A polarização na sucessão presidencial
As classes dominantes brasileiras do século passado – latifundiários e grandes comerciantes da exportação e importação – mantiveram seu papel predominante durante toda a República Velha até o processo revolucionário de 1930. Desde então, seus projetos foram superados pela atuação da burguesia industrial e das classes médias ascendentes, num cenário mundial de alterações na correlação de forças entre as potências imperialistas.
As antigas classes dominantes procuraram se adaptar à nova situação. Grande parte incorporou-se à própria burguesia, fortalecendo-a. Esse processo de desenvolvimento, assimilação e fusão constituiu o substrato de toda a classe dominante atual – latifundiários aburguesados, grandes capitalistas, banqueiros, oligopólios e grandes conglomerados nacionais ou associados ao capital estrangeiro –, que vai ter expressão institucional e moldar a política econômica e social vigente em nosso país. A burguesia brasileira, que foi composta principalmente pela acomodação de interesses, integrada com outros setores dominantes remanescentes, assumiu uma forte característica de subordinação aos países capitalistas desenvolvidos, que já haviam realizado e consolidado suas respectivas revoluções burguesas e atingido a etapa imperialista.
“O capitalismo se expandia e surgiam as classes que não cabiam nos projetos dominantes”.
Desse modo, as classes dominantes do fim do século passado e início deste, que estavam sob hegemonia do imperialismo inglês, com o declínio deste entraram no campo de influência do imperialismo norte-americano em ascensão, consolidando essa integração após a Segunda Grande Guerra. Ao mesmo tempo a burguesia brasileira se fortalecia.
O desenvolvimento capitalista no Brasil adquiriu características de um modelo denominado “economia heterônima”, ou seja, de natureza dependente. Convive o moderno com o arcaico, numa situação em que uma parcela pequena da população tem padrão de consumo de Primeiro Mundo, e a grande maioria de Terceiro e Quarto Mundo.
Os projetos de desenvolvimento capitalista no Brasil estavam sempre subordinados ao entrelaçamento com o capital estrangeiro e, de certa maneira, se beneficiaram de conjunturas internacionais favoráveis. A intervenção do Estado (na função de alavanca e pilastra) e a ação do capital estrangeiro cumpriram papel de pólos dinâmicos nessa modalidade de desenvolvimento econômico.
A evolução do capitalismo no país elevou a economia brasileira a um nível de desenvolvimento médio. A classe operária foi constituída, a classe média se estendeu e uma grande massa de trabalhadores se formou. Assim, à medida que a burguesia nativa crescia e o capitalismo se expandia, surgiam também, no pólo oposto, as classes e camadas sociais que, objetivamente, não podiam caber nos projetos dominantes e se tornaram forças crescentes de resistência, na busca de um caminho novo que exprimisse os anseios das classes dominadas.
Dessa maneira, com o crescimento dos novos personagens que integraram a cena política brasileira a partir de 1930 – a classe operária, as massas de trabalhadores e populares, amplos setores da classe média e parte da burguesia interessada na defesa dos interesses nacionais – e o posterior processo de industrialização do país, formou-se a base social para o novo projeto, que se configurou na defesa da soberania nacional, na ampliação da democracia, na reforma agrária antilatifundiária, no impulso à industrialização e na expansão do mercado interno.
Neste rumo, já em 1935, toma corpo o movimento da Aliança Nacional Libertadora, sob a direção do Partido Comunista do Brasil, que foi derrotado porque se restringiu aos levantes nos quartéis, estreitou sua composição política e não se espraiou pelo campo, onde a massa camponesa era significativa. Além disso a classe operária era ainda pequena e débil. Durante a Segunda Grande Guerra e, sobretudo, após a vitória da União Soviética e das forças aliadas sob a influência da campanha antifascista mundial, a luta pela democratização se aprofundou.
Nesse período adquiriu também grande amplitude o movimento pela construção de uma economia autônoma e avançada, com a implantação da base siderúrgica e a campanha “O petróleo é nosso”, vitoriosa nos anos 1950.
Nessa época, grandes investimentos implementados no governo Juscelino Kubitschek mudaram o perfil da economia graças ao financiamento estatal e ao concurso do capital estrangeiro em segmentos de bens de consumo duráveis. Com a intensificação do desenvolvimento capitalista e com o crescimento da classe operária, o movimento pelas conquistas trabalhistas e pela liberdade política ganhou maior impulso. Confirmando uma característica da história no Brasil, os efeitos dessa fase de progresso capitalista não se propagaram para as camadas trabalhadoras e populares da sociedade. A democracia e os benefícios do progresso eram somente para as elites dominantes.
