É motivo de imensa satisfação e honra, para mim, poder apresentar novamente uma intervenção especial num fórum nacional de reflexão e deliberação dos comunistas brasileiros. Esses sentimentos são redobrados pela presença aqui, hoje, de inúmeras delegações estrangeiras, muitas das quais compostas por companheiros com que tive o prazer de desenvolver laços não só de camaradagem, mas também de amizade, no cumprimento de diferentes tarefas internacionais, ao longo dos últimos anos.

O tópico que me coube abordar nesta intervenção é um tema tão central quanto polêmico no atual debate político nacional e internacional: a natureza do neoliberalismo e as consequências de sua transformação em projeto hegemônico e dominante na maior parte do mundo capitalista neste fim de século.

Trata-se, efetivamente, de um tema muito em voga. O próprio presidente Fernando Henrique por duas vezes procurou questionar a sua relevância, inicialmente qualificando a discussão sobre o tema de mero “nhem-nhem-nhem” e, mais recentemente, afirmando que sua própria política deveria ser caracterizada como neo-social, e não neoliberal. Mas sua insistência em desqualificar o debate sobre o tema só aguça o interesse e a curiosidade sobre o mesmo (algo como as repetidas declarações dos cartolas do futebol de que seus técnicos estão “prestigiados”, quando os times não andam bem das pernas). No discurso de esquerda, por outro lado, o tema passou a ser incorporado de forma excessivamente genérica e indiscriminada, como qualificativo pejorativo para toda e qualquer política e/ou ação com a qual não se está de acordo.

O risco desse tipo de abordagem é perder de vista as especificidades do projeto em curso, dificultando a exploração das múltiplas contradições que ele deslancha. Num período de defensiva dos movimentos revolucionários, populares e democráticos de maneira geral, trata-se, efetivamente, de uma limitação fatal. A verdade é que o tema do neoliberalismo não está em voga por mero modismo. Ele se relaciona a um movimento muito real e concreto para a reconfiguração institucional do capitalismo, que toma corpo e se torna dominante hoje na maior parte do mundo. Considerados a sua profundidade e o seu alcance, trata-se de um movimento de certo fôlego que deverá marcar e configurar a evolução brasileira e mundial por algum tempo. Por isso mesmo, uma compreensão adequada e precisa do fenômeno é crucial para os comunistas e a esquerda em geral.

Fundamentos do liberalismo clássico

O liberalismo surgiu como doutrina e movimento de cunho progressista no século XVIII, em luta com o obscurantismo da dominação religiosa, o despotismo dos Estados absolutistas e as restrições mercantilistas à formação de um mercado global único sob a égide do processo de industrialização capitalista. No âmbito da teoria do conhecimento, o empirismo de Hume, Bekeley e Bentham se opôs à proclamação dogmática de verdades oficiais de fundo religioso.

Referenciado em direitos individuais naturais (estruturados sobre o direito à propriedade privada), o pensamento político liberal de Locke e John Stuart Mill, passando por de Tocqueville, criticou sistematicamente o escopo dos Estados autocráticos, proclamando a inviolabilidade da esfera dos direitos individuais/privados. Já no âmbito do pensamento econômico, a defesa da liberdade de mercado contra o sistema mercantilista recebeu fundamentação teórica nas obras dos fisiocratas Adam Smith e David Ricardo, que lançaram, assim, as bases da economia política clássica.

Enquanto o advento e expansão do capitalismo cumpria papel progressista e até revolucionário no mundo, inaugurando uma nova forma de vida moderna, o liberalismo permaneceu uma corrente essencialmente progressista e avançada (embora claramente ligada ao interesse da primeira potência
capitalista do mundo – a Inglaterra – em subordinar o conjunto do globo ao seu predomínio industrial).

Com a consolidação do novo mercado global capitalista sob hegemonia inglesa em meados do século XIX, no entanto, a dimensão opressiva e espoliadora do capitalismo se sobrepôs à sua dimensão emancipadora e progressista inicial, e o próprio liberalismo clássico se transformou de corrente progressista em ideário conservador voltado para a identificação ideológica das novas iniquidades imperantes. À sua esquerda, emergiam o movimento socialista, baseado no movimento operário em ascensão, e o próprio marxismo, como alternativa teórica e política emancipadora. A crise de identidade do liberalismo progressista neste período é bem evidenciada pela evolução intelectual de um de seus maiores epígonos, John Stuart Mill, que chegou ao fim da sua vida como defensor convicto da perspectiva socialista.

