O entendimento da dialética tem muita importância para a ciência na atualidade. Com conceitos menos rígidos, a lógica dialética contém a lógica formal e vê a natureza e o pensamento na sua complexidade

A passagem da ignorância para o conhecimento é um processo longo e complexo, contraditório e historicamente condicionado. Da matemática à física, da química à biologia e à sociologia, uma análise mais cuidadosa deverá sempre mostrar a importância crescente do método dialético para a compreensão da realidade. Do mesmo modo que da mecânica clássica à teoria da relatividade e à mecânica quântica, os fatos obrigaram os físicos a rever suas teorias, a introduzir novos conceitos (às vezes paradoxais), com a condição de que, em geral, as equações dessas teorias mais sofisticadas se reduzam às da física clássica – desde que certos parâmetros não ultrapassem determinados valores (princípio de correspondência). Assim também as leis da lógica dialética devem ser compatíveis com os princípios da lógica formal, sempre que determinadas condições estiverem presentes (abstração razoável da idéia de movimento e das mudanças em geral). O princípio de correspondência garante aquele núcleo invariante, subjacente a todas as mudanças e transformações: aquilo que leva à negação não ser uma neutralização, não ser uma trivialidade. Isso garante também que todo conhecimento, apesar de limitado e historicamente condicionado, tenha uma certa veracidade, apresente momentos de fatores absolutos. E, rigorosamente falando, nem tudo é somente relativo. Em toda teoria existem aspectos relativos e absolutos.

Acreditamos que uma visão dialética poderá tornar o mundo inteligível, apesar de sua complexidade e variedade de detalhes. A compreensão adequada da relação entre liberdade e necessidade e uma postura racional dialética são as únicas garantias contra toda e qualquer manifestação de obscurantismo, contra as mistificações políticas e sociais, que visam simplesmente a confundir e degradar o ser humano, criando dificuldades e obstáculos desnecessários, impedindo o desenvolvimento social.

As origens da dialética

As leis fundamentais do pensamento ensinadas até hoje são as leis da lógica formal ou lógica aristotélica:

1) A lei da identidade (principium identitatis), afirmando que A é A (omne subjectum est predicatum sui) ou A=A;
2) A lei da não-contradição: A não é B, que apenas representa a forma negstiva da primeira lei;
3) A lei do terceiro excluído (principium exclusi tertii), asseverando que duas proposições contrárias, excluindo-se uma à outra, não podem ser, ao mesmo tempo, ambas verdadeiras. Portanto, ou A é B ou A não é B. A veracidade de uma dessas asserções implica necessariamente a falsidade da outra e vice-versa, ficando assim excluída qualquer possibilidade de existência de um meio termo. A verdade apresenta-se como exclusão do erro (1). Do ponto de vista da lógica formal, uma afirmação é absolutamente verdadeira ou absolutamente falsa.

Essas leis levam a crer que qualquer questão bem formulada deve ser respondida com um sim ou não bem categórico, e nunca com um sim ou um não simultâneos. Tudo isso está mais ou menos de acordo com o chamado bom senso. Em geral, essas leis são válidas. No entanto, há situações em que as leis da lógica formal são insatisfatórias. E isso acontece, precisamente, onde entra a idéia de movimento e, em geral, quando o ser é visto como parte de um todo, quando é levada em conta a sua concatenação universal, entrando em cena a categoria da totalidade. Isso ocorre porque o movimento em si já apresenta aspectos contraditórios. Estando em presença de uma contradição de natureza intrínseca, devemos recorrer a outros critérios para adequação do raciocínio. Apesar de sua generalidade aparente, a lógica formal não é adequada para a compreensão satisfatória de todos os fenômenos naturais e de aspectos importantes da vida social. Na tentativa de abarcar toda a realidade cambiante – quando a categoria de movimento passa a desempenhar um papel fundamental –, tornou-se necessário recorrer a um instrumental lógico mais flexível e mais sutil. Esse tipo de raciocínio está baseado no poderoso método dialético, cuja origem remonta à antiguidade clássica. Um dos precursores da dialética foi Heráclito de Éfeso que, em cerca de 500 a.C., expressava pensamentos de natureza filosófica em que a unidade dos contrários e o vir-a-ser representavam aspectos fundamentais. Tudo indica que Heráclito acreditava na existência de um mundo animado de eterno movimento, sendo o fogo sua substância primordial.

O fogo seria o substrato invariante subjacente a todas as mudanças e alterações da natureza. “Este mundo, que é o mesmo para todos, não foi criado pelos deuses nem pelo homem, mas sempre foi, agora é, e sempre será, um fogo eternamente vivo, queimando com medida e com medida se apagando” – assim falava Heráclito (2).