“Ditadura militar deu sustentação ao desenvolvimento de nova fase do capitalismo no país”.
No começo da década de 1960, quando a expansão perdeu impulso, instalou-se uma crise econômico-social. Nesse momento, as tensões sociais se exacerbaram, desencadeando a radicalização política. Com o aumento de sua expressão, as camadas populares e setores da burguesia e do empresariado ligados ao mercado interno defendiam as chamadas reformas de base, com um desenvolvimento nacional autônomo, conquistas democráticas e realização da reforma agrária. Os setores conservadores, por outro lado, procuravam impor a linha de desenvolvimento dependente, manter o arcabouço de estrutura agrária baseado no monopólio da terra e sustentar as desigualdades profundas, circunscrevendo a distribuição da renda às esferas sociais superiores e parte da média.
O movimento militar de 1964, com o apoio do governo estadunidense, surgiu como resolução para o impasse político causado pela polarização crescente. Barrou então o movimento ascendente das reformas nacionais e democráticas em resposta aos anseios dos círculos dominantes. (Leia o texto publicado nesta edição sobre o tema.)
Daí em diante, como sabemos, as classes dirigentes buscaram o desenvolvimento da nova fase do capitalismo por meio de uma ditadura militar sanguinária, que restringiu a atividade política legal aos marcos das elites de sua confiança. Como consequência, conseguiu completar a substituição das importações, estender a infra-estrutura e intensificar a penetração capitalista em muitas áreas do campo. A economia se diversificou e tornou-se mais complexa, a classe operária cresceu amplamente, a classe média se estendeu pelo interior, as cidades incharam rapidamente, formando vastos cinturões de deserdados.
A linha seguida pelo regime militar aprofundou a dependência do Brasil; subordinou-o ao sistema financeiro da dívida; manteve a estrutura fundiária, apesar da penetração capitalista no interior; agudizou as desigualdades sociais e regionais; e concentrou fortemente a renda.
Nessa marcha, a grande burguesia se constituiu em grandes monopólios e oligopólios, que passaram a desfrutar de imenso poder. No período ditatorial os problemas estruturais típicos do desenvolvimento capitalista brasileiro cresceram e as contradições se aprofundaram em múltiplos terrenos.
“Dependência externa aumenta com sucessivos planos econômicos adotados no Brasil”.
No fim dos anos 1970, os mecanismos desse padrão de desenvolvimento capitalista se inviabilizaram, o que deu início à maior fase de estagnação após 1930. Na realidade, esgotou-se o ciclo de substituição das importações, que já durava quase meio século e teve seu auge a partir da década de 1950. No plano internacional, a “farra” da dívida externa terminou com o “choque da dívida”, passando o Brasil de importador a exportador de capitais.
Ao mesmo tempo iniciou-se nos países capitalistas desenvolvidos um processo de reestruturação industrial, como resposta à queda da taxa de lucros, causa da crise que envolveu o capitalismo mundial.
A junção dessas duas realidades, interna e externa, é a gênese da crise prolongada que atravessamos. O país enveredou por um processo de involução dos investimentos e de inflação duradoura e sistêmica. O juro passou a determinar o nível mínimo do lucro, tornando a acumulação financeira a referência de maior rentabilidade do sistema. Em virtude disso o capital de investimento se rarefez. A recessão se prolongou, o desemprego cresceu e o poder aquisitivo da grande maioria caiu como nunca.
Assim, o modelo das classes dominantes, que historicamente hegemonizaram o processo de desenvolvimento, desvendou a sua fragilidade, levando o país ao atual estágio de crise. As elites vêm tentando reverter essa situação com a intervenção do Estado, mas seus sucessivos planos têm sido precários e provisórios.
O governo Sarney, no período de transição democrática, não conseguiu a estabilização nem a retomada do desenvolvimento. Os planos de Collor e principalmente o atual, conhecido como FHC2, têm procurado uma saída global para a crise, seguindo o modelo neoliberal ditado pelos centros financeiros internacionais. (Leia nesta edição os artigos sobre o tema). Tenta-se inserir a economia nacional em nova escala, compatível com a atual divisão do trabalho, imposta pelos países ricos, imperialistas. Tal objetivo tem sido motivo de busca incessante da classe dominante brasileira que, visando a um novo “engate” internacional, chega às submissões mais vergonhosas.
