Há uma área de sombra na história política brasileira das últimas décadas: pouco sabemos a respeito dos clandestinos políticos. Daqueles brasileiros e brasileiras, engajados decididamente na luta contra a ditadura militar e que, devido à sua atividade política intensa e permanente, foram o alvo preferencial da repressão policial. E que, por isso mesmo, tiveram de trocar de nomes, afastar-se de famílias e amigos, abandonar profissões e carreiras promissoras, para driblar a polícia e exercer sua função de vanguarda democrática do povo brasileiro.

Muitos lutadores pela democracia deixaram o Brasil, naqueles anos de trevas, e continuaram sua luta no exílio. E uma peça essencial para essa luta foi a presença ativa dos clandestinos políticos no interior do País. Sem o clandestino, aquela luta não se ligaria ao povo, seria praticamente impossível dar expressão política ao protesto popular que não se extinguiria, apesar de todo o aparato repressivo da ditadura.

A história desses militantes exilados é relativamente bem conhecida, até porque sua volta simbolizou sua reincorporação à vida normal do País e foram, por isso, recebidos com grandes festas. A história dos clandestinos, por sua vez, continuou clandestina. Pouco se fala nela, poucos são os relatos de vida e de experiências, poucos são os estudos de sua trajetória.

Nesse sentido, a dissertação de mestrado Pacto Revelado – abordagem psicanalítica de fragmentos de vida militante clandestina, de Maria Auxiliadora (Dodora) de Almeida Cunha Arantes, apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1993, levanta a ponta desse véu.

Apesar de não ser, a rigor, um trabalho de história política ou social (foi apresentado como exigência para obtenção do título de mestre em psicologia clínica), ela tem valor inestimável de enfrentar esse tema e começar a se refletir sobre ele. A seguir, Princípios transcreve, em primeira leitura, um trecho do trabalho de Dodora.
José Carlos Ruy

A clandestinidade política foi a alternativa que muitos militantes de esquerda encontraram para continuar no País, combatendo o regime militar, entre 1964 e 1979. Todas as organizações políticas, colocadas na ilegalidade e proibidas, tiveram muitos de seus militantes presos, torturados e assassinados.

Muitos foram banidos, muitos se exilaram. Mais de uma centena de brasileiros continuam desaparecidos. Muitos abandonaram a luta, durante a vigência do Regime Militar.
Um contingente significativo permaneceu dentro do Brasil. Muitos tornaram-se clandestinos. Seu objetivo: combater os militares, resistir em luta contra os avanços de um governo discricionário e fascista. Denunciar as violências cometidas, chegar mais perto do coração da ditadura e feri-la de morte.

Tornaram-se clandestinos. Nos nomes, nos rostos, nos documentos pessoais. Afastaram-se de seu grupo familiar, de amigos e de suas profissões. Deixaram suas casas, seus bens, suas roupas. Formaram a coluna vertebral de resistência aos militares. Reuniram-se febrilmente, fizeram planos estratégicos e de ação. Brigaram entre si e se abraçaram como nunca. Cada despedida, talvez fosse a última. O amanhã era absolutamente hipotético. A certeza do futuro terminava a cada pôr-do-sol. Tinham sido alijados das fileiras dos cidadãos brasileiros, cassados como profissionais, jubilados como estudantes, demitidos por decreto de seu trabalho.

Foram incorporando ao seu jeito, o anonimato. Faziam-se iguais aos homens comuns. Jovens mulheres precocemente taciturnas, sonhos de vida familiar preteridos. Sonhos de maternidade interrompidos. Nenhuma certeza de construir com tranquilidade um futuro.

O militante político que fez a escolha da clandestinidade, provavelmente estava capturado pelas condições sociais e políticas prevalecentes no País. Estas condições próprias a uma situação dada de um determinado País, em uma época precisa, não seriam exclusivas.

Elas também se dão em outros países, em seus diferentes momentos históricos. No Brasil, o golpe militar de 1964 restringiu a liberdade de ação dos militantes das organizações políticas. As restrições impostas pelo golpe militar e pelas sucessivas Juntas Militares foram diminuindo o espaço de atuação política legal. Partidos políticos dissolvidos, organizações políticas declaradas ilegais, sindicatos, universidades, associações de classe e entidades estudantis proibidos e invadidos. Restou à militância poucas alternativas: sair do País ou permanecer nele. E é esta decisão que se apresentava a todos os que estavam implicados na luta política.

