Poucas vezes se destaca a enorme herança que muitas teses correntes em nossos tempo têm com o pensamento conservador europeu do período que vai da Comuna de Paris até a ascensão do nazismo na Europa. Mas esse parentesco existe, e seu elitismo, individualismo e desprezo pelo progresso são muito maiores do que se possa imaginar.

Dois livros publicados recentemente desvendam esse enraizamento: O modernismo reacionário, de Jeffrey Herf, e Por que não somos nietzscheanos, coletânea de ensaios de Alain Boyer, Luc Ferry, Robert Legros e outros.

São livros que cobrem um período turbulento da vida intelectual européia. Por que não somos nietzscheanos faz uma apresentação crítica extremamente viva do pensamento de Nietzsche, um dos pais do irracionalismo contemporâneo, e um balanço de sua influência no pensamento francês pós-1968. “É preciso parar de interpretar Nietzsche e tomá-lo ao pé da letra”, diz Alain Boyer. É preciso apresentar o pensador alemão com a carranca autoritária que lhe é própria. André Comte-Sponville relembra as passagens em que Nietzsche defendeu a escravidão, a opressão, o racismo, o extermínio dos fracos, atacou o progresso, o socialismo, a democracia. Passagens de seu louvor à “soberba besta loura que ronda à procura de presas e de carnificinas” deve ter soado como música aos ouvidos nazistas.

O modernismo reacionário descreve o pensamento alemão em um período posterior a Nietzsche. A ação dos autores que analisa vai da República de Weimar ao III Reich – do final da Primeira Grande Guerra à Segunda Grande Guerra. Até então, o pensamento conservador – como o de Nietzsche – havia condenado o industrialismo e o progresso como prenúncio de um mundo sem alma. O passado pré-capitalista, onde a elite rural predominava, era idealizado como um cenário de glória, cuja ordem fora profanada. O mundo profundamente hierarquizado, onde os privilégios da aristocracia eram baseados no nascimento, e onde as massas mantinham-se respeitosamente submissas, era rapidamente substituído por novas relações, em que o dinheiro era o novo senhor.

A cultura elitista alemã do entre-guerra, pensa Jeffrey Herf, foi capaz de combinar o industrialismo com o espírito alemão. Criaram a ideologia que moveu fanáticos com o espírito dos cavaleiros teutônicos, armados com máquinas produzidas pela tecnologia mais avançada dos anos 30 e 40. Ernst Junger foi talvez o escritor de mais sucesso, neste particular. Antiparlamentar e antidemocrático, irracionalista e romântico, ele desprezava as massas e exaltava o mito de uma elite carismática. Pregando um “nacionalismo novo”, ele fazia a apologia da guerra, e defendia uma terceira via (contra o comunismo e o capitalismo), uma forma de organização social baseada na militarização do trabalho. O trabalhador-soldado de Junger, diz Herf, “foi um dos mais duradouros símbolos modernistas reacionários.

Apresentava uma mistura vívida, facilmente inteligível, de tradição cultural e modernismo técnico, mistura que se tornou tema comum na propaganda do regime de Hitler”. Além de Junger, Herf analisa autores como Oswald Spengler, Martin Heidegger, Carl Schmitt, Hans Freyer, Werner Sombart.