Voto em separado sobre a emenda do petróleo

O parecer do relator

1- Um mundo róseo e reduzido

O deputado Lima Neto decidiu abrir seu relatório com chave de ouro. Resolveu ocupar duas páginas de seu trabalho – sobre o que fazer do petróleo brasileiro – com citações de um ministro: Nelson Jobim. E lá foram postos conceitos variados de Jobim sobre direito, matéria em que é formado, e sobre petróleo, matéria que deveria ser tratada com cuidado pelo relator Lima Neto.

Ao escolher Jobim para deitar falação sobre petróleo, o relator mostrou pouco rigor na elaboração de seu relatório. Porque, justiça se faça, o ministro Jobim já havia dito, na Granja do Torto, no dia 24 de abril passado, à revista Veja, o seguinte: “Eu posso até falar sobre a emenda que muda o conceito de empresa nacional, o Reinhold tem se desdobrado para falar de previdência, mas nós não entendemos nada de Petrobras nem de telecomunicações”. Assim, o relatório do deputado Procópio começa com longas digressões sobre direito – dispensáveis – e com frases aleatórias sobre petróleo – incorretas –, ditas e repelidas à época da revisão de 1994. Depois disso aparece no relatório o primeiro ponto digno de destaque, que ele intitula de O cenário mundial.

A experiência inusitada de ter-se visto uma Exposição de Motivos sem exposição e sem motivos amorteceu a surpresa ao se constatar que o deputado Lima Neto trata o dito cenário mundial em apenas três parágrafos! Síntese majestosa, mas acabrunhante. Ainda que acrescentássemos os cinco parágrafos do item 4, que aborda a questão das reservas mundiais de petróleo e que nos ensina a experiência mundial, não se pode deixar de registrar que tema desta natureza, neste tipo de comissão, tratando do assunto que estamos analisando, mereceria uma apreciação bem mais aprofundada.
De qualquer sorte, percebe-se que o relator Procópio tem uma visão idílica da situação mundial e da luta pelo petróleo hoje no mundo. Confunde o “fim da bipolarização” com o estabelecimento da concórdia entre as nações. Parece ver na queda do Muro de Berlim a queda das barreiras de interesses.

Não, o mundo deixou de ser bipolar, mas continua submetido aos conflitos de poder. Nações hegemônicas continuam procurando, nas novas condições, submeter as nações periféricas. Os mecanismos de dominação são novos e variados, eficientes contudo. Em pauta está a construção de uma nova ordem mundial, militarmente unipolarizada, com alguns centros econômicos de poder que se disputam renhidamente, ao lado de uma vasta periferia, levada à submissão e ao abandono de seus projetos nacionais. É a nova e implacável ordem do Consenso de Washington.

Não é verdade que, desde já, até “as próximas décadas”, “o mundo tende a caminhar para um regime mais aberto, mais democrático e competitivo (…)”. No mundo prevalece o capital monopolista, a oligopolização inexorável centrando a economia em grandes conglomerados.

No setor do petróleo as coisas não são assim, porque são piores. O jogo aí é mais implacável e impiedoso, sobretudo com os fracos, os ingênuos e os covardes.

A indústria do petróleo não se restringe agora às Sete Irmãs, como diz o relator, sobretudo porque empresas estatais nasceram para lhes fazer frente, como a Petrobras.

O quadro mudou sobremaneira, a partir do surgimento dessas estatais e, em dezembro de 1992, a situação era a seguinte: 83% dos mananciais petrolíferos do mundo já estavam nas mãos de 28 grandes estatais, enquanto as 22 maiores empresas privadas contavam apenas com 4,5% das reservas (“Piw’s Top 50”, in Uma questão grave, Petrobras).

A magnitude da mudança foi tal que o próprio conceito de grande empresa se tornou dependente do critério utilizado. Pelo volume de vendas, das 10 maiores empresas petrolíferas do mundo, só duas são estatais; pelo volume do refino, das 10 maiores, 4 são estatais; pela produção de petróleo das 10 maiores, 7 são estatais; e se o critério for a posse das reservas, aí, das 10 maiores, 9 são estatais! (BUENO, R. Petrobras: Uma batalha contra a desinformação e o preconceito).

E assim, a grande novidade do mundo do petróleo, a partir do início da década de 1990, foi que as multinacionais ficaram com seus futuros ameaçados e passaram a disputar freneticamente novas reservas.

Este é o pano-de-fundo da batalha que voltamos a enfrentar agora no Brasil.
Voltamos, digo bem, porque, na revisão de 1993-94, a mesma batalha foi travada, quando a Shell, para comandá-la, segundo a revista Veja, ocupou “belíssima mansão alugada no Lago Sul”, onde “os convidados (…) são servidos por mordomo, criados e cozinheiros, (…) onde trabalham também os lobistas da empresa”, em uma situação em que: “a dinheirama e a pressão sobre os parlamentares se explicam porque a revisão tocará em interesses econômicos que podem significar lucros, ou perdas, na casa de bilhões de dólares” (Veja, 02-02-1994). A principal questão que envolvia a dinheirama dos bilhões de dólares era a quebra do monopólio estatal do petróleo. A mesma que estamos a discutir agora.