Os militantes políticos pertencentes às organizações declaradas ilegais, por isso perseguidas pela polícia política e militar, tinham poucas alternativas se quisessem continuar a ser militantes políticos organizados. Neste aspecto, a escolha da clandestinidade era uma questão de sobrevivência, decorrente de sua condição de militante perseguido e considerado inimigo pelas forças militares e policiais. A outra alternativa de sobrevivência seria sair do País, exilar-se. Para alguns, restava a hipótese de permanecer na legalidade em seu local de trabalho ou de estudo, sobretudo na universidade, desde que pudessem manter preservada sua condição de militante, ainda não localizado pela repressão.

“Para os militantes, a escolha da clandestinidade foi uma questão de sobrevivência”.

Na legalidade permitida permaneceram os brasileiros que, aos poucos, foram se tornando muitos, indignados com o regime militar. Eram profissionais liberais, artistas, músicos, escritores, estudantes, professores, reitores, religiosos, bispos, padres e freiras, empresários, sindicalistas etc. Foram se constituindo na legião dos brasileiros que mantinham bolsões de luta política dentro da legalidade.

Eram ainda refúgio para os perseguidos, espaços para reuniões políticas, sobretudo na universidade, em colégio e instituições democráticas. A estes foram se juntando os familiares dos perseguidos, vasculhados na sua privacidade, remexidos e revistados em suas casas à busca de livros, documentos, fotos dos seus familiares militantes. Telefones grampeados, casas vigiadas, à espreita de visita de amigos, de colegas, familiares. Ameaças, tentando obter informações, detalhes sobre o militante procurado. Muitas vezes, o clandestino ficou sabendo, tempos depois, das revistas feitas à sua procura, de situações de constrangimento de seus parentes queridos, de suas dificuldades, de suas doenças e mesmo de sua morte.

“Meu pai morreu, e pouco antes de morrer, ele, sabendo dos riscos de segurança que eu enfrentava, pediu à minha mãe aos prantos que não me avisasse da morte dele.
E eu só fiquei sabendo da morte do meu pai um mês depois de ele ter sido enterrado.
É claro que isso foi um choque muito grande para mim. Eu tinha uma relação muito profunda com meu pai” (Aldo Arantes).

“Mau pai respeitava muito a mim, e eu a ele, sobretudo porque ele era uma pessoa séria, honesta, abnegada. Depois de mais velho começou a ter doenças e eu tinha uma dificuldade muito grande de ir visitá-lo (…) Sou o único filho homem dele, e toda visita que eu fazia a Salvador era uma visita delicada, porque era um lugar onde eu era mais conhecido e já tinha nessa época sido condenado à revelia, era perseguido, se eu aparecesse ia ser preso de imediato. Por diversas vezes eu lá estive escondido, para visitar meu pai, entrava à noite, saía horas estranhas ou muito cedo, ou passava o dia lá dentro da casa, sem que ninguém soubesse. Tinha assim um certo grau de relação com meu pai – minha mãe já era morta – quando ele adoeceu com a doença que o levou à morte. Eu não tive facilidade de voltar a visitá-lo, mas acompanhava por telefone o estado de saúde dele. E estava sabendo que pela idade e com a doença, ele não mais resistiria. Eu estava numa reunião em Recife quando, no intervalo, eu é que estava expondo, em uma reunião da direção política local da Ação Popular, então no intervalo, fui à telefônica pedir informações sobre meu pai. Um empregado da casa informou que meu pai tinha sido enterrado há alguns dias” (Haroldo Lima).

Os brasileiros, militantes políticos legais, amigos e familiares de militantes, simpatizantes da causa revolucionária, foram fazendo da sua profissão, do seu local de estudo e de trabalho um terreno sobre o qual foi sendo recuperada a dignidade de um País militarizado. Na primeira hora estavam religiosos, advogados, médicos que, nos primeiros socorros aos militantes ainda perseguidos ou então presos, se dispuseram a colocar sua profissão e seu conhecimento para a salvaguarda de vidas perseguidas pela repressão, arriscando-se também a constrangimentos e ameaças. Os artistas, os músicos, os escritores, os jornalistas, os autores teatrais, os cineastas foram usando seus espaços para denúncias, muitas vezes metáforas, tentando driblar a férrea censura à liberdade de expressão.

