feito pela classe dominante para encontrar um sistema de governo adequado ao domínio conjunto, sobre a sociedade brasileira, das diferentes facções em que ela se divide – uma realidade semelhante à estudada por Karl Marx na França de meados do século passado.

Norberto Bobbio assegura que, em Marx, não encontramos a preocupação com o sistema de governo – ele tem razão apenas parcialmente: Marx não se preocupou com a questão como o faziam os pensadores liberais, empenhados em encontrar a melhor e mais eficiente forma para o domínio da burguesia. Ao contrário, Marx partia de uma distinção radical entre as várias formas de domínio de classe da burguesia e seus aliados, e o regime revolucionário a ser construído sob hegemonia da classe operária. Nesse sentido, valorizou sem vacilar a forma colegiada, onde os representantes eleitos podiam ser revogados a qualquer momento, encontrada pelos operários parisienses em sua Comuna de 1971.

Quanto ao governo da burguesia, Marx registrava com argúcia as contradições de classe que moviam suas crises. Em relação à república parlamentar, por exemplo, ele diz em O 18 Brumário, que esta é a única forma sob a qual “podiam unir-se os grandes setores da burguesia francesa, e portanto colocar na ordem-do-dia a dominação de sua classe, em vez do regime de um setor privilegiado dela”.

De certa forma, a classe dominante brasileira parece repetir hoje saga semelhante à da elite francesa da época de Marx. Esse esforço para encontrar um sistema de governo, onde os interesses de cada uma das facções possam ser contemplados, na medida de sua força política e social, completa-se com a pretensão de limitar a liberdade de organização partidária e com o golpe que se prepara contra a verdade eleitoral com a introdução do voto distrital (atingindo, assim, principalmente os setores populares e progressistas).

Da mesma forma como, no passado, a elite brasileira decidiu-se pelo presidencialismo como forma mais adequada a seu domínio, hoje ela procura no parlamentarismo a fórmula de um governo estável, barato, flexível o suficiente para enfrentar crises sem ameaçar a governabilidade.

A escolha do sistema de governo está intimamente ligada à complexidade alcançada pelo desenvolvimento social e político de uma sociedade, à necessidade de contemplação dos interesses díspares que tentam impor ao governo seus programas particulares. Nesse sentido – sem jamais perder de vista o objetivo final da luta dos trabalhadores, a superação revolucionária do capitalismo e do Estado da burguesia – as conquistas democráticas obtidas por nosso povo tornam a situação atual consideravelmente diferente da que existia nos tempos de Marx. Nesse sentido, o parlamentarismo se impõe aos setores mais avançados do povo como o regime que, ao equacionar a partilha do poder político entre as facções da classe dominante, abre um espaço importante para a intervenção política da classe operária e para a defesa de interesses – embora limitada e parcial – dos setores populares democráticos.

José Carlos Ruy Não cabe aqui repetir o óbvio: as mudanças profundas que o nosso país está a exigir. Para Leôncio Rodrigues, a defesa do presidencialismo resume-se ao dito popular: “deixar como está para ver como é que fica”.

Hindemburgo Diniz, defendendo o parlamentarismo, identificou nesta tendência ao imobilismo um lastro de sustentação ao presidencialismo afirmando: “O sistema presidencial de governo, de estrutura rígida, incapaz de assimilar com naturalidade as transformações político-sociais promovidas pelo processo de desenvolvimento econômico, ainda subsiste, no Brasil, escorado em mitos e preconceitos que se alimentam com a tendência do povo em acreditar no que se repete e em evitar a análise da essência do que se tornou dogma” (2).

A conclusão a extrair é de que os presidencialistas apresentam-se sem discurso. Hoje é mais fácil identificar um presidencialista pelas ressalvas que ele faz ao parlamentarismo que pela defesa aberta do presidencialismo. Exemplo dessa carência de argumentação está em recente artigo do senador, pelo PFL-PE, Marco Maciel (3), destacado defensor do presidencialismo. Ele afirma: “às vésperas do século XXI, seremos chamados a decidir uma pauta política do século XIX: a opção (…) entre parlamentarismo e presidencialismo” e que “os males com os quais nos defrontamos não estão no presidencialismo (…), mais importante que mudar forma ou sistema de governo é construir uma nação democrática, solidária, moderna”.