Recentemente, as multinacionais reconquistaram certo espaço. Não por ser isto uma tendência da história, ou um caminho melhor, como deduz-se das palavras do relator, mas porque dezenas de países perderam as condições de continuar pleiteando autonomia no negócio petróleo e não tiveram outra saída senão permitir o regresso das multinacionais. Colômbia, Equador, Chile, Paraguai, Albânia e Cuba, por razões diferentes, assim procederam. A Rússia e a China, premidas por necessidades enormes e urgentes de combustíveis, e com debilidades tecnológicas para explorar suas grandes jazidas, passaram a fazer parcerias com as multinacionais em suas reservas.

Em geral os países que chamaram de volta as multinacionais ou não tinham reservas significativas, ou não tinham tecnologia, ou não tinham capital à altura. O que não é o caso do Brasil.

As grandes estatais e as grandes multinacionais preparam-se para a próxima década, quando restarem somente, como exportadores de petróleo, a Arábia Saudita, o Irã, o Iraque, o Kuwait, os Emirados Árabes Unidos, a Venezuela, o México, a Líbia, a Nigéria e a Argélia.

Em meio a aproximadamente 300 empresas do setor que existem no mundo, o que tem de significativo são cerca de 10 multinacionais, procurando abocanhar novos espaços e reconquistar posições perdidas, e umas 10 grandes estatais, todas verticalizando suas atividades.

Não é correto, assim, chamar de abertura ao que ocorre no mundo do petróleo. Precisamente o que sucede é o contrário. É monopólio devorando o que puder para aumentar o monopólio.
Precisamos nos preparar para o mundo real, diferente do mundo cor-de-rosa do relatório, onde não tem dèbâcle do México, nem da Argentina, nem da Bolívia, nem tragédias humanas na África, nem guerras entre nações da ex-União Soviética, ou da ex-Iugoslávia, nem vigoroso fechamento do mercado europeu e protecionismo deslavado dos Estados Unidos e do Japão. Mundo cor-de-rosa no relatório, mundo do Consenso de Washington na realidade!

2- Bacias e reservas

O item “As reservas brasileiras e a segurança do abastecimento”, do parecer do relator, encerra erros palmares.
É dito que “as reservas provadas de óleo” no Brasil dariam para “menos de 9 anos” e representam “0,3% das reservas mundiais de 2 trilhões de barris equivalentes”.

De início, corrijamos esses dados, todos errados, não sem antes observar que errar é humano, mas que o relatório só erra para diminuir o Brasil e a Petrobras.
Um dos quadros mais divulgados na literatura especializada sobre petróleo é da Petroleum Intelligence Weekly, sobre as cinquenta maiores empresas de petróleo do mundo, excetuando as da Rússia e as da China. Nesse quadro, de dezembro de 1992 (“Mudanças no setor Petróleo”, Petrobras), a Petrobras é apresentada com reservas de 8,1 bilhões de barris (e não 4,2 bilhões), correspondentes a 0,82% das reservas mundiais (e não 0, 3%). O relator usa o critério de reservas provadas, enquanto a Piw’s Top 50 usa o critério das reservas descobertas, não só para a Petrobras, mas para todas as outras empresas.

Outro quadro comparativo, de outra fonte, a Oil & Energy Trends, de 1993 (“Sistema Petrobras”, Petrobras), relaciona o Brasil com 7,1 bilhões de barris de reservas e com 14,9 anos na coluna reservas/consumo. O índice 0,3% das reservas mundiais que o Brasil teria foi usado em uma matéria apócrifa, plantada na revista Veja, edição de 30 de março de 1994, sem citar fonte, como também não a cita o relator Procópio. O próprio ex-homem forte da Shell, Omar Carneiro, referindo-se apenas a reservas provadas, distribuiu nessa comissão o dado de 0,4% da participação brasileira nas reservas internacionais (cf. transparências apresentadas nessa comissão, em 04-04-1995, pelo Dr. Omar Carneiro).

Curioso foi que o relator Lima Neto, ao se equivocar, reduziu os números das reservas da Petrobras e, quando se referiu ao montante das reservas do mundo, equivocou-se de novo, mas aí aumentou-as. O relator usa a cifra de “2 trilhões de barris equivalentes”, como sempre sem citar a fonte, quando o cálculo da Piw’s Top 50, de dezembro de 1992, aponta um pouco menos que 1 trilhão.
Argumento central do relatório é o que compara a área das bacias sedimentares brasileiras com o volume das reservas descobertas. O contraste entre os números, no contexto do relatório, sugere uma avaliação demolidora da Petrobras e dá uma razão sólida para a quebra do monopólio estatal do petróleo.

Diz o relatório: “(…) apesar de termos 6% das bacias sedimentares do mundo, só dispomos de 0,3% das reservas provadas mundiais”. E completa: “(…) 6% da área sedimentar do mundo que, em sua maior parte, permanece inexplorada. Inequivocamente, frases arrasadoras. Incorretas, contudo.