No avesso do Brasil, pulsava a clandestinidade. Às vezes armada na cidade, às vezes armada no campo. Às vezes não-armada. Convicta de sua condição de combate, sabendo-se perseguida pelas armas militares. Muitas vezes espreitada pela violência militar e sistematicamente aviltada quando presa. A polícia e os militares não se constrangeram em prender militantes com seus filhos, mulheres grávidas, e em torturar até a morte.

A clandestinidade tornou-se uma contingência num primeiro momento, única possibilidade de defesa e de sobrevivência do militante localizado pela repressão.
Cair na clandestinidade, de início, era sair de cena legal. Era uma defesa da própria vida e da própria Organização.

Tornar-se clandestino e permanecer clandestino, durante 5 anos, 10 anos ou mais, foi mais do que uma alternativa de sobrevivência, envolveu uma escolha, uma escolha que não era livre, porque era dentro de uma situação de catástrofe política. Não é necessário ser clandestino político, na vigência de um regime democrático. Essa alternativa, a da clandestinidade, ocorre dentro de um colapso democrático. Logo, não é uma escolha feita em condições favoráveis de luta política. É feita exatamente em condições desfavoráveis, e por isso não é uma livre-escolha e nem uma escolha livre. É uma escolha, no sentido político, determinada pela situação de excepcionalidade do País, e de perseguição declarada pelo poder militar.

Aqui é que se instaura a escolha. Em alguns casos esses militantes poderiam sair do País, se exilar. Esta alternativa existiu para alguns. Houve casos em que o militante saiu do País, se exilou e, depois, voltou para ficar clandestino.

A escolha se dá nessa circunstância. Passada a necessidade imperiosa de defesa da vida e de sobrevivência, houve quem permanecesse clandestino. É dessas experiências que falo.
O que constitui, do ponto de vista psíquico, a escolha é o investimento que será feito sobre ela. O que caracteriza a escolha é a condição de sujeito de sua escolha, mesmo que haja a lucidez para reconhecê-la relativa e limitada, é a capacidade de interpretar a situação que é dada e a capacidade de recorrer a reservas psíquicas para dar conta da situação de clandestinidade.

“A clandestinidade foi consequência inevitável da escolha que fiz: lutar pela liberdade”.

“Os motivos que me levaram a escolher a vida clandestina, no meu entender, foram consequência inevitável da escolha de vida que fiz, cujo objetivo era lutar e participar ativamente da luta de liberdade do nosso povo. É uma consequência prática da consciência da necessidade da luta organizada e da decisão de pertencer a um partido político (…) Em qualquer regime ditatorial, pertencer a uma organização revolucionária implica necessariamente cuidar, de todas as formas, de garantir a própria sobrevivência bem como preservar a organização partidária. Uma e outra longe das garras da repressão policial (…) Passar à clandestinidade mesmo, foi uma imposição da ditadura. Ser clandestino dentro do País foi uma opção minha, pois tive mais de uma oportunidade de sair para o exterior. Não conseguia nem me imaginar saindo do Brasil apenas para garantir minha vida pessoal.

No começo dos anos 1970, aceitei assumir tarefas partidárias em outro estado, em substituição a companheiros já identificados pelos órgãos de repressão ou na iminência de sê-lo. Em pouco tempo, perseguida também nestes estados, não me restou outra opção, à medida que prosseguia com os objetivos de militância, já citada. Em pouco mais de um ano, tive que interromper as relações familiares, passando 5 anos sem que pudéssemos entrar em contato novamente” (Maria Luísa de Barros Carvalho).

A decisão da clandestinidade envolveu a escolha de um destino. Muito mais complexa do que supôs qualquer um que se viu frente a ela em 1964. Aos 20 anos de idade, um pouco mais ou um pouco menos, comprometer-se com a luta de resistência, abandoná-la, ou sair do País, não era simples ou fácil. A distância entre a decisão tomada e suas implicações foi muitas vezes maior do que supuseram os militantes e suas teorias revolucionárias.