Tais reformas seguem receituário semelhante ao de Argentina, México, Chile etc. Em resumo, são assim definidas: diminuição do Estado, privatização das empresas estatais, liberalização e flexibilização das relações trabalho/capital (ou seja, a negação de importantes conquistas sociais), rápida liberalização do comércio exterior e “parcerias” internacionais ou nova associação com o capital estrangeiro. Portanto, o “ajuste” perseguido mantém a trilha das deformações do capitalismo brasileiro, elevando e aprofundando a dependência do país.
Este tipo de ajuste gera um cenário de maior desigualdade social, com o aumento das camadas excluídas do processo econômico e a concentração ainda maior do poder de consumo. A fim de garantir os compromissos de uma dívida externa impagável, o país se submete às exigências de enormes reservas de moedas fortes (à custa de quem?) impostas pelo capital financeiro internacional, para dar garantias aos credores e lastro que possa estabilizar uma nova moeda.
Para fazer face a essa situação e dar continuidade ao projeto de cunho popular – hoje assentado em base social mais ampla e numerosa – assume importante papel político a formação de um bloco de forças que atualize as bandeiras democráticas, nacionalistas e em defesa dos direitos sociais das grandes massas. Com o declínio do regime militar, boa parte dessas forças, antes amordaçadas e reprimidas violentamente, colocou-se em movimento – participou do recente processo de democratização política, da vitória da anistia, da convocação da Constituinte, dos êxitos obtidos na elaboração da Constituição de 1988, da grande mobilização pelas “Diretas já” e da vitória da luta pelo impeachment do presidente da República em 1992. E na primeira sucessão presidencial, em 1989, contando com um programa que começou a articular as bandeiras do campo popular e progressista, por meio da Frente Brasil Popular, as forças populares quase obtiveram a vitória do seu candidato. As classes dirigentes foram tomadas por grande susto. Não esperavam tal desfecho e tiveram de convergir todo o seu apoio à candidatura Collor.
Por todos esses motivos, a sucessão presidencial de agora só pode ser compreendida a partir das raízes e características da evolução histórica do Brasil. Ela não está desligada do processo de contradições políticas e econômico-sociais em curso, sobretudo da Nova República até hoje.
Atualmente, estamos diante de uma nova crise conjuntural, marcada pelas particularidades do momento eleitoral. A polarização político-econômica resulta de um processo de concentração de rendas cada vez maior. Esta é a lógica do capitalismo, própria de sua essência, porque a globalização da economia mundial só avança com uma centralização financeira. A grande oligarquia capitalista no Brasil acabou se enquadrando na nova fase e busca outras formas de associação, tornando-se assim centralizadora do capital, dos meios de comunicação, do poder.
“A contradição mundial se dá entre Norte e Sul ou entre países centrais e periféricos”.
Nesta realidade interna não se projetam mais os tempos da guerra fria, a contradição “Leste-Oeste”. Nela se reflete outra contradição, a “Norte-Sul”, como consequência das imposições reestruturantes fixadas pelos países “centrais”, imperialistas, aos países “periféricos”, dependentes, que têm de se submeter a relações cada vez mais desiguais.
O acirramento da polarização desencadeia o impasse. Chegamos a uma encruzilhada que se revela, em termos gerais, na contraposição de dois projetos: ou prevalece o caminho neoliberal, que deteriora intensamente a grave situação social e submete o país à nova ordem mundial imperialista; ou a resistência na busca de um novo caminho, de base nacional, democrática e popular, que concretize no plano interno, ampla coalizão de forças políticas e sociais e, no plano externo, a formação de uma frente dos países e povos dependentes, pela retomada do desenvolvimento com independência e progresso social.
A sucessão presidencial deste ano reflete em todos os seus aspectos esse quadro de crise, no qual o confronto de dois projetos básicos é inevitável. Depois do susto de 1989 e diante desse impasse, as classes dominantes tudo fazem para amainar suas próprias desavenças políticas e regionais.
Articulam-se nervosamente na busca de um personagem anti-Lula, esforçando-se para chegar a um candidato único, no qual pretendem concentrar todo o seu poderio. Após a data-limite das desincompatibilizações, o quadro sucessório foi se completando. As oligarquias mais poderosas encontram o seu escolhido na pessoa de Fernando Henrique Cardoso que, convertido ao credo neoliberal, age como um “cristão novo”. Tem de provar seu plano atual, que já encampa o artifício da dolarização, a última palavra em matéria de planos encomendados ao FMI para países da América Latina. E são economistas burgueses renomados, como Delfim Netto e Roberto Campos, que afirmam, no mesmo rumo: “O plano é, em grande parte, uma pirotecnia monetária, sem atacar os problemas fundamentais”. (As dívidas externa e interna ficam na mesma!) “Poderá até haver uma substancial redução da inflação se se chegar à nova moeda, o real, mas ela não será eliminada e retornará da mesma forma, como voltou nos planos passados”. Procura-se manipular o plano para que o processo inflacionário não volte antes do final dos dois turnos das eleições de 1994. O objetivo é ganhar as eleições, manter o poder. O desempenho do candidato das elites está, portanto, ancorado na evolução do plano.