O petróleo existe em bacias sedimentares, mas em quantidades diferentes, a depender do volume dos sedimentos. Não tem qualquer cabimento a argumentação de que, tendo o Brasil 6% da bacia sedimentar mundial, teria de ter 6% de reservas de petróleo ou valor semelhante. Esta correlação não existe na ciência. Há pequenas áreas no mundo com grandes volumes, como o pequeno Kuwait, cujo território é de poucas dezenas de quilômetros quadrados e que, sozinho, tem hoje 100 bilhões de barris de petróleo. Podem existir pequenas áreas planas com enorme espessura de sedimentos e outras grandes áreas planas com estreita espessura de sedimentos. As primeiras poderão ter muito petróleo, dependendo de outros fatores, as outras jamais terão muito petróleo, independente dos outros fatores.

O argumento da existência de 29 bacias sedimentares e pequena existência de reservas e a insinuação de que a abertura resolverá essa situação são de extrema tedenciosidade e infelicidade. Um país que abrisse seu petróleo com semelhante teorização correria o risco de se expor ao ridículo internacional.

Apesar das debilidades de nossas bacias sedimentares, todas já pesquisadas e onde houve boa resposta, colocadas em produção, o Brasil já descobriu uma das dez maiores reservas de petróleo do mundo. Muito mais de cem países estão atrás do nosso em reservas petrolíferas. E ainda que melindre a alguns, isto foi feito sem, e a despeito, do capital estrangeiro.

Foi na busca desse petróleo, apoiando-se na capacidade dos cientistas e dos trabalhadores brasileiros, e desvendando os segredos de nossas profundezas terrestres e marítimas, que o Brasil e a Petrobras encontraram o lugar propício onde se tornaram líderes em petróleo – o mar!

3- Recursos, royalties e impostos

A despeito do pouco que se disse sobre o assunto, conclui-se que o governo FHC quer quebrar o monopólio estatal do petróleo para atrair recursos, fundamentalmente estrangeiros, para o negócio do petróleo no Brasil.

O relatório observa que “a Petrobras tem investido pouco mais de US$ 2 bilhões por ano (…) 50% do que a própria empresa reconhece como necessário (…)”. A conclusão não demonstrada, de um simplismo atroz, é de que o dinheiro não existe, por isso que se torna imperioso atrair capital estrangeiro.

Em primeiro lugar, a experiência de nosso país não nos autoriza a ter muita esperança na vinda de capital estrangeiro. Do início do século até agora, em quase cem anos, as 6.311 empresas que operam ou operaram, no Brasil, em todos os setores da atividade, investiram aqui US$ 72,5 bilhões. Sozinha, e em 40 anos, a Petrobras investiu US$ 80 bilhões (“Mudanças no Setor Petróleo”, op. cit.). Durante os 13 anos dos “contratos de risco”, 35 empresas estrangeiras que assinaram 243 contratos aplicaram no país US$ 1,25 bilhão e perfuraram 79 poços, não encontrando um só barril de petróleo, e só gás em um único poço. No mesmo período perfurando 8.203 poços com grande êxito em diversos, a Petrobras investiu US$ 23 bilhões (R. Bueno, op. cit.).

Em segundo lugar há que se perguntar: sem quebrar o monopólio estatal do petróleo pode-se levantar esse dinheiro, de US$ 4 a US$ 5 bilhões por ano?

Uma resposta séria a essa pergunta crucial teria de passar por uma análise que levasse em conta as possibilidades de a Petrobras: 1) levantar financiamentos diretos; 2) efetuar leasing; 3) realizar parcerias societárias; 4) terceirizar; 5) racionalizar investimento; 6) aumentar a produção e refino; e 7) ajustar a estrutura dos preços de seus produtos.

Os materiais da Petrobras e as declarações e informações de seus técnicos a respeito de cada um de seus itens demonstram excelentes condições de a Petrobras gerar recursos por esses meios. Como a preocupação de escutar o pessoal da Petrobras não chegou ao relator Lima Neto, nós ficamos privados dessas análises. Relato três exemplos para ilustrar a questão.

Primeiro – a geração de recursos próprios atinge US$ 2 bilhões, com o preço de US$ 18,3 por barril do petróleo da Petrobras. Considerando que a estrutura de preços e derivados, sem qualquer aumento para o consumidor, pode ser alterada, aumentando a parcela da Petrobras, ao mesmo tempo em que diminuiria a quantidade de impostos e a parcela dos distribuidores, há que se admitir, só por essa mudança, acréscimo de renda para a empresa na ordem de US$ 3 a US$ 4 bilhões anuais (cf. Revista Fortune, setembro de 1990, “A verdade sobre os preços”). A Associação dos Engenheiros da Petrobras, AEPET, enviou ao então presidente Itamar Franco uma proposta de nova estrutura de preços médios dos derivados, baseada na estrutura americana. Se tal proposta fosse posta em prática, a Petrobras teria um acréscimo anual de cerca de US$ 4 bilhões em suas rendas.