Resta responder qual sistema de governo mais propicia a participação política do povo, requisito indispensável para a construção de uma nação democrática. Sobre essa questão, Marco Maciel não diz uma só palavra em defesa do presidencialismo. Limita-se a apontar riscos de “cenários conturbados” criados pelo parlamentarismo.

“Presidencialismo tende a destruir partidos, parlamentarismo tende a construir”.

Poucas são as defesas articuladas como a que foi feita pelo professor da Unicamp, Luciano Martins (4), que repete o argumento da fraca tradição partidária no Brasil considerando como “suportes previamente indispensáveis ao parlamentarismo” a existência de uma sociedade organizada e de partidos políticos. Mas mesmo no território acadêmico esses argumentos sofrem forte contestação. Em palestra realizada na USP, em 1989, Alfred Stepan, decano da School of International and Public Affairs da Columbia University – New York, que tem realizado análise comparativa entre o presidencialismo e o parlamentarismo, sustentou: “o parlamentarismo é um sistema que constrói partidos e governos, enquanto o presidencialismo os destrói”. Ainda segundo Stepan, o presidencialismo tende ao esmagamento de partidos enquanto o parlamentarismo tende à construção de partidos (5).

Para respaldar sua posição, Stepan realizou interessante levantamento estatístico mostrando que, se tomarmos 41 democracias que funcionaram sem interrupção no mundo entre 1979 e 1988, teremos 37 países parlamentaristas e 4 presidencialistas. Dentre os 37 parlamentaristas, em 25 funcionou o multipartidarismo, em 12 o bipartidarismo. Já entre os 4 países presidencialistas todos funcionaram em sistema bipartidário e nenhum em sistema multipartidário.

Os levantamentos estatísticos serviram também a este autor para refutar a suposta instabilidade inerente ao parlamentarismo. Ele mostrou que “a vida média de um ministro parlamentarista é duas vezes mais alta que a dos presidencialistas; o sistema parlamentar tem uma taxa de retorno de ministros muito maior”. E arguindo sobre a maior legitimidade do sistema parlamentarista, o autor norte-americano finalizou sua palestra propondo que o público refletisse sobre a seguinte proposição medindo sua insensatez: “O primeiro-ministro Sarney governou o Brasil entre 1985 e 1990”.

O plebiscito ocorrerá numa conjuntura política bastante distinta daquela da Assembléia Constituinte. Os setores conservadores da sociedade brasileira adquirem consciência do esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico nacional. Passaram a falar em década perdida referindo-se ao período 1980-1990. Apostaram na saída neoliberal apoiando abertamente Collor, antes e depois de sua eleição. O fracasso do projeto econômico do governo Collor e as críticas às mudanças que Itamar busca imprimir a este projeto são evidências de que as classes dominantes não dispõem de um projeto nacional para a retomada do desenvolvimento econômico. A esquerda, apesar do crescimento na eleição presidencial de 1989, também não dispõe de um projeto desse tipo. É neste vazio político que Itamar Franco, mesmo sem projeto claro, vai acumulando pontos junto à opinião pública no que pese a má vontade de setores das classes dominantes, da grande imprensa e da Rede Globo.

“Adotar sistema alemão é restringir presença popular e progressista no Congresso Nacional”.

Nesta conjuntura delineou-se no centro e na direita do espectro político um “projeto” de sentido preventivo. Trata-se de restringir o quadro de liberdades democráticas vigentes buscando evitar que em uma situação de crise possam crescer soluções efetivamente à esquerda. Não é fácil, contudo, fazer isto abertamente, pois o movimento político que vivemos é fruto da resistência democrática ao regime militar, da campanha das Diretas Já e da eleição de Tancredo Neves, e foi consolidado na Constituição aprovada em 1988. Líderes da direita, como Paulo Maluf, falam abertamente em revisão Constitucional, tendo criado na Prefeitura de São Paulo uma comissão de notáveis para realizar estudos com esse objetivo. Já setores de centro, como o PSDB de Serra e Fernando Henrique, buscam restringir a democracia política tentando “driblar” a Constituição.