“Liberalismo clássico acabou marginalizado na primeira metade do século XX”

De ideologia ascendente e, em seguida, dominante, no século passado, o liberalismo clássico acabou sendo progressiva e inteiramente marginalizado pelos desenvolvimentos mundiais na primeira metade do século XX (incluindo duas guerras mundiais e a depressão mundial mais profunda da história do capitalismo). Ele não sobreviveu aos golpes sucessivos desferidos pela emergência do novo protecionismo nos Estados Unidos, Alemanha e Japão; do capitalismo de Estado na Europa continental; do socialismo na União Soviética; das experiências de industrialização tardia introduzidas pelo Estado na Europa do Leste e na América Latina; da montagem dos primeiros pilares do Estado de Bem-Estar em Estados do Norte da Europa sob administração social-democrata; e da primeira ascensão do nazifascismo. A sorte do liberalismo parecia definitivamente selada ao fim da Segunda Guerra, com o socialismo aparentemente destinado a reproduzir no mundo a mesma trajetória triunfal que o liberalismo havia vivenciado um século antes.

Fundamentos do neoliberalismo

Desacreditados e na defensiva, uma série de pensadores neoliberais se reuniu no pós-guerra para discutir as bases de uma ofensiva contra as teorias e práticas socialistas e “intervencionistas” então predominantes. Uma primeira tentativa de reaglutinação e renovação do pensamento liberal já havia sido tentada em 1938, com a formação do Centro Internacional para a Renovação do Liberalismo em Paris, mas esse foi desarticulado com o início da guerra.

O mesmo grupo básico se recompôs de forma ainda mais ampliada na Suíça, em 1947, formando a chamada Sociedade de Mont Pèlerin. Essa articulação (que perdura, com composição e configuração variadas, até os dias de hoje) teve um papel fundamental no lançamento das bases teóricas do novo liberalismo – o neoliberalismo. Os principais inspiradores desse relançamento do neoliberalismo foram os conhecidos expoentes da “Escola Austríaca” do pensamento econômico, Ludwig Von Mises e Friedrich Hayek. O livro deste último, intitulado O caminho da servidão, pode ser considerado o texto fundador do neoliberalismo (1).

“O neoliberalismo nasce anti-socialista e ainda mais reacionário”

Além dos dois economistas austríacos citados, a Sociedade contava com outros intelectuais de renome (ou que viriam a se tornar extremamente renomados em seguida); Karl Popper no âmbito da teoria do conhecimento; Milton Friedman, mentor do que viria a ficar conhecido como a “Escola de Chicago” no pensamento econômico; o sociólogo francês Raymond Aron; entre outros. Eram integrantes do grupo, ainda, intelectuais que desempenhariam papel destacado na reorganização das economias capitalistas da Europa do pós-guerra, nomeadamente Ludwig Erhard na Alemanha Ocidental e Luigi Einaudi na Itália. Nada menos de sete integrantes da sociedade de Mont Pèlerin foram agraciados com o Prêmio Nobel de Economia, todos entre os anos 1970 e 1990 (2). O que distingue as formulações desse neoliberalismo das do liberalismo clássico? Eu destacaria as seguintes questões:

1- Em primeiro lugar, trata-se de uma corrente em luta direta com o socialismo, os Estados de Bem-Estar viabilizados (direta ou indiretamente) por ele e os esforços de superação do atraso das antigas colônias que recorreram ao Estado como promotor crucial do desenvolvimento. Desse ponto de vista, trata-se de uma corrente que já (re)nasce com uma nítida e clara orientação reacionária (diferente do antimercantilismo do liberalismo original).

“Neoliberalismo: a acumulação é prioridade e a desigualdade é sempre inevitável”

2- Como desdobramento disso, o neoliberalismo ressurge expurgado de todos os elementos potencialmente progressistas e emancipadores que compunham o seu ideário original. Em particular abandona-se a referência à igualdade dos seres humanos (central à teoria clássica dos direitos naturais) para afirmar e justificar a desigualdade social como inevitável (e positiva) consequência da liberdade humana (entenda-se liberdade para propriedade e acumulação privada). Isso marca o claro deslocamento da perspectiva liberal da esquerda para a direita do espectro político no mundo, ao longo dos dois últimos séculos.