Segundo – Os recursos propalados correspondem a um determinado nível de produção e refino. O investimento é feito para aumentar a produção e o refino. Assim investindo-se a renda aumenta.
Terceiro – É imperdoável que, no exame das possibilidades de se levantar recursos, o relatório não constante que a Petrobras tem grandes facilidades para fazer leasing, parcerias e terceirizações, haja vista o que consta de seus documentos, lamentavelmente desprestigiados pelo relator Procópio. As últimas plataformas de petróleo, por exemplo, de centenas de milhões de dólares, estão sendo construídas na forma de leasing, ou seja, com recursos próprios igual a zero!

Assim, não se vislumbra problema maior para se mobilizar e ultrapassar os US$ 4 bilhões ditos necessários para investir, e pode-se considerar razoável esse número introduzido pelo parecer.
Na página 11, o relatório informa que a Petrobras paga “royalties de apenas 5%, enquanto a média mundial situa-se em torno de 12,5%, havendo vários países que superam os 20%. O problema está mal-posto.

Royalties são altos onde o custo de produção é baixo, e podem ser nulos onde o custo de produção é muito alto. Nesse intervalo variam os Royalties de país a país. Quando o custo operacional e também o custo de capital são baixos, como é o caso do Oriente Médio, que vão apenas a US$ 5 por barril; quando poços chegam a produzir até 100.000 barris num só poço; quando o petróleo é vendido a US$ 17 por barril – então há uma sobra folgada para se pagar bons royalties. Royalty alto em produção no mar não existe. Pelo que se sabe os altos royalties já pagos pela exploração no Mar do Norte estão extremamente reduzidos. Em águas profundas o que existe, nos Estados Unidos, é tentativa de obter subsídios.

No Brasil, o problema deve ser examinado com cuidado. A Petrobras informa que seu custo de produção (operação e capital) foi maior do que US$ 12 por barril; que o valor do petróleo no mercado externo foi cerca de US$ 16 a US$ 19 por barril; e que recebeu em média por seu petróleo produzido, nos últimos sete anos, a bagatela média de US$ 10 por barril.

Coerente com a linha de desvalorizar tudo o que se refere ao Brasil e à Petrobras, o relator Lima Neto também menospreza os recolhimentos de impostos da empresa. Começa a chamá-los de “tão decantados impostos”. E resolve desmerecê-los, dizendo que quem paga os impostos é o consumidor! Mas, afinal, que descoberta está fazendo o relator? Por acaso quem paga o ICMS, IPI, Imposto de Importação dos outros bens não é o consumidor? Acaso as empresas não recolhem do consumidor? A verdade escamoteada pelo deputado Procópio, mais uma vez para desmerecer a Petrobras e as coisas feitas por brasileiros, é que a Petrobras pagou, em 1994, US$ 6,2 bilhões, ela que movimenta aproximadamente 3% do PIB brasileiro. Se alguém está atrás de um escândalo, ou mais um, para denunciar, deveria se ater ao fato de o sistema financeiro brasileiro – que, todo ele, movimenta 23% do PIB (e não 3% como a Petrobras) – ter pago apenas US$ 3 bilhões no mesmo período.

4- A emenda é de quebra do monopólio

Na discussão do mérito da emenda governamental, o relatório diz: o “governo pretende manter com a União a titularidade exclusiva das jazidas de óleo e gás natural”. Ora, isso já é exclusivo da União. O que o autor introduz é uma dúvida a respeito de quem terá a titularidade, uma vez que logo em seguida diz que a emenda aprovada “abrirá a possibilidade de contratação de empresas para a pesquisa e lavra de jazida, mediante licitação e pagamento de direitos pelo contratado”. Direitos, que direitos? Que seriam pagos, a troco de quê? Da titularidade repassada? A lógica nos leva a essas dúvidas.

A emenda institui os contratos/concessões. Feitos, não se toma de volta, logo perde-se a titularidade. É como o sistema de rádio ou televisão. É da União, que cede, em concessão, a alguém explorar. Daí por diante, esse alguém é o titular absoluto, na prática. Estabelece seu monopólio e não há quem tire. Veja o caso da Globo. Também tem concessão, como todas as outras redes de televisão. Mas quem poderá afastá-las, em qualquer circunstância? No mundo inteiro, retomadas de concessões só ocorrem como fruto de movimentos revolucionários. No caso do petróleo, em nível internacional, somente intensa mobilização popular permitiu que o mundo assistisse à expulsão dos interesses estrangeiros das colônias petrolíferas existentes até a década de 1970. Se, no Brasil, concessões forem feitas a magnatas do petróleo mundial, e se esses magnatas instalarem uma plataforma na bacia de Santos ou Campos, ou onde quer que seja, não há mais quem nos tire de lá, e nem quem regulamente o que lá eles farão: encher navios de óleo e levar para seus países, por exemplo.

Por outro lado, a Medida Provisória 841, que dispõe sobre as concessões, colocará a Petrobras como privatizável, logo que ela se transforme de executora do monopólio estatal do petróleo em mera concessionária na exploração de petróleo. Mais grave ainda. Pela MP 950 (cap. V, arts. de 29 a 32), a que criou o Real, o ministro da Fazenda pode colocar as ações da Petrobras à disposição do BNDES, para venda na Bolsa, e como a Petrobras será mera concessionária isto poderá ser feito sem prévia autorização do Congresso. Por isso, a emenda é a quebra do monopólio estatal do petróleo, e o seu sentido é de privatização da Petrobras.

