NAFTA: o que há além do livre comércio
Na discussão sobre o NAFTA existe uma forte tendência à parcialização e atomização das complexas e múltiplas variáveis presentes no fenômeno. Se isso decorresse de vícios epistemológicos ou, simplesmente, de deficiências na formação profissional, o assunto se reduziria às tendências autodestrutivas de alguns profissionais ou grupos de analistas de exporem-se em público ao ridículo. Seria mais grave, porém, se essas “desvinculações” ou dissociações fizessem parte de uma política deliberada por ordem dos que representam os interesses daqueles que não consideram conveniente ou apropriado relacionar o tema comercial aos fenômenos políticos militares, à soberania nacional e, inclusive, aos direitos humanos.
Um exemplo típico desta linha de argumento, comunicada por porta-vozes oficiais e da cúpula empresarial, é apresentada por um analista econômico, que assim reclamava: “Na imprensa e em muitos seminários e congressos aparece o tema da soberania quando abordamos temas econômicos como o do mercado comum entre Canadá, Estados Unidos e México. Isso se torna muito maçante”.
Trata-se de uma linha de pensamento que, além de artificial e frívola, acredita evitar problemas e obstáculos cerceando a realidade.
As “desvinculações” adquirem um caráter mais prático e ameaçador nos momentos em que se intensificam a violação dos direitos humanos no México e as irregularidades nos processos eleitorais**. Alan Stoga, braço direito de Henry Kissinger e especialista em assuntos latino-americanos da influente empresa de consultoria privada Kissinger Associates, considerou oportuno acentuar, poucos dias depois que se tornou público o relatório da Americas Watch sobre as crescentes violações dos direitos humanos no México, que “o governo dos Estados Unidos não têm nenhuma preocupação no que se refere aos direitos humanos e às eleições mexicanas. Desde que se firmou o Tratado de Guadalupe e Hidalgo, os processos e interesses econômicos e políticos-estratégicos presentes nas relações entre México e Estados Unidos sofreram modificações, em geral contingentes às necessidades e desafios que as duas nações vêm enfrentando, com um peso maior – e, consequentemente, com vantagem – para os Estados Unidos.
A crise do petróleo de 1973, que em termos estratégicos alcançou sua expressão mais grave com o êxito do embargo imposto pela OPEP à política norte-americana no Oriente Médio, indicou que a constelação histórica do poder hegemônico norte-americano havia entrado num processo de declínio, também anunciado um pouco antes pela derrota no Vietnã. Simultaneamente, a concorrência pelos mercados aumentou e tornou-se aguda a necessidade de recursos naturais por parte das nações capitalistas altamente industrializadas, como Japão, Estados Unidos e países europeus. Atualmente esta necessidade só pode ser suprida pelo depósitos minerais – especialmente petrolíferos – localizados fora das fronteiras nacionais desses países.
Paralelamente, a predisposição e a inclinação à utilização de instrumentos financeiros e políticos militares para garantir o acesso privilegiado aos mercados e recursos vêm se intensificando. A tendência para as Américas era assim percebida no início dos anos 1970: “O impulso para a hegemonia hemisférica sob a direção dos Estados Unidos se faz ainda mais forte na atualidade que em qualquer outro período da história do século XX. À medida que, para recuperar-se da Segunda Guerra Mundial, a Europa empreende um verdadeiro ataque ao dólar e outros mercados econômicos caem sob o domínio do capital japonês, os Estados Unidos, por pura necessidade, começaram a racionalizar seu império econômico em termos de um marco hemisférico”.
Os Estados Unidos entraram num período histórico de enorme vulnerabilidade estratégica em matérias-primas essenciais: petróleo, manganês, níquel, platina, estanho, zinco, bauxita, cromo, cobalto, mercúrio, titânio, cobre e muitas outras. A incerteza da disponibilidade destas matérias-primas essenciais e a mudança de seus preços acrescentaram necessariamente características conflitivas ao comportamento político internacional de Washington. Depois do cruel processo de desestabilização política que se ergueu contra o regime de Salvador Allende, que entre outras medidas importantes dificultou seriamente o acesso irrestrito das empresas norte-americanas às vastas jazidas de cobre de seu país, a situação piorou.
O trauma estratégico que os Estados Unidos viveram nos anos 1970 foi sintetizado pelo ex-secretário do Interior, Rogers C. B. Morton, que, em 13 de fevereiro de 1975, tornou de conhecimento público o que até então era um alto segredo de Estado: “As reservas americanas de gasolina eram tão baixas que os Estados Unidos não poderiam assumir sua própria defesa se lhes declarassem guerra naquele momento”. Depois acrescentou: “Se hoje os Estados Unidos se vissem envolvidos numa guerra, ficaríamos sem gasolina antes que pudéssemos nos defender. Não temos estoques nem fontes que nos apóiem em caso de um grande confronto”.