“A visão de Heráclito, já dialética, não foi atentamente considerada pelos estudiosos”

Essa maneira de ver as coisas, em forma de aforismos, numa linguagem um tanto poética e imprecisa, mas que já era uma visão dialética, nem sempre mereceu a devida atenção dos estudiosos. A história da filosofia ocidental haveria de percorrer um longo e tortuoso caminho, cheio de vicissitudes, até chegar aos tempos modernos, para então o pensamento dialético alcançar sua plenitude na filosofia clássica alemã. Se Heráclito punha ênfase nas mudanças e na efemeridade das coisas, Parmênides de Eléia, outro filósofo de grande importância para o surgimento de pensamento racional, é o precursor de uma tradição filosófica em muitos aspectos oposta à de Heráclito. Parmênides considerava as mudanças ilusórias, afirmando que o ser é uno, imutável e indivisível. O seu pensamento serviu de base para a filosofia de Platão, principalmente no tocante às essências e verdades eternas e imutáveis do mundo das idéias.

Aristóteles, discípulo de Platão, o codificador da lógica formal, com seus cânones e silogismos imutáveis, é, em muitos aspectos, um metafísico, mas é também, às vezes, dialético. Aristóteles criou as categorias filosóficas, conceitos muito gerais visando a explicar o ser e suas transformações. Entre as principais categorias aristotélicas, acham-se os pares matéria e forma, potencialidade e atualidade. Aristóteles pretendia, por meio da antítese entre potencialidade e atualidade, resolver o antigo problema do devir, o enigma proposto pelos eleatas. Aristóteles mostrou não haver um abismo entre o ser e o não ser. O ser é o não-ser que se atualiza, é a passagem da potencialidade para a atualidade. Há, portanto, elementos do pensamento dialético. Mas Aristóteles manifesta tendências nitidamente metafísicas, ao propor uma causa primeira ou primeiro motor como origem de todos os movimentos.

Ele foi também metafísico ao dividir o universo em duas esferas apresentando prioridades diametralmente opostas: a esfera dos fenômenos terrestres ou mundo sublunar, região da matéria ordinária e corruptível, e a esfera celeste ou região supralunar, domínio etéreo, eterno e imutável. E foi o lado metafísico e especulativo do pensamento aristotélico que, em fins da Idade Média, passou a ser valorizado, em detrimento do aspecto dialético de sua filosofia (3).

A dialética nos tempos modernos

O desenvolvimento das ciências naturais, desde Galileu a Laplace e de Descartes a Fresnel, veio corroborar a tese de que o pensamento científico avança segundo leis que ultrapassam os moldes da lógica formal com seus silogismos, seus cânones imutáveis e suas verdades eternas. Quando os matemáticos do século XVII introduziram as grandezas infinitesimais, quando Cauchy e Weierstrass elaboraram o conceito de passagem ao limite de uma função, estavam lidando com operações contraditórias e conceitos paradoxais, do ponto de vista da lógica formal. O raciocínio matemático mostrou ser de natureza essencialmente dialética. E todo desenvolvimento posterior das ciências físico-matemáticas mostrou ser cada vez mais contraditório e inesperado, se os julgarmos segundo os cânones da lógica aristotélica. Constatamos, assim, a importância crescente do método dialético.

Foi na Alemanha que o pensamento dialético veio a ter maior desenvolvimento. Pensadores de primeira grandeza tiravam as últimas consequências das doutrinas metafísicas. Immanuel Kant mostrava, na Crítica da razão pura, os limites do poder da razão especulativa, quando esta enveredava a explicar certos princípios fundamentais da realidade. Surgem então, segundo ele, as chamadas antinomias da razão (die Antinomien der Vernunft). O sucessor de Kant é Hegel, considerado o sintetizador de toda uma tradição filosófica, uma espécie de Aristóteles dos tempos modernos. Sendo Hegel, um filósofo idealista objetivo, seu sistema apresentava muitas falhas e pretensões arbitrárias, não obstante ser seu método dialético de grande interesse para uma geração subsequente de filósofos, entre eles Karl Marx, com sua filosofia dialético-materialista. Retomando, até certo ponto, a abordagem dialética de Heráclito, Hegel cria um sistema filosófico, cujo leitmov é a idéia de que as mudanças incessantes de devem às contradições internas das coisas. O método proposto por Hegel baseia-se no princípio de que tanto o pensamento como o ser são essencialmente dialéticos, ou seja, as contradições estão tanto no pensamento como no ser. As antinomias de Kant mostram, segundo Hegel (4), que o pensamento cai em contradição quando procura conhecer o infinito. A dialética, para Hegel, é a passagem imanente de uma definição para outra, onde se verifica que essas definições formuladas através do entendimento são contraditórias, unilaterais e limitadas. Spinoza já dizia que toda definição é uma negação (omnis determinatio est negatio). Introduzindo o conceito de fronteira, aparece também contradição: se, por um lado, a fronteira pertence ao ser, por outro, ela representa um momento de sua negação. A essência de tudo que é finito está na tendência a superar a si mesmo. O verbo aufheben, em alemão, significa tanto suprimir, superar, como também conservar, no sentido dialético de que, em geral, em qualquer processo natural ou movimento social, há mudanças, mas também há permanência: algo sempre se conserva; há um núcleo invariante. Portanto, não se trata de uma negação qualquer, de uma negação trivial, mas de uma negação dialética propriamente dita.