Algumas vezes era uma decisão discutida em reuniões políticas clandestinas, algumas vezes resolvida entre companheiros e casais. A própria adesão à alternativa colocava cara-a-cara o militante com seu destino, não sabia ele, coberto por uma longa e nebulosa noite. Ele teria que firmar e reafirmar, assinar e subscrever a escolha que fez. O sujeito substantivo da decisão estava no fim e nos confins de cada um.

A escolha de uma decisão que envolveu um destino não é um ato solitário, lúcido e consciente. Marcelo Viñardiz: “(…) o sujeito substantivo da decisão encontra-se nos confins do próprio ser – onde algo próprio e alheio, familiar e estranho nos impele a uma direção e nos puxa para outra. Este processo deixa uma inscrição, um traço, uma marca universal e necessária (…)” (1).

A clandestinidade contava com uma variável conhecida: permanecer em território pátrio. Em segundo lugar, tinha um objetivo determinado: participar da luta de resistência e de combate ao inimigo. Logo, a liberdade de ir e vir, conviver com os amigos e familiares é substituída pela liberdade de continuar a defender as mesmas idéias, porém, de um outro lugar, agora tornado escondido dentro do próprio país.

“E a vida clandestina, na verdade, é um mecanismo de cerceamento da liberdade de convivência dentro do próprio país. Isso, é claro, trazia problemas extremamente sérios e que só se justificaram exatamente pelo significado político que esta opção tinha (…)” (Aldo Arantes).

O clandestino lida o tempo todo com a contradição entre desejar fazer e não poder, desejar ir e não poder ir. O que em última instância o contém é a certeza do perigo de ser descoberto pela polícia política e militar e o que o mantém clandestino é a reiterada tentativa de aceitar a escolha que fez, permeada pelo sentido político iluminado e a crença pia de que um dia, aquilo ia desaparecer.
“Nós todos estávamos orgulhosos, de certa maneira estávamos participando de um processo político no qual nos julgávamos, assim, os arautos da causa da liberdade.

A causa da liberdade hoje está exigindo sacrifício e nós estamos agarrando esta bandeira (…) Acho que o fato de alguns clandestinos terem vivido dez anos e na época do Estado Novo houve quem vivesse mais do que isso, 10, 12,13, era mais ou menos a média. Eu pessoalmente vivi dez anos, houve quem viveu mais tempo. Acho que o fato de isso ter sido possível foi muito relacionado a nós termos a convicção de que isso era uma necessidade em função de uma causa luminosa e, por outro lado, de nós termos criado as condições humanas de sobreviver nessa situação.

Por outro lado, tudo isso era alicerçado por essa atitude que era a formação de uma consciência de que a coisa ia desaparecer algum dia. Nós nunca pensamos que aquilo ia ser definitivo, aquilo seguramente era passageiro e esse passageiro não implicava necessariamente nós estarmos perguntando se era demorado ou rápido, custasse o tempo que custasse, mas era passageiro. Isso não era definitivo, isso era em função de uma outra causa (…)” (Haroldo Lima).

Esta crença de que era passageiro remete ao caráter de decisão tomada. Se escolhi, posso até desescolher, não é uma escolha irreversível. São motivos internos, aliados aos motivos políticos, que determinarão para o militante o rumo da escolha. É como se o clandestino estivesse mergulhado na ambivalência da situação à qual está submetido. Não precisa de um passaporte para atravessar a fronteira.

As fronteiras dentro do próprio país são como a maioria das fronteiras políticas, apenas investidas de realidade. Como um muro que pode demarcar nacionalidades, ou um tratado diplomático que pode criar ou desmembrar nações.

“Cheio de ambiguidades, o clandestino busca em experiências anteriores meios para sobreviver”.

O clandestino não está submetido a espaços materiais inacessíveis. Ele não está preso. Ele não está fora do país. Ele poderia bater à porta de sua família. Abraçar os seus pais, carregar no colo os novos membros da casa, mas ele não pode porque escolheu, porque decidiu, porque assinou a passagem à clandestinidade e, sobretudo, porque se o fizesse estaria arriscando-se a ser preso, a ser morto, a ser localizado pela polícia, vulnerando sua Organização.

