b) Uma vez que a rentabilidade das empresas somente pode ser estabelecida no nível até então alcançado da produtividade, e isso apenas de acordo com o padrão social mundial, e uma vez que esse nível, em virtude da crescente intensidade de capital, está se tornando inalcançável para cada vez mais empresas, ficam paralisados – em um número crescente de países – cada vez mais recursos materiais; desaparece a capacidade aquisitiva correspondente e os mercados que dela resultam, tirando-se, assim, dos homens as condições capitalistas da satisfação de suas necessidades.

c) A ‘força produtiva ciência’ gerada cegamente pelo próprio capitalismo criou, assim, no nível substancial-material potências que já não são compatíveis com as formas básicas da reprodução capitalista, continuando-se, não obstante, a encaixá-las forçosamente nessas formas. A consequência é a transformação das forças produtivas em potenciais destrutivos, que provocam catástrofes ecológicas e sócio-econômicas.

d) Uma vez que essa crise consiste precisamente na eliminação tendencial do trabalho produtivo e, com isso, na supressão negativa do trabalho abstrato pelo capital e dentro do capital, ela já não pode ser criticada ou até superada a partir de um ponto de vista ontológico do ‘trabalho’, da ‘classe trabalhadora’, ou da ‘luta das classes trabalhadoras’. Nessa crise, e em virtude dela, revela-se o marxismo da história como parte integrante do mundo burguês da mercadoria moderna, sendo por isso atingido ele próprio pela crise”.

O autor alemão afirma, ainda, que a Humanidade precisa reconhecer que já “foi socializada de forma comunista no nível substancial-material e ‘técnico’”, embora “na forma errada e negativa, dentro do invólucro capitalista do sistema mundial produtor de mercadorias. Isto é, na forma de um comunismo das coisas, como entrelaçamento global do conteúdo da reprodução humana”. Esse fenômeno, diz ele, não é uma utopia nem um objeto jamais alcançável, mas um fenômeno já presente. Kurz ressalta tratar-se de “uma realidade incompatível com as formas que o sujeito apresenta na superfície”. Esse comunismo, prossegue ele, “é dirigido pela estrutura cega e tautológica do automovimento do dinheiro, que não pode obedecer a nenhuma lógica de necessidades sensíveis, sentindo os próprios sujeitos humanos o contexto em que se encontram como realidade objetivada e extrínseca, dentro da qual somente podem observar e examinar a atuação das leis próprias, da mesma maneira que aquela dos processos naturais”.

Kurz quereria dizer que a lógica da economia impõe-se de forma absolutamente independente em relação à vontade dos homens e que é impossível, dentro deste sistema, conscientizar-se de sua alienação e lutar contra ela e ao mesmo tempo contra o sistema? É por isso que não vê sentido na luta dirigida pelos trabalhadores (sujeito-dinheiro-sem dinheiro)? Seriam esses “sujeitos objetivados” eternamente alienados? Mas por que não, também, aqueles que constituem a “crítica social”? Os críticos sociais estariam imunes ao contágio do sistema? Sem admitir a existência de sujeitos que fazem a História, ainda que não exatamente de acordo com a sua vontade, Kurz, aqui, fica atordoado, confuso, contraditório. Ele próprio é, certamente, um produto desta crise (e produto também das filosofices alemãs), que já derrubou inúmeros marxistas, aqueles que perderam os “paradigmas”. Mesmo que ele seja abstruso na linguagem e às vezes descambe para o impressionismo, é preciso reconhecer sua inteligência e a perspicácia da análise que faz da conjuntura internacional.

Sem ter rumos claros, ele é capaz de apontar a necessidade de um “movimento de supressão”, formado como força social, o que seria possível mediante a “conscientização, que o nível intelectual restabelece o contexto perdido e deixa de considerar os fenômenos de destruição em sua mera particularidade, forma em que já não podem ser superados”. (As dúvidas: quem vai conscientizar? Quem vai educar o educador?) Ele convoca, também, uma certa “razão sensível”, oposta à “razão prática” ou “cínica”, já acomodadas “no automovimento abstrato do dinheiro” (tratar-se-ia de um velho “espírito” da filosofia clássica alemã?) Ele admite mesmo, ainda que criticamente, a eclosão de revoluções “jacobinas”, segundo a “forma geral das históricas revoluções burguesas, inclusive a Revolução de Outubro”, já que a humanidade, é claro, não se entregaria “ao automatismo de uma transformação pacífica do sistema produtor de mercadorias”.

Kurz não apresenta saídas, mas está convencido, e convence fortemente, de que é preciso buscar uma, e que o primeiro passo é a discussão do problema. Não dá para agir como os passageiros do Titanic, que queriam ficar no convés ouvindo a banda tocar, adverte o autor de O Colapso.

Antonio Carlos Queiroz

Notas
(1) SWEEZY, Paul M. Teoria do Desenvolvimento Capitalista, Rio de Janeiro, 3ª edição, Zahar, 1973 (Ver especialmente o capítulo XI, “A controvérsia do colapso”).
(2) BETTELHEIM, Charles. Lutas de Classes na União Soviética, Volumes I e II e III, Publicações Europa-América, 1985 (resumido pelo Retrato do Brasil, agosto de 1988, fevereiro e março de 1989).
(3) MARX, Karl. O Capital, São Paulo, Livro I, Cap. I, p. 53, Abril Cultural, 1983.
(4) Idem.
(5) MARX, Karl. Crítica da Economia Política, citado em SWEEZY.
(6) BIANCHI, Marina. La teoria del Valor desde los Classicos a Marx, Cap. V, Madri, Alberto Editor Corazón, 1975. (Ver também o verbete “trabalho abstrato” no Dicionário do Pensamento Marxista, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1988).
(7) ISTO É, n. 1228, “O cerco dos famintos”, de 14 de abril de 1993, p. 60 e 61.

A privatização das estatais

A privatização das estatais vem pondo na ordem-do-dia a discussão sobre a questão do papel do capital estatal na nossa economia e a quem servem as estatais no Brasil.

Este livro do prof. Alcides Ribeiro de Castro é interessante do ponto de vista de apresentar muitas informações históricas sobre a criação e atuação das estatais no processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Entretanto, não traz uma contribuição efetiva para a compreensão do papel atual e futuro que esse instrumento representa na economia e sua necessária correlação com as classes sociais, especialmente a burguesia brasileira.

O autor identifica corretamente o papel histórico das estatais, a partir da década de 1930, como fundamental na reprodução ampliada do capital, pelo desenvolvimento de setores “(…) de uso coletivo pelos próprios capitalistas, e onde a composição orgânica do capital é muito elevada, sua rotação

EDIÇÃO 29, MAI/JUN/JUL, 1993, PÁGINAS 81