Sob todos os aspectos, é uma aberração que o real tenha vigorado por doze meses na base do ensaio e erro, à revelia do Congresso Nacional, do Poder Judiciário, da “coisa” mídia e do bom senso. Profundas alterações foram implantadas na vida econômica brasileira, a partir da instituição de um novo sistema monetário, com o recurso de Medidas Provisórias – a primeira de número 542, editada pelo governo Itamar Franco, em 30 de junho do ano passado, e a 13ª, de número 1.027, assinada pelo governo FHC, em 20 de junho último, afinal convertida em Lei, quando a nova moeda completava um ano (1).

O episódio é instigantemente surrealista: por doze meses circulou uma moeda sem base legal respeitável, em que pese a “plenitude” burguesa (burlesca) das três instituições democráticas formais. Além disso, as sucessivas edições das MPs processaram mudanças importantes, particularmente quanto ao que fora apresentado como um dos elementos de seriedade da nova moeda: o rigor dos critérios de sua emissão. Em menos de dois meses, a oferta de moeda já havia estourado os limites pré-fixados.

“O Real vigorou sem prévio exame dos parlamentares”

A despeito do revezamento de tropelias e experimentos entre uma e outra edição da MP do real, chama-nos a atenção, por sintomático, que um plano dessa envergadura, inspirado no selvagem neoliberalismo, tenha vigorado sem prévio exame e aprovação do Congresso nacional – a voz política institucional da sociedade, aqui agredida pelo desprezo que os neoliberais demonstraram ter pela democracia.

E graças a esse solene desprezo, o Brasil, a exemplo de outros países latino-americanos, finalmente entrava de rijo no enquadramento contemporâneo imposto pelo imperialismo internacional. Sob a forma de planos com nomes diferenciados, a América Latina está se vergando a mais uma etapa da cruel dominação colonialista que distancia nossos povos do progresso social. Segundo o Sistema Econômico da América Latina (SELA), a dívida externa dos países dessa parte do mundo subiu 57,2% num intervalo de 14 anos, passando de US$ 228,2 bilhões, em 1980, para US$ 533,7 bilhões, no final de 1994 – justo no período em que, a partir da ditadura de Pinochet, no Chile, as burguesias tupiniquins abraçavam o neoliberalismo.

“A instantânea derrubada da inflação oculta desequilíbrios e impõe sacrifícios ao povo”

Os neoconservadores do Brasil iniciaram a nova temporada de subordinação com um valioso trunfo: a drástica queda da inflação que a pirotecnia da URV (unidade real de valor) propiciou. De grande efeito psicológico frente ao insuportável castigo das constantes e brutais elevações dos preços, desnorteadoras de referências, a instantânea derrubada da inflação tem sido usada ardilosamente para ocultar da sociedade os graves desequilíbrios criados pelo Plano Real, para chantageá-la com a imposição de inaceitáveis sacrifícios (como a desindexação dos salários) e para torná-la refém de orientação como a de privatização de importantes empresas estatais.

Longe do que se pretende fazer imaginar, e que a mídia incute com esmero, a rebaixa da inflação não tem como referência os interesses dos trabalhadores, o progresso social e a afirmação soberana da nação Brasil, como é desejável. Mesmo porque o Plano de Estabilização não é nenhum projeto macro de desenvolvimento, em que a contenção de ritmo de subida dos preços se articula com a distribuição de renda e geração de empregos, entre outras variáveis. Muito ao contrário, o corte fundo da inflação propiciado pelo Plano Real é uma imposição feita pelo capital monopolista para a orientação de seus investimentos num dado ambiente de “estabilidade”, que outra coisa não é senão a consecução de uma premissa do desvairado processo cíclico de expansão e centralização do capital.

“Interessa ao capital a estabilidade aparente para assegurar lucros e reforçar desigualdades”

Esta é a questão crucial para uma das interfaces de aplicação do projeto neoliberal nas economias de países dependentes como o Brasil. Isso em nada ameniza as causas estruturais da inflação.