“Há anos a política internacional de Washington é garantir petróleo e minerais essenciais”.
Segundo Edward J. Dyckman, especialista em matérias-primas do Centro de Investigação e Desenvolvimento Naval dos Estados Unidos, desde 1974 as dificuldades financeiras e os altos custos impossibilitaram a construção de novas instalações industriais. A falta de capacidade produtiva adequada e o incremento geral no custo dos materiais e da energia geraram escassez nas grandes e pequenas indústrias. Ao enumerar as causas significativas desse estado de coisas, mencionou em primeiro lugar “a dependência de produtos estrangeiros para a elaboração de grande número de materiais industriais básicos e processados, nos quais os Estados Unidos se encontram em grande desvantagem, uma vez que as matérias-primas abandonaram os preços controlados do mercado interno em busca de preços mais altos no exterior”.
A partir desse momento, a atividade diplomático-militar e financeira orientou-se para sanar tal vulnerabilidade. Paralelamente, o interesse norte-americano nos mercados e matérias-primas do hemisfério começou a se articular. O Canadá e o México foram intensamente pressionados. Em 1979, a Blyth Eastman Dillon Investment Research, firma de Wall Street, sintetizou a postura estratégico-empresarial de Washington em relação a seus vizinhos:
“Nossa dependência das importações de petróleo cru do Oriente Médio não teria razão de ser se contássemos com uma política norte-americana de energia que reconhecesse a disponibilidade de recursos energéticos suficientes em nosso continente que, fora as diferenças nacionais entre Estados Unidos, Canadá e México, pudesse satisfazer quase todas as solicitações legítimas de energia desses três países durante os próximos anos. O que se necessita é de uma espécie de Mercado Comum, que integre os vastos recursos energéticos da América do Norte, por meio de um sistema eficiente de distribuição, ao mesmo tempo em que atenda às aspirações desses países ao livre comércio entre eles”.
Apesar de tudo, o uso de instrumentos político-militares e de inteligência para articular e intensificar o processo de “integração” apontou como mais promissor o caminho monetário, já que nesse item as vulnerabilidades mexicanas serão – e são – profundas. Foi assim que se reavivou o interesse secular dos círculos dominantes norte-americanos em utilizar a dívida externa do México e seu serviço para convencer a nação e “incorporá-la” completamente.
“A dívida externa e seu pagamento opressor foram utilizados para curvar o México”.
Hoje em dia, quem analisar detalhadamente os programas de ação aplicados no México pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial concluirá que o processo que leva ao NAFTA, assim como à privatização e à venda a estrangeiros da reserva mineral, de bancos e partes substanciais da indústria petroquímica e petroleira, tomou impulso com a Carta de Intenção firmada com o FMI em 1982.
Aos poucos, o processo de tomada de decisões em termos de política econômica se desnacionalizou. A política de investimento estrangeiro e de comércio exterior, assim como a desnacionalização e a privatização de empresas públicas, não foram processos que corresponderam a critérios, modalidades e ritmos endógenos, mas sim às necessidades temporais e materiais de Washington, expressas por meio de “sugestões” feitas com grande força persuasiva através do FMI e do Banco Mundial.
A abertura comercial instaurada durante o governo de Miguel de la Madrid realizou-se dentro dessa “realidade de poder”, balizada dentro da condicionalidade credora.
Os funcionários mexicanos encarregados dessa negociação atuaram – e atuam – não a partir do marco de referência do “interesse nacional”, mas sim do que tem sido explicitamente delineado pelos credores. Em outras palavras, a negociação e a definição de assuntos vitais para qualquer economia contemporânea, como o comércio exterior, vêm sendo realizadas no contexto da projeção de poder dos Estados Unidos e, em grau muito menor, dos outros credores.
Em que consistiu especificamente essa relação de poder e como se manifestou na dimensão econômica e comercial? Em primeiro lugar, desvinculou-se a política comercial dos elementos determinantes e condicionadores internos, em nível econômico e social. Ou seja, a política comercial foi desligada do aparato produtivo nacional e das necessidades da população mexicana. À condição imposta pelo FMI – que se reflete mais do que tudo na direção macroeconômica – acrescenta-se o manejo dos setores econômicos e das empresas de maior interesse para os credores, por meio de empréstimos condicionados do Banco Mundial. Controlou-se desde a política comercial e de exportações, a mineração e a petroquímica até programas para construir rodovias, portos e estradas de ferro. Foram empreendidos programas de política municipal, de desenvolvimento tecnológico, de transporte urbano, de extensão agrícola, manutenção de rodovias, treinamento de mão-de-obra, “reestruturação” dos setores agrícola, do aço e de fertilizantes, reabilitação portuária, construção de moradias, criação de programas para promover essa política econômica, de assistência social, de combate à pobreza externa, de desregulação financeira, administrativa e industrial e de transporte de pessoas e bens, entre muitos outros.
