“Em poucos anos, a humanidade dirá adeus ao século XX, um período saturado de vicissitudes, e entrará no século XXI, em um século cheio de promessas. Nesta virada do século, é de extrema importância que estejamos reunidos, aqui, países de todos os rincões do mundo, para comemorar o quinquagésimo aniversário da ONU, a organização intergovernamental mais representativa e autorizada do nosso tempo. Podemos aproveitar essa oportunidade para rever o passado e considerar o futuro a partir de um plano superior, e compartilhar nossos pontos de vista sobre como realizar os elevados objetivos da ONU.

Há 50 anos, quando a Guerra Mundial contra o fascismo terminou vitoriosa, nasceu a ONU. Esse foi um grande evento nas relações internacionais. As duas grandes guerras por que passou o mundo, em um curto período de 30 anos da primeira metade deste século, deixaram à humanidade não somente as consequências da mortandade e da desnutrição sem precedentes, mas também dolorosas e profundas lições. A formulação da Carta das Nações Unidas e a fundação da organização responderam às necessidades do momento, refletiram o forte desejo das pessoas de eliminar o látego da guerra e manifestaram o sonho da humanidade por um mundo de paz, igualdade, cooperação e prosperidade.

Nos cinquenta anos que passaram desde a segunda Guerra Mundial, nosso mundo sofreu extraordinárias mudanças, radicais e inspiradoras em alguns momentos, e tormentosas e preocupantes em outros.

Os povos dos vários países que experimentaram um despertar sem precedentes pelo batismo de guerra demandaram o controle de seus próprios destinos. A luta pela libertação nacional e pelo progresso social se espalhou como fogo na mata. Milhões de pessoas romperam as cadeias do colonialismo e mais de cem países obtiveram sua independência nacional. Os países em desenvolvimento entraram em grande número para o cenário da política internacional e têm um importante papel nos assuntos mundiais, que deve ser reconhecido. Graças à rápida expansão das forças produtivas e ao avanço da ciência e da tecnologia, a economia mundial alcançou um grau sem precedentes em nível e desenvolvimento. As forças que buscam a conservação da paz e o fim das guerras têm aumentado constantemente. Com a paz que já dura meio século, a sociedade humana alcançou enorme progresso.

Sem dúvida, o período posterior à Guerra Mundial não foi um tempo de harmonia e tranquilidade. O confronto da guerra fria entre Leste e Oeste, a agudização das contradições entre Norte e Sul, o incessante surgimento de conflitos regionais, e a persistente escalada da corrida nuclear fizeram com que os habitantes deste planeta vivessem atemorizados e inseguros sob as sombras das armas nucleares. Com o fim da guerra fria, a situação internacional se moveu em conjunto para uma dimensão. Porém a hegemonia e a política de forças seguem presentes, e os conflitos armados e as guerras locais por territórios, problemas étnicos, questões religiosas e recursos naturais surgem um após outro. A ordem política e econômica internacional injusta e irracional não mudou, e centenas de milhões de pessoas nos países em desenvolvimento ainda estão afundadas em pobreza. A sobrevivência e o desenvolvimento da humanidade seguem enfrentando uma série de formidáveis desafios.

A ONU, como um espelho, reflete as mudanças do panorama internacional. Com a passagem de uma situação a outra, dentro do cenário mundial, as Nações Unidas também seguiram um caminho acidentado e tortuoso.

Apoiando-se nos esforços de seus membros, as Nações Unidas têm feito muitos trabalhos úteis e têm contribuído positivamente para mitigar os conflitos regionais, erradicar o colonialismo, facilitar a redução dos arsenais de guerra e promover a paz, a cooperação e o desenvolvimento do mundo. O intenso debate entre os membros sobre os informes do Secretário Geral intitulados Uma agenda para a paz e Uma agenda para o desenvolvimento indica o desejo geral de todos os países de poder contar com uma ONU mais dinâmica e eficaz na promoção da elevada causa da paz e do desenvolvimento.

Dado seu papel e a sua influência no mundo atual, as Nações Unidas não podem ser substituídas por nenhuma outra organização internacional ou bloco de países. Sem dúvida, as Nações Unidas também têm suas falhas e fracassos. Certas grandes potências tenderam a usar a organização como cobertura para defender seus interesses políticos particulares. E suas rivalidades com frequência deixam a ONU no limbo. Além disso, a vontade de um grande número de países em desenvolvimento e seus direitos e interesses não tem sido propriamente respeitados nas Nações Unidas, durante muito tempo. Essa, certamente não é um situação satisfatória.

