Teorias físicas indicam nova ordem

BOHM, David. A totalidade e a ordem implicada. Cultrix, 1992, tradução de M. de C. Silva e revisão técnica de N. R. Eichnberg.

Trata-se da tradução brasileira da coletânea de artigos científicos e filosóficos publicada em 1980 com o título Wholiness and the Implicate Order. O autor, norte-americano, notabilizou-se como físico e filósofo. Trabalhou no Brasil – na Universidade de São Paulo – no início da década de 1950, perseguido pelo macartismo dos EUA e faleceu em setembro do ano passado, em Londres, onde residia desde os anos 1960.

Sendo coletânea de artigos escritos em datas diversas cabe registrá-los em ordem cronológica para melhor avaliar a evolução do pensamento do autor. O mais antigo data de 1962 (cap. 4) e apresenta flexão no programa desenvolvido por Bohm, durante a década de 1950, com o propósito de recuperar uma descrição casual, no sentido do determinismo clássico, no âmbito da teoria física dos fenômenos atômicos e moleculares (teoria quântica). Nesse ensaio o autor reconhece as dificuldades inerentes aos modelos que buscou construir, mas ainda não esboça o programa de desenvolvimento da física que veio à luz no início dos anos 1970. Este programa está bem retratado nos capítulos 5 e 6. Bohm vê nas modernas teorias físicas – relatividade e quanta – indicações de uma nova ordem. Seu programa passa pelo questionamento da velocidade da luz como limite para a propagação de sinais, e do caráter de linearidade do formalismo matemático da teoria quântica. Mas ele não mais busca modelos alternativos e sim novas teorias, via princípios gerais expressos através de estruturas algébricas ainda mais gerais que aquelas das atuais teorias físicas. É um programa, ainda em desenvolvimento.

Os primeiros e o último ensaios (cap. 1, 2, 3 e 7) são os mais recentes, mais filosóficos e por isso mesmo de maior interesse para o leitor não especializado. O autor desenvolve a noção de ordem implicada sustentando que “(…) quando se opera com esta categoria (…) começa-se com a totalidade indivisa do universo, sendo a tarefa da ciência derivar as partes abstraindo-as do todo (…)” (p. 236). Mas Bohm não defende um holismo, tão em moda, mas tão simplista, onde o privilégio do todo dilui o papel das partes na construção do conhecimento. Ele próprio introduz, neste sentido, um “(…) princípio da relativa autonomia das subtotalidades” (p. 250). Esta conflito entre parte e todo pode ser melhor raciocinado se, como Amélia Hamburguer, trabalharmos com uma lógica de constituição simultânea onde o recorte que define as subtotalidades adquire significado ao mesmo tempo que são constituídos os nexos destas subtotalidades com o todo.

O autor estende a noção de totalidade indivisa para englobar desde a natureza inanimada até a consciência, passando pela vida. É, a nosso ver, concepção de fundo materialista, que não justifica a tentativa de apropriação que segmentos místicos buscam fazer de seu pensamento. A força e atualidade das idéias de Bohm residem não tanto no detalhamento de suas propostas, mas principalmente na sua crítica renhida à fragmentação dominante no moderno conhecimento.

A tradução deste livro enfrenta dificuldades peculiares, pois Bohm cria novos termos como implicate order e dedica um dos capítulos (o segundo) à experiência com linguagem e pensamento, onde busca romper a estrutura gramatical sujeito-verbo-objeto que dicotomiza sujeito e objeto, para propor estrutura gramatical centrada na própria ação (verbo). Por todas estas razões o leitor se sentirá gratificado com esta leitura.

Olival Freire Jr.

A crise do marxismo e sua influência no desenvolvimento de uma concepção educacional de base marxista – Uma análise exploratória

PEIXOTO, Madalena Guasco, Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de História e Filosofia da Educação da PUC-SP, em 1992.

A autora toma como objeto de análise, de caráter comparativo e exploratório, elementos teóricos de reflexões críticas sobre a crise do marxismo de 10 autores. A maior parte (80%) situa-se no campo marxista: Perry Anderson, Eric Hobsbawn, J. Chasin, Ricardo Antunes, Itsváns Mészaros, Florestan Fernandes, Dermeval Saviani e Miriam Jorge Warde (estes 2 últimos voltados para a produção no campo de educação). Integram, ainda, o grupo selecionado os não-marxistas Lúcio Colleti e Norberto Bobbio.

Com exceção dos dois autores da área da educação, cujas reflexões foram obtidas a partir de entrevistas concedidas à autora, dos demais tomou-se como base para a análise textos escritos nos quais a temática em tela estivesse tratada com destaque. O objetivo deste estudo é apreender e analisar o debate sobre a crise do marxismo, a partir do seu desenvolvimento histórico, com o propósito de identificar seu impacto no campo da teoria e prática da educação, as perspectivas futuras de evolução e desenvolvimento do próprio marxismo e, consequentemente, de uma concepção educacional de base marxista.

Além da síntese do pensamento de cada autor, procurou-se, também, estabelecer alguns critérios referenciadores para uma análise comparativa, tendo em vista a obtenção de uma síntese mais global. Vejamos inicialmente, alguns dos pontos tratados pelos autores selecionados:

PERRY ANDERSON (A crise da crise do marxismo – um debate contemporâneo, 1983): O autor parte do pressuposto de que o marxismo é uma teoria crítica e auto-crítica e de que sua trajetória tem sido determinada pela luta de classe. Destaca o surgimento, nesse percurso, de conjunturas adversas ao seu desenvolvimento, tais como as derrotas operárias na Europa, o fascismo e o stalinismo. Dentre as causas da crise do marxismo ocidental, privilegia a trajetória do marxismo pós-1917 e o afastamento da teoria marxista da prática da luta de classes. Das questões novas, não suficientemente tratadas pelo marxismo, destaca a relação entre estrutura e sujeito e entre marxismo e socialismo.

EDIÇÃO 30, AGO/SET/OUT, 1993, PÁGINAS 71