Desde o último dia 15 de julho, quando os jornais anunciaram que Lula tinha 34 pontos contra 25 de Fernando Henrique nas intensões de voto para a eleição de 3 de outubro, ficou claro que o jogo eleitoral havia começado de verdade. Esses números desfizeram a ilusão de um passeio eleitoral rumo ao Palácio do Planalto, e a realidade da luta de classes impôs-se.

As eleições presidenciais brasileiras têm sido – com escassas exceções – momentos privilegiados de disputa entre projetos diferentes para os destinos do país. Desde a proclamação da República, em 1889, as velhas oligarquias agromercantis, enraizadas no passado colonial e fortalecidas durante o Império, aliadas seculares dos interesses externos, se chocam com projetos de desenvolvimento autônomo para a nação (1).

Depois de 1930, esse conflito se acentuou. Embora os velhos interesses colonialistas não tenham sido completamente derrotados, setores interessados na modernização do país passaram a ocupar posições estratégicas no governo federal e conseguiram influir na construção de um modelo de desenvolvimento baseado na produção industrial destinada ao mercado interno, e não na produção agrícola de exportação. Tratava-se de uma industrialização ainda imatura, destinada a fabricar produtos antes importados. Por isso esse modelo também é conhecido como de “substituição de importações”. Produzia, fundamentalmente, bens de consumo; os chamados bens de capital (as máquinas usadas na produção) eram importados, e não fabricados no país.

Essas mudanças significaram um aprofundamento no desenvolvimento capitalista brasileiro. Foram acompanhadas por uma modernização nas relações de classe, mesmo sob as condições da ditadura. O Estado brasileiro passava a ter um papel decisivo na promoção do desenvolvimento; as políticas econômica, cambial, industrial e agrícola destinavam-se a atender os interesses da burguesia brasileira.

O final do Estado Novo e o afastamento de Getúlio Vargas, em 1945, representaram um golpe nesse modelo. O governo de Eurico Gaspar Dutra foi, em todos os sentidos, uma antecipação daquilo que hoje se considera o programa neoliberal. As importações foram praticamente liberadas, o apoio oficial ao desenvolvimento industrial foi nulo e o alinhamento do Brasil com os países ricos (o chamado Primeiro Mundo) deu o tom das políticas interna e externa. As reservas que o Brasil havia acumulado duramente durante a Segunda Grande Guerra, e que atingiam a quantia de 600 milhões de dólares, foram gastas de forma irresponsável. Antes de sua queda, Getúlio Vargas planejava usá-las para a recuperação tecnológica da indústria, diz o historiador Edgard Carone. Mas, seguindo o Acordo de Bretton Woods (que criou o Fundo Monetário Internacional) e as orientações de Eugênio Gudin, o patrono dos neoliberais brasileiros, o governo Dutra praticou uma desastrosa política de liberdade cambial. “A consequência é que, nestes anos, dá-se importação livre de bugigangas – brinquedos, eletrodomésticos, bebidas, automóveis” (2).

Vargas voltou à presidência, eleito em 1950, com a idéia de retomar o impulso perdido em 1945. Mas as condições internas e externas eram mais difíceis. Não havia saldo em dólares; a reação interna fora fortalecida sob Dutra, que manietou os sindicatos, perseguiu os comunistas e impediu, diligentemente, o reaparecimento de qualquer forma de organização popular. Externamente, o imperialismo já se refazia do impacto da guerra, se fortalecia, e a Guerra Fria estava no auge. Com a volta de Vargas à presidência, a disputa entre os modelos de desenvolvimento para o país assumiu sua feição moderna.