3- Por fim, face às evidências históricas de graves falhas na operação da “mão invisível” do Mercado Livre (sobretudo nas primeiras décadas do século XX), o neoliberalismo admite a adoção de certas medidas sociais compensatórias por parte do Estado, desde que limitada a um atendimento mínimo e particularizado dos setores mais fortemente excluídos, no sentido de reconduzi-los à própria economia de mercado.

Assim, na sua versão original, o neoliberalismo apresenta novas bases teóricas para propugnar a subordinação incondicional ao mercado como panacéia para a solução dos problemas da modernidade, e critica a intervenção estatal como uma desgraça a ser evitada a todo custo. A radicalidade dessa renovação doutrinária do liberalismo é tamanha que Hayek chega mesmo a defender, no seu livro Desestatização do dinheiro (3), o fim do monopólio da emissão de moeda pelos Bancos Centrais dos Estados modernos!

As bases da presente ofensiva neoliberal

Definido nesses termos mais estritos, o neoliberalismo não é, de fato, aplicado em nenhum lugar, e está muito longe de se tornar a corrente hegemônica e predominante na mundo. É disso, por sinal, que se vale o presidente Fernando Henrique para negar a relevância da sua discussão. Mas essa formulação doutrinária mais dura é a fonte intelectual de uma viragem muito real e concreta nas políticas de gestão macroeconômica e social que se impuseram em grande parte do mundo ao longo dos últimos quinze/dezesseis anos. Como já tive oportunidade de argumentar em outros textos, acredito que esta viragem se assenta sobre três pilares fundamentais:

1- A desestatização de forças produtivas (revertendo as nacionalizações efetuadas nos países capitalistas, sobretudo no pós-guerra, e desmontando o setor socializado das antigas economias socialistas no Leste);

2- a desregulação das atividades econômicas (eliminando ou reduzindo drasticamente os controles dos preços; as barreiras às importações, à entrada do capital estrangeiro e à remessa de lucros; as tarifas de proteção da indústria local; a intervenção do Estado na operação do segmento de mercado, incluindo o mercado de trabalho etc);

3- a particularização de direitos e benefícios (revertendo ou esvaziando padrões universais de proteção social estabelecidos em diversos países no pós-guerra, com o advento do socialismo ou a emergência dos Estados de Bem-Estar).

Outras políticas e medidas importantes se somam a essas (como a redução brusca dos déficits fiscais via contenção de gastos públicos, a redução da carga fiscal sobre empresas e investimentos, uma política de manutenção de taxas de juros relativamente elevadas etc.), mas acredito que as três indicadas acima marcam a base fundamental e distintiva da presente ofensiva neoliberal. Esta se orienta, de maneira geral, para o desmonte das estruturas fundamentais do socialismo e do capitalismo de Estado, montadas no mundo ao longo do século.

“Anos 1980: neoliberalismo se espalha pelo mundo. Anos 1990: a ofensiva chega ao Brasil”

Seja na sua forma doutrinária original ou na versão mais operacional e prática, o neoliberalismo permaneceu relativamente isolado e marginalizado no debate político e teórico mundial até o final dos anos 1970. A partir da eleição de Thatcher na Inglaterra e Reagan nos Estados Unidos, a viragem da política macroeconômica e social indicada anteriormente se espalhou rapidamente para o mundo. Alastrou-se pela Europa Ocidental, dobrando as resistências iniciais de governos social-democratas como os de Miterrand na França e Papandreou na Grécia. Na América Latina, impôs-se no final dos anos 1980 (tendo o Chile, a partir de 1973, e a Bolívia, a partir de 1985, como experiências isoladas anteriores).

A pressão para a sua implementação, aqui, foi reforçada pelo chamado “Consenso de Washington”, estabelecido entre técnicos ligados aos organismos multilaterais de financiamento (FMI e Banco Mundial). No Brasil apesar de algumas medidas precursoras tomadas já no final do governo Sarney, foi só com a posse do governo Collor, em 1990, que a ofensiva neoliberal efetivamente tomou corpo. Ela foi derrotada politicamente na luta vitoriosa pelo impeachment e contra a revisão da Constituição, mas voltou com a eleição de Fernando Henrique no ano passado. No início dos ano 1990, essa ofensiva avançou, ainda, sobre os escombros dos antigos países socialistas no Leste, e atingiu importantes Estados da África e da Ásia. O próprio governo do Partido do Congresso da Índia, que sempre procurou explorar as contradições da guerra fria adotando uma política de desenvolvimento “não alinhado”, com fortes doses de intervenção estatal, também sucumbiu às pressões da escalada neoliberal nesse período, colocando em risco a própria integridade nacional desse país com quase um bilhão de habitantes e múltiplas divisões étnicas, religiosas, sociais e nacionais.

