Para entender a questão racial no Brasil
O Brasil de quase 500 anos se apresenta como um país de desenvolvimento capitalista dependente, um sociedade organizada em classes e poli-étnica. No topo da escala social encontra-se a elite detentora dos meios de produção e do poder político, predominantemente branca; na base, negros, brancos, pardos e índios compõem a imensa massa de explorados, entre trabalhadores e aqueles que, em números cada vez maiores, estão marginalizados ou excluídos do processo produtivo. O livro de Clóvis Moura nos traz uma análise do desenvolvimento da formação econômica, social e cultural do país, enfocando a presença determinante do negro e desvendando a relação entre classe e raça, status e etnia.
Para precisar a forma como a escravidão transcorreu, o autor periodiza o escravismo em duas fases fundamentais: escravismo pleno (1550-1850) e escravismo tardio (1851-1888). A primeira caracteriza-se pelo predomínio das relações de produção escravistas. Nesse período, a subordinação da economia de tipo colonial à Metrópole e ao monopólio comercial era total; o latifúndio aparecia como forma fundamental da propriedade. O tráfico de escravos da África mantinha o fluxo permanente de mão-de-obra, que permitia níveis altíssimos de exploração e acumulação de lucros. As estimativas de diversos autores, ainda que inexatas e provavelmente subavaliadas, sobre o número de africanos que desembarcaram com vida na América, nas ilhas do Oceano Atlântico e na Europa variam de 10 a 12 milhões. Deste tráfico negreiro, 40% teriam sido canalizados para o Brasil. A legislação contra os escravos era violenta e inapelável, legitimando todo tipo de brutalidade dos senhores e da repressão aos movimentos de resistência e revolta.
Quando se modificam as condições internacionais e o papel relativo das metrópoles colonialistas, quando o capital inglês monopoliza, “moderniza” e subordina a economia interna e quando não é mais possível a reposição da população escrava, o sistema escravista no Brasil começa a apresentar sinais de estagnação e decadência.
A fase do escravismo tardio caracteriza-se pelo “cruzamento rápido e acentuado de relações sobre uma base escravista”. No processo de modernização dependente, os senhores de escravo conservaram seus privilégios e interesses, mantiveram a posse da terra e descartaram-se da mão-de-obra escrava, onerosa e desqualificada. Já os negros, na passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, foram impedidos de qualquer acesso ao processo produtivo, mesmo como força secundária. Pela Lei da Terra, por exemplo, de 1850, o Estado abria-mão de seu direito de doar e colocava as terras no mercado para a venda. Visava com isso a impossibilitar uma lei abolicionista radical que incluísse doação de terras aos libertos, mas permitia que os imigrantes se tornassem pequenos proprietários.
Na Guerra do Paraguai, as elites brancas viram a oportunidade de se livrar da “escória escrava” e mandaram os negros para a linha de frente da batalha, onde, segundo estimativas, morreram de 80 a 100 mil negros.
No plano ideológico e político, a classe dominante desenvolveu a ideologia do racismo para justificar a exclusão do negro do novo processo produtivo e o branqueamento da mão-de-obra livre, com a incorporação dos imigrantes.
Na segunda parte do livro o autor analisa a dinâmica interétnica no desenrolar da história da sociedade brasileira; de que forma as culturas africanas dominadas foram reelaboradas como uma cultura afro-brasileira; como a identidade étnica do brasileiro não-branco e do negro busca se firmar; e como o negro foi obrigado a disputar sua sobrevivência social, cultural e biológica numa sociedade racista, que procura mantê-lo imobilizado nas camadas mais oprimidas.
Na conclusão, Clóvis apresenta pontos de vista instigantes pelo seu significado político e mobilizador. Demonstra que o preconceito racial faz com que o negro, além de explorado pelo sistema capitalista, seja discriminado pela elite e por grandes camadas da população branca pobre, também explorada, impregnada pela ideologia do racismo; e que esse quadro se agrava sob o capitalismo dependente, que aguça a competição, nas sociedades em que um dos elementos selecionadores é a cor da pele. Mas só uma política globalizadora do problema do negro, que o integre à solução dos problemas da classe operária e dos marginalizados, é capaz de orientar a luta por uma sociedade realmente democrática nas relações de produção.