Em cada uma dessas áreas, o Banco Mundial participa ativamente com empréstimos condicionados e missões técnicas de avaliação, controle e acompanhamento. Entre 1982 e 1990 os empréstimos setoriais do Banco Mundial atingiram mais de US$ 11,5 bilhões, o que permite a essa instituição uma grande margem de influência, tanto em política comercial e agrária, como nas finanças e na indústria.
Virtualmente, todas as secretarias de Estado, as empresas públicas – e muitas empresas privadas – têm algum tipo de relação, direta ou indireta com o Banco Mundial, seja de avaliação ou supervisão, seja de controle ou vigilância. Trata-se de um governo paralelo ou, como sugeriu James Petras, um “co-governo”. Talvez tal conceito seja por demais generoso, devido ao grau de subordinação que ocorreu nessa “convergência”, pelo menos durante os dois últimos governos.
Parte da tarefa de compreender este vasto e complexo processo de relações e inter-relações, influências e cruzamentos nas linhas de comando consiste em decifrar a linguagem técnica e, de modo especial, as metáforas referentes aos aspectos politicamente mais delicados. Por exemplo, quando os documentos mencionam “uma integração maior do México à economia mundial” é necessário entender que se trata de uma virtual “incorporação” aos Estados Unidos, e não apenas no plano econômico.
A causa disso é a contiguidade geográfica e o alto grau de dependência e concentração de nossos fluxos comerciais, financeiros, de inversão e migratórios para os Estados Unidos. Mas isso sempre existiu. O que há de novo é a convergência, de 1982 em diante, de duas tendências nesse processo de “integração”: docilidade dos mexicanos e determinação dos norte-americanos.
“Integração do México à economia mundial: incorporação aos EUA, não só no plano econômico”.
Por um lado, há a disposição dos dois últimos governos mexicanos de aceitar – e adotar como suas – as diretrizes da política econômica contidas nas Cartas de Intenção e no programa de empréstimos do Banco Mundial. O chamado programa de “ajuste estrutural” teve como pedra angular a transformação do México em uma economia tributária dos Estados Unidos por intermédio do serviço da dívida externa, cujo pagamento tem total prioridade sobre qualquer consideração política, social e, inclusive, constitucional.
A “condicionalidade cruzada” Banco Mundial/FMI tem importantes consequências políticas, entre as quais se destaca a “desnacionalização” do processo de tomada de decisões vitais. O programa de empréstimos setoriais tem esta clara missão: preencher o vazio gerado pelo destino de mais de 50% do orçamento federal para pagar o serviço da dívida. Iniciou-se assim – e posteriormente foi se intensificando – a transferência de linhas vitais de comando. Ou, dito de outra forma, por meio dos empréstimos setoriais o Banco Mundial conseguiu atingir de maneira determinante a estrutura de programas econômicos específicos e assumir funções de avaliação, supervisão, controle e acompanhamento bastante intensos.
Os empréstimos do Banco Mundial na área de política comercial – Trade Policy Loans (TPL) – foram encaminhados para impulsionar o processo de
“integração com os Estados Unidos, garantindo o cumprimento das diretrizes estabelecidas na Carta de Intenção do FMI. Fomentou-se assim a crescente liberalização do comércio, que se caracterizou pela ausência total de reciprocidade – por parte de nosso principal sócio comercial, os Estados Unidos –, sendo além do mais um processo que não obedeceu às necessidades do aparato produtivo mexicano, mas sim às necessidades ditadas de fora, mais precisamente por meio do TPL. Em sua essência, são concebidos como instrumentos para delinear, determinar e aplicar a política comercial do país”.
O processo de liberalização unilateral foi “apoiado” pelo Banco Mundial por meio das operações TPL 1 (Empréstimo 2.745-ME), TPL 2 (Empréstimo 2.882-ME) e dois empréstimos para as exportações. De acordo com informação do escritório do diretor do Banco Mundial, os resultados desses instrumentos “são prometedores”. As barreiras às importações já sofreram uma redução significativa para os principais insumos agrícolas – maquinário, pesticidas e outros produtos de alta tecnologia.