“FHC é apresentado como candidato de centro-esquerda pelas elites, que tentam maquiá-lo”.
A apresentação de Fernando Henrique Cardoso ao grande público demonstra também tal intuito, é moldada com a ênfase no seu passado de intelectual de “prestígio” e de “esquerda”. As forças dominantes, reconhecendo que seus sucessivos planos faliram, para escamotear douram a pílula e apresentam seu candidato como de “centro-esquerda”. Não deixa de ser burlesco. Acabam admitindo o prestígio da esquerda, apesar da manipulação pela permanente propaganda em sentido contrário.
Dessa maneira, a fina flor dos setores mais ricos da nossa sociedade, em parceria com seus cupinchas externos (segundo o jornal Financial Times, FHC é o favorito “dos mercados”), monta um perfil farsante para seu candidato, trabalha para que o plano cumpra papel estabilizador, mesmo que temporariamente.
O plano de “estabilização da inflação”, de Fernando Henrique, é considerado por eles como um “esboço prático” de um projeto global. Significa que esse novo governo das elites não será diferente dos precedentes. Se isso acontecer, a crise irá se agravar.
A candidatura de Fernando Henrique Cardoso procura juntar duas correntes dos setores dominantes: o “liberalismo” e a “social-democracia”. A primeira propala que seu “ideário liberal” é compatível com os princípios da “modernidade social”. A segunda, em sua “modernidade econômica” afirma garantir o “social”. Esse jogo de palavras, ou melhor, essa dupla demagogia com o social, visa a salvar as aparências e tem o mesmo efeito de apresentar um círculo como se fosse um quadrado. Essa decantada modernidade, num sentido acentuadamente contraditório, exclui, sem precedentes, a população e os povos dos resultados do desenvolvimento e do progresso tecnológico alcançado.
Quanto à propalada competitividade econômica, existe mesmo. Mas se trata da competição na era dos oligopólios, dos conglomerados gigantes. A disputa está situada nessa escala. A volta à época descrita por Adam Smith é uma quimera, está longe da realidade. Seria a volta do capitalismo de mais de um século atrás. O objetivo é confundir, para justificar o “modernismo”. Também a “unidade programática” da candidatura dos barões capitalistas coloca o que se costuma denominar “embate ideológico” sobre a questão do Estado como agente no processo de desenvolvimento.
“O papel empresarial do Estado já não serve aos interesses dos monopólios privados, que querem as estatais”.
No capitalismo o Estado assumiu diferentes funções no processo de desenvolvimento econômico, tendo em vista os interesses da burguesia e, logicamente, fazendo prevalecer a vontade dos seus setores mais fortes. As empresas estatais a serviço do sistema capitalista, desde as “descobertas” de Keynes e, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, adquiriram variadas funções.
Transformaram-se em países como o Brasil, em fator dinâmico no processo de industrialização, em instrumento de soberania econômica e em alavanca para retomada do desenvolvimento dos países capitalistas ricos. Esse papel empresarial do Estado já não serve como antes aos capitalistas, embora eles não prescindam do concurso da ação estatal para empreendimentos que exijam grandes investimentos e tenham retorno demorado.
As empresas estatais rentáveis, produtos de construção de décadas realizada pelo patrimônio público, são cobiçadas. No estágio atual passam às mãos de grandes grupos privados, entrando no jogo das disputas intermonopolistas. Na concorrência entre eles conta, e muito, o controle de uma grande empresa estatal. O nível da fusão monopolística abarca os setores privados e também o estatal. No caso dos países dependentes, como o Brasil, as empresas estatais, sobretudo as mais rentáveis e estratégicas, são presas de negócios vantajosos. Daí por que a propaganda neoliberal diversionista considera-as “ineficientes” e “superadas”. Nos planos do grande capital, as estatais podem amortizar as dívidas externas dos países do Terceiro Mundo, e os grandes monopólios assumir o seu controle. Sem as estatais, esses países deixam de contar com importantes meios econômicos na sua luta pela independência.
