Heróica resistência
É alentador nos dias de hoje ler de um escritor que “este livro foi escrito para o povo. Trata das origens, das primeiras lutas dos índios contra a escravidão e o extermínio”, no momento em que os escritores, os ensaístas de modo geral preocupam-se em escrever para uma elite universitária e às suas estruturas de julgamento e decisão. O autor elaborou uma análise e interpretação das lutas dos índios durante a nossa ocupação pelo colonizador português, mostrando toda a importância e a dimensão heróica das populações autóctones, donas das terras, que foram massacradas.
O livro é fruto de pesquisas originais e escrito em uma linguagem despida dos jargões “científicos”, compreensível sem ser concessiva, mas objetiva e dinâmica. A primeira edição foi lançada em 1965, no Brasil, pela Editora Leitura, num momento crucial e dramático para as nossas forças democráticas.
Tem o autor vários livros sobre assuntos polêmicos da nossa realidade social, entre os quais Lampião e seus cabras, O negro na luta contra a escravidão e Coronéis donos do mundo, este em parceria com o historiador Nelson Barbalho.
A circulação da primeira edição tinha implícita uma postura política. Apareceu num momento de repressão violenta, quando não havia ainda a “moda” do índio por parte de alguns intelectuais. O livro traça a trajetória das lutas dos povos indígenas a partir do momento em que os portugueses puseram os pés no solo brasileiro, a reação permanente dos índios à sua escravização, a carnificina que os “civilizadores” praticaram em nome da cruz e da espada e o destaque de seus heróis, como Ajuricaba, Cunhambebe e outros que se projetaram na guerra. Estes fatos são expostos nos capítulos, cujos títulos bem demonstram o conteúdo da obra: “A terra e a gente”, “Primeiros contatos”, “Como eram os índios”, “Reagem os índios à escravidão”. “Entre a cruz e a espada”, “Entradas e bandeiras”, “Vespucci pinta o Brasil”, “Antropofagia e sexualidade dos portugueses”, “Massacre e resistência”, “Carnificina e rapinagem”, “Cruz no pescoço e dedo no gatilho”, “Ajuricaba herói e mártir”, “Lobos com peles de ovelhas”, “Razia infernal de D. Raposo”, “Insurreição dos Índios”, “As atrocidades de Mem de Sá, “Fracasso da catequese jesuíta”, “Caminha e os índios”, “Alimentação e costumes”, “Párias dentro da pátria”, “Pombal, os índios e o SPI”.
Não iremos fazer aqui uma resenha convencional do livro, mas destacar o seu significado político e a sua importância cultural pelo material que nos transmite, num momento em que os povos indígenas estão sendo ameaçados por uma reforma constitucional espúria, que pretende tirar-lhes os direitos adquiridos.
A reedição do livro de Luiz Luna é feita por uma casa portuguesa, e isto também é sintomático e significativo. Demonstra como os trabalhos de uma historiografia engajada e instrumental, capaz de esclarecer e ordenar uma consciência crítica (ou revolucionária) dos seus leitores, são subestimados pelas editoras nacionais, que preferem e privilegiam aqueles trabalhos que não dizem coisa alguma do processo de conscientização dos problemas gerais da nossa sociedade.
Aos heróis da resistência Cunhambebe e Ajuricaba o livro é dedicado. Quando se procura conscientizar a sociedade civil ou, pelo menos, os seus segmentos mais significativos e democráticos dos dilemas perigosos em que se encontra a possível solução do problema indígena, a leitura do livro de Luiz Luna é esclarecedora, importante e atual.