No México, a dinâmica, os efeitos e os resultados do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) não podem ser analisados somente a partir de janeiro de 1994. Neste país este não é o início de um processo, mas sim o ponto culminante de um modelo de “crescimento” voltado para o exterior, que vem sendo impulsionado pelo menos desde 1982.
A avaliação do NAFTA, em seu primeiro ano de funcionamento, não poder reduzir-se à análise do comércio entre seus membros. De fato, a abertura comercial do México teve início nos primeiros anos da década de 1980, afirmou-se com o ingresso no GATT e tomou forte impulso a partir de 1989.

“Um tratado comercial que inclui propriedade intelectual, o Estado e empresas públicas”.

O tratado firmado e ratificado tampouco é só comercial. Seus pontos principais ultrapassam o que, tecnicamente, compreendemos como zona de livre comércio: incluem investimentos, propriedade intelectual, papel do Estado e empresas públicas.

As crises e tensões violentas no interior da cúpula do poder não são alheias a este amplo processo de reestruturação econômica. Do mesmo modo, os grandes conflitos sociais (como o caso do levante armado dos índios de Chiapas) também não estão desligados das consequências dessas mudanças na dinâmica econômica, iniciadas em 1982 e aprofundadas com o NAFTA.

São os dois parâmetros pelos quais se deve julgar os acontecimentos deste primeiro ano de NAFTA: até que ponto estão se realizando as promessas feitas por seus promotores e até que ponto os problemas e as tendências perigosas preexistentes diminuíram? Ou seja, quais os resultados alcançados durante o regime do NAFTA, particularmente em 1994?

O Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado pelo questionado presidente eleito Ernesto Zedillo (na época secretário do Programação e Orçamento), propôs um crescimento de 6% para os dois últimos anos de seu mandato, meta que esteve longe de ser cumprida. Subtraindo-se o crescimento demográfico, a taxa média de crescimento real é de 1,53% ao ano. Este crescimento não foi só insuficiente como também não foi sustentado. Além do mais, disparatado em relação às grandes divisões da economia e a ramos da indústria. Houve um crescimento significativo de poucas empresas, pois a maioria delas está orientada para o mercado interno, em depressão pela falta de empregos e salários precários.

Um caso claro desta dinâmica de crescimento não sustentado é o do setor agropecuário. No início de 1994 caiu 3,8%, no segundo trimestre deu um salto de 12%, mas voltou a cair no trimestre seguinte, o que significa um crescimento médio de 0,9% em nove meses.

“Aumentam neste intercâmbio as vendas dos EUA e o déficit do Estado mexicano”.

Durante o governo Salinas, o setor agropecuário, gerador de altas divisas, teve um déficit comercial de US$ 720 milhões. No comércio agrícola externo, houve um déficit de US$ 1,283 bilhão. Nesse mesmo período o México importou US$ 2,940 bilhões em milho, consequência de não ter resguardado o setor de cereais.

Nos primeiros meses do NAFTA, a situação não melhorou. Segundo informações do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, durante os primeiros nove meses de vigência do NAFTA, o comércio agropecuário entre o México e o colosso do norte aumentou 14%. Tal aumento, porém, não é significativo, particularmente para o México, já que o déficit no comércio com os Estados Unidos, neste setor, aumentou 64% em relação ao déficit existente no mesmo período do ano anterior. Neste mesmo setor, as vendas dos Estados Unidos para o México cresceram quatro vezes mais que as do México para os Estados Unidos.

O caso do milho é dramático. O NAFTA substituiu o regime mexicano de permissões prévias por um sistema de quotas. A partir de 1º de janeiro de 1994 passaram a entrar, livres de impostos, 2,5 milhões de toneladas de milho, e a partir desta quota o imposto aumentou progressivamente. O resultado é que as importações mexicanas de milho norte-americano aumentaram de 218 mil toneladas, de janeiro a setembro de 1993, para 1,6 milhão no mesmo período de 1994 (7,3 vezes mais).

