Cuba, uma experiência socialista sob cerco
A revolução cubana vive atualmente o seu momento mais delicado. O impetuoso bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, que já dura 34 anos, foi agravado pelo colapso dos governos burocráticos do Leste Europeu e da URSS, com quem o país mantinha relações comerciais privilegiadas. Cercada por todos os lados, a ilha procura sobreviver, resistindo às dificuldades e desafiando os agourentos que prevêem a derrota iminente desta experiência socialista.
Numa rápida visita a Cuba, no final do ano passado, foi possível constatar o esforço do poder popular para prosseguir na sua trajetória revolucionária. Apesar do desaquecimento da economia, da escassez de produtos e da deterioração dos serviços, a população vive em condições mais humanas e dignas do que as do povo brasileiro. Não há fartura, mas também não existe o contraste tão repugnante entre milhões de miseráveis e uma minoria de tubarões consumistas.
O país continua sendo um exemplo internacional nas áreas da saúde e da educação – onde bate recordes, como no baixo índice de mortalidade infantil. No campo da seguridade social, a própria OIT (Organização Internacional do Trabalho) reconhece o alto padrão de atendimento aos aposentados e o baixo número de acidentes de trabalho. Não há desemprego estrutural. Por mais que se ande pelas ruas de Havana, não se encontra um mendigo ou uma criança abandonada.
Para entender melhor a realidade cubana, suas adversidades e perspectivas, entrevistamos o Professor Hiran Marquetti, 35 anos, vice-coordenador da equipe de pesquisas sobre problemas macro-econômicos da Universidade de Havana. O jovem economista, mesmo não sendo militante do PCC (Partido Comunista de Cuba), é um ardoroso defensor do socialismo e não acredita na possibilidade do retorno de seu país à ordem capitalista mundial.
Altamiro Borges
Princípios: O governo cubano afirma que as dificuldades do país decorrem principalmente do bloqueio imposto pelos Estados Unidos. Mas quais exatamente os efeitos desse bloqueio?
Professor Hiran Marquetti: Eles são multilaterais. Não se reduzem apenas à esfera econômica – que é a mais abordada. Têm conotações políticas, militares, ideológicas e culturais. No campo propriamente econômico, o bloqueio privou o nosso país de diferentes mercados no mundo. Antes mesmo da revolução ter se declarado socialista, o que só ocorreu em 1961, os EUA já haviam cortado suas relações comerciais com Cuba.
Isto nos trouxe sérios prejuízos, já que esse país sempre foi o cenário natural do nosso intercâmbio comercial, até em decorrência da proximidade. É bom lembrar que o governo dos EUA interveio na Guerra de Libertação de Cuba, em 1898, quando os espanhóis estavam praticamente derrotados. De lá para cá, o nosso comércio, tendo como base a exportação do açúcar, sempre foi dependente do mercado americano. Logo após a revolução de janeiro de 1959, os Estados Unidos simplesmente cortaram a importação de açúcar cubano.
O bloqueio que atingiu todos os setores da economia obrigou Cuba a procurar novos mercados. Naquele momento, ele só não foi sentido de forma mais abrupta porque passamos a comercializar com a União Soviética, inclusive com preços favoráveis. Este deslocamento, no entanto, também teve seus efeitos negativos. Ele nos obrigou a redesenhar toda a nossa estratégia de desenvolvimento econômico, que passou a ser montada com base no mercado soviético.
É preciso ressaltar que o bloqueio não afetou apenas as nossas exportações de açúcar. Reduzindo as divisas do país, ele nos privou de ter acesso às matérias-primas essenciais, às peças de reposição e à maquinaria indispensável para o nosso crescimento. Os EUA proíbem que o nosso país adquira produtos com origem tecnológica americana. Mercadorias com componentes ou matérias-primas cubanas também têm a sua circulação sabotada e boicotada.
Princípios: Só para ilustrar: um produto que tenha como matéria-prima o níquel cubano não pode ser comercializado em nível internacional?
Professor Hiran Marquetti: Exatamente. Isto é o que os Estados Unidos impõem ao mundo, mas atualmente nem todos os governos ou empresas aceitam este tipo de intervenção. Agora, esta legislação prejudica, e muito, as nossas relações comerciais. Recentemente o Instituto Nacional de Investigação Econômica divulgou um estudo pormenorizado, setor por setor, sobre os reflexos do bloqueio. Ele aponta que, nos mais de 33 anos de cerco, Cuba teve um prejuízo de aproximadamente 40 bilhões de dólares.