5- Manter o monopólio facilitando as parcerias

Não somos contra toda e qualquer mudança na legislação. Somos contra mudanças que dilapidem o patrimônio público nacional.
Se contudo se pretendesse fazer alteração para incentivar a presença de capital privado na questão do petróleo, sem quebra de monopólio, seria o caso de estudar:

a) Não mexer no art. 177 da Constituição (caput e parágrafos) nem na Lei 2.004, mantendo assim intocado o monopólio;
b) aprovar uma Lei Complementar com o seguinte sentido: o monopólio estatal do petróleo, de acordo com o art. 177 da Constituição Federal e com a Lei 2.004, deverá contemplar, sempre que couber, parcerias societárias nas áreas de refino, transporte, estocagem de líquidos e gases, transporte de petróleo, derivados e afins; e
c) flexibilizar os artigos 37 e 173 da Constituição, que impedem a organização de estatais de qualquer tipo, ou subsidiárias, sem ouvir antes o Congresso. Uma emenda deveria assegurar que, no caso do art. 177, a estatal executora, a Petrobras, ficaria autorizada a constituir subsidiárias, em parceria com capital privado, de acordo com regras previamente autorizadas pelo Congresso Nacional.

Haroldo Lima Deputado federal, PCdoB-BA.

Voto em separado sobre a emenda das telecomunicações*

O debate desenvolvido nesta Comissão revelou duas formas de ver a questão das tele-comunicações.
A primeira percebe o setor a partir das possibilidades que se abrem, como um grande negócio: o governo, de um lado, vislumbra a possibilidade de fazer caixa, com a alienação de seus ativos; e o empresariado quer assumir o setor e direcioná-lo aos seus mais imediatos interesses. Em busca de justificativas palatáveis, que mascarassem as suas reais posições, este segmento valeu-se de sofismos, mentiras, dados em desacordo com a realidade de falsas premissas. No debate, a abertura do setor ao capital privado é apresentada enquanto panacéia para todos os males, desconhecendo-se que o setor no Brasil já é um dos mais abertos do mundo. O pequeno número de terminais por habitante e a necessidade de US$ 35 bilhões de investimentos são apresentados de forma emblemática. Parecem desconhecer que o setor privado tem como referência para os seus investimentos o lucro e não as carências sociais envolvidas.

Em outro campo, a partir de uma visão mais avançada, os interlocutores reconhecem nos serviços de telecomunicações uma parcela a ser exercida pelo poder público e outra que deve ser franqueada ao setor privado. Ao poder público cabe o estabelecimento da rede pública, a universalização do acesso ao sistema, a fiscalização e o controle; aos particulares, a partir da rede pública, vender os seus serviços. A importância dessa integração entre a ação estatal e o setor privado é defendida como a forma viável de autofinanciamento do sistema de telecomunicações. De modo complementar, apontam que as deficiências hoje existentes devem-se principalmente à má distribuição de renda do país, ao controle politiqueiro e irresponsável das tarifas públicas e ao bloqueio governamental às ações de investimento das estatais. Criticaram a forma e o conteúdo do debate proposto pelo governo e aceito no Congresso Nacional.

Impressionante foi o comportamento governamental, pressionado diante do desmoronamento de suas teses e dos dados que a sustentam; o governo passou a defender a “flexibilização” como forma de o Estado fazer frente aos problemas fiscais. A partir de então, questões importantes – como o rumo das mudanças, o modo e o tempo mais apropriado para fazê-las e as suas consequências – abandonaram a ordem dos debates.

Assim, numa tentativa de resgatar esse importante debate, passo a discutir os pontos que, a meu ver, deveriam ter norteado a proposta governamental e que, por certo, esta Casa relevará no processo decisório.

Ninguém, mas ninguém mesmo, consegue desconhecer o papel que a informação exerce no mundo atual. Estamos numa sociedade que processa evoluções quantitativas e qualitativas nos seus meios de produção, utiliza cada vez mais as informações que, aliás são transformadas em coisa obsoleta com extrema velocidade. A importância de transmissão de informações ficou demonstrada pelo dia-a-dia. Assim, o domínio das informações e das telecomunicações passou a ser instrumento de poder. Ora, a democracia exige o mais rigoroso controle sobre todas as formas de poder. Ao Estado, e não ao mercado, deve ser confiada a responsabilidade desse controle. Essa questão referenciou as discussões realizadas no processo constituinte de 1988. Ao Estado coube a tarefa de explorar, diretamente ou através de concessões a empresas estatais, os serviços públicos de telecomunicações. Estabeleceu-se a rede pública de telecomunicações, explorada pela União, assegurando a prestação dos serviços por entidades de direito privado. Era, na verdade, a consolidação de uma realidade a ser preservada por todos os motivos ditados pelo interesse nacional.

A Constituição Federal estabeleceu a devida diferenciação entre o estratégico e o suplementar: a rede pública e os serviços, um público e outro de exploração privada. Assim o fez para que o modelo sobrevivesse à alternância de programas dos diversos governos e a ideologia dos diversos partidos e se situasse bem acima das alternativas conjunturais, objeto de leis comuns. Mas estabelecer o estratégico seria insuficiente sem criar as formas para a sua viabilização: o equilíbrio do sistema, onde os serviços mais sofisticados podem subsidiar a democratização dos serviços básicos.