O mundo em mutação nos ensina que o povo faz história e a impulsiona sempre para frente

Confúcio, o filósofo da antiga China, disse: “Aos quarenta anos de idade eu não tinha mais dúvidas, e aos cinquenta compreendi a vontade dos céus”. Um homem com décadas de vidas pode entender melhor as mudanças das coisas e pode ser mais firme no seu propósito de alcançar suas aspirações e ideais. No 50º aniversário da ONU, é natural que as pessoas tenham muitas esperanças de que essa organização observe os propósitos e princípios de sua Carta de Fundação, escute as chamadas dos povos de todos os países, mantenha-se à altura dos tempos e saúde o novo século de uma maneira diferente.

O que o mundo em mutação nos ensina hoje é que o povo faz a história e a impulsiona para frente. À medida que a história avança como corrente irrefreável, a sociedade humana progride com força irresistível. Qualquer país que prefira usar a força e busque a hegemonia e expansão por meio de seu poder está condenado ao fracasso. Aqueles que fabricam desculpas para violar a soberania de outros países e interferir em seus assuntos internos provarão, ao final, o fruto amargo de suas próprias ações. Ignorar deliberadamente a colorida e diversa realidade do mundo e praticar atos hegemonistas como a imposição do próprio sistema social, o modo de desenvolvimento e os valores particulares a outros, e a ameaça arbitrária por meio de isolamentos e sansões, inicialmente só pode causar danos aos países visados, porém, no final, também trará danos a quem desenvolver tal política. Basear a própria prosperidade na contínua miséria e atraso dos outros, sob a injusta e irracional ordem econômica internacional, é impopular; e a pretensão de monopolizar os assuntos mundiais, controlando, ao mesmo tempo, o destino de outras nações, não chegará a parte alguma. Ao final, qualquer ato anacrônico e que vá contra os interesses fundamentais dos povos de todo o mundo encontrará, inevitavelmente, resistência e oposição.

Nossa experiência e as lições de meio século, os propósitos e princípios da carta da ONU e o tema historicamente decisivo da paz e do desenvolvimento nos impõem graves e urgentes tarefas.

Devemos manter um meio internacional seguro, pacífico, estável e de respeito à soberania das nações

Devemos criar um meio ambiente internacional seguro e confiável, de paz e estabilidade. A paz é a necessidade básica de todos os povos. Sem a paz não se pode falar de desenvolvimento. As disputas entre os Estados devem ser resolvidas por meio de negociações pacíficas e consultas, em vez de apelar-se ao uso e à ameaça de uso de força. As operações de manutenção de paz da ONU devem-se realizar observando-se estritamente as provisões relevantes de sua Carta, e não devem converter-se em uma intervenção camuflada nos assuntos internos dos Estados-membros. Todavia, menos ainda é desejável que essas forças de manutenção pela paz se vejam envolvidas no conflito como uma parte do mesmo. Além disso, as Nações Unidas devem juntar-se em seus recursos ao realizar operações da manutenção pela paz. Há que se juntar esforços para conseguir a completa proibição e cabal destruição das armas nucleares, bem como de outras armas de destruição em massa, a redução dos grandes arsenais que um pequeno número de países possui e o controle e a eliminação de vários fatores que podem conduzir à guerra, com o intuito de salvaguardar a segurança de todos os países e regiões do mundo.

Devemos manter as normas que governam as relações internacionais sob os princípios de igualdade dos Estados soberanos e de não-interferência de um país em assuntos internos de outro. Esses princípios, definidos há cinquenta anos por seus fundadores, na Carta da ONU, revestem-se, atualmente, de maior vitalidade e significado reais. Todos os Estados soberanos, grandes ou pequenos, fortes ou fracos, ricos ou pobres, são igualmente membros da comunidade internacional.

Todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, têm direito de participar dos assuntos internacionais em pé de igualdade. Os princípios de mútuo respeito à soberania e à integridade territorial, de não-agressão, de não-interferência em assuntos internos de outros países, de igualdade e mútuo benefício e de coexistência pacífica devem servir como normas para que todas as nações os observem em suas inter-relações. A inviolabilidade da soberania dos Estados nega a todos os países qualquer privilégio para intervir nos assuntos internos de outros países ou para impor-lhes sua vontade. Algumas grandes potências, muitas vezes sob o disfarce de promover a “liberdade”, a “democracia”, e os “direitos humanos” violam a soberania de outros países, intervêm em seus assuntos internos e assim minam suas unidade nacional e harmonia étnica. No mundo de hoje, este é um dos principais motivos de intranquilidade. É tempo de escrevermos um novo capítulo nos anais das relações internacionais, eliminando por completo da face da terra fenômenos como os abusos cometidos pelos países grandes contra os pequenos, a dominação dos países fracos pelos fortes e a opressão dos países pobres pelos ricos.

Complementaridade e benefícios mútuos devem reger as relações econômicas do mundo

Devemos estabelecer um novo tipo de relações econômicas internacionais caracterizadas por mútuos benefícios, complementaridade e desenvolvimento comum. À medida que os países se unem cada vez mais aos outros em suas relações econômicas, suas interdependência e mútua complementaridade com vantagens comparativas se fazem mais e mais claras. Nenhum país pode permitir-se estar alijado da comunidade internacional, ou isolar-se do mercado mundial. A internacionalização da vida econômica requer que todos os países realizem amplos intercâmbios e cooperem entre si nos terrenos da economia, da ciência e tecnologia, das finanças, do comércio etc., aplicando uma política de abertura e descartando o protecionismo e as políticas comerciais discriminatórias. O domínio colonial prolongado e a injusta e irracional ordem econômica internacional causaram a miséria e o atraso em muitos países do Terceiro Mundo. A luta para se acabar com a pobreza é a meta mais importante para o mundo de hoje. Os países desenvolvidos devem ajudar os países em desenvolvimento dando-lhes capital; reduzindo ou perdoando suas dívidas; transferindo tecnologia e realizando intercâmbios comerciais em termos equitativos, visando a ajudá-los a revitalizar suas economias e melhorar as condições de vida do povo. Isso também corresponde aos interesses de longo prazo dos países desenvolvidos. A conquista de crescimento econômico comum e de prosperidade de todos os países são as metas às quais toda a humanidade deveria se dedicar.

A sobrevivência humana e o bem-estar requerem harmonia e vontade para vencer as diferenças

Devemos criar uma situação de harmonia internacional que permita a cada país decidir seu futuro independentemente, e devemos buscar os terrenos comuns deixando de lado as diferenças. Neste nosso mundo existem duzentos países diferentes entre si em termos de sistema social, valores, nível de desenvolvimento, história, religião e cultura. Cabe à soberania de cada nação decidir, considerando suas condições nacionais e a vontade popular, que sistema social terá e que caminho escolherá para seu desenvolvimento. Ninguém tem o direito de intervir nessa decisão. Cada país e cada povo possui características especiais e pontos fortes. Somente através do respeito mútuo, buscando terrenos comuns, arquivando as diferenças, praticando a coexistência amistosa e complementando-se mutuamente pode-se conseguir transformar o mundo num jardim colorido onde cem flores concorram em beleza. Sem diversidade, o mundo não poderia existir tal como o conhecemos. Sem diversidade, não existiriam tampouco as Nações Unidas. Quem se negar a reconhecer e respeitar a diversidade do mundo e tentar impor a uniformidade seguramente se chocará contra um muro de pedras.

Devemos unir as nossas mãos para encarar os desafios de sobrevivência e de desenvolvimento humanos. Todos nós compartilhamos do mesmo planeta. Problemas como a degradação ecológica, a miséria e o desemprego, a explosão populacional, o aparecimento de enfermidades epidêmicas, a extensão do abuso de drogas e dos crimes transfronteiriços e a falta de proteção dos direitos da mulher e da criança são temas de alcance global que têm a ver com a sobrevivência e com o desenvolvimento da humanidade. Os países desenvolvidos, que se modernizaram e se industrializaram à custa da degradação ambiental e, por isso, muito devem ao mundo, deveriam dar uma contribuição bem maior à proteção do ambiente. A solução gradual desses assuntos globais requer tantos esforços em nível nacional quanto uma coordenação e uma cooperação estreita entre os países.