Processa-se, isto sim, por meio da conquista de mercados externos, um movimento de afirmação da hegemonia do capital monopolista internacional, reforçado que se encontra pelos ganhos de produtividade obtidos com os novos processos tecnológicos que tem desenvolvido. Taticamente, interessa ao capital eliminar o ambiente de incertezas que a inflação cria, motivando uma sucessão de pacotes, planos, regulamentações e alterações constantes das regras do jogo. A um só tempo, a “estabilidade” ” com arrasadoras consequências, que comprometem ainda mais o futuro do Brasil. O aparelho produtivo, a política econômica, o Estado, a imprensa e as instituições vitais da sociedade, todos eles, por variadas iniciativas articuladas entre si, são gradativamente postos em função desse patamar de estabilidade. Por isso mesmo, o raio de ação dessas esferas será sempre restrito e irremediavelmente distorcido. Um exemplo ilustrativo está sendo dado pela estampa dos limites do modelo de ajuste e estabilização do Plano Real, pomposamente apresentado como exemplo de inventiva e genialidade. Sua missão é a de finalmente enfrentar a grave crise da economia brasileira, com a promessa de promover o desenvolvimento sustentado e com justiça social, num ambiente de modernização das relações na sociedade brasileira.

“No Brasil a agenda dos ajustes foi atropelada, antecipando impasses e as consequências”

O Plano que, por sua natureza, já seria perverso, acresceu-se de selvageria nas particularidades históricas de sua aplicação no Brasil. Com o fracasso da primeira tentativa feita pelo governo Collor, na impossibilidade circunstancial de acelerar a “reforma do Estado” e premidos por resultados imediatos, necessários à vitória na disputa presidencial, os neoconservadores atropelaram a agenda dos ajustes.

Por isso, os impasses intrínsecos, amadurecidos em um tempo maior em países como o México e a Argentina, se anteciparam tanto quanto as pesadas consequências. O enfrentamento da missão tão complexa que o Plano Real anunciou restringiu-se a acionar políticas de curto prazo, como a cambial e a monetária, esta mais do que aquela. Tudo o mais ficou subordinado. E qual o resultado? Com o câmbio atrasado pela irracional valorização do Real, o governo, a um só tempo, facilitou a invasão do mercado pelos importados e, com a importação facilitada, constrangeu momentaneamente alguns preços “oligopolizados” da economia brasileira, comprando, em geral, de outros monopólios, quando não dos mesmos com unidades fabris no exterior. Por exemplo, dos 194 mil automóveis importados no ano passado, 121 mil, ou 62,4%, o foram pelas montadoras aqui instaladas.

Mas o câmbio atrasado também vai se revelando como um importante expediente que o governo brasileiro põe à disposição do capital internacional na guerra pelo assalto e conquista do mercado interno do país. As facilidades criadas para esse assalto (2) implicarão o encolhimento da capacidade produtiva de vários setores, como já está ocorrendo com a indústria calçadista, onde dezenas de fábricas já foram fechadas. Só mesmo a racionalidade arrogante do neoliberalismo, de que o presidente Fernando Henrique demonstra ser obediente executor, consegue ignorar o impacto desestabilizador dessa orientação. Por ela, no âmbito da política cambial, inverte-se a prática de saldos positivos com a maior parte dos parceiros comerciais do Brasil. O comércio exterior com a Argentina, de há muito superavitário, acumula déficits contínuos desde outubro, e somente entre janeiro e maio deste ano totaliza um saldo negativo de US$ 670 milhões, contra um saldo positivo de US$ 522 milhões em todo o ano de 1994. Igual fenômeno se repete com os Estados Unidos, com quem o Brasil somou prejuízos de mais de US$ 900 milhões (cerca de 27% do déficit total da balança comercial brasileira nos cinco primeiros meses do ano em curso). Trata-se de um inquestionável ganho obtido pelos monopólios, confirmado pelo fato de 79% do déficit comercial do Brasil deste ano terem sido registrados com países industrializados.

“Altos juros reais para financiar o déficit tornam a taxa brasileira a maior do mundo”

Quanto às altas taxas de juros reais (taxas nominais acima da inflação) – largamente empregadas até chegarem a ser uma espécie de recurso de UTI do programa de estabilização –, passaram a ter múltiplas utilidades, expressão tanto de sua essencialidade na arrancada do Plano Real quanto da falta de solidez dos “ajustes”. De isca para o especulativo dinheiro estrangeiro que ronda o mundo (precedendo ao anúncio da nova moeda, o governo constituiu uma massa de divisas em dólares para lastrear a emissão do Real), os juros reais passaram a ser utilizados para conter a fuga desse capital volátil aplicado no Brasil. Os altos juros reais também se tornaram indispensáveis para financiar o crescente déficit das contas externas do Brasil, mesmo porque uma outra função que lhe havia sido confiada – a de motivar os exportadores para os conhecidos Adiantamentos de Contratos de Câmbios, ACCs – não funcionou como o previsto. Mais recentemente, a equipe econômica atribuiu outra função circunstancial aos escorchantes juros reais: a de “evitar o desajuste interno” (sic). Mediante o encarecimento do crédito, em especial ao consumidor, a demanda interna está sendo contida para desaquecer a economia e deprimir o crescimento das importações (ver tabela 1).