O choque entre o imperialismo e o nacional-desenvolvimentismo se aprofundou. O modelo de substituição de importações floresceu. Getúlio tentou dar-lhe uma feição autônoma, mas foi derrotado. Com Juscelino Kubitschek e, depois, com os militares, ele foi a base do chamado modelo dependente-associado. Na verdade, a substituição de importações, como padrão de desenvolvimento industrial, só funcionou bem no período em que o capitalismo estava em expansão pelo mundo. De qualquer forma, ele permitiu que a indústria se tornasse, definitivamente, o mais importante setor da economia brasileira. O velho país agrário deixou de existir, e uma nação moderna, urbanizada e industrializada emergiu – mesmo que essa industrialização fosse dependente e, em seus setores principais, baseada no capital estrangeiro.

Esse modelo importou os fabricantes para substituir a importação dos produtos. Para a classe dominante brasileira, foi um verdadeiro achado; a modernização conservadora unificou seus vários setores, deu-lhes um projeto nacional, ligou-os aos interesses do imperialismo e, ao mesmo tempo, promoveu a modernização sem alterar as arcaicas estruturas sociais que sobrevivem no país desde o período colonial. Seu sucesso fez com que Juscelino Kubitschek, o presidente que consolidou esse modelo, fosse visto, na mitologia política da elite, como o grande modernizador do país.

“O “Consenso de Washington” resume a receita do Banco Mundial e do FMI”.

Apesar de suas limitações, o modelo de substituição de importações foi positivo para o progresso do país. Ele está em crise há muito tempo. O país, hoje, está prestes a dar um novo passo em seu desenvolvimento e precisa de um novo modelo. O esgotamento desse modelo decorre dos novos rumos que os países ricos deram a seu desenvolvimento, mas também ao amadurecimento das contradições dentro da própria sociedade brasileira.

Contudo, o modelo dependente-associado ainda tem fôlego e procura uma formulação adequada para o país e uma nova base em que apoiar-se. As tentativas neoliberais – aceleradas depois de 1990, quando se definiu o chamado “Consenso de Washington” – são parte dessa busca. O “Consenso de Washington” resume a receita do FMI e do Banco Mundial para estabilizar e ajustar as economias dos países periféricos, entre eles o Brasil, e adaptá-los à nova realidade do capitalismo mundial. A expressão foi criada pelo economista anglo-americano John Williamson, em 1990, em um seminário promovido pelo governo norte-americano. Ela designa uma estratégia de ajustamento econômico que prevê três passos a serem dados, nessa ordem: 1) estabilização da economia (combate à inflação; 2) realização das reformas estruturais (privatizações, desregulamentação de mercados, liberalização financeira e comercial); e 3) retomada dos investimentos estrangeiros para alavancar o desenvolvimento (3).

Essa estratégia esbarra em fortes resistências na sociedade brasileira, que contrapõe o imperialismo e seus aliados internos a um bloco heterogêneo formado por industriais e agricultores voltados para o mercado interno; pela classe média, que, se deseja quinquilharias importadas, precisa também de empregos capazes de sustentar esses sonhos; por uma classe operária enorme, treinada, concentrada na região Sudeste, mas espalhada pelo país todo, capaz de aplicar seus conhecimentos seja em grandes indústrias, seja em pequenos empreendimentos que atendem às demandas internas; pelos proletários rurais, que, acumulando-se nas cidades, concentram pressões de todo tipo em busca de meios de vida. Afinal, trata-se de uma população de 150 milhões de pessoas que precisam morar, comer, trabalhar, educar os filhos, viver.

Os sinais das dificuldades do neoliberalismo são inúmeros. Seu campeão, o presidente Collor de Mello, foi escorraçado do poder, juntamente com sua troupe. Sob Itamar, a insistência em seguir a agenda neoliberal também não vai bem. O modelo de parlamentarismo pretendido pelas elites brasileiras foi derrotado em abril passado; a revisão constitucional naufragou; o próprio programa de privatizações segue sem o êxito que seus promotores gostariam de exibir.