O modelo brasileiro adota para as telecomunicações uma clara divisão em duas partes. Sob controle acionário estatal, o essencial, aquilo que representa a segurança nacional: a rede pública e o sistema nacional de telecomunicações. O Estado desempenha o papel de provedor e controlador, através de um sistema empresarial aberto, onde a maioria do capital pode se dar por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nacional ou estrangeiro. Todo o resto, os demais serviços de telecomunicações, pode e deve ser desenvolvido pela iniciativa privada, que se sujeitará apenas ao papel regulador do Estado. Restaria saber se o cenário estabelecido pelos constituintes em 1988 é suficiente para acompanhar as evoluções que o setor experimenta.

As telecomunicações vivem, em todo o mundo, uma revolução sem precedentes, particularmente nos processos de geração e difusão de novas tecnologias digitais, que propiciam procedimentos integrados de multimídia, na adoção de novas estratégias concorrenciais por parte das operadoras de serviços e dos fornecedores de tele-equipamentos e na redefinição do quadro institucional e jurídico que regulamenta as telecomunicações. No Brasil não poderia ser diferente, aqui também as telecomunicações precisam – e irão – mudar. Discutir por que mudar, para onde, como e quando mudar tornou-se uma das grandes questões nacionais.

É apresentado enquanto consequência do processo de globalização que todos os setores da economia se desloquem em direção ao processo de ampla concorrência, efetivado por empresas privadas e sob a regulamentação exercida pelo próprio mercado. Esta seria então a direção das mudanças a serem efetivadas. Mas o que se apresenta como uma verdade absoluta é um grande engodo. Na realidade, importantes deslocamentos e transformações existem, mas por serem fenômenos muito mais complexos não caminham nesta direção, interagindo de forma acentuada com as dimensões tecnológicas envolvidas e com os objetivos sociais e estratégicos vinculados às telecomunicações.

O que se busca hoje, em todas as experiências relevantes, é estabelecer instâncias e mecanismos de regulamentação capazes de garantir o dinamismo tecnológico, zelar pela qualidade e permitir o atendimento ao usuário, sem desconsiderar as dimensões sociais e regionais em questão. Por isso, além de identificarmos a direção das mudanças, devemos distinguir os motivos, os objetivos, as pré-condições e, principalmente, avaliar os resultados e suas consequências frente aos objetivos estabelecidos.

Foi um modelo baseado na exploração estatal que viabilizou importantes conquistas no setor de telecomunicações nos países mais avançados. Resultou-se daí a ampla expansão do serviço telefônico, com a universalização possibilitada pelas tarifas acessíveis, resultado do subsídio cruzado e do exercício no monopólio natural, que resulta no menor custo médio para todos os serviços.

Fortaleceu-se a indústria nacional de tele-equipamentos, através do uso do poder de compra das operadoras dirigido aos respectivos grandes fornecedores nacionais. Desenvolveram-se a pesquisa e a tecnologia a partir da colaboração tecnológica entre fabricantes e operadores de serviços e do financiamento por parte do operador da rede pública. Em países como o Brasil, as transformações acima descritas não se efetivaram por inteiro. A crise dos anos 1980, as ações governamentais que impediam e dificultavam a capacidade de investimento da Telebrás, a péssima distribuição de renda e a ausência de uma política de desenvolvimento do parque industrial nacional de tele-equipamentos limitaram os resultados.

A partir dos anos 1980, nos países desenvolvidos, as transformações do modelo de exploração dos serviços de telecomunicações resultaram no estabelecimento de mecanismos específicos de regulamentação, na abertura do mercado da rede básica em determinados segmentos (particularmente de longa distância) e na transformação da natureza dos operadores de repartição pública para estatais (privatização, apenas na Inglaterra). A experiência da abertura gradual vivida pela Comunidade Européia (CE) ensina um importante processo de transformações coordenadas, com determinação de um calendário de ajuste e grandes discussões acerca dos rumos e objetivos das mudanças.

Tão promissor foi este debate que, somente agora, compreendo por que vários integrantes desta Comissão ausentaram-se do plenário: preferiram ficar imunes ao vírus da dúvida.
É a partir desses referenciais que passo a analisar as mudanças necessárias para o modelo brasileiro.

A proposta de Fernando Henrique Cardoso

A proposta do governo Fernando Henrique Cardoso estabelece plenos poderes para o Estado conceder livremente os serviços de telecomunicações. Longe de ser a solução que o setor exige, a proposta governamental representará o aumento do fosso que separa os brasileiros dos serviços de telecomunicações.

Para garantir a universalização dos serviços, como foi feito em todos os países desenvolvidos, o Brasil precisa manter o monopólio estatal para explorar ao máximo os rendimentos auferidos pelo subsídio cruzado e valer-se da economia de escala. A proposta governamental cria imediatamente, com a privatização, ou em médio prazo, com a chamada flexibilização, a transferência do monopólio estatal ao setor privado.