Isto sem contar que alguns custos são difíceis de calcular. As ameaças constantes de invasão, por exemplo, nos obrigam a ter gastos com manobras militares. Há também os danos causados pelas atividades de sabotagem, patrocinadas pelos Estados Unidos. Se desse para calcular estes gastos, os prejuízos do bloqueio seriam muito superiores aos 40 bilhões de dólares.
Princípios: Com a aprovação da chamada Lei Torricelli, a situação de Cuba deve ficar ainda mais difícil, agravando o isolamento?
Professor Hiran Marquetti: É difícil prever os reflexos da Lei Torricelli. Inclusive porque os Estados Unidos são uma potência em declínio e em profunda crise econômica.
“Regras elementares de comércio internacional são violadas pelo bloqueio americano”.
Esta lei proíbe que qualquer navio que tenha ancorado em Cuba realize operações comerciais, num prazo de 180 dias, em portos dos EUA. Ela prevê pesadas sanções econômicas para as filiais americanas que façam negócios conosco. No caso dos países que dependem da “ajuda” dos Estados Unidos, a lei faz inúmeras chantagens. O governo fala até em conceder certos privilégios comerciais, desde que tal país rompa imediatamente as relações com Cuba.
Só o tempo dirá se os outros países aceitarão essa imposição. É evidente que se ela vingar as consequências serão dramáticas. O objetivo da Torricelli é aumentar o isolamento de Cuba, sufocando nossa economia, para gerar o descontentamento popular e a desestabilização do governo.
Ela fere todas as regras do comércio internacional. Como Cuba, apesar da Legislação anterior, estava conseguindo manter um certo intercâmbio comercial, a nova lei tenta reforçar os mecanismos do bloqueio. Em 1991, a exemplo do ano anterior, o nosso país teve um comércio com filiais americanas superior a 700 milhões de dólares.
A Torricelli quer exatamente impedir este tipo de comércio, evitando o natural relaxamento que o bloqueio sofreu com o passar do tempo.
Como se observa, esta lei promove a total ingerência dos EUA nos negócios internos de cada país. É um atentado à soberania das nações. E não é o primeiro. Recentemente a Suprema Corte aprovou uma lei que dá direito aos Estados Unidos de prender um cidadão que tenha cometido “delito grave” em qualquer parte do mundo. Esse precedente indica o acirramento da agressividade dos EUA, que se consideram os donos do mundo.
Princípios: A escassez de mercadorias é uma realidade em Cuba. O desaquecimento da indústria e mesmo da agricultura, com o retorno da tração animal, também é visível. Nesse aspecto pode-se dizer que o bloqueio tem conseguido minar a economia cubana, alcançando seu objetivo de enfraquecer o atual governo?
Professor Hiran Marquetti: Não dá para esconder as enormes dificuldades do país. Apesar dos seus efeitos maléficos, entretanto, não acredito que o bloqueio tenha rendido os frutos desejados pelos Estados Unidos. Ele não permitiu a derrota da revolução e nem mesmo o desgaste da figura de Fidel Castro. Muito pelo contrário. Este assédio econômico e político fortaleceu os atuais dirigentes do país, reforçou a unidade de povo e, sobretudo, aumentou o nosso sentimento antiimperialista.
Penso que este cerco desumano e cruel não atingiu seu objetivo e nem vai consegui-lo. Será muito difícil, sob qualquer circunstância, minar o socialismo em Cuba. O povo participa ativamente da vida da nação, tem consciência de que as conquistas da revolução seriam totalmente anuladas com o retorno ao capitalismo. Mesmo que o poder popular percorra outros caminhos, para salvar a revolução, a maioria da população saberá suportar os sacrifícios.
Em recente editorial, o Gramma, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba, alertou para a possibilidade de novas tentativas de invasão ao nosso país, a partir da aprovação da Lei Torricelli. Ela poderia ser utilizada pelos Estados Unidos como um mecanismo para levantar a bandeira da “ajuda humanitária”, tendo em conta o aumento das dificuldades de abastecimento no país.
Se esta agressão militar ocorrer, penso que o povo dará uma resposta à altura. Quando do desembarque de mercenários americanos na praia de Giron, em abril de 1961, em menos de 72 horas os cubanos derrotaram os agressores. Hoje a revolução está mais consolidada, apesar de todas as dificuldades. Os próprios EUA sabem disso, por isso que insistem na política de afogar nossa economia e, até agora, não ousaram em novas aventuras militares.