As bases objetivas da hegemonia neoliberal

O caráter fulminante e avassalador da presente ofensiva neoliberal no mundo revela não se tratar de mero projeto intelectual ou político artificial, desconectado de bases materiais e objetivas do desenvolvimento capitalista contemporâneo. Entre as bases objetivas, eu destacaria as seguintes:

1- Por um lado, parece-me que a força dessa ofensiva está relacionada com o esgotamento dos principais paradigmas de desenvolvimento que acabaram predominando na evolução mundial do século XX, sobretudo no pós-guerra: o esgotamento do modelo de Estado keynesiano, evidenciado na crise fiscal dos Estados de Bem-Estar e materializado no surgimento do fenômeno da estagflação nos países capitalistas centrais nos anos 1970; o esgotamento do modelo de desenvolvimento capitalista dependente erguido em boa parte do chamado Terceiro Mundo, materializado na crise do endividamento externo no início dos anos 1980; o esgotamento do modelo soviético de desenvolvimento extensivo, evidenciando no colapso do antigo campo socialista do Leste, em 1989-1991.

2- Por outro lado, a ofensiva se relaciona com o novo papel assumido pelos mercados financeiros e monetários altamente globalizados neste fim de século. Basta lembrar que o valor das divisas que circulam em apenas um dia de operação de mercado monetário de Londres equivale ao PIB do México no ano inteiro (um dia e meio de operação nesse mercado suplanta o PIB anual do Brasil). E, dadas as diferenças de fuso horário, mercados de divisas operam de forma ininterrupta e interligada nos principais centros financeiros do mundo, 24 horas por dia. As políticas neoliberais se apresentam como as mais capacitadas para atrair esse capital flutuante, de modo a financiar um novo ciclo de desenvolvimento.

3- Por fim, o desmonte, via privatização, das estruturas do capitalismo de Estado e do socialismo abre novas fontes de acumulação para os grandes grupos monopolistas privados, permitindo-lhes reverter (pelo menos temporariamente) a tendência à queda da taxa de lucro embutida na própria dinâmica do sistema capitalista.

Perspectivas e contradições da ofensiva neoliberal

Que consequências advêm para os povos da presente ofensiva neoliberal, e quais suas perspectivas? Destacaria quatro ordens principais de questões:

1- Embora tenha tido sucesso relativo na contensão das pressões inflacionárias (mais nos países
centrais e menos nos países dependentes), o neoliberalismo foi incapaz de lançar o sistema capitalista em um novo ciclo de desenvolvimento sustentado e reverter a tendência declinante geral das taxas de crescimento. Ao contrário, os maiores exemplos de sucesso econômico neste final de século (sem entrar no mérito de sua eficácia social) foram justamente os de países que não adotaram o modelo neoliberal e persistiram com forte intervenção estatal nas suas economias e sociedades: os chamados Tigres Asiáticos, e, sobretudo, a China Socialista (sem falar no Japão que mantém o melhor desempenho econômico entre os “Sete Grandes”). A adoção de medidas neoliberais tem levado ao reforço de atividades especulativas, em detrimento de atividades produtivas, acentuando o caráter parasitário do sistema capitalista como um todo.

2- Em toda parte onde foi adotado, o neoliberalismo agravou as desigualdades sociais e a polarização entre ricos e pobres. Intensificou o processo de exclusão, fragmentação e segmentação social, ao mesmo tempo que enfraqueceu e/ou minou a ação de proteção e compensação social pelo Estado. Em todo o mundo, a viragem econômico-social implementada pelo neoliberalismo vem sendo acompanhada por uma viragem política de cunho antidemocrático. Isso se materializa tanto no recrudescimento de movimentos e manifestações de cunho racista, xenófobo e fundamentalista, quanto na adoção de medidas cada vez mais restritivas da democracia representativa e do pluralismo democrático. Movimentos no sentido da restrição do pluralismo e da representação proporcional vêm se desdobrando simultaneamente em lugares tão díspares e longínquos quanto a Itália, o Ski Lanka e o Brasil. Todos visam a impedir ou dificultar que a insatisfação popular com o custo social das medidas neoliberais se expresse politicamente nos órgãos representativos.