Por meio desses empréstimos, que totalizaram US$ 1 bilhão, os Estados Unidos ajustaram a política comercial mexicana – que agora desemboca no NAFTA – às suas necessidades e à sua agenda. Eliminaram-se tarefas e montou-se um programa de reduções tarifárias drásticas, com a data-limite imposta pelo Banco Mundial para outubro de 1988 – ano em que se conseguiu baixá-las mais (em 4,9 subitens tarifários) e eliminar as licenças de exportação.
“Pelo Nafta os EUA ajustaram a política comercial mexicana às suas necessidades”.
O país não negociou com a “economia mundial”, mas apenas com os Estados Unidos. A abertura comercial foi unilateral, resultado dos empréstimos do Banco Mundial e do FMI destinados a “reestruturar” nosso comércio de acordo com as necessidades de uma economia como a dos Estados Unidos, impregnada de imensos déficits comerciais e fiscais. Informou oficialmente o Banco Mundial:
“O governo mexicano cumpriu suas obrigações e compromissos de acordo com o estipulado em ambos os empréstimos. Liberou mais de três quartas partes de sua produção interna e das licenças. Menos de uma quarta parte se mantém sob controle (alguns produtos agrícolas e alimentícios, petróleo e seus derivados, automóveis, certos produtos eletrônicos, farmacêuticos e outros)”.
Em seguida, a presidência do Banco Mundial acrescenta, de modo significativo, que o empréstimo para a política comercial foi um impacto de grande envergadura. Por seu intermédio, o Banco Mundial conseguiu financiar a introdução do processo de reforma comercial. O segundo empréstimo orienta-se para manter o ímpeto da abertura dentro dos parâmetros estabelecidos pelo primeiro e contém uma série de metas que o governo mexicano deve cumprir. De outra forma não seriam liberados os fundos de sua segunda fase.
Os empréstimos condicionados permitem o estabelecimento de um coerente sistema de controle. Desta maneira, as decisões vitais são assumidas por burocracias localizadas em Washington. Por exemplo, no que diz respeito a certas autorizações em matéria comercial, a descentralização da Secretaria de Relações Exteriores era permitida para cidades como Toluca, Monterrey, Hermosillo, Guadalajara e La Paz. Ou a “descentralização” na capacidade de tomada de decisões da Secretaria da Fazenda e Crédito Público, no que se refere aos escritórios e serviços aduaneiros; ou o estabelecimento de privilégios a empresas altamente exportadoras (Altex); ou a modernização dos procedimentos de licença de importações e exportações da Secofi; ou por exemplo a simplificação e o registro, de acordo com os critérios do Banco Mundial do Padrão Nacional da Indústria Farmacêutica; ou as “melhorias” nos respectivos sistemas de inspeção. Tudo a partir de Washington.
A diferença de setores industriais como os de fertilizantes, microcomputadores, petroquímico, metalúrgico e eletrônico, a desregulação e liberação comercial sobre a indústria automotriz, quase totalmente de capital estrangeiro, realiza-se considerando uma série de metas para conseguir ajustes, a fim de que os resultados não sejam traumáticos. Aplica-se assim um programa para a liberação gradual das importações de automóveis, caminhões leves, médios e pesados, tratores, trailers e ônibus. A liberação de importações de automóveis contempla uma reestruturação das leis nacionais “para 1991”, enquanto o Banco Mundial mostra satisfação porque o governo mexicano já procedeu à desregularização dos bancos comerciais, à racionalização dos bancos de desenvolvimento, e praticamente eliminou todos os créditos de subsídios às indústrias.
A “desregulação” dos setores estratégicos, especialmente do setor petroquímico, deu-se conforme as indicações, os calendários e necessidades. Este programa, montado em 1986, teve como uma de suas metas principais a participação do setor privado, nacional e estrangeiro na petroquímica básica, constitucionalmente reservada ao Estado. Segundo documentos oficiais do Banco Mundial, este programa orientou, entre outras coisas: 1) para limitar o papel da Pemex, a empresa estatal de petróleo, como única produtora de petroquímicos básicos, para o que se requereu a adoção de medidas administrativas para modificar a situação anterior. Hoje pode-se dizer que Miguel de La Madrid e Salinas de Gortari cumpriram rigorosamente esta condição por meio da estratégia de “reclassificar” petroquímicos básicos para colocá-los na lista de secundários; exige-se também que a política de preços sobre os petroquímicos básicos da Pemex seja “flexível”; 2) para permitir ao setor privado a importação de petroquímicos básicos, concedendo-lhe incentivos fiscais.
