As eleições gerais e o novo governo
1 O Brasil acaba de viver, com a realização das eleições gerais, uma grande batalha política. Após cinco meses de intensa campanha, o eleitorado de quase 80 milhões de votantes (dum total de 94,5 milhões de eleitores) acorreu às urnas para escolher o presidente da República, governadores de estado, senadores, deputados federais e estaduais. Por larga vantagem, Fernando Henrique Cardoso, candidato das forças reacionárias e do imperialismo, venceu as eleições em primeiro turno, consagrando-se o novo presidente do Brasil.
2 A Direção Nacional considera que as eleições de 3 de outubro não constituem fato isolado no quadro político. São episódios de enorme significado da luta de fundo histórico e caráter estrutural que transcorre no país há muitas décadas e envolve seu próprio destino como nação soberana. Nessa batalha enfrentam-se em posições antagônicas as forças conservadoras, que procuram orientar o Brasil para o neoliberalismo, e as forças de cunho nacional, democráticas e populares, que lutam por um Brasil soberano, democrático, progressista.
3 A vitória de Fernando Henrique Cardoso resulta de uma engrenagem política, econômica, ideológica e administrativa, arquitetada e colocada em ação pelas forças conservadoras internas e externas. FHC e o Plano Real foram instrumentos dessas forças que precisavam de um candidato viável, sem os estigmas dos reacionários contumazes, e de uma aparente solução à grave situação econômica, a fim de derrotar o candidato de origem popular em plena ascensão. Impossibilitada de lançar um de seus quadros tradicionais, a direita foi buscar no PSDB e no governo Itamar um candidato de passado democrático e imagem limpa. Daí resultou a coligação do PSDB com o PFL, partido reacionário, de direita, que inclusive indicou o candidato a vice-presidente, Marco Maciel.
4 A campanha de Fernando Henrique Cardoso contou com integral apoio da mídia. A grande imprensa, o rádio, a televisão e os institutos de pesquisa foram peças privilegiadas e de largo alcance, a fim de induzir o eleitorado a uma posição favorável a Fernando Henrique. Na sua campanha conjugaram-se também os esforços do grande empresariado nacional, da máquina governamental e do imperialismo norte-americano, que deu ao candidato do PSDB-PFL apoio indireto e direto. Tudo isso possibilitou a FHC realizar uma campanha milionária e mobilizar meios de manipulação de opinião pública. Importante componente de sua campanha de sua vitória foi o apoio dos setores inorgânicos de centro-esquerda e da esquerda “democrática”, através de intelectuais, artistas, desportistas de renome e da maioria da comunidade acadêmica, que ajudaram a maquiar FHC, apresentando-o como intelectual de valor, homem perseguido pela ditadura, ligado às forças que lutaram pela redemocratização do país.
5 O “carro-chefe” da campanha de FHC foi o Plano Real. Concebido como obra do candidato e solução para estabilização da economia, ganhou boa parte da classe média e mesmo de setores populares. Embora o Plano Real seja, em médio prazo, vulnerável e não ataque as causas estruturais da inflação, tem predominado até agora a ilusão de que afinal se encontrou a solução ideal para conter a alta dos preços e assegurar a estabilidade monetária.
6 De outra parte, as forças democráticas e progressistas aparecem divididas, com pelo menos três candidaturas – Lula, Brizola e Quércia, entre as quais a de Lula é mais destacada. Num quadro de polarização entre Lula e FHC, as outras duas candidaturas foram praticamente anuladas. A insignificante votação de Brizola e Quércia não expressa a verdadeira força desses candidatos que, no entanto, sofreram duro revés.
7 Também influíram na derrota de Lula concepções errôneas que presidiram sua campanha. A mais grave foi a estreiteza. Lula não logrou criar uma ampla frente, como propunha o Partido Comunista do Brasil. Não levou em consideração que no nosso país a eleição de um governo popular tem como condição indispensável a amplitude da política. Em decorrência, a Frente Brasil Popular permaneceu estreita, fechada e sob hegemonismo artificial. Sem compreender a dimensão de massas e o alcance político que poderia ter um movimento de frente única com caráter nacional, democrático e popular, a direção da campanha Lula em geral adotou flexões táticas erráticas, denotando falsa amplitude, que consistia na tentativa inócua de neutralizar ou ganhar setores que jamais se comporiam com a esquerda. Com pouca nitidez programática, prevaleceu na candidatura da FBP um discurso político ambíguo, dificultando a definição dos campos em disputa e aumentando a confusão do eleitorado. Ao defender posições claudicantes em relação a temas sensíveis e decisivos – como o tratamento a ser dado à dívida externa, a atitude em face da invasão do Haiti pelos Estados Unidos, a revisão constitucional e as privatizações – Lula não se diferenciou suficientemente de FHC em questões essenciais. A campanha de Lula e da FBP cometeu erros no exame da correlação de forças em presença. No começo, quando aparecia com larga vantagem nas pesquisas de opinião, incorreu na imprudente atitude do “já ganhou”, injustificável subestimação do adversário.