O governo desconhece que o capital privado busca maiores retornos em menor tempo. A expansão da rede pública, em especial da rede local básica, somente interessará a esses setores sob condições muito especiais: monopólio e, ainda assim, noutro quadro tarifário. O governo também sabe que, perdendo os serviços mais lucrativos, as operadoras estatais não terão recursos necessários para cumprir o seu papel; também sabe que, como em todo o mundo, a privatização resultou em elevação das tarifas dos serviços residenciais e que a sua proposta significará o fim da tecnologia nacional e do parque brasileiro de tele-equipamento.

Mas o maior absurdo é ainda afirmar que o Estado assumirá a sua função de supervisão e controle. Se assim pretendesse, FHC iniciaria as mudanças pelas alterações que se fazem necessárias do Código Brasileiro de Telecomunicações. As últimas declarações do ministro José Serra afirmaram o início imediato do processo de privatização. No mesmo tom, o ministro Sérgio Motta aponta para o pronto estabelecimento de concessões. Não haverá novos dispositivos legais reguladores. O governo, segundo suas próprias palavras, vai valer-se da Lei de Concessões e da Medida Provisória 966/95.

Como em todos os outros assuntos, o empirismo domina a cena da ação governamental. Se buscasse soluções, a ação governamental estaria em defesa das empresas estatais, do patrimônio público e da soberania nacional.

A proposta do relator, deputado Gedel Vieira Lima

O substitutivo apresentado pelo relator alcança a proeza de piorar em muito a proposta governamental. A pretexto de desconstitucionalizar, comete o crime de acabar com a rede pública de telecomunicações, possibilita ao governo tratar a questão por meio de concessões e até permissões, ou mesmo autorizações e, por fim, retira da Constituição a diferenciação entre os serviços públicos e os privados de telecomunicações.

O texto proposto em nada se reflete nas justificativas que lhe deram origem. Há total dessintonia em seu trabalho. Cita o exemplo dos Estados Unidos, que impedem operadores estrangeiros, mas nenhuma salvaguarda é criada para o Brasil. Reconhece que os processos de privatização vivenciados pelos países da América Latina foram inadequados, que o Estado perdeu a capacidade regulatória, mas também nada é feito ou proposto. Reconhece que o modelo administrativo das estatais impede a sua ação ou mesmo a convivência com o setor privado, mas nenhuma linha sobre isto aparece no substitutivo. Valoriza o exemplo italiano, que manteve a rede pública, mas retira do texto constitucional a sua referência. Num ponto do relatório diz ser indesejável o monopólio privado, noutro propõe a privatização das operadoras; num ponto afirma que o Ministério admite fazer a privatização do sistema… É uma lista sem fim de contradições e de falsas preocupações. Melhor seria se, em vez de discursar sobre alternativas do futuro modelo para o sistema de telecomunicações, fizesse aparecer no substitutivo as preocupações que aparenta ter.

Reconhece que o governo detém uma parcela superior ao mínimo necessário para o controle acionário nas estatais do setor e que a alienação desse excedente possibilitaria novos recursos e, assim, insiste em defender a quebra do monopólio estatal. Reconhece, mas desconhece.

Fala em ver a questão do ponto de vista do consumidor, mas o referencial utilizado é o dos negócios: a sua proposta resultará em aumento das tarifas e em maiores dificuldades para as parcelas mais carentes da nossa sociedade e as pequenas e médias empresas. Não estabelece qualquer garantia para a disseminação dos serviços, a todos os cidadãos, em todas as regiões do país; nada garante a concorrência frente ao monopólio privado. A única questão garantida é o lucro fácil que se avizinha para o capital privado. Na verdade, esses são os tão falados consumidores a quem e relator quer e pretende agradar.

Pior ainda é a redação dada ao artigo que propõe para o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: tenta enganar esta Casa, trata os parlamentares e a sociedade brasileira com total descaso. Fala da necessidade de regulamentação, mas apenas fala. Da forma como foi redigida a lei que regulará as telecomunicações nacionais, não é exigível para que o governo comece desde já o processo de concessões à iniciativa privada desses serviços públicos. O próprio governo já dá declarações nesse sentido. Fala que essa lei não poderá ser derivada de medida provisória, mas é a MP 966, hoje em vigor, que estabelece a possibilidade de concessões para o setor de telecomunicações. Tergiversa quando afirma que as preocupações externadas pelos deputados Gerson Peres e Nelson Marchesan – e dos quase 300 parlamentares que subscrevem as respectivas emendas – estão contempladas em seu substitutivo.

Respeitasse a inteligência dos interlocutores, a redação seria bem diferente.

Controle, mas que controle?

As teses desenvolvidas pelo governo e também pelo relator sobre a ação reguladora, regulamentadora e fiscalizadora do Estado parecem emanadas do etéreo. Não encontram paralelo na realidade brasileira. O Estado brasileiro nem sequer é capaz de garantir os direitos constitucionais do cidadão. Um sem-número desses direitos é letra morta. São revogados sem ao menos existirem. Barbaridades são cometidas contra o cidadão em hospitais credenciados da rede privada e, em defesa do direito constitucional à saúde, a administração pública não consegue controlar nem as faturas que paga.
Fosse real esta intenção, estaríamos discutindo desde já os parâmetros a serem alcançados, os mecanismos de controle etc. Como será exercida a ação estatal? Depois que a iniciativa privada já estiver controlando todo o setor?