Princípios: Um aspecto que gera muita controvérsia é o do forte vínculo de Cuba com o Leste Europeu, em especial com a ex-União Soviética. Esta questão ganhou ainda maior importância com a falência daqueles regimes burocráticos, o que aumentou as dificuldades da ilha. Não houve uma dependência econômica excessiva de Cuba com relação a estes regimes?
Professor Hiran Marquetti: Esta questão merece um estudo mais aprofundado. Desde o início, a revolução cubana traçou como objetivo estratégico a independência econômica do país. Ocorre que este processo tem que levar em conta as nossas particularidades, as limitações objetivas e as circunstâncias internacionais. Foi uma revolução numa nação subdesenvolvida, com insuficiência de matérias-primas, sem recursos energéticos e com pouca capacitação humana. Tudo isto agravado pelo bloqueio.
“Condições objetivas, na prática, condicionaram certa dependência aos países do Leste”.
Neste quadro o caminho a percorrer para conseguir a independência econômica é demorado e custoso. Na prática, as condições objetivas nos condicionaram a um determinado nível de dependência dos países socialistas do Leste Europeu, em particular da União Soviética. Penso que algumas atitudes da antiga URSS, inclusive, propiciaram o fenômeno da dependência. Elas reforçaram uma certa especialização da economia cubana, privilegiando a exportação do açúcar.
De todo o volume de comércio com aqueles países, 63% correspondiam à exportação do açúcar. No último período, exportamos mais de 3 milhões de toneladas anuais deste produto para a União Soviética. Era um mercado muito importante, que nos garantia a aquisição de outros produtos básicos para o funcionamento da nossa economia. Além disso, as condições de comércio eram favoráveis.
É verdade que já existiam problemas, que necessitam de melhores explicações. Alguns produtos fabricados em Cuba, por exemplo, tinham dificuldades de penetrar naqueles mercados – o que impedia a diversificação da nossa economia. A nossa exportação era limitada – açúcar, níquel, cítricos. Além disso, não tínhamos acesso fácil às tecnologias mais avançadas. Estes fatores acabaram por criar um certo nível de dependência, principalmente em relação à ex-URSS.
Apesar de tudo isso, não penso que Cuba tenha se acomodado. Ela prosseguiu no seu esforço de alcançar a independência – num mercado mundial que está totalmente interligado. A própria relação comercial com o Leste Europeu permitiu grandes avanços na nossa economia. Nós aproveitamos as possibilidades existentes para industrializar o país, para torná-lo mais estruturado. Agora, o processo de independência, como já disse, é complexo e prolongado, em especial num país como o nosso, subdesenvolvido.
Princípios: Com o desmoronamento do Leste Europeu, esta busca de independência e da auto-suficiência fica ainda mais difícil?
Professor Hiran Marquetti: Hoje Cuba vive uma situação curiosa. Ela não tem vínculo com nenhum bloco mundial. Pertencíamos ao bloco soviético, que desapareceu. E não temos vínculos com o bloco capitalista, cujo expoente, os EUA, tenta nos sufocar economicamente. Nosso grande esforço é no sentido de furar este bloqueio, procurando novos parceiros comerciais. Nossos sócios naturais são os países da América Latina, mas estes também enfrentam graves crises.
A situação é muito difícil, mas temos procurado superá-la. Os programas econômicos em curso têm o grande objetivo de conseguir divisas, que nos possibilitem a importação dos produtos necessários para a nossa sobrevivência e desenvolvimento. Além do programa agro-alimentário, que visa a garantir a comida na mesa dos trabalhadores cubanos, estabelecemos como prioridades o aumento da produção de açúcar e níquel, o desenvolvimento do turismo e da indústria de medicamentos e da biotecnologia. Todos estes setores nos garantem divisas.
“Socialismo se mantém em Cuba porque se baseia numa grande equidade na distribuição dos bens”.
Princípios: Como você mesmo afirma, é uma estratégia de sobrevivência?