“Social-democracia e liberalismo: base da candidatura FHC e da modernidade capitalista”.
O conceito de “Estado mínimo”; “modesto” ou “pequeno, mas forte” compõe a argumentação para justificar o objetivo do capitalismo “moderno” de derrubar as fronteiras nacionais, transformando todas as nações em livre mercado, para facilitar o acesso dos grandes conglomerados. Além disso, o programa das tendências dominantes defende a liquidação dos monopólios estatais, mas preserva e fortalece os monopólios privados. Na esfera política, a defesa do voto distrital misto, que tem por finalidade restringir a competição eleitoral e mantê-la sob controle, reforça o modelo de partido grande brasileiro, ou seja, sem cor e com programa descartável, conforme as eleições, a serviço dos donos do poder e do dinheiro. Em resumo, social-democracia e liberalismo, a base “ideológica” da candidatura de Fernando Henrique, têm em nossa época uma matriz comum, aproximam-se historicamente outra vez e fornecem os “fundamentos” para a modernidade capitalista.
No quadro sucessório, as pré-candidaturas do PMDB surgem como fator complicador no campo das classes dominantes. Orestes Quércia e José Sarney, apesar de expressarem interesses de setores dominantes, “correm por fora” e demonstram posições diferenciadas do projeto social-democrata-liberal. Roberto Requião se aproxima do projeto democrático-popular.
A tendência é prevalecer a candidatura de Quércia, que se apóia nas forças políticas municipais, num conjunto de prefeitos e empresários médios em todo o país. Ela não segue a cartilha neoliberal e tenta aparecer na sucessão atual como força política intermediária entre o candidato da direita, Fernando Henrique Cardoso, e o campo da esquerda. Bate-se por uma saída “desenvolvimentista” para o país, semelhante à visão juscelinista da década de 1950. Tem demonstrado posições restritivas à revisão da Constituição de 1988, nos moldes propostos pela oligarquia empresarial predominante, e o plano de “estabilização econômica”. Critica o candidato popular por sua “incompetência” e “dubiedade”.
A candidatura de Leonel Brizola, no atual processo, está entre o campo político intermediário e o popular. Hoje se aproxima do primeiro, procurando criticar posições da direita e das forças de esquerda.
“Candidatura Lula passa a referenciar os planos eleitorais das forças de direita e de centro”.
A sucessão presidencial deste ano tem uma singularidade evidente. A candidatura popular de esquerda, representada por Luís Inácio da Silva, tem demonstrado peso político e é referência para as estratégias eleitorais das demais forças de direita e centro. Elas procuram todo tipo de argumento para atacar ou tentar desestabilizar a candidatura popular. A concentração dos setores dominantes mais poderosos no apoio a uma só candidatura visa precisamente a impedir a vitória da esquerda. A mídia internacional, porta-voz do grande capital, não esconde sua preferência por Fernando Henrique. E as viúvas da ditadura e os setores reacionários falam abertamente da necessidade de usar todos os meios para impedir ou “prevenir” o êxito da esquerda.
A candidatura popular reflete o nível de polarização política e sintetiza na atualidade a fisionomia da corrente histórica democrático-popular que vem se construindo, principalmente após 1930. No presente estágio do desenvolvimento político, a possibilidade de se alcançar o êxito no campo popular depende da capacidade das forças consequentes de aglutinar extensos setores progressistas e democráticos. Assim será possível constituir uma coalizão baseada na defesa da soberania, na retomada do desenvolvimento nacional, na liberdade política ampla para as massas trabalhadoras e populares e na defesa dos direitos sociais contra a orientação dominante de exclusão e marginalização.
A proposta defendida pelo Partido Comunista do Brasil de forjar uma ampla frente nacionalista, democrática e popular que garanta e, ao mesmo tempo, vá além da vitória eleitoral é justa e responde às necessidades atuais. A vitória eleitoral das forças populares e progressistas não garante de imediato o poder político e a governabilidade. Sem a edificação de uma frente com essas características e o apoio do movimento de massas, um futuro governo progressista seria débil, presa fácil dos blocos reacionários e sabotadores e, portanto, inviável. Para alcançar o resultado favorável, é preciso ir além dos marcos de uma única força partidária. Precisamos aprender com a história.
* Renato Rabelo é vice-presidente nacional do PCdoB.
EDIÇÃO 33, MAI/JUN/JUL, 1994, PÁGINAS 4, 5, 6, 7, 8