O método dialético, apesar de universal em caminhos, tem sutilezas e exige flexibilidade

Resumindo, podemos dizer que, segundo Hegel, toda afirmação, toda definição (tese), sendo limitada e unilateral, traz necessariamente contradições em si, suscitando o aparecimento de sua negação (antítese), mas o desfecho se dá com outra negação, a negação da negação (síntese). E, assim, sucessivamente. Cada tema, cada questão tem suas características próprias, suas contradições específicas. Por isso, o método dialético, apesar de universal em suas possibilidades, tem também suas sutilezas. Nem sempre constitui uma tarefa fácil aplicá-lo livre das especulações idealistas e fazer com que ele seja um instrumento adequado para a investigação da realidade, utilizá-lo criteriosamente em substituição à lógica formal. O método é sutil, exigindo, sobretudo, flexibilidade e ausência de dogmatismo. Às vezes tentaram aplicar esse método num contexto extremamente sectário e dogmático e, por isso, os resultados deixaram muito a desejar. Aí está um dos motivos por que, apesar de suas grandes possibilidades, o método dialético ainda não encontrou a devida aceitação consciente entre os especialistas mais exigentes. Muitos vêem nele uma espécie de abordagem quase mística, uma fonte de confusões, de lugares-comuns e de armadilhas para o pensamento, muito próxima da sofística. E, em determinadas situações, isso pode ser verdade, mas a culpa não é do método em si: o erro está na incompreensão dos fundamentos da dialética.

Às vezes, pratica-se a dialética sem saber que se está pensando dialeticamente. Por outro lado, pode acontecer de falar-se em dialética, quando, na realidade, se está raciocinando metafisicamente. A grandeza e a dificuldade do método dialético reside no fato de ele tentar abarcar os fenômenos e processos da natureza e da vida social, tendo em vista a sua concatenação com outros fenômenos, a sua totalidade. Por outro lado, historicamente, o surgimento de uma mentalidade científica, acompanhado do impetuoso desenvolvimento das ciências, só se tornou possível isolando-se determinados setores da realidade a serem estudados. Esse é o fundamento do método analítico, uma abordagem de grande importância do ponto de vista gnoseológico.

Apesar de tudo, não é difícil perceber que, em geral, a ciência não se beneficia apenas da análise. Haverá sempre um momento em que uma síntese se faz necessária. Análise e síntese se complementam, mas nunca são totalmente separadas. Aí encontramos um aspecto importante do raciocínio dialético.

A lógica dialética elaborada por Hegel é uma lógica das contradições. Ela restringe a validade dos postulados da lógica formal, sem, contudo, negá-la completamente. As leis da lógica formal continuam basicamente válidas, desde que façamos abstração do movimento. Como disse Lefebvre: “A lógica formal, como a gramática, tem um alcance apenas relativo e uma aplicação limitada. Em geral, a lógica formal está mais propensa a uma visão estática da realidade (5)”.

A abstração da idéia de movimento é, em determinadas condições, permissível. Mas, quando estamos em presença de um processo de crescimento, de diferenciação, no sentido do desenvolvimento dos seres vivos, ou mesmo em se tratando da forma mais simples de movimento, que é o movimento mecânico, a lógica formal é inadequada. O movimento em si já é uma contradição. Essa contradição havia sido constatada pelo eleata Zenão, discípulo de Parmênides. E, se a ciência moderna, introduzindo o conceito de passagem ao limite, foi capaz de dar uma explicação satisfatória para a realidade do movimento mecânico, isso não invalida a asserção anterior. Podemos aceitar a tese de que a operação de passagem ao limite é um caso particular de emprego do raciocínio dialético.