“Para o Banco Mundial a Pemex é um “sério impedimento” estratégico político e comercial”.
Para o Banco Mundial como para a indústria petroleira dos Estados Unidos e o Departamento de Defesa, a Pemex é um “sério impedimento” estratégico, político, comercial e empresarial. Nos documentos oficiais do Banco Mundial, ela é concebida como um obstáculo “ao bom desenvolvimento da indústria petroquímica”, e segundo a presidência do Banco Mundial, o governo mexicano deve enfrentar rapidamente o problema criado pela “posição dominante” da Pemex na indústria. “As companhias privadas internacionais”, afirmam os assessores e funcionários do Banco Mundial, “não podem conseguir uma integração vertical devido ao controle da Pemex sobre a petroquímica básica”, enquanto “os planos de expansão da Pemex” fazem com que os possíveis investidores estrangeiros percebam o México como um “mercado de curta duração”.
A presidência do Banco Mundial afirma que o governo mexicano concordou finalmente em aplicar em 1989 um programa da ação neste setor, que incluiu as seguintes medidas fundamentais: 1) limitar o direito exclusivo da empresa estatal de produzir no máximo 25 petroquímicos básicos e definir uma lista inicial de petroquímicos “secundários” abertos à participação do setor privado; 2) incentivar um programa de acordos “cooperativos entre o setor privado e Pemex, ou seja, impulsionar uma crescente privatização desta indústria. Os empréstimos para a “reforma” do setor público – Public Enterprise Reforman Loans (PERL) – orientam-se para facilitar e “flexibilizar” o setor, o que em outras palavras, e mais diretas, significa o desmembramento e a privatização de várias grandes empresas que surgiram da atual Pemex.
“A incorporação do México aos Estados Unidos ocorreu sem o uso de um só tanque”.
Sem usar um só tanque, soldado ou bazuca, procedeu-se com grande dinamismo à incorporação do México aos Estados Unidos em setores que, segundo versões privadas e oficiais desse país, são “vitais” para sua “segurança nacional”. Como em certa ocasião expressou o grande analista Marcus Raskin, convém deixar claro que, para os Estados Unidos, “a segurança nacional são os negócios, e os negócios são a segurança nacional”. Tal desmitificação é bem-vinda em toda a discussão sobre o NAFTA. Especialmente depois que, no final de 1989, e sem a maior comoção, a imprensa mexicana informou, em comunicação aberta da Secretaria de Energia, Minas e Indústria Paraestatal (Semip), que o governo mexicano havia dado finalmente sinal verde às “co-inversões” entre a Pemex e a Comissão Federal de Eletricidade (CFE) com empresas do ramo de “outros países”.
Segundo cálculos da Direção Geral de Assuntos Internacionais da Semip, nos próximos cinco anos serão requeridas inversões de quase US$ 50 bilhões para atender à demanda interna de energia elétrica, petróleo cru, petrolíferos e petroquímicos, para a qual já está preparado um “pacote”, cujo programa de obras destaca a construção de indústrias, plantas de geração elétrica, produtos para petróleo e derivados, assim como a perfuração de poços de petróleo e de gás. O “estudo técnico” foi financiado, obviamente, como parte dos apoios do Banco Mundial na área PERL, e argumenta que o país não possui recursos e que, se contar com os disponíveis, necessitaria de cinquenta anos para realizar os principais objetivos do governo. Simultaneamente, a Secretaria da Fazenda deu a conhecer, de maneira detalhada, as causas da falta desses recursos: o México pagou “pontualmente” e “sem exceção”, US$ 14,258 bilhões durante 1989 a nossos credores internacionais por juros e amortização da dívida externa total.
Essa cifra representa 7,4% do PIB. Por juros, o país pagou 62,4% dessa cifra, e os 37,6% restantes foram amortizados. A década de 1980 e o início da de 1990 caracterizaram-se pela coincidência de dois processos na área “não-militar”, com profundas implicações econômicas e político-estratégicas: por um lado, entregou-se um total de US$ 124,559 bilhões como crédito pelo serviço da dívida. De outra parte acentuou-se a transferência a organismos e empresas estrangeiras – principalmente dos Estados Unidos – da direção econômica e das principais empresas das nações. A privatização e a desnacionalização de fato da Pemex e da CFE – os setores mais sensíveis e de maior envergadura econômico-estratégica – realizam-se velozmente e amparadas pelo procedimentos administrativos auspiciados pelos PERL, cuja falta de coincidência com os preceitos contidos na Carta Magna mexicana não parece representar nenhum obstáculo.