“Os supermilionários do governo Salinas possuem o equivalente a 14% do PIB de 1994”.

Sob o NAFTA as perspectivas no setor agropecuário não são as melhores, uma vez que o subsídio no México é muito menor que em outros países-membros e nada tem sido feito efetivamente para que o campesinato supere o “atraso” na área de produção. As modificações constitucionais derivadas do NAFTA estão colaborando para a ruína ou desaparecimento desse setor social.

Os problemas das exportações agropecuárias para os Estados Unidos não foram nem serão alfandegários, mas residem no fato de que existe uma proteção encoberta de medidas ecológicas e fitossanitárias que não serão resolvidas com o NAFTA. Um caso concreto ilustra a questão. Um industrial do setor de laticínios, revoltado porque na fronteira o seu produto fora devolvido arbitrariamente, sob a alegação de que não cumpria as normas sanitárias norte-americanas, fez o seguinte: cruzou a fronteira do norte do país, comprou leite norte-americano, importou-o para o México, reembalou e tentou exportá-lo. O leite foi novamente devolvido, sob a alegação de que continha bactérias. Acontece que na segunda vez tratava-se de um produto que já havia sido comercializado no mercado norte-americano e todo o processo estava sendo acompanhado por um tabelião, que deu fé nos fatos.

Outra coisa a considerar é que o tipo de crescimento proposto pelo NAFTA não beneficiou a maioria da população. Em 1980 os salários representavam 36,04% do PIB e, em 1992, somente 27,33%. Em 1992, 20% da população mais rica possuíam o equivalente a 54,18% do PIB, enquanto os 20% mais pobres, somente 4,28%. Durante o governo Salinas surgiram 23 dos 24 supermilionários do país, conforme dados da revista Fortuna. Estes 24 super-ricos (o primeiro deles é Carlos Slim, considerado por todos um testa-de-ferro de Salinas), juntos, possuem US$ 44 bilhões, valor que equivale a 14% do PIB de 1994, corresponde quase ao total da dívida externa privada, é superior ao total das reservas internacionais do país e é três vezes maior que o valor do orçamento para o programa “Solidariedade”. Principal instrumento do regime para enfrentar a miséria, este programa equivale a 75% do orçamento programado pelo governo federal para 1994.

“Importação substitui a produção nacional. Resultado: falência de empresas e desemprego”

A tendência para a desindustrialização e a capacidade cada vez menor de gerar novos empregos – tudo isto somado ao processo de desnacionalização – constituem, sem dúvida, os mais graves problemas do modelo de crescimento implementado. O setor manufatureiro, que havia crescido 7,2% em 1989, caiu 1,7% no primeiro trimestre de 1994. A queda de empregos no setor manufatureiro é notável: em 1989 foram criados 275 mil empregos; no ano seguinte, 202 mil; em 1991, 108 mil; a partir de 1992, houve uma redução absoluta de 23 mil; e, em 1993, uma redução de 118 mil. Somente de janeiro a abril de 1994 foram perdidos 74 mil empregos. Isto decorre do fato de as importações estarem literalmente substituindo a produção nacional. Como consequência, milhares de pequenas e médias empresas do país estão falindo. Esta desindustrialização não é alheia ao NAFTA. Trata-se de uma tendência que já existia antes mesmo de sua entrada em vigor e que estava consolidada de antemão, uma vez que o tratado não continha nenhuma medida para reprimi-la. O processo de desindustrialização, por exemplo, foi favorecido pelas regras do NAFTA, que não exigiam nenhum componente nacional.

Aí está o grande peso da dívida e da desnacionalização: se somarmos o financiamento externo de 1994, composto pela dívida externa mais a dívida pública interna em mãos de estrangeiros, e lhe agregarmos o investimento estrangeiro total, teremos a exorbitante quantia de US$ 232,8483 bilhões, o que equivale a 68% do PIB. Mais de 2/3 do valor da produção nacional estão em mãos estrangeiras.