As contradições estão no coração íntimo das coisas. Em tudo há conflito e união

Vejamos, agora, algumas leis da lógica dialética, basicamente descobertas por Hegel, no âmbito de seu sistema de idealismo objetivo, e posteriormente divulgadas, sob um aforma mais didática, por Friedrich Engels (6). São elas: lei da unidade, lei da negação da negação e lei da transformação de quantidade em qualidade. A primeira delas afirma que o ser traz a contradição em seu âmago. As contradições estão no coração mesmo das coisas. Em tudo há um aspecto conflitante, mas também há união; pode haver certa polaridade intrínseca; deve haver uma coerência relativa; há, enfim, o que chamamos de unidade dialética. Todo conceito, toda afirmação, toda interpretação devem ser entendidos como relação, como limitação e, num sentido mais amplo, como uma relação entre o todo e as partes, entre o geral e o particular.

Já a lei da negação nada mais é que uma expressão condensada do princípio hegeliano de tese, antítese e síntese. A negação da negação não é uma neutralização. Muito pelo contrário, ela constitui a essência de todo desenvolvimento, o movimento imanente que impele todo ser finito para além de si mesmo.

A terceira lei exprime o fato de que normalmente a natureza dá saltos. Variações quantitativas sucessivas chegaram a um ponto de ruptura do processo, onde surgem novas fases ou qualidades. Corolário imediato dessa lei é que o todo é diferente da soma de suas partes. E, na teoria do conhecimento, a lei da transformação da quantidade em qualidade exclui, por princípio, uma hipótese reducionista ao estilo do positivismo. Engels, na sua obra Dialética da natureza, diz o seguinte:

“Na Natureza, todas as diferenças qualitativas se baseiam seja em uma composição química diferente ou em diferentes quantidades ou formas de movimento (energia) ou, coisa que acontece quase sempre, em ambas. Torna-se, portanto, impossível modificar a qualidade de um corpo, sem fornecer-lhe matéria ou movimento, isto é, sem provocar uma mudança quantitativa no corpo em questão”.

Lefebvre, em obra já citada, diz:

“Qualidade e quantidade revelam-se inseparáveis, como dois aspectos de existência concretamente determinada. Mas esses dois aspectos não se misturam, não se confundem numa unidade abstrata. Processa-se uma espécie de luta surda, de conflito (embora ainda não se possa falar aqui, nessa análise do real, de ‘forças’ propriamente ditas) entre esses dois lados do ser, que se afirmam e se negam solidariamente um ao outro. No devir, a qualidade determinada, o ‘algo’, resiste (por assim dizer) e dura. A quantidade, então, não é mais que uma determinação indiferente da coisa, que não lhe é essencial, pois nesse nível a coisa aumenta ou diminui sem alteração profunda. Depois, surge um momento em que a qualidade é envolvida, arrastada, superada. Um ser novo, uma nova qualidade aparece. E o momento em que a qualidade desaparece, em que é criada uma outra qualidade, também é o momento no qual a quantidade manifesta que ela não era inessencial à coisa, mas fazia parte de sua essência”.

Dialética nas ciências naturais e na matemática

Nas ciências naturais, a dialética se manifesta de dois modos. Primeiro, do ponto de vista ontológico: podemos ver que a dialética está presente na própria natureza. Para isso, basta verificar que as leis da dialética, enumeradas anteriormente, aplicam-se aos fenômenos e às leis naturais, às formas de movimento da matéria. Em segundo lugar, a dialética está presente nas ciências da natureza como uma atividade humana historicamente condicionada. Nesse aspecto epistemológico propriamente dito, uma abordagem dialética permite perceber uma série de regularidades que, de outro modo, permaneceriam confusas e ininteligíveis. Podemos citar apenas alguns aspectos ilustrativos, sem a pretensão de esgotar um tema demasiado rico de nuanças e detalhes. Há uma série de fatos na história das ciências que mostra claramente o desenvolvimento não linear e contraditório das idéias e dos conceitos científicos.

Algumas idéias e conjeturas que, aparentemente, se tornaram obsoletas e falsas, já quando vistas de uma perspectiva histórica mais ampla, não o são. Vemos, então, que elas foram apenas dialeticamente superadas, mas não eliminadas. Um exemplo típico é a interpretação da natureza da luz. Se nos termos de Newton e, principalmente, depois dele, a teoria corpuscular parecia ser predominante, já no início do século XIX, graças aos trabalhos de Young e Fresnel, ganhava aceitação a teoria ondulatória da luz que, depois da grande síntese feita por Maxwell, supunha-se ter finalmente triunfado. Acontece, no entanto, que alguns fenômenos logo em seguida observados – por exemplo, o efeito fotoelétrico descoberto por Hertz – mostravam limitações na teoria ondulatória. E na aurora do século XX, nos primórdios da teoria dos quanta, surgia uma nova concepção no tocante à natureza da luz. Trata-se da teoria fotofônica proposta por Einstein, explicando satisfatoriamente uma série de fenômenos contraditórios do ponto de vista da teoria ondulatória. Parece haver aí uma espécie de síntese dialética entre a antiga teoria corpuscular e a teoria ondulatória, de reconhecimento geral mais recente.