O processo de “incorporação” da petroquímica da Pemex e da central do setor energético ao aparato empresarial estadunidense – e também ao mexicano, ainda que como sócios menores, por nossa falta de capital e tecnologia –, além de constituir um objetivo para a segurança nacional dos Estados Unidos, é também excelente negócio.
Este é um assunto estratégico porque o México é uma peça-chave na estruturação da estratégia de “segurança energética” de Washington. Tendo o petróleo em mente, não é difícil visualizar a dimensão não apenas comercial do NAFTA, como também sua dimensão de segurança. O problema estratégico é bem conhecido, mas precisa ser enfatizado. Desde 1987 – quando as reservas comprovadas de petróleo dentro dos Estados Unidos eram de aproximadamente 26,9 bilhões de barris – na data estas reservas haviam diminuído drasticamente, a ponto de – apesar da abundância de óleo cru e preços baixos registrados no final dos anos 1980, a Secretaria de Energia dos Estados Unidos, em relatório preparado pelo presidente – ter calculado que, em 1995, os Estados Unidos deveriam alocar mais de US$ 80 milhões anuais a suas importações de petróleo.
“Em reserva mundial de petróleo o México ocupa o quarto lugar. Os EUA, país que mais consome, o oitavo”.
A política energética – parte integral da estratégia dos Estados Unidos – complica-se com a formação de uma virtual confederação dos Estados europeus, que pela unificação irão adquirir maior capacidade de projetar seu poder sobre o Oriente Médio, inclusive porque os Estados Unidos dependem em muito maior grau das importações de petróleo para o funcionamento de suas economias. É então compreensível que Washington se oriente, por meio de um mecanismo como o NAFTA, para assegurar o abastecimento mexicano e canadense.
É necessário realçar que a importância comercial e estratégica do petróleo mexicano é muito superior à canadense. Também é preciso chamar a atenção sobre o fato de os Estados Unidos estarem aplicando instrumentos financeiros semelhantes aos usados no México para garantir um acesso privilegiado à reserva petroleira venezuelana.
Segundo o American Petroleum Institute, as reservas mexicanas conhecidas encontram-se entre as dez primeiras do mundo. A Arábia Saudita conta com mais de 166 bilhões de barris, o Kuwait com 91,9 bilhões, o Irã com 48,8 bilhões, o Iraque com 47,1 bilhões e os Emirados Árabes Unidos com 33,1 bilhões. A seguir vêm os Estados Unidos com 26,9 bilhões, a Venezuela com 23 bilhões e a Líbia com 21,3 bilhões.
Como se pode perceber, o México ocupa um lugar de destaque, enquanto os Estados Unidos – o maior consumidor de petróleo do mundo – ocupa o oitavo lugar. A situação criada pela união dos países europeus, somada à total dependência petroleira do Japão e, inclusive, dos chamados “países em via de desenvolvimento”, complica a equação mundial de petróleo para Washington. Os países que formam a Comunidade Européia devem importar 64% do petróleo que consomem, e os estudos da Secretaria de Energia dos Estados Unidos antecipam um incremento substancial das importações para estes últimos anos do século e até o ano 2010, quando a competição e a luta pelo controle dessa fonte de energia serão ferozes.
“Principais acionistas das companhias petrolíferas: os bancos credores. A dívida será paga com petróleo”.
A proximidade geográfica da quarta reserva mundial de petróleo, localizada em território e águas mexicanas, e a enorme vantagem estratégica que oferece – porque entre nossa reserva petroleira e os Estados Unidos não existem as longas e vulneráveis linhas de comunicação marítimas, tão suscetíveis à interdição – ajudam a explicar a insistência estadunidense em “incorporar” nossos imensos recursos petrolíferos e nossa indústria petroquímica no complexo das relações declaradas no NAFTA e que de todas as formas já estão sendo submetidos a programas de desregulação e de privatização.
Nos momentos em que o Banco Mundial aplicava o programa de empréstimos para induzir o processo de “liberação comercial” – propiciando aos poucos a “homologação” aos Estados Unidos dos setores estratégicos de interesse –, a Secretaria de Energia fez circular em Washington um documento em que se reconhece o peso do petróleo cru mexicano no mercado norte-americano até 2010. Os dados levados a conhecimento pela imprensa revelam que os Estados Unidos concebem sua estratégia de “segurança energética” sobre a base de seu acesso irrestrito à riqueza petroleira e petroquímica do México, destacando que a contribuição do óleo cru mexicano à sua economia aumentou mais de 4.300% nos últimos quinze anos. “As mudanças que experimentou o comércio bilateral entre as duas nações ilustram a importância que o governo dos Estados Unidos dá ao petróleo mexicano”, dizem.