Professor Hiran Marquetti: Exatamente. E não é só de sobrevivência econômica. É, acima de tudo, de sobrevivência do socialismo cubano. Todas as medidas caminham neste rumo: o de preservar o nosso projeto socialista, a nossa independência nacional. Este é o objetivo fundamental. Desta forma é que são encaradas as próprias dificuldades econômicas atuais. O governo e o povo cubano não aceitam o retorno das leis capitalistas, o reinado do mercado que beneficia uma minoria privilegiada.
Aqui não são aplicadas as medidas neoliberais. Enfrenta-se a crise sem se recorrer ao desemprego, à redução dos investimentos sociais, à privatização e ao fim da soberania nacional. Já no início do processo de deterioração das relações exteriores de Cuba, o governo implementou o chamado período especial. Foram tomadas medidas para ampliar os mecanismos distributivos na sociedade, para aprimorar a igualdade social no enfrentamento da crise.
Hoje se aplica um sistema de racionamento que atinge praticamente todas as mercadorias, menos as que fazem parte da cesta básica da população. Há escassez de vários produtos de consumo, mas não existe fome ou miséria. Esse ajuste leva em conta as particularidades da revolução cubana, que não permite a polarização entre riqueza e pobreza – como ocorre na América Latina.
O socialismo se mantém em Cuba exatamente porque se baseia numa grande equidade na distribuição dos bens produzidos. Este sistema criou uma espécie de colchão amortecedor, que evita os traumas políticos no país. Apesar de estarmos passando por uma fase de deterioração de nossa economia, a partir principalmente dos problemas externos, este mecanismo distributivo permite que a população não seja afetada pela crise.
Os indicadores de níveis de vida da população, por exemplo, não foram afetados drasticamente. No aspecto alimentício ou nos serviços de saúde e educação não se observam pioras sensíveis. Levando em conta a grave situação econômica que o país atravessa, as consequências sociais foram, comparativamente, mínimas. Eu costumo dizer que o nosso país vive hoje num tipo de comuna primitiva, em que não há fartura, mas também não existe miséria ou exploração.
Princípios: E o perigo da burocratização do regime, que tantos danos causou às outras experiências socialistas. Você diria que Cuba não corre este risco?
Professor Hiran Marquetti: Uma das marcas da revolução cubana é o seu permanente processo de crítica e autocrítica, o seu revolucionarismo. Nos anos 1980, por exemplo, o governo deu início ao processo de “retificação dos erros e das tendências negativas”. Entre outras coisas, ele abordou alguns sintomas negativos no funcionamento da sociedade que derivaram do modelo de administração usado no Leste Europeu, que era burocrático e tecnocrático.
A aplicação deste modelo teve efeitos negativos não só na economia, onde se implementava um planejamento rígido e centralizado. Ele também afetou a esfera social e política – conforme foi reconhecido no III Congresso do PCC. O governo sempre procurou evitar as distorções burocráticas. Algumas figuras importantes do partido e do Estado cubano, inclusive, já foram afastadas de suas funções em virtude de erros graves cometidos.
Evidente que não atingimos a perfeição. Não estamos imunes a erros. Mas o povo tem vários mecanismos de controle. Além disso, a trajetória da revolução cubana é muito rica neste aspecto. Ela evitou que se criasse uma casta de burocratas, de quadros de responsabilidade afastados do povo. Os fenômenos de corrupção ou de abuso do poder, comuns no Leste Europeu, sempre foram duramente combatidos em Cuba. E nisto teve grande importância a figura do comandante Fidel Castro. Logo após o triunfo da revolução, várias medidas foram tomadas para evitar a proliferação do fenômeno do culto à personalidade. Você pode caminhar por todo o país e não encontrará nenhuma rua, praça ou escola que tenha o nome de um dirigente vivo da revolução. O governo evita a todo custo o uso de fotografias ou outras imagens visuais que se identifiquem com as autoridades políticas cubanas. O retrato oficial, por exemplo, é proibido em Cuba.
“Cuba tem 170 centros de pesquisa científica e mais de 40 centros de educação superior”.
Em decorrência disto, eu não acredito no perigo da burocratização. Cuba vive uma situação difícil, de crise econômica. Mas, do ponto de vista político, não há contestação ao governo. Remotamente você poderá falar em crise política. Aqui o esquema de partido único funciona, ele corresponde às expectativas da nação e à nossa tradição histórica. Ele satisfaz os interesses da maioria e permite que se caminhe de forma unida em defesa do nosso projeto socialista.