Tamanha utilidade, determinada pelo contexto de graves distorções, fez a taxa de juros no Brasil se tornar a mais alta do mundo (ver tabela 1). Para alguns economistas, essa elevada taxa de juros prejudica o investimento produtivo e beneficia o capital financeiro. Em tese, assim é. Mas o capital financeiro é a fusão orgânica, na era dos monopólios, do capital industrial (o assim chamado investimento produtivo) com o capital bancário. De há muito o capital industrial é um elemento marginal no processo econômico e, em toda linha, subordinado ao capital financeiro. Se pretender financiar sua atividade no Brasil, o capital monopolista poderá fazê-lo independentemente das elevadas taxas de juros, seja recorrendo à sua matriz no exterior, seja pelo acesso que tem ao crédito internacional, financiado a juros bem menores do que os do financiamento pelo mercado brasileiro. Portanto, como esperavam que sua “estabilidade” propiciasse, os monopólios faturam com o não desprezível diferencial que os juros reais embutem na disputa por mercado. Tampouco o resultado é dramático para o capital financeiro aqui alojado, que se apropria de vultosas transferências de recursos dos cofres públicos ao financiar o déficit do Tesouro.

Tabela 1 (p. 20)

“As grandes vítimas: os consumidores, as finanças públicas, pequenas e médias empresas”

As grandes vítimas são os consumidores – tragados por pesadas despesas financeiras cobradas nas compras a crédito; finanças públicas – enredados pelo geométrico aumento das despesas com o pagamento dos juros da dívida pública; e as pequenas e médias empresas – esquartejadas em número crescente pelo livre mercado, à medida que o Plano de Estabilidade tenta sua afirmação.

A falácia fica bem demonstrada: os neoliberais, ácidos críticos da intervenção do Estado, valem-se dessa intervenção, como fizeram por meio das políticas de câmbio defasado e de elevados juros reais, para debilitarem o Estado. Por outro lado, levados por condicionantes que manipulam, expõem como ninguém a fraude em que o capital monopolista transformou o mercado. Maiores desequilíbrios
O governo não diz, mas um ano de Plano Real foi suficiente para espalhar pela sociedade brasileira um brutal aumento de desequilíbrios econômicos e sociais, de difícil reversão. Eles aparecem de forma dispersa, dificultando que se tenha a real dimensão do grave fenômeno. Vale a pena listar alguns deles.

– Invertendo uma sucessão de 14 anos de superávit, a partir de 1981, a balança comercial acumula déficits por oito meses consecutivos, desde novembro passado, deixando para trás a reversão que as medidas adotadas pelo governo prometiam. Nos seis primeiros meses deste ano, as importações superaram as exportações em US$ 4.266 bilhões, e a projeção apontada pela tabela 2 (saldos negativos em maio e junho anualizados) é de que o resultado não se altere até o final do ano, diferente do superávit de US$ 5 bilhões que o governo havia previsto (ver também gráfico 1).

– Desde a implantação do real, graças a uma saída líquida de capitais, o Brasil contabiliza uma expressiva diminuição de suas reservas internacionais. De US$ 43 bilhões em julho de 1994, elas devem chegar a US$ 28 bilhões no final do corrente ano.

– Há um substancial aumento da despesa pública com o pagamento dos juros da dívida interna, subindo dos US$ 2.691 bilhões, entre janeiro e maio de 1994, para US$ 2.937 bilhões, pagos no mesmo período de 1995, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. Esse dispêndio, somado ao do pagamento dos juros da dívida externa (US$ 2.028 bilhões), foi o que mais cresceu – 41% – dentre os itens das despesas da União. O desembolso com os juros da dívida pública continua crescendo, somando cerca de US$ 3,7 bilhões ao mês de junho.

Tabela 2 (p. 21)

Gráfico 1 (p. 21) – A inadimplência forte apareceu no mercado, decididamente, como um subproduto da era do Plano Real. Entre maio de 1994 e maio último, o número de cheques sem fundos devolvidos aumentou 307% em todo o país. No mesmo período, os pedidos de concordata cresceram 418%.

– Prossegue o endividamento do governo em títulos subindo dos R$ 62,5 bilhões, em janeiro, para R$ 71.768 bilhões, no final de maio do ano em curso.
– Embora a receita da União venha aumentando, totalizando 14% em maio último, e as despesas com serviços essenciais, como saúde e saneamento, tenham se reduzido significativamente, o déficit nas contas públicas não pára de crescer, somando R$ 1,4 bilhão de janeiro a maio.
– Mantidos há mais de um ano sem reajustes, como mecanismo para controlar a inflação de pouco mais de 35% em um ano de real, os preços das tarifas públicas de defasaram, comprometendo a receita do Estado e os investimentos necessários à melhoria e extensão desses serviços. Por consequência, seu sucateamento é contínuo.