A feliz coincidência entre “segurança nacional” e os negócios é particularmente notável. A quem está sendo transferida, especificamente, a principal riqueza do país? Responder que está sendo transferida a nossos credores talvez seja um pouco grosseiro e geral. É importante precisar, lembrando que o Citybank – o credor mais importante do México – é o principal acionista em importância da Continental Oil Corporation que, por sua vez, foi comprada por um dos principais interessados de nossa petroquímica, a Dupont. O Citybank também é o terceiro e o quinto acionista mais importante, respectivamente, da Texaco e da Exxon.
O segundo credor do México é o Banco da América, dono da Standard Oil Company of California, segundo acionista em importância da Union Oil of California e a terceira da Continental Oil, da Dupont.
Da mesma forma, nosso terceiro credor, a Manufactures Hannover Trust, é o dono das maiores fatias acionárias da Arco, Exxon e Phillips Petroleum. O quarto credor, Chase Manhattan Bank, controla a Exxon – é o acionista número um – e a Standard Oil Company of California (Chevron), assim como a Mobil Oil. O quinto credor do país é o Bankers Trust, dono da Continental Oil Corp (Dupont) e da Mobil Oil. O sexto credor, Continental Illinois, é o quarto acionista mais importante da multimencionada Continental Oil e o terceiro da Standard Oil Of Indiana. A casa Morgan Garanty – nosso sétimo credor – é o principal acionista da Mobil Oil, o segundo mais importante da Exxon e Guf e também o terceiro no caso da Union Oil of California (Unocal) e o quarto da Texaco. Finalmente, nossos oitavo e nono credores mais importantes, o First National de Chicago e o Prudential Insurance, são donos dos maiores blocos acionários da Texaco e Standard Oil of Indiana e da Union Oil, Mobil Oil e Arco.
“Da complementação econômica à “incorporação” não há mais que um signo linguístico”.
Os cruzamentos entre a “segurança nacional”, os bancos, as empresas e o aparato militar são, de início, muito mais complexos, devido à enorme multiplicidade de inter-relações entre eles, ou seja, à grande “interdependência” que caracteriza o que Milis denominou o “triângulo do poder”. Trata-se de uma enorme multiplicidade de inter-relações entre grupos e empresas com instituições privadas, bancos e empresas privadas e estatais, o Executivo e o Congresso. Apesar de a convergência/divergência de interesses, no que diz respeito ao NAFTA, com o México ser igualmente heterogênea – e não apenas em nível federal, mas também regional e estatal –, existem alguns elementos em que coincidem as diversas unidades de poder, projetando, em consequência, bastante capacidade para “influir nos eventos”. Isto é o que ocorre em dois aspectos centrais do NAFTA: o petróleo – e a petroquímica – e a “incorporação ou absorção” dos estados mexicanos fronteiriços aos Estados Unidos.
Existem processos sociais e econômicos nos estados mexicanos fronteiriços, como programas especiais de ordem financeira, em torno, por exemplo, de certas reformas municipais que têm sido auspiciadas pelo Banco Mundial ao longo de 36 municípios que fazem limite com os Estados Unidos.
Como afirmou recentemente um analista mexicano, é certo que “uma estratégia de desenvolvimento nacional baseada no comércio exterior implica uma integração maior internacional, e isto necessariamente sugere que a região da fronteira norte, como zona puramente exportadora e com vantagens de localização para essa atividade, incrementará sua integração ao exterior. Se anteriormente não se conseguiu integrá-la ao restante da economia nacional, agora será mais difícil. É provável que o resultado seja exatamente o contrário. Ou seja, uma integração maior do resto da economia nacional à região da fronteira norte.
Há coincidência de que as fronteiras têm grande importância para os Estados nacionais e que não se pode pedir a nenhum Estado que aceite passivamente a sua destruição. O problema é que a atual política econômica, ao cruzar as linhas do mando, parece articular de maneira concreta exatamente isso em áreas tão fundamentais como o sistema bancário, o petróleo, a petroquímica e a mineração. Reduz-se assim, de maneira ampla, a margem de ação para negociar com os Estados Unidos.
Se a isso somamos a crescente militarização ao longo de toda fronteira dos Estados Unidos com o México, não é difícil perceber uma substancial diminuição no “campo de manobra” para a defesa da soberania da “jurisdição” do Estado mexicano nessa região, inclusive se existisse a vontade de fazê-lo, coisa que no momento não é evidente.