Na eleição presidencial de outubro, cem milhões de eleitores, que fazem do Brasil uma das maiores democracias do mundo, vão decidir o rumo que a nação vai seguir no futuro. Ou o governo federal continuará no impasse tentando enfiar goela abaixo da nação um projeto que contraria tantos interesses, e parece ter poucas chances de emplacar numa situação de normalidade democrática (afinal, entre os países que implantaram o projeto neoliberal, as democracias são raras). Ou haverá uma chance de o país enveredar – com o governo federal à frente – por uma via de desenvolvimento empenhada em atender aos interesses de sua população.

“FHC não é um mero neoliberal. É o homem escolhido para viabilizar esse projeto no país”.

O cientista José Luis Fiori indicou, com argúcia, o papel que as elites conservadoras esperam de Fernando Henrique . O que a nova aliança de FHC se propõe, diz ele, é “remontar a tradicional coalizão em que se sustentou o poder conservador no Brasil. É este o verdadeiro significado direitista de sua decisão, que não é de hoje, mas data de maior de 1991, quando apoiou a reorganização do governo Collor em aliança com o próprio PFL de ACM e Bornhausen”. Por isso, diz ele, “o Plano Real não foi concebido para eleger FHC, FHC que foi concebido para viabilizar no Brasil a coalizão de poder capaz de dar sustentação e permanência ao programa de estabilização do FMI, e dar viabilidade política ao que falta ser feito das reformas preconizadas pelo Banco Mundial” (4).

Fiori tem razão, Fernando Henrique diz que seu governo vai “mudar o patamar do capitalismo brasileiro” (5). E o rumo preconizado, indicado pela aliança com o PFL, fica claro no elogio que FHC fez a Collor de Mello por ter derrubado as barreiras protecionistas no Brasil. “Era uma coisa que tinha que ser feita. Não há dúvidas. (…) Ele inovou pontos na agenda econômica. Botou pontos novos na agenda” (6). Foi para cumprir esse programa que Fernando Henrique se uniu ao PFL. O PFL não foi apenas o partido do período final da aventura de Collor. Ele é, principalmente, o partido do projeto neoliberal, que reúne as forças que, desde o passado colonial, defendem a integração subordinada do Brasil numa economia mundial dominada, antes, pelas metrópoles coloniais, e hoje pelas nações imperialistas.

Nesse sentido, é eloquente a profunda semelhança entre os programas do PSDB, partido de Fernando Henrique, e do PFL, partido de Antonio Carlos Magalhães, Marco Maciel, Antonio Carlos Bornhausen e tantos outros antigos expoentes da ditadura militar.

A elaboração de ambos foi comandada pela lógica do grande capital; enfeixa mudanças institucionais para garantir o cenário para um novo padrão de desenvolvimento adequado aos interesses do grande capital brasileiro e de seus sócios estrangeiros.

Fernando Henrique, que personifica esses programas, quer reeditar o feito de Juscelino Kubitschek. “Nosso desafio”, disse ele recentemente, “é igual ao que teve Juscelino: colocar o país num caminho de desenvolvimento”.

Como Juscelino, FHC quer aprofundar a modernização conservadora, sem mexer na velha estrutura social. E, da mesma forma, como nos anos 1950, quer basear o desenvolvimento no capital estrangeiro – um objetivo que, esclareceu, faz parte do Programa do PSDB.

O PSDB diz, em seu programa (7), que os investimentos estrangeiros virão se a inflação for contida: haverá, garante, “uma verdadeira avalanche de capitais que virão do exterior ou serão transferidos da especulação financeira para a produção”. E a receita para conter a inflação é a velha ortodoxia monetarista recomendada pelo FMI: “assegurar o equilíbrio fiscal, impedir o descontrole monetário e manejar adequadamente a política cambial” (8).

“A lógica do grande capital comandou a elaboração dos programas do PSDB e do PFL”.

O Programa do PFL (9), coordenado pelo deputado e ex-ministro de Itamar Franco, Gustavo Krause, fala, por sua vez, “em incorporar as idéias do moderno liberalismo”. Querem um novo pacto federativo que favoreça o poder local – isto é, o poder dos grotões que formam as bases do PFL, um partido herdeiro dos velhos coronéis que infestaram a política brasileira. Falam também em consolidar “uma economia de mercado, onde os agentes econômicos possam exercer plenamente as liberdades de produzir, investir e consumir”. Ou seja, uma situação onde os detentores do capital terão liberdade ampla para agir, impondo seus interesses ao conjunto da sociedade.