“A maior safra agrícola brasileira coincidiu com a maior crise agrícola brasileira”

– A agricultura igualmente paga a conta do controle da inflação, seja pelos altos juros reais cobrados aos empréstimos que tomou, seja pela defasagem que o governo impôs aos preços dos produtos agrícolas, seja pelo aumento dos insumos que usou. Enquanto isso, crescem as importações de alimentos, contrastando com a redução da área plantada de vários cultivos. No ano passado, o Brasil comprou do exterior mais de 5 milhões e 300 mil toneladas de trigo, segundo a CONAB, ao passo que a área colhida com o cereal diminuiu de 1,368 milhão em 1994, para 1,230 milhão de hectares, em 1995, segundo a CONAB/BACEN. Tamanha é a desarticulação que a maior safra agrícola – a de 1994-1995 – se confundiu com a maior crise da agricultura brasileira, com repercussões em cadeia para outros setores, como as vendas no comércio e a produção da indústria de calcário, de máquinas agrícolas e de outros insumos. É a realidade vivenciada particularmente por estados como o Rio Grande do Sul, cuja atividade produtiva se apóia em boa medida na agricultura.

Outro elemento desse balanço da “estabilização” é a recessão que já se delineia no horizonte com o rápido ritmo de desaceleração da economia e o aumento do desemprego. São elementos-chave para promover uma redefinição de custos (a redução da massa salarial é uma das metas) e uma nova configuração do aparelho produtivo brasileiro.

Agora, à fase das reformas do Estado

Partindo do patamar desses dolorosos desequilíbrios, do impacto criado pela inflação controlada em níveis razoáveis, e apostando que esses dois fatores articulados num clima de chantagem produzam um ambiente ao mesmo tempo apático e temeroso o suficiente para tornar a sociedade refém, o Plano de Estabilização Econômica pretende retornar ao que deveria ser o começo de sua trajetória, isto é, um conjunto de reformas (patrimonial, fiscal, tributária, previdenciária e político-partidária) que altere os fundamentos do Estado, os pilares do desenvolvimento econômico e a natureza da democracia, pela implantação do padrão neoliberal de acumulação e reprodução capitalista.

A primeira dessas reformas – a do capítulo da Constituição que define a ordem econômica – foi praticamente concluída com a vitória arrasadora da maioria sobre a minoria do Congresso Nacional, da covardia sobre a honradez. As bases do desenvolvimento com soberania foram atingidas seriamente, quebrando barreiras estratégicas visadas acintosamente pelo capital monopolista privado.

“Por que o déficit público se arrasta ano após ano? Gasta-se mal ou a receita é pequena?”

Um dos próximos alvos é o da acelerada liquidação dos mais importantes ativos públicos, ou selvagem privatização de empresas estatais, como exige a banda mais truculenta dos neoliberais no poder. A justificativa vai da obtusa demagogia – é preciso arrumar dinheiro para investir em áreas típicas de ação do Estado, como saúde e educação – ao bisonho argumento repetido por múmias sagradas: “esses petrossauros são sorvedouros do dinheiro público, só atrapalham”. Aos poucos, o jogo foi sendo aberto, e a verdadeira faceta da privatização passou a ser dita com mais frequência: sem eliminar o déficit das contas do governo, não há redução dos juros reais, nem muito menos “estabilização duradoura” – dizem os porta-vozes da equipe econômica. Logo, o apurado na venda das estatais deve ser abatido do estoque da dívida, reduzindo-se, por aí, a pressão que os encargos da dívida interna exercem sobre o déficit público – completam.

Não há seriedade nessa pretensão. Se houvesse, sua premissa seria outra: a de investigar por que o déficit público se arrasta anos após ano: o problema está em o governo gastar mal e além do que arrecada? Ou está na receita, que historicamente tem ficado abaixo do que se poderia arrecadar? Ou é a combinação, em doses distintas, de vários desses elementos?

Uma incursão sobre os resultados da privatização, confrontados com o comportamento da dívida pública, revela a falsidade do pretendido pela plutocracia. Desde 1º de outubro de 1991, até fins do ano passado, foram privatizadas 33 empresas estatais e vendida a participação minoritária do Estado em várias empresas, com o que, segundo boletim do BNDES, foram arrecadados US$ 8.595,1 bilhões.