Se é certo que os programas e propósitos para conseguir uma vinculação funcional e significativa entre a região fronteiriça e a economia nacional têm encontrado grandes obstáculos internos e externos, especialmente a partir do período da guerra fria, também é certo que o NAFTA praticamente irá envidar todos os esforços para impulsionar o processo de transformação da economia – e do território mexicano – em plataforma de lançamento dos interesses dos Estados Unidos para a América Latina.
Esta é precisamente uma importante área de “convergência” entre o atual governo e do México e de Washington. Além do mais, o esforço oficial e publicamente admitido do governo mexicano é para impulsionar “a complementação econômica do país com os Estados Unidos, sob a base da geração conjunta de empregos, produção compartilhada em diversos setores industriais e ações para tornar compatíveis com os ciclos agrícolas”.
Da complementação econômica à incorporação, não há nada mais do que um signo linguístico. Segundo um documento apresentado pelo Secofi, em matéria de investimento estrangeiro se dará autorização “automática” para que os projetos se realizem com maioria do capital externo em 70% dos setores econômicos que integram o produto interno bruto mexicano. Também haverá autorização para os projetos de investimento estrangeiro e se impulsionará a entrada de capital internacional no litoral e áreas fronteiriças.
Além do mais, a incorporação da economia mexicana à estadunidense é favorável porque, segundo o Secof, “a complementaridade na produção compartilhada em diversos itens industriais e a união da competitividade mexicana e da estadunidense permitirão ganhar o mercado internacional”.
Todas essas mudanças, enumeradas dentro dos programas setoriais e de “desregulação” do Banco Mundial e condicionadas aos empréstimos PERL, abarcam, segundo o Secofi, setores que vão desde açúcar, coco, café, comércio doméstico e telecomunicações até a indústria petroquímica, os transportes, a aquacultura a transferência de tecnologia “e outros setores”. Esta informação foi fornecida pelo secretário do Comércio, Jaime Serra Puche, em San Diego, Califórnia.
Neste contexto econômico e político, é perda de tempo discutir sobre os limites superiores da autonomia, seja das regiões, seja do país.
Por trás desses processos e problemas econômicas e de produção, há problemas constitucionais, políticos e estratégico-militares mais profundos. É conveniente advertir que termos como “globalização”, quando têm como referência processos reais de interação global, limitam a percepção de um processo fundamental para avaliar, em suas reais dimensões, as implicações que tem a incorporação “de fato” que está se dando entre o México, os Estados Unidos e sua formalização por meio do NAFTA.
“O Nafta é um velho projeto monroísta. Só que nosso governo compartilha as pretensões dos EUA”.
A “ordem” econômica e político-militar criada depois da Segunda Guerra Mundial – Bretton Woods e OTAN –, encabeçada por Washington, está se dissolvendo em várias subunidades, com crescentes interesses encontrados. Fala-se muito de “liberalização comercial”, embora reconhecendo nos Estados Unidos uma capacidade de coordenação global do sistema capitalista. Mas, na realidade, estamos diante de “blocos comerciais” e “político-militares” em formação.
A concorrência por matérias-primas, por acesso ao petróleo, aos mercados e aos recursos financeiros tendeu a aumentar os ressentimentos e os conflitos regionais e nacionais. Em meio a este programa, a linha de subordinação adotada pelo governo mexicano desde 1982 passará à história como um dos erros de cálculo de maior envergadura que já se cometeu. Como afirmou Alan Stoga, economista da influente empresa de consultoria Kissinger Associates, sobre a configuração na qual confluem os interesses das empresas, dos banqueiros e da segurança nacional: “Por razões estratégicas e comerciais o futuro da América Latina está nos Estados Unidos e vice-versa. É necessário começar a explorar o que significaria um acordo de livre comércio hemisférico. O eixo-chave é México/Estados Unidos/Canadá. Se esse acordo trilateral de livre comércio se desenvolve, iria encorajar consideravelmente o desenvolvimento de relações comerciais que conduziriam a uma zona comercial hemisférica”.
Tal projeto e aspiração de domínio não é novo. É suportado pelo perfil da mais pura estirpe monroísta, com a diferença de que agora o governo mexicano compartilha tais pretensões.
* Pesquisador e catedrático. Este trabalho foi apresentado na jornada América 2000, promovida pela Diputación de Jaen, Espanha, em outubro de 1992, e publicado na revista Envio nº 144, da Universidad Centroamericana (UCA) de Manágua, Nicarágua, em dezembro de 1993. A tradução para Princípios é de Vania Zeballos.
** Este artigo foi escrito em 1992, antes do levante de Chiapas e da eleição mexicana de 1994.
EDIÇÃO 35, NOV/DEZ/JAN, 1994-1995, PÁGINAS 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72