A plataforma desse “projeto” é bastante sintética e pode ser expressa no lema da “adoção do sistema alemão” e implica: diminuir a representação parlamentar-popular-progressista com a introdução do voto distrital misto e reduzir o número de partidos criando obstáculos a sua existência através da adoção da chamada “cláusula de barreira”, como pretendem os projetos de João Almeida (PMDB-BA), José Fogaça (PMDB-RS) e do senador Fernando Henrique (6).

Os principais defensores dessas medidas estão no campo parlamentarista, hoje majoritário nas forças políticas, mas encontram-se também entre os presidencialistas. Assim é que Bolívar Lamounier (7) identifica nas elites “uma crescente convicção de que o modelo dos anos 1930 está esgotado, econômica e institucionalmente”. O “projeto” de Bolívar é: “parlamentarismo, como disse, munido de defesas (como a moção de censura construtiva) contra o ato historicamente consumado da nossa fragilidade partidária; representação proporcional, mas num formato operacional distinto do que temos praticado. Parece-me, sob este último aspecto, que a adaptação do modelo alemão seria alternativa apropriada, na medida em que associa o critério proporcional na alocação global das cadeiras a uma mecânica distrital (majoritária) para o preenchimento de metade das vagas, com a prévia exclusão de partidos que não atinjam 5% da votação nacional”.

Já o presidencialista Luciano Martins (8) propõe a manutenção do atual sistema de governo, aliado à melhoria da “representação política, através das reformas eleitoral e partidária”. A título de ilustrar as reformas que tem em mente afirma: “Teremos então o número de partidos reduzido para oito ou 12 (conforme o filtro de 5% ou 3% do voto nacional estabelecido como condição para formar um partido). De sua parte, o presidencialista Paulo Maluf usou o discurso de posse na Prefeitura de São Paulo para defender a adoção do voto distrital e uma ampla reforma partidária (9).

Existe então uma plataforma comum entre presidencialistas e parlamentaristas conservadores: a elitização da representação política com a exclusão de correntes hoje minoritárias. Esta ofensiva conservadora e antidemocrática em curso superpõe-se assim ao plebiscito de abril.

Evidentemente, não há correlação necessária entre parlamentarismo e reformas políticas e eleitorais que visam a restringir o direito de representação política partidária. Existem os que querem forçar esta correlação como Roberto Batochio, presidente da OAB-SP, colocando a adoção do voto distrital e a reforma partidária como pré-requisitos à implantação do parlamentarismo (10). É notável que o deputado britânico J. Arnold, do Partido Conservador, desavisado dessa manobra, tenha defendido a adoção do voto distrital no Brasil, mas “tenha aberto o jogo” sobre os objetivos antidemocráticos desta medida afirmando: “Na Itália (parlamentarista), eles trabalham com listas proporcionais que dão força aos partidos pequenos e frequentemente extremistas. (…) Uma vez decidido seguir um sistema parlamentarista é necessário considerar o método de eleição. Se através de distritos, o que frequentemente resulta em um dos partidos fortes ganhando a eleição, ou o sistema proporcional que permite a fascistas e comunistas conquistarem uma minoria” (11).

Ou seja, para o discípulo de Margareth Thatcher: façamos eleições desde que saibamos o resultado com antecedência. Seguramente Cromwel, o grande republicano britânico do século XVII, tremeu em sua tumba com opiniões como esta.

“Parlamentarismo democrático é resposta popular à ofensiva antidemocrática”.

É sem dúvida uma conjuntura propícia à confusão. As forças populares e democráticas mais avançadas têm hoje uma enorme responsabilidade. A defesa do parlamentarismo é cada dia mais atual. Devemos defender e votar na opção parlamentarista quando do plebiscito. Mas fazer isso desde já sob o lema do “parlamentarismo democrático”, ou da “República parlamentarista democrática” buscando reunir forças na sociedade para contrapor-se à ofensiva antidemocrática em curso. Ofensiva feita tanto sob a bandeira do parlamentarismo quanto do presidencialismo.

É claro que o sistema eleitoral e partidário brasileiro tem distorções. Basta ver o número de eleitores necessários para eleger um deputado federal em São Paulo e por Rondônia. São distorções como estas que devem ser corrigidas para que, ao contrário do que se apregoam os defensores do voto distrital, seja aperfeiçoada a representação proporcional na Câmara Federal. A luta pela correção destas distorções visa ao fortalecimento da liberdade política e não se confunde com esta ofensiva antidemocrática em curso.