Desse total, US$ 1.970,7 bilhão ingressou em 1994. Não se tem notícia de que o volume da dívida pública tenha diminuído, nem que alterações relevantes tenham se processado em seu perfil de curtíssimo prazo. Como demonstramos acima, a dívida mobiliária federal cresceu mais de 13% nos cinco primeiros meses deste ano, prevendo-se que até dezembro totalize R$ 91,9 bilhões. Tampouco os dispêndios com o pagamento de juros diminuíram – no primeiro semestre, eles já consumiram R$ 3,7 bilhões dos cofres do Tesouro.

“Importações continuam em alta, mesmo com a economia em fase de desaquecimento”

A não ser pelo ingente endividamento que está implicado, a recorrente política dos altos juros reais vai perdendo eficácia, haja vista que as importações – de bens de consumo duráveis, por exemplo – continuam em alta, contraditoriamente com o desaquecimento da economia interna desde meados de abril. O juro alto não inibe o consumo elástico diversificado e sofisticado (via importação, inclusive) da classe média alta. Aliás, seu alto nível de renda é reforçado constantemente com os ganhos proporcionados pelas aplicações financeiras.

Como não tem outro remédio para o curtíssimo prazo, o governo, prisioneiro de sua lógica “estabilizadora”, terá de manter os juros na estratosfera, por mais insensato que isso seja, golpeando ainda mais os trabalhadores e a classe média baixa e desestimulando investimentos na produção. A Sondagem Conjuntural feita pela Fundação Getúlio Vargas junto ao setor industrial brasileiro e publicada em Conjuntura Econômica de junho, aponta conclusões elucidativas: a) em abril de 1995, insuficiência da procura fora apontada como principal fator limitativo da expansão da produção por 42% da indústria; b) principais fatores das decisões de investimento: insuficiência de recursos próprios (apontada por 42% da indústria), alto custo dos financiamentos (também 42%), incertezas acerca da evolução da demanda (37%), escassez de recursos no mercado financeiro (21%) e taxa de retorno inadequada (20%); c) considerando o principal objetivo para concretização das inversões físicas em perspectiva, há predominância (41% da indústria) dos recursos voltados para aumento da eficiência produtiva (modernização), sendo menos intensos os montantes visando à ampliação da capacidade produtiva especificamente (31% do mercado) e à substituição de equipamentos (16%).

O mesmo filme: “fazer crescer o bolo só para depois distribuir”

De que desenvolvimento sustentado fala o governo? Parece que estamos diante de uma adaptação feita pela modernidade conservadora da máxima do milagre econômico no reinado da ditadura militar: “crescer o bolo para em seguida distribuir”. Hoje seria desbaratar o que conseguimos para, em seu lugar, construir a servidão neoliberal – pensam os homens do governo. Disso é emblemático que o Estado, com toda precariedade de seu conteúdo burguês, esteja sendo esvaziado de suas funções de promoção social. Não menos emblemático que um país como o nosso, carente de produção industrial e agrícola, oriente-se por uma política governamental inibidora da produção e geradora de desemprego.

* Economista e membro da Direção nacional do PCdoB.

Notas

(1) Os 58 artigos da 1ª edição da MP, ou os 84 da 13ª versão, trataram de definições tão variadas quanto importantes. Entre elas: a criação de um novo padrão monetário, a instituição do Fundo de Amortização da Dívida Pública Mobiliária Federal, disposições tributárias, normas para o ingresso e saída do país de moeda nacional e estrangeira, instruções reguladoras da relação entre o Banco Central e as instituições financeiras bancárias, condições para o reajuste e revisão dos preços e tarifas públicas e disposições de política salarial.
(2) Além do benefício do dólar desvalorizado frente ao real, a Receita Federal apurou, segundo a Gazeta Mercantil, que 62% das importações brasileiras são contemplados por financiamentos externos. Desse total, a maior parte das compras – 45% – é paga num prazo de até 180 dias, e o financiamento é concedido pelo próprio fornecedor estrangeiro da mercadoria, mediante taxas de juros internacionais de cerca de 9%, muito abaixo das praticadas no Brasil. Pouco mais de 17% das importações recebem prazo de 181 a 360 dias. O câmbio atrasado mais as condições financeiras favoráveis asseguram um ganho líquido ao importador brasileiro não inferior a 20%, numa vantagem adicional para a competição com o capitalista do produto interno.

EDIÇÃO 38, AGO/SET/OUT, 1995, PÁGINAS 18, 19, 20, 21, 22, 23