Consideramos que os pontos acima mencionados devem ser incorporados à nova ordem político-econômica internacional. Os povos de todo o mundo desejam seu estabelecimento. As Nações Unidas podem cumprir seu importante e único papel nesse aspecto. Pode-se dizer que a materialização de tal ordem político-econômica internacional é a característica principal do mundo melhor que vamos construir juntos.

A China é integrante da comunidade internacional. Não pode manter-se separada do resto do mundo porque a sua reforma e os seus processos de abertura e modernização demandam um ambiente internacional de paz duradoura e fortes relações de amizade e cooperação com outros países. O mundo, por sua vez, necessita da China, já que um mundo pacífico e próspero requer uma China estável e próspera.

A China é um país com uma população numerosa e uma longa história. É a terra de uma esplêndida e antiga civilização, e uma grande contribuinte para o progresso humano. A partir de meados do século XIX, a China foi reduzida a uma sociedade semicolonial e semifeudal cada vez mais pobre e mais atrasada. O povo chinês lutou incessantemente por longo tempo para defender a sua independência, a sua soberania e a sua unidade nacional, e para realizar o seu rejuvenescimento, que culminou com a fundação da República Popular da China em 1949.

Unamos nossas mãos para receber o novo século com um mundo justo e melhor para todos

Agora, o povo chinês avança com passos decididos rumo ao socialismo com peculiaridades chinesas, concentrando suas energias no desenvolvimento econômico e na melhoria de suas condições de vida. O povo chinês ama a paz, deseja o desenvolvimento e quer cultivar relações de amizade e cooperação com os povos de todos os países do mundo, mantendo invariavelmente uma política exterior independente e pacífica. Inclusive quando a China se fizer mais forte e desenvolvida, não buscará a hegemonia nem será ameaça para outros. Pelo contrário, a China é uma importante força para a manutenção da paz e da estabilidade mundiais e fará contribuições ainda maiores à humanidade. Se a China, país que possui a quarta parte da população mundial, se mantiver subdesenvolvida e pobre durante muito tempo, isso terá sérias consequências para a paz e a estabilidade na região Ásia-Pacífico e no mundo em geral.

Somente existe uma China em todo o mundo. Taiwan é uma parte inalienável do território chinês. O governo da República Popular da China é o único governo legítimo e o único representante da China nas Nações Unidas. A reunificação pacífica da pátria é a vontade indestrutível e a decisão de todo o povo chinês, incluindo os compatriotas de Taiwan, e essa é uma corrente irresistível da história. Com uma tradição patriótica que remonta há milhares de anos. O povo chinês possui a capacidade, os recursos e a confiança para superar todas as interferências e para tornas realidade a sua reunificação nacional.

Como país promotor da “Conferência Internacional sobre a Organização Internacional de São Francisco” e como uma das quatro nações integrantes do Presidium, a China deu uma importante contribuição ao surgimento das Nações Unidas. Como fundadora desta organização internacional e membro permanente do Conselho de Segurança, a China sempre respeitou os propósitos e princípios da Carta e conscientemente cumpriu com suas responsabilidades e obrigações internacionais. A China deseja ver mais vezes em jogo o papel positivo das Nações Unidas nos assuntos internacionais. Pensamos que a ONU deve adotar as reformas necessárias e apropriadas, com base em sérias deliberações e discussões, num espírito de equidade e justiça, racionalidade e consulta plena. Essa reforma deve conduzir à reavaliação dos propósitos e princípios da Carta da ONU, para realizar as pesadas tarefas confiadas às Nações Unidas por nossa época, para refletir o princípio de distribuição geográfica equilibrada e para fortalecer a posição e o papel dos países do Terceiro Mundo na organização internacional.

Os dirigentes políticos da nossa geração carregam sobre seus ombros a missão histórica de levar adiante a causa da paz mundial, do desenvolvimento e do progresso face ao futuro. A história é, ao mesmo tempo, justa e impiedosa. Não devemos fraudar as grandes expectativas dos povos de todo o mundo. Unamos nossas mãos e trabalhemos juntos para receber o novo século com um mundo ainda melhor!”

* Presidente da República Popular da China.

EDIÇÃO 40, FEV/MAR/ABR, 1996, PÁGINAS 35, 36, 37, 38