4- Por fim, a viragem de cunho neoliberal implica o desmonte de instrumentos fundamentais de soberania dos países em desenvolvimento, muitos dos quais conquistaram sua independência há poucas gerações. Implica, portanto, o reforço e a intensificação da dominação imperialista sobre os países dependentes. Estes perdem, inclusive, o direito de construir sociedades mais justas no interior de suas fronteiras, na medida em que se tornam reféns da necessidade de criar condições vantajosas para a atração de capital itinerante dos mercados globalizados (o que inviabiliza a montagem de uma base tributária socialmente progressiva).

“O projeto neoliberal traz as contradições. Esquerda precisa expor uma alternativa”

Essas questões indicam que a implantação do projeto neoliberal enseja a intensificação de múltiplas contradições e variados movimentos de resistência: dos trabalhadores e demais setores diretamente atingidos por suas políticas, das correntes e personalidades empenhadas em defender a democracia e a liberdade contra a maré autoritária, dos países e povos dominados procurando resgatar ou preservar sua dignidade e soberania, e dos setores empresariais forjados nos padrões anteriores do desenvolvimento, afetados pelo atual desmonte dos mecanismos de proteção estatal. Elas apontam, ainda, para o agravamento das tensões e dos conflitos entre os diferentes grupos monopolistas e seus respectivos Estados de origem, na ânsia de delimitar territórios econômicos de exploração privilegiada, no âmbito da ofensiva neoliberal. No Brasil, o projeto enfrenta, ademais, as contradições específicas oriundas do próprio porte continental do país e do grau medianamente desenvolvido e bastante diversificado da sua economia (o que dificulta a sua acomodação na divisão internacional do trabalho do mundo capitalista com base no receituário neoliberal – um drama semelhante ao enfrentado pela Rússia e pela Índia).

Cabe aos comunistas e à esquerda de maneira geral explorar ao máximo esse leque de contradições, para erguer uma alternativa eficaz e viável à ofensiva neoliberal no Brasil e no mundo.

Considerações finais

Gostaria de concluir resumindo o principal argumento desta intervenção: o neoliberalismo se constitui num movimento de reconfiguração do capitalismo neste final de século, de caráter reacionário, que visa a estabelecer um novo padrão de relacionamento entre empresa, Estado e mercado, a partir do desmonte e/ou retração das estruturas do capitalismo de Estado e dos mecanismos de intervenção/regulação estatal. Como o próprio Milton Friedman reconhece, trata-se de uma “contra-revolução intelectual”, que vem inspirando desenvolvimentos políticos, econômicos e sociais análogos. Não pode ser confundido, portanto, com um novo padrão tecnológico ou com novas técnicas de gestão microeconômica (embora se entrelace com eles). Tampouco pode ser considerado uma “fase” do capitalismo. É, bem mais, uma resposta determinada a desenvolvimentos estruturais e conjunturais do capitalismo neste final de século (não necessariamente a única resposta possível nos seus marcos).

“Situação atual dos socialistas parece aquela dos liberais do pós-guerra”

Considero bastante adequada, precisa e útil a analogia estabelecida por João Amazonas entre a atual ofensiva neoliberal e as duas ofensivas anteriores contra os trabalhadores e os povos, na era no imperialismo: a corrida de expansão colonial na virada do século e a ascensão do nazi-fascismo nos anos 1920 e 1930. Em ambos os casos, as ofensivas eram alimentadas por desenvolvimentos objetivos do capitalismo, mas não se confundiam com estes, e nem eram as únicas alternativas possíveis de desenvolvimento capitalista. Diante da aparente verdade única do neoliberalismo, os pensadores socialistas se encontram, hoje, em situação semelhante à dos pensadores liberais no imediato pós-guerra: temos de remar contra a maré, enfrentando o desafio de renovar e desenvolver a teoria socialista para dar respostas adequadas, convincentes e viáveis aos problemas dos nossos dias. Precisamos, enfim, de uma Sociedade de Mont Pèlerin vermelha, socialista. Os debates e resoluções desta 8ª Conferência Nacional do PCdoB constituem um passo decisivo nessa direção.

* Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e membro da Direção Nacional do PCdoB. Este é o texto de sua intervenção na 8ª Conferência Nacional do PCdoB.

Notas

(1) HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.
(2) FONSECA, Odemiro. Crônica de uns liberais impertinentes: The Mont Pèlerin Society. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1993, p. 37.
(3) HAYEK, Friedrich. Desestatização do Dinheiro. Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 1986.

EDIÇÃO 39, NOV/DEZ/JAN, 1994-1995, PÁGINAS 16, 17, 18, 19, 20