Impregnado de ambiguidade, o clandestino tentará buscar em recordações arcaicas e familiares o repertório que lhe permitirá viver dentro desta desterritorialização em solo pátrio. Exemplo disto são os relatos e testemunhos que falam da vida clandestina em família, da experiência de ser mãe e ser pai, das novas amizades que se fazem. É estar buscando em experiências anteriores e tornadas interiores os novos recursos para viver em terreno desconhecido e internamente ainda estrangeiro.

Busca-se no fundo da alma o que há de já esquecido, para aquecer essa nova vida. É nesta acepção que o clandestino consegue reinvestir sua vida de afetos guardados, e talvez esquecidos, talvez recalcados. Muitas vezes na sua busca, a representação que lhe é consciente condensa energias que permanecerão não-sabidas. O pacto com o escondido, com o clandestino, com o não-revelado, provavelmente teve para muitos clandestinos significação própria diferente da que viveu outro clandestino (…) O clandestino vai percebendo aos poucos que não é mais dono do seu tempo, vai se sentindo isolado (…).

“No isolamento o clandestino passa a ver e a sentir o mundo de forma distinta e com o passar do tempo sair do isolamento passa a ser uma necessidade vital. Nestes momentos é que o clandestino enfrenta opções difíceis entre a sua necessidade subjetiva de romper o isolamento e a conveniência ou possibilidade real de fazê-lo.

O clandestino enfrenta ainda a prova da fidelidade à causa que abraçou, a confiança no partido a que pertence, a confiança no próprio processo da luta e nos seus destinos.

“Neste momento o revolucionário clandestino se vê, como individualidade, colocado diante de perguntas que nos momentos da ação, de luta aberta, na companhia da massa, jamais se fizera: por que vivo esta situação? Quero vivê-la, acredito realmente na validade e na necessidade de viver, pessoalmente, estas situações? Valerá a pena todo este sacrifício? Estou realmente convencido de que quero vivê-las?” (Herbert José de Souza, Betinho).

A estas perguntas o militante clandestino terá de dar novas respostas. Uma delas consiste em subscrever seu compromisso de adesão. O clandestino discute com seus companheiros a sua situação, faz revisão de vida, faz relato de militância, é como se estivesse em permanente supervisão horizontal. Talvez, este processo que na época se chamava revisão de militância, é que tenha sido responsável pela irmandade que foi se criando entre os militantes e os longos laços de amizade que ainda hoje permanecem. Confissões de debilidades, então ditas ideológicas e de classe, e, por outro lado, o exercício do autoritarismo e da rigidez nas avaliações destas debilidades. Neste processo, como objetivo de preservação e segurança, eram decididos deslocamentos, casamentos, ter ou não ter filhos, doação de bens pessoais, sair ou não sair do país, visitar ou não visitar familiares queridos doentes.

* Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/SP.

Nota
(1) VIÑAR, Marcelo. Era de Nieblas – Derechos Humanos, Terrorismo de Estado y Salud Psicosocial en America Latina, Vários autores, Caracas, Nueva Sociedad, 1990, p. 160. O livro reúne 15 textos de profissionais latino-americanos e europeus produzidos para a sessão Anual de 1989 – do Simpósio sobre Cultura e situação psicossocial na América Latina, organizado pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha, sob a coordenação de Horácio U. Riquelme. Entre os autores há cinco psicólogas, três psicanalistas, um sociólogo, um psiquiatra, um escritor e um terapeuta corporal. O trecho citado é de Marcelo Viñar, uruguaio, médico-psicanalista, co-diretor adjunto do Departamento de Educação Médica da Faculdade de Medicina de Montevidéu. O autor tem várias publicações sobre violência social e terror político e seus efeitos sobre a estrutura psíquica dos indivíduos e grupos. O texto fala de sua experiência pessoal e familiar, durante o exílio, na França, e de sua decisão de retornar ao Uruguai.

EDIÇÃO 31, NOV/DEZ/JAN, 1993-1994, PÁGINAS 65, 66, 67, 68, 69