Durante longo tempo a campanha privilegiou o interior do país, através das “caravanas da cidadania”. Somente no final voltou-se para os grandes centros, onde vivem a classe operária e a grande maioria do eleitorado. Quando a candidatura adversária cresceu, instalou-se na campanha de Lula a desorientação política. O programa de TV, principal peça publicitária da campanha, perdeu o rumo. Não sabia como enfrentar o Plano Real nem como responder aos ataques da mídia e dos adversários em geral. Malgrado esses aspectos negativos, Lula e a Frente Brasil Popular protagonizaram em certa medida uma campanha democrática e popular, com acento para a questão social. Os grandes comícios do final da campanha mostraram a pujança e as possibilidades de mobilização popular.
8 Conquanto as forças reacionárias tenham saído vitoriosos, não se pode dizer que os resultados gerais assinalem apenas as derrotas das forças democráticas e progressistas. Há também vitórias parciais que influenciarão o desenvolvimento da situação política do país. As conquistas do governo de Pernambuco por Miguel Arraes, grande liderança nacional, é a garantia de um importante ponto de apoio para a resistência nacional e democrática; também a vitória de Dante de Oliveira em Mato Grosso é indicador do avanço das forças progressistas, assim como o fato de haver segundo turno para os governos estaduais, em que concorrem candidatos progressistas – em Brasília, Sergipe, Espírito Santo, Paraíba, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Amapá, Santa Catarina, entre outros. O aumento da bancada do PT na Câmara Federal, passando de 36 para 49 deputados, e no Senado, com a eleição de quatro novos senadores, constitui inegável êxito da esquerda. A performance do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no resultado nas eleições de 3 de outubro é aspecto marcante de grande destaque. Os comunistas elegeram 10 deputados federais, duplicando sua bancada (em 1990 o PCdoB elegera 5 deputados federais).
9 Sobre o novo governo Fernando Henrique Cardoso, a Direção Nacional definiu a posição do PCdoB.
Fernando Henrique Cardoso chega ao governo tendo assumido sérios compromissos com a direita internacional e nacional e também com o centro. Esses compromissos levam-no inevitavelmente a tentar aplicar medidas de caráter antinacional e antidemocrático, a promover reformas políticas reacionárias, como a revisão da Constituição, a “reestruturação” do Estado e igualmente a privatização de empresas estatais de importância fundamental.
Por outro lado, é inequívoco que o governo de FHC encerra contradições políticas. Apóia-se no PSDB, partido de centro com tendências de centro-esquerda em seu interior, e em setores inorgânicos de esquerda “democrática” (intelectuais, artistas etc.). O próprio presidente eleito, simpático ao neoliberalismo, faz questão de se auto-intitular “social-democrata” e proclama que seu êmulo e inspirador é o presidente do governo espanhol, Felipe Gonzalez, também social-democrata, adepto ao neoliberalismo.
Fernando Henrique Cardoso será obrigado a fazer composições políticas heterogêneas e recorrerá ao engodo. Tentará apresentar-se como chefe de um governo democrático, salvador da pátria. Apelará, demagogicamente, ao apoio de todos e á compreensão da sociedade para tirar o Brasil da crise. Contará com o respaldo das forças conservadoras e do imperialismo, que já anunciou a disposição de ajudá-lo com investimentos, sobretudo no cobiçado setor energético.
O ponto fraco do novo governo é a grave situação econômica e social do país. O Plano Real não tem consistência. A menos de um mês das eleições, já se apresentam novos fatores de instabilidade e de retomada do processo inflacionário. As medidas recentemente adotadas pelo Ministério da Fazenda têm caráter recessivo. A abertura do mercado, exigência norte-americana, acabará provocando a resistência de setores do empresariado nacional. Os trabalhadores reivindicarão melhores salários e empregos. As massas populares não suportarão o agravamento de suas condições de vida. As correntes nacionalistas exigirão respeito à soberania nacional.
Numa situação tão complexa e contraditória, Fernando Henrique Cardoso terá dificuldade para realizar uma política abertamente de direita e estritamente neoliberal. Fará manobras e demagogia e, na medida do possível, tentará aplicar medidas “compensatórias” de cunho social.
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) declara-se em oposição a Fernando Henrique Cardoso. Não uma oposição exasperada que permita aos reacionários isolar as forças progressistas. Mas oposição firme, consequente e concreta, desmascarando e combatendo cada medida antinacional, antidemocrática e antipopular do governo. Somos um partido da resistência em defesa dos interesses democráticos, nacionais e populares. Nossa oposição visa a esclarecer o povo e mobilizá-lo em ações concretas. Objetivamos unir numa ampla frente política os partidos democráticos, as organizações sociais e culturais, as personalidades destacadas na luta em defesa dos interesses nacionais, a fim de desmascarar a farsa e a demagogia, com perspicácia e habilidade, abrindo caminho para as soluções de fundo que o povo e a nação reclamam.
São Paulo, outubro de 1994.
A Direção Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
EDIÇÃO 35, NOV/DEZ/JAN, 1994-1995, PÁGINAS 9, 10