A dança dos números

Durante todo o debate na Comissão, ficou evidente uma enorme manipulação dos números usada pelos privatistas no afã do convencimento de seus interesses. Mentiras, meias verdades, manipulação de dados foram uma constante tanto nos depoimentos dos membros do governo como nos dos empresários que defendem a emenda da privatização. Esta manipulação está presente logo quando se usa o termo “flexibilização” do monopólio, já que é evidente tratar-se de um mero eufemismo para a privatização do setor de telecomunicações, como o próprio ministro José Serra fez questão de afirmar. Até o relator demonstrou a sua perplexidade com os números ao afirmar: “O setor de telecomunicações tem duas verdades”. O ministro Sérgio Motta chegou a denunciar o caráter antissocial do modelo de telecomunicações, já que a classe E – aquela que ganha menos de US$ 70 por mês – não tem telefone residencial!

Esta manipulação grosseira reaparece no último documento enviado ao Ministério das Comunicações, quando são apresentados os dados da Telebrás referentes a 1992 e não os dados de 1994 (todos já disponíveis), sabendo-se que no ano passado os investimentos foram significativamente maiores.
A proposta governamental sustenta-se num ponto básico: o setor necessita de investimentos da ordem de US$ 35 bilhões para os próximos 4 anos, recursos que o setor público é incapaz de arcar. Este número mágico percorreu todos os debates e constitui-se no núcleo central das defesas do governo. Já no primeiro debate solicitei os estudos técnicos que deram substâncias a este cálculo, mas nunca fui atendido.

As afirmações triunfalistas e voluntaristas do ministro – de que esses investimentos alcançariam o Brasil ao nível dos países do G-7, desconhecendo os reais entraves ao desenvolvimento da sociedade e da economia brasileira – deveriam ser suficientes para nos fazer desconfiar dos seus números. Mas o que mais me chamou a atenção serve também para demonstrar a inconsistência dos números. O governo apresenta, talvez como autocrítica sobre o modo superficial com que trata do problema, que o setor tem uma carência reprimida de 4 a 10 milhões de novas linhas. Uma variação de nada menos que 150% deveria desacreditar as suas projeções ou revelar que a necessidade dos US$ 35 bilhões também estaria, na mesma monta, superdimensionada em 150%.

A Telebrás poderia e pode investir mais, com seus próprios recursos. Não o faz por decisão do governo, que argumenta ser a contenção dos investimentos, mesmo com recursos próprios das estatais, importante como instrumento de controle da base monetária. Por acaso os investimentos realizados pelo setor privado igualmente não elevam a base monetária nacional? Ou é igualmente falácia que o governo pretende estimular os investimentos privados no setor?

Parece hipocrisia, mas o governo já aponta em seus relatórios a necessidade de redimensionar o subsídio cruzado, aumentar as tarifas e diminuir a carga tributária de setor (por acaso a maior do mundo). Para quê? Para ajustar o setor para o modelo das privatizações, tornando-o mais atrativo, mais rentável. Ora, por que não realizar algumas mudanças nas estruturas de preços capacitando ainda mais o sistema Telebrás e realizar os investimentos necessários? Por ora, podemos afirmar que a privatização com aumento das tarifas aliviará os novos operadores (privados) do seu maior problema e diminuirá a carência do seu mais oneroso serviço: a telefonia residencial.

O ministro José Serra afirmou que o retorno recebido pela União é pequeno frente ao alto patrimônio investido nas estatais, esquecendo-se, propositadamente, de incluir o pagamento efetivo dos impostos em seus cálculos. Se o governo tratasse com maior seriedade este assunto, teria realizado comparações entre as operadoras estatais com aquela que é a única empresa privada do setor. Foi a partir principalmente da exposição do Sr. Luís Alberto Garcia, presidente da CTBC, nos debates desta
Comissão, que ficou mais clara esta questão. Respondendo a uma de minhas inquirições, este senhor reafirmou o que já é de amplo conhecimento desta Casa: a empresa, como a maioria do setor privado, não paga imposto de renda. Numa tentativa de desmentir o que ficou gravado nos anais, esta empresa enviou o relatório com os dados referentes ao seu balanço anual de 1994. Assinada pela Arthur Andersen S/C, uma nota explicativa dá a real dimensão dos US$ 10,092 milhões devidos ao IRPF: apenas US$ 1,822 milhões correspondentes a R$ 1,542 milhão (18% do devido) referem-se à despesa realizada; os demais, US$ 8,27 milhões (82%) foram provisionados e aguardam decisão judicial, mas nem sequer foram depositados em juízo.

Conclusão

Por todas essas questões manifesto-me contrário à proposição inicial e também contra o substitutivo do relator.

Sérgio Miranda
Deputado federal, PCdoB-MG.

EDIÇÃO 37, MAI/JUN/JUL, 1995, PÁGINAS 27, 28, 29, 30, 31, 32