“O NAFTA não ajudou a melhorar os salários. Por sua lógica, nada indica que ajudará no futuro”.

O déficit comercial do México não só não diminuiu com o NAFTA, como aumentou. Em 1988 havia um superávit comercial de US$ 845 milhões. Em 1992 já existia um déficit de US$ 20,676. Em 1993 houve uma baixa de 8,5%, porém em 1994 o déficit volta a aumentar em 26,8%. Nos primeiros meses do NAFTA, a concentração do comércio mexicano com os Estados Unidos não diminuiu nem um pouco. Continuam concentradas as exportações em vários ramos e empresas, sendo que mais da terça parte delas são maquiadoras.

Outro dado a se considerar é que, de 1976 a 1994, os salários-mínimos perderam 67,56% de seu poder de compra. Durante o período Salinas, os que receberam subsídio fiscal perderam 12,29% e os que não receberam, 20,28%. Mesmo que nos salários contratuais a baixa não tenha sido tão pronunciada, no primeiro semestre de 1994 os salários do setor manufatureiro baixaram 3,56%. Em termos reais, também baixou a média dos salários dos setores de jurisdição federal e dos salários baixos da maioria dos ramos, com contrato-lei (têxtil, da lã e da seda; rádio e TV, manufatura de Hule; indústria açucareira). O salário-mínimo recuperou 0,45% de seu poder de compra, mas graças a um subsídio fiscal. A realidade é que O NAFTA não tem ajudado a melhorar os salários e, por sua lógica,
nada indica que irá-fazê-lo no futuro.

Pior acontece com o emprego. Afirma-se que a criação de empregos depende só do aumento dos investimentos e do crescimento econômico. Mas o problema é outro: o tipo de investimento e o modelo de desenvolvimento. A relação entre investimento, crescimento e emprego não é direta. Em 1990, ano de maior crescimento econômico, o PIB cresceu 4,5%, enquanto o aumento de empregos não ultrapassou 0,92%. Em 1993, quando o investimento estrangeiro superou todos os recordes (US$ 15, 617 bilhões), houve a maior perda de empregos. O problema é o tipo de investimento e o de crescimento implementados no país. O NAFTA manteve enormes volumes de investimento estrangeiro, porém também manteve a tendência de realizá-los na Bolsa de Valores, não impedindo sua volatilidade ou, por assim dizer, sua instabilidade. Crescem as empresas exportadoras, que se nutrem de importações e, por não estarem articuladas com o resto da economia, não geram empregos indiretos.

“Desindustrialização e polarização social: a esperança de aumento de empregos não é real”.

De acordo com os dados apurados pelos assalariados cotizantes do Instituto Mexicano de Seguro Social, que representam a terça parte do PEA, no primeiro quadrimestre de 1994 foram perdidos 69.151 empregos, dos quais 74.097 só na indústria farmacêutica, o que é parcialmente compensado pelos aumentos no setor de serviços e na indústria elétrica (únicos setores que tiveram aumento líquido de emprego). A esperança propagandeada de que o NAFTA criará empregos não é real. Está-se perdendo mais empregos do que se faz crer. No México o NAFTA só está desencadeando a desindustrialização, a polarização social e o aumento da dependência. Por não assumir verdadeiramente as assimetrias, os Estados Unidos e o Canadá não estão contribuindo para minorar o problema do desemprego. Não é de estranhar, então, o fluxo migratório. Leis racistas, como a 187, não irão resolver o problema. Ao contrário, eles se tornarão piores.

* A Rede Mexicana de Ação Frente ao Livre Comércio apresentou este informe preliminar sobre sua dinâmica econômica, particularmente ao setor do Trabalho, na ocasião do primeiro ano de funcionamento do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).

EDIÇÃO 36, FEV/MAR/ABR, 1995, PÁGINAS 14, 15, 16