Ainda outro exemplo: no século XVIII, a eletricidade era tida como um fluido imponderável. Depois dos trabalhos de Faraday, passou a ser vista como uma forma de movimento. Essa é a visão de Engels, apresentada, em linhas gerais, na Dialética da natureza. Mas, com a descoberta do elétron por J. Thomson, em fins do século XIX, foi restabelecido seu aspecto corpuscular. Isso ainda não era tudo: com o surgimento da teoria de De Broglie, o elétron passa a ser visto como uma entidade mais complexa, possuindo propriedades corpusculares e ondulatórias ao mesmo tempo.

É importante ressaltar que Engels concebia sempre o movimento inseparável da matéria. Por isso, há indícios de que, mesmo antes da descoberta do elétron, ele já se preocupasse com o portador material da eletricidade. Ele considerava um passo decisivo a concepção segundo a qual a eletricidade era um movimento retroativo sobre as moléculas do corpo, causado pelo éter lumífero, que penetrava toda a matéria ponderável. O mesmo ocorria em relação à teoria do éter, que deveria abrir uma perspectiva no sentido de se explicar o substrato material da eletricidade (7).

Pensamento dialético, para Hegel, exige ver o infinito e o finito. Um depende do outro

Na matemática, o conceito de passagem ao limite de uma função serviu para fundamentar o cálculo diferencial e integral. O cálculo havia sido descoberto independentemente por Newton e Leibniz, no século XVII. Durante muito tempo, houve controvérsias quanto aos fundamentos lógicos desse novo ramo da matemática. Só no início do século XIX, graças, principalmente, aos trabalhos de Cauchy e Weiertrass, o cálculo iria adquirir bases sólidas. Ao passarmos das grandezas finitas para as grandezas infinitesimais, que são as diferenciais, surgem novas propriedades que parecem violar as leis da lógica formal. O próprio Karl Marx, autor de O Capital, interessou-se por esse assunto. Nos Manuscritos matemáticos, publicados pela primeira vez em 1968, ao mesmo tempo em alemão e russo, Marx procurou interpretar o processo de derivação como um movimento real. Ele explica a diferenciação como um processo dialético, onde, em particular, se manifesta a lei da negação da negação, de maneira transparente e criativa (8). Novas propriedades surgem, também, ao passarmos de coleções finitas para coleções infinitas de objetos, havendo, aí, um salto de qualidade. Na realidade, essas questões não são novas. Os gregos antigos e, em particular, Zenão de Eléia, já se haviam ocupado de alguns aspectos desse problema, tentando negar a realidade do movimento, com base nas contradições entre continuidade e descontinuidade, entre finito e infinito. Hegel, por sua vez, constata que o pensamento dialético exige que se considere o finito e o infinito na sua unidade dialética, um não existindo sem o outro. Um estudo exaustivo dos conjuntos infinitos foi feito pelo matemático alemão Georg Cantor. Ele estabeleceu critérios de comparação para conjuntos infinitos não numeráveis.

* Professor do Departamento de Física e Química da UNESP – Guaratinguetá

Notas

(1) PLEKHANOV, G. Os princípios fundamentais do marxismo. São Paulo: Hucitec, 1978, p. 91.
(2) Heráclito de Éfeso. São Paulo: Nova Cultural, 1991 (Coleção Pré-Socráticos).
(3) LLANOS, Alfredo. Introdução à dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
(4) HEGEL, G. Ciência da lógica. T. 1. Moscou: 1974 (em russo).
(5) LEFEBVRE, H. Lógica formal / lógica dialética. 5ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 83 e 212.
(6) ENGELS, F. A dialética da natureza. 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
(7) KEDROV, B. Klassifizierung der Wissenschften. T. 1. Moscou: Progresso, 1975, p. 405.
(8) GERDES, Paulus. Karl Marx: arrancar o véu misterioso à matemática. Maputo, Moçambique: TLANU, 1983 (brochura 5).

EDIÇÃO 39, NOV/DEZ/JAN, 1994-1995, PÁGINAS 56, 57, 58, 59, 60