Ambos os programas querem reduzir o papel do Estado no desenvolvimento; cortar impostos para as empresas; falam em reduzir os encargos sociais sobre os salários (dito de outra forma, querem cortar benefícios trabalhistas que resultaram de décadas de luta dos trabalhadores); defendem a continuidade e o aprofundamento do programa de privatizações; prometem retomar o processo de revisão da Constituição, que foi derrotado esse ano no Congresso Nacional; eliminar as barreiras à entrada e à saída do capital estrangeiro do país e suprimir da Constituição a diferença entre a empresa brasileira e a empresa de capital nacional (outra mudança exigida pelas multinacionais); pretendem liquidar com os monopólios estatais sobre telecomunicações e petróleo; anunciam também que vão consolidar o processo de abertura do mercado brasileiro iniciado por Collor.

Além disso, o PSDB quer adotar uma política fiscal que favoreça a agricultura e a agroindústria – que considera essencial para a geração de empregos nesses setores – “e todas as exportações de produtos elaborados, semi-elaborados e não elaborados”. Por outro lado, fala em reforma agrária para resolver conflitos no campo – uma promessa repetida desde o governo do general João Baptista Figueiredo. O PSDB quer também o voto distrital misto, abrir a mineração e a exploração da energia elétrica ao capital estrangeiro e – em relação aos trabalhadores – suprimir da Constituição a “unidade sindical, as contribuições sindicais obrigatórias e o papel normativo da Justiça do Trabalho”.

O Programa do PFL completa esta lista de medidas de interesse das elites brasileiras. Quer eliminar a aposentadoria por tempo de serviço; privatizar os serviços públicos; implantar a Lei de Patentes imposta pelo imperialismo e rejeitada pela sociedade brasileira; acabar com o ensino superior gratuito.
Os programas do PFL e do PSDB se completam nos detalhes, e são idênticos no essencial. Exprimem o Programa de uma classe dominante ciosa de seus interesses e decidida a defendê-los. Expressão desses dois programas na disputa eleitoral, Fernando Henrique Cardoso não aceita caracterizar seu projeto como neoliberal. Diz que é social-democrata.

Em parte, ele tem razão. No caso do Brasil, a aplicação pura e simples do projeto neoliberal, como ocorreu nos países como a Argentina, o Chile, o México, por exemplo, parece ter poucas chances de medrar. O destino de Collor de Mello e as dificuldades do governo Itamar são ilustrativos. O Brasil não é um mero país do chamado Terceiro Mundo, mas algo entre a oitava e a décima economia mundial. Aqui, mais do que em qualquer outro país pobre, os interesses conjugados de amplos setores das classes dominantes brasileiras e do imperialismo estão intimamente interligados.

As candidaturas de Orestes Quércia e Leonel Brizola aglutinam, por exemplo, alguns setores da elite brasileira e setores populares, que rejeitam total ou parcialmente o programa neoliberal.

Apresentam-se como uma alternativa entre a esquerda, representada pela Frente Brasil Popular e por Lula, e a direita neoliberal, articulada em torno de Fernando Henrique Cardoso e da aliança do PSDB/PFL.

Brizola reivindica a herança histórica do nacionalismo de Vargas e do PTB, o nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960. Quércia também se apresenta como nacionalista, embora fale em flexibilizar alguns monopólios estatais e em reintroduzir os contratos de risco na prospecção de petróleo (10).

“Quércia e Brizola não entendem que o papel do Estado na acumulação mudou; hoje é financeiro”.