Por fim, cabe examinar os argumentos favoráveis ao presidencialismo que circulam entre setores do PT e PDT. Argumenta-se que as eleições presidenciais têm sido os momentos de maior participação política do povo brasileiro e sonha-se com Lula ou Brizola eleito presidente em 1995. A primeira afirmação tem de ser relativizada pela importante participação popular em campanhas não presidenciais como “O Petróleo é nosso”, “Diretas Já” e “Fora Collor”. E no que ela tem de verdade trata-se de constatação do que já existe. É claro que o povo brasileiro tem tido uma participação política mais ampla na eleição presidencial que na eleição de um deputado federal. Afinal vivemos em sistema presidencialista onde o centro do poder político está no presidente e não no Congresso Nacional. Outro será o quadro em sistema parlamentarista onde o eleitor elegerá deputados de partidos que de fato constituirão o governo. Além disso a adoção do parlamentarismo não exclui a eleição direta do Presidente da República, evidentemente com poderes delimitados a certas funções, já que o chefe de governo será o Primeiro Ministro. Esta tem sido a experiência da França e de Portugal, por exemplo.
Já a idéia de que tudo mudará com esse ou aquele líder político na presidência não passa de pura ilusão daqueles que não vêem que a eleição é apenas um momento da luta pela alteração na correlação de forças, de forma a constituir um novo poder político. E esta luta se desenvolverá mais livremente em sistema parlamentarista.

Aliás, esse tipo de ilusão enfrentará um bom teste em escala reduzida, local, a partir de agora com recente eleição de prefeitos de esquerda em médias e grandes cidades sem nenhuma correlação com a eleição simultânea de bancadas expressivas de vereadores progressistas. É o caso, por exemplo, de cidades como Florianópolis, Ribeirão Preto e Natal, onde o prefeito conseguiu eleger um ou nenhum vereador de seu próprio partido.

* Professor da UFBA e editor da Princípios.

NOTAS

(1) RODRIGUES, Leôncio Martins. “Contra o delírio mudancista”, Folha de S.Paulo, 29-11-1992. O professor Leôncio, coerente com sua posição quanto às mudanças também opina contra a introdução do voto distrital, puro ou misto, com o importante argumento de que este sistema “cristaliza currais e diminui a representação política”.

(2) DINIZ, Hindemburgo Pereira. A Monarquia Presidencial. Nova Fronteira, 1984, p. 24. Trata-se de livro fundamental sobre as origens históricas de sistemas de governo, com farta documentação e análise sobre os processos históricos dos EUA e da Inglaterra, onde o autor desenvolve a tese do parlamentarismo como resultado “da evolução da democracia representativa, ao contrário do espécime americano, que se inspirou em um momento intermediário da luta contra o absolutismo monárquico” (p.20).

(3) MACIEL, Marco. “Discutir o passado ou o futuro?”, Folha de S.Paulo, 08-01-1993.

(4) MARTINS, Luciano. “A aventura parlamentarista” Folha de S.Paulo, 03-01-1993.

(5) STEPAN, Alfred. “Parlamentarismo x presidencialismo no mundo moderno: revisão de um debate atual”, Estudos Avançados, 4 (8) 1990, 96-107.

(6) Para uma análise dessas medidas ver matérias de Haroldo Lima, Sérgio Sérvulo e Walter Sorrentino, nesta mesma edição da Princípios.

(7) LAMOUNIER, Bolívar. “O modelo institucional dos Anos 30 e a presente crise brasileira”, Estudos Avançados, 6 (14), 1992, p. 39-57.

(8) MARTINS, Luciano. “A aventura parlamentarista”, Folha de S.Paulo, 03-01-1993.

(9) Folha de S.Paulo, 02-01-1993.

(10) O Estado de S. Paulo, 05-01-1993.

(11) Folha de S.Paulo, 29-11-1992.

EDIÇÃO 28, FEV/MAR/ABR, 1993, PÁGINAS 11, 12, 13, 14, 15, 16