O modernismo conservador do Japão
O Japão é apresentado pela mídia como modelo de progresso e harmonia. Um país moderno, acostumado com a alta tecnologia, onde todos vivem bem. Também é mostrado como um país que respeita as tradições milenares e, por isso, o seu povo é sério e trabalhador. Em suma, o paraíso dos sonhos capitalistas, a última forma de desenvolvimento de uma sociedade. A mídia abusa da ignorância que se tem sobre esse país do Oriente. Nem os mais recentes casos de corrupção que envolveram governantes conseguiram abalar o mito Japão, criado para justificar cada vez mais os apertos de cinto na economia de nosso país.
Favela high-tech desfaz esse mito e mostra que a história é bem outra. Marco Lacerda faz uma crônica-reportagem sobre sua experiência como correspondente internacional no Japão. Ele diz que a história em que muitos brasileiros acreditam, que é só trabalhar que se pode voltar ao Brasil com as burras cheias de dólares, não passa de lorota, é o mesmo que acreditar que o nordestino vai enriquecer vindo para São Paulo, guardadas as suas proporções.
O fato é que a maioria dos japoneses não deseja mais executar certas tarefas, que são deixadas para os estrangeiros, chamados de “gaijins”, que também significa inimigo. Ele afirma “nos últimos tempos o Japão voltou a falar em yamato goroko, a raça pura japonesa, com a mesma frequência com que o termo Volk era usado na Alemanha nazista para referir-se à supremacia da raça ariana”.
O livro apresenta um Japão quase desconhecido da maioria. Fala do submundo, onde a indústria da prostituição e das drogas proliferam. O Japão sempre foi assim. A filosofia milenar faz o país permanecer submerso num conservadorismo atroz, e o capitalismo soube aproveitar-se disso para manter os trabalhadores submetidos ao sistema. A prostituição prolifera porque a mulher é pouco mais que nada no mundo japonês. Casa-se por conveniência, e cabe a ela manter o lar tranquilo; sexo, somente quando o homem quer ou para a procriação. A mulher é totalmente responsável pela educação dos filhos, assim como por todos os afazeres domésticos.
Os homens que se saem bem no trabalho esbanjam dinheiro com prostitutas, em bares noturnos e com drogas. Aliás, é sinal de desprestígio social um homem não manter sequer um casinho amoroso fora do casamento, mesmo porque não há alternativas de diversão. O sistema de trabalho e de competição é tão brutal que não há quem resista sem algum tipo de droga ou subterfúgio. Para Lacerda, “a partir dos anos 1980, década em que se consolidou como potência econômica o Japão tornou-se o discreto proprietário da maior e mais rentável indústria de prazeres sexuais que se conhece”.
Lacerda mostra como a Yakuza – máfia japonesa – domina a cena política e econômica do país. Ela tem nas mãos a polícia e a maioria dos políticos, é uma organização quase perfeita, que faria inveja a qualquer bicheiro brasileiro.
Segundo o autor, no Japão “o trabalho é o ópio do povo”, pois o regime, calcado em Confúcio, determina que o trabalho deve estar acima de tudo e a disciplina ser a viga mestra – o principal item do currículo de um japonês é o nome da empresa que trabalha. O sistema escolar é tão rígido quanto. Alguns estabelecimentos chegam a exigir que o aluno peça permissão para viajar nas férias com a própria família, ou a proibir um namoro. Um caso relatado é o do menino Norio, que se suicidou com a namorada. O menino deixou um bilhete: “Amor não se aprende na escola”.
“Tóquio é uma favela high-tech”, diz Lacerda, onde “só um terço das casas é ligado à rede de esgoto”. Os apartamentos são diminutos, mas repletas de parafernália eletrônica tão comum no país, e um melão chega a custar US$ 80. Como se vê, não é nenhum paraíso. Capitalismo é capitalismo, ainda mais num país onde estão as mais modernas formas de novo gerenciamento, que cada vez mais submete um trabalhador. Ali sobrevivem o que há de mais moderno em tecnologia e o que existe de mais reacionário em termos de filosofia de vida.