Ambos querem a intervenção do Estado para fomentar o desenvolvimento. Por sua vez, falam os interesses daquele setor da burguesia brasileira que teve no Estado seu principal cliente e impulsionador. Saudosos do padrão de acumulação capitalista baseado na intervenção estatal, não compreendem que hoje impera a lógica do grande capital, que faz do Estado o principal agente financeiro no padrão de acumulação. No modelo que Quércia, Brizola e os que pensam como eles tentam reanimar, o Estado transferia recursos para a classe burguesa através de investimentos produtivos, seja em infra-estrutura, amparando empreendimentos em dificuldades, ou transformando-se no comprador preferencial de muitas empresas. Agora, o Estado transfere recursos para a classe burguesa através de mecanismos financeiros, e passa ao largo da produção. Essa é uma mudança essencial, que impõe soluções diferentes daquelas experimentadas no passado.

As dificuldades enfrentadas pelo neoliberalismo no Brasil fazem os interesses coligados do grande capital brasileiro e estrangeiro buscarem outra versão, mais palatável, daquele mesmo programa,
É essencial, para a credibilidade desse pacto e de sua expressão eleitoral, a convicção de que a globalização da economia “existe como consequência de uma nova forma (até tecnológica) de produzir”, como diz Fernando Henrique, e que o grande desafio é a inserção do Brasil no sistema produtivo internacional (11). Isto é, ele pretende nos fazer crer que estamos imersos em uma realidade da qual não escapamos; que esse é o único caminho para o desenvolvimento do país e que, se soubermos explorar suas possibilidades, poderemos até nos beneficiar com ele.

Embora não diga nada sobre política industrial, FHC – no espírito do velho liberalismo manchesteriano, o liberalismo das vantagens comparativas – diz que devemos “aproveitar nossas vantagens estratégicas: metas audaciosas na agricultura, programas intensivos de treinamento de mão-de-obra, expansão dos setores de serviços, especialmente especialmente no turismo etc. E muito investimento (privado, local e internacional, junto ao que seja possível no setor público) em energia, portos e transportes” (12).

Esse é o sentido, da integração subordinada do Brasil no sistema produtivo mundial que ele defende. Transformar o país num balneário para as férias de estrangeiros endinheirados; fazer o país voltar a ser um mero fornecedor de serviços, matérias-primas e produtos agrícolas. Afinal, essa era, diziam os antepassados dos neoliberais de hoje, nossa vocação, a agricultura.

Fernando Henrique se dispõe, sob o comando do grande capital brasileiro e estrangeiro, a completar a obra iniciada por Collor de Mello. Mas não diz qual o custo dessa modernização. Tivemos uma amostra com Collor – desemprego; arrocho salarial em níveis sem precedentes; obstáculos à produção industrial; desmonte do Estado e abandono das políticas públicas de interesse popular, como saúde, educação, saneamento etc; atentado violento à soberania da Nação, com o abandono de programas científicos, tecnológicos e produtivos fundamentais para a autonomia do país; sucateamento e venda aviltada de empresas estatais, cuja construção custou o sacrifício de gerações de brasileiros. Tudo isso para integrar o Brasil no Primeiro Mundo, de acordo com as normas definidas pelos países capitalistas dominantes.

“A Frente Brasil Popular e Lula querem um desenvolvimento alavancado no mercado interno”.

A polarização da disputa presidencial em torno de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva demonstra o interesse da sociedade brasileira em romper o impasse. As propostas de Fernando Henrique Cardoso e de Lula e da Frente Brasil Popular são, nesse sentido, as duas alternativas mais articuladas para responder aos desafios contemporâneos. As classes dominantes tradicionais, o grande capital brasileiro e estrangeiro e seus aliados internos, costuram, em torno de Fernando Henrique, a grande aliança de proprietários que vai desde a Fiesp aos coronéis renovados do Nordeste, e sua bandeira é a modernização conservadora, a atualização da velha inserção subordinada do Brasil no jogo das potências imperialistas.