Princípios: Fazendo o papel de advogado do diabo, você não está sendo muito otimista, muito seguro em relação à unidade do povo em torno da defesa da revolução? As dificuldades econômicas não afetariam a população, principalmente a juventude, que não tem acesso ao consumo e pode perder as perspectivas de futuro?
Professor Hiran Marquetti: É lógico que o bloqueio dos EUA visa a debilitar a capacidade de resistência do povo cubano. Sua propaganda ideológica quer atrair a juventude para uma visão consumista. Entretanto, o que se observa é que quanto mais eles intensificam o bloqueio, quanto mais eles apresentam o mercado capitalista como um paraíso, mais aumenta a unidade do nosso povo. O sentimento nacional é muito forte em Cuba. O povo não se ilude facilmente. Ele sabe o que ocorre no resto do mundo.
Temos uma história de mais de 30 anos de resistência. Não é pouco tempo. Nesse período, a juventude sempre demonstrou grande capacidade de luta, muita consciência. Isso não quer dizer que alguns jovens não se sensibilizem com a ilusão consumista. O próprio turismo, que é uma necessidade atual da nossa economia, gera certas distorções. Mas eu tenho certeza de que a maioria da juventude cubana está identificada com as idéias do socialismo.
Você teve oportunidade de participar de algumas manifestações contra a Lei Torricelli. A maioria destes atos foi organizada por pessoas jovens. Com sua alegria e colorido, elas são quem garantem a grande presença nestas manifestações. E isto apesar de a juventude, assim como o restante da população, estar passando por dificuldades. Ela realmente não tem acesso a determinados produtos de consumo, alguns inclusive que, no passado, existiam no mercado.
Entretanto, ela sabe que tem garantidos a alimentação básica, o estudo gratuito, o emprego, os melhores hospitais, o lazer. Esse nível de consumo, que não está assegurado para a maioria esmagadora da população mundial, o povo cubano tem garantido. Por isso não vejo possibilidade de que nossa juventude se converta numa “quinta-coluna”, disposta a derrubar o governo do nosso país. Muito pelo contrário. Ela apóia as prioridades nacionais.
Princípios: Para encerrar, na sua opinião quais as perspectivas de Cuba?
Professor Hiran Marquetti: Do ponto de vista internacional, o cenário não é nada positivo. Estamos tentando reconstruir nossas relações exteriores em condições nada favoráveis. Mesmo assim, temos grandes potencialidades. Em primeiro lugar, porque nossos recursos humanos são altamente qualificados. Um em cada 15 membros da população tem nível universitário, um em cada oito tem nível médio ou secundário. Atualmente Cuba possui 170 centros de investigação científica, mais de 40 centros de educação superior, como as universidades.
Este é um formidável patrimônio do povo cubano, que o coloca em condições de concorrer no disputado mercado internacional. Além disso, nas três décadas de revolução foram feitos altos investimentos na infra-estrutura do país – cerca de 63 trilhões de pesos. É um volume substancial de aplicações em equipamentos, indústrias, estradas, na agricultura e na esfera social. Só na saúde e na educação foram gastos cerca de 40 trilhões de pesos. Isto influencia na hora de medir o peso da economia cubana, na sua capacidade produtiva.
Por último, temos as prioridades de que já falei: o programa agro-alimentário; o aumento da produção de derivados de açúcar e do níquel; o turismo; a indústria de medicamentos e a biotecnologia. Necessitamos adquirir divisas para importar os produtos essenciais para o nosso desenvolvimento. É evidente que as medidas em curso não terão retorno imediato. Recolocar 80% da nossa produção num novo mercado mundial não é tarefa simples. Demanda tempo.
O que quero dizer é que nossas perspectivas são contraditórias. Uma certa mescla. De um lado, atravessamos um momento de crise econômica e temos as nossas limitações objetivas. De outro, possuímos enormes potencialidades. A nossa capacidade exportadora, por exemplo, é real. As medidas que estão sendo tomadas já começam a amadurecer, a apresentar os primeiros resultados. Com o tempo, isto permitirá recuperar a nossa capacidade produtiva, melhorar a situação econômica e atender melhor as necessidades do nosso heróico povo.
* Economista, vice-coordenador da equipe de pesquisas sobre problemas macro-econômicos da Universidade de Havana.
** Jornalista e presidente do CES (Centro de Estudos Sindicais).
EDIÇÃO 29, MAI/JUN/JUL, 1993, PÁGINAS 26, 27, 28, 29, 30