A crise do marxismo e sua influência no desenvolvimento de uma concepção educacional de base marxista
ERIC HOBSBAWN (O marxismo hoje: um balanço aberto, 1989): Considera inevitável o processo de transformação vivido pelo marxismo, ao tornar-se referência universal de todos os críticos do capitalismo, ao ser tomado como força política na luta pelo socialismo, ao passar pela formalização, estabilização e simplificação pedagógica e ao constituir-se como disciplina escolar. Nesse processo, dá destaque especial ao deslocamento do marxismo do movimento operário para a intelectualidade.
Considera que a crise é interna à própria teoria, à medida que tornou-se impossível sustentar duas teses: a de que a economia socialista tinha se saído vitoriosa e a de que o capitalismo representava o modelo de derrota iminente. Essa crise, no entanto, não significa o fim do marxismo e nem poderá negar o poder de atração e de influência dessa teoria, que também soube, segundo o autor, dar resposta a vários problemas, como a questão do imperialismo e a problemática do chamado Terceiro Mundo.
J. CHASIN (Marx – da razão do mundo ao mundo sem razão, 1988): O autor diagnostica uma corrosão da herança marxiana, manifestada na alteração da integridade ontológica e lógica da teoria, que teria sofrido mutilações com a introdução de intercalações e novos ordenamentos e com as omissões de elementos importantes. Duas causas seriam responsáveis por tal fenômeno: a crise global do movimento comunista e a postura intelectual. Essa última marcada pelo terror da certeza e pela revolta do dessaber, com origem na dupla crise ou dupla barbárie do mundo atual, ambas gestadas pelo capital (o capitalismo contemporâneo e o socialismo de acumulação). Esse panorama histórico torna a atual crise do marxismo diferente da de outras épocas. Duas questões, em especial, precisariam ser resgatadas: as relações recíprocas entre ciência e filosofia, e os laços entre Marx e Hegel. Partindo do pressuposto de que nenhuma transição socialista foi materializada até hoje, propõe como re-começo, o re-encontro com Marx, e o re-encontro de classe, com a re-tomada da razão do trabalho como potência central da ação política.
RICARDO ANTUNES (Poder e transição – a atualidade de Marx frente aos dilemas do socialismo): Ao retomar as características do poder operário na sociedade de transição, apontadas por Marx, o autor conclui que a experiência do desenvolvimento do Estado no chamado socialismo de acumulação, de inspiração staliniana, não permitiu a implantação e a consolidação da ditadura do proletariado, trazendo um questionamento de fundo para a teoria: a possibilidade de Revolução nos países atrasados.
ISTVANS MÉSZAROS (Poder Político e dissidências nas sociedades pós-revolucionárias): O autor analisa a problemática da crise do marxismo, tendo como centro a questão do poder político. E, como problema básico, a sobrevivência nas sociedades pós-capitalistas, da necessidade de produção do capital e da reprodução da divisão hierárquica do trabalho. Considera necessário retomar a forma como Marx trabalhou as relações entre indivíduo e classe e sua preocupação com a questão da emancipação do indivíduo social.
LÚCIO COLLETTI (Ultrapassando o marxismo e as ideologias, 1979): O autor parte do pressuposto de que há um conflito entre marxismo e ciência em dois pontos básicos: não seria cientificamente correto concordar com a idéia de que a realidade é intrinsecamente contraditória (as contradições seriam indícios de erros subjetivos) e não seria possível aceitar a tese de que só a dialética, a lógica dos contrários seria competente para a compreensão da realidade. O materialismo dialético seria, ainda, inconsistente, por representar um mal entendimento e um decalque da filosofia de Hegel e, com relação à concepção da história, ocorria num finalismo e num teleologismo de caráter determinista. Os três elementos centrais da crise do marxismo seriam: a lógica da dialética e a consequente falta de um conceito rigoroso de ciência; a teoria política, ou a falta dessa teoria abarcando as instituições políticas modernas, levando inclusive ao desenvolvimento selvagem do poder nos países socialistas; e, por último, a teoria econômica, impossível de ser considerada científica, pois apóia-se na teoria da alienação e do fetichismo, que só tem sentido dentro do finalismo dialético hegeliano.
NORBERTO BOBBIO (Qual socialismo – debate de uma alternativa, 1979): Centrando na análise da teoria política do marxismo, o autor a considera frágil e com desenvolvimento fragmentado, já que os teóricos preocuparam-se mais com problemas relacionados com a conquista do poder, o partido, o modo de ser ou não ser marxista, a importância dos sujeitos e menos com as instituições e com o Estado. Por outro lado, o abuso do princípio de autoridade, ao considerar Marx sempre certo e os adversários sempre errados, impediria uma análise mais profunda da obra marxista e a percepção de inovações teóricas vindas de outros autores.
FLORESTAN FERNANDES (Nós e o marxismo, 1988): Admitindo a existência da crise do marxismo, o autor adverte para a necessidade de distinguir quando a crise resulta do próprio crescimento da teoria e de quando se trata de um produto da mistificação ideológica. Para ele, a crise é um processo normal e necessário, e não pressupõe a negação das idéias de Marx, já que continuam atuais a necessidade da revolução contra o capital, as tarefas políticas da classe operária e a ótica marxista da luta de classe.
DERMEVAL SAVIANI (entrevista): A vitalidade do marxismo, para esse autor, está na persistência dos problemas que formula e na sua capacidade de exercer tanto a crítica externa quanto interna. O não esgotamento do capitalismo seria a principal razão da derrota das experiências socialistas e da frágil elaboração teórica específica sobre esse tipo de sociedade. Os textos teóricos soviéticos tinham como referência predominante a luta contra a ordem capitalista e no campo educacional pouco avanço se conseguiu além da visão liberal de educação igualitária e do conceito abstrato de homem. A ausência do proletariado tanto como força social e, também, como expressão política autêntica é chave para a compreensão do desequilíbrio entre ensino e as necessidades dos trabalhadores. Por não terem se esgotado as capacidades do capitalismo, o socialismo não se realizou plenamente em parte alguma. Mas isso não invalidaria a importância dos estudos sobre essas experiências que, pela primeira vez na história, representaram um projeto social coletivo e consciente, apoiado em uma teoria. Marx não teorizou sobre o socialismo e ainda hoje não se chegou a uma teoria desse sistema social. Falta, por conseguinte, a teorização no campo da educação, mesmo porque as referências disponíveis indicariam que os problemas enfrentados não teriam sido propriamente os da constituição de uma educação autenticamente socialista.
MIRIAM JORGE WARDE (entrevista): Como crise historicamente enraizada, que tem por referência formas sociais saturadas, as deformações da teoria teriam a ver mais com o economicismo stalinista, com a forma como teria sido apropriada, do que com a falência de seus fundamentos. Do ponto de vista educacional, as experiências socialistas apresentam aspectos positivos quantitativa e qualitativamente. No entanto, o dogmatismo, a política de diferenciação social interna ao sistema educacional e a burocratização, fatos que expressavam o que ocorria no âmbito da sociedade, impediram
EDIÇÃO 30, AGO/SET/OUT, 1993, PÁGINAS 72