Lula e a Frente Brasil Popular articulam não só os assalariados da cidade e do campo, os intelectuais, os profissionais liberais, os setores populares organizados da sociedade brasileira. Articulam também expressivos setores empresariais cuja situação social os coloca em contradição com o grande capital brasileiro e estrangeiro, e que pretendem usar o mercado interno como uma plataforma para alcançar o mercado mundial. O eixo principal do programa da Frente Popular é a defesa do povo contra a exclusão social, contra o desemprego, o arrocho salarial, a miséria; a defesa da democracia, contra as ameaças de rompimento da ordem constitucional; e a defesa da soberania nacional, ameaçada pelas imposições imperialistas que se acentuaram nos últimos anos.

Numa entrevista recente, Lula diz que vai priorizar o mercado interno e buscar um crescimento sustentável baseado na distribuição de renda e no aumento da capacidade de consumo dos brasileiros. Seu governo, garante, vai estimular setores de consumo popular – alimentos, tecidos e brinquedos – com o objetivo de criar um mercado interno de massas; ao mesmo tempo, vai tratar de forma diferenciada o grande capital e as pequenas e médias empresas, para os quais adotará uma política de benefícios fiscais e de crédito facilitado. Além disso, diz Lula, a recuperação do salário mínimo será a base para a “revolução capitalista do mercado interno brasileiro” (13).

A questão que está no centro do debate político dos últimos anos é o papel do Estado no desenvolvimento. Os programas de modernização apregoados pelas elites na última década – e o projeto neoliberal é o principal deles – são marcados por uma lógica de classe transparente. Para a classe dominante, trata-se de manter o Estado subordinado ao grande capital, servindo a seus interesses.

Para os setores populares, neste momento, a força do governo deve ser usada para induzir o crescimento econômico, fazer com que a produção da indústria e da agricultura brasileira destinem-se, primeiro, a atender às necessidades de nosso povo. Estes são, fundamentalmente, os dois programas que se recolocam outra vez em uma sucessão presidencial em nosso país.

* Jornalista.

Notas

(1) RUY, José Carlos. “Sucessões presidenciais no Brasil, uma história que se repete”, Debate sindical, n. 16, abril/maio/junho de 1994. Ver também RUY, J. C. “Do escravo ao metalúrgico”, in Retrato do Brasil, vol. I (coleção), Política Editora, São Paulo, 1984; RUY, J. C. “A modernização conservadora de 64 e o projeto neoliberal”, Princípios, n. 33, maio/junho/julho de 1994.
(2) CARONE, Edgard. A república liberal, vol. I, Instituições e classes sociais ( 1945/1964), São Paulo, Difel, 1985.
(3) SILVA, Fernando de Barros e. “O real divide a sucessão a traz à tona o debate sobre a adesão do país ao Consenso de Washington”, Folha de São Paulo, 03-07-1994.
(4) FIORI, José Luis. “Os moedeiros falsos”, Folha de São Paulo, 03-07-1994.
(5) Jornal do Brasil, 27-06-1994.
(6) Folha de São Paulo, 11-06-1994.
(7) O Globo, 26-07-1994.
(8) Proposta de programa de governo do PSDB. Divulgada na Convenção Nacional do PSDB, realizada em Contagem, MG, em 17-05-1994. O Estado de São Paulo, 18-05-1994.
(9) Partido da Frente Liberal (PFL), Comissão Nacional de Estudos e Programas, Princípios e Metas Fundamentais para um Programa de Governo, Eleições de 1994, 1ª versão (versão para debate).
(10) Folha de São Paulo, 27-07-1994.
(11) CARDOSO, Fernando Henrique, “Reforma e imaginação”, Folha de São Paulo, 10-07-1994.
(12) Idem.
(13) O Globo, 25-07-1994. Ver também Programa de governo – Projeto para discussão, Comissão Nacional de Programa de Governo do PT-94. Cadernos de Teoria e Debate, São Paulo, 1994.

EDIÇÃO 34, AGO/SET/OUT, 1994, PÁGINAS 4, 5, 6, 7, 8