Um fato e um prognóstico trazem ao final do século XX a marca do imprevisto. O fato: a China, nas duas décadas finais do século XX, é o país que mais cresce no mundo. O prognóstico: no ritmo em que vai, a China terá a economia mais desenvolvida do mundo a partir do primeiro quartel do século XXI.

É de todo relevante que o crescimento atual chinês esteja se dando sob a égide do socialismo. Demonstra estar o socialismo no centro da pauta do mundo moderno. Isso exige, especialmente dos socialistas e comunistas, uma visão aprofundada sobre o caminho socialista que a China segue, o “socialismo com as peculiaridades chinesas”. Parte importante desse esforço está em compreender o papel de Mao Zedong no processo chinês, não apenas como dirigente político partidário e de massas, mas como o formulador principal do corpo de idéias sintetizadas no “pensamento de Mao Zedong”.

O presente trabalho aborda esse tema. Procura situar o papel de Mao Zedong na moderna história chinesa, a partir da apreciação fartamente documentada da Breve história do Partido Comunista da China, recentemente publicada em Beijing, em alentado volume de 1015 páginas, comemorativo dos 70 anos do PC da China, e sob a responsabilidade do Partido Comunista da China.

Os chineses estraram no século XX com a humilhação nacional estampada em suas fisionomias. Parte de seu território, inclusive sua capital, estava ocupada por oito potências estrangeiras: Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, França, Rússia Czarista, Japão, Itália e Áustria. A dinastia Qing entregou-se aos desmandos dos ocupantes e reprimia o que poderia resistir. No desdobramento dessa situação, dá-se a Revolução de 1911, liderada por Sun Yat-sen, que derrotou a dinastia Qing e proclamou a República da China.

A Revolução de 1911 teve méritos, mas não alcançou a independência, nem a democracia, nem o progresso social esperados. Os grandes desafios, portanto, continuaram. E as jornadas de luta também.

Os ecos da Grande Revolução Socialista Soviética repercutiram na China, e as idéias do socialismo e do marxismo começaram a ser divulgadas por iniciativa de Li Dazhao, em 1919. Alguns jovens começaram a aderir ao marxismo, registrando-se entre eles “um célebre líder estudantil de Hunan” (1) chamado Mao Zedong que, muitos anos mais tarde, lembraria: ”No verão de 1920 eu já era marxista na teoria e, até certo ponto, também na prática (2)”.

Em 1921 surge o Partido Comunista da China, com a ajuda da Internacional Comunista. Quase todos os que o fundaram tinham participado da Revolução de 1911. Li Dazhao foi quem convocou o ato de fundação, do qual participou também Mao Zedong. O jovem partido, logo depois de fundado, tomou conhecimento do “Pacto dos Nove”, aprovado na Conferência de Washington, entre fins de 1921 e início de 1922, onde se definia a política de “portas abertas na China”, para assegurar a livre dominação das potências imperialistas naquele país. Em seu II Congresso, em 1922, o Partido define seu programa máximo, pelo socialismo e comunismo, e um mínimo, “democrático, antiimperialista e antifeudal (3)”.

Novo movimento revolucionário, conhecido como “a grande Revolução”, varre a China entre 1924 e 1927. O PC da China, analisando o alvo democrático e antiimperialista da Grande Revolução e as forças que a apoiavam e que poderiam dela se beneficiar – classe operária, massa camponesa, burguesia nacional e a pequena burguesia urbana – ,decidiu construir uma frente única, buscando aliar-se com o Guomidang de Sun Yat-sen, que, em linhas gerais, representava a burguesia e a pequena burguesia urbana (4). Em junho de 1923, em seu III Congresso, o PC da China, para estruturar a frente, decidiu enviar comunistas, individualmente, para ingressarem no Guomidang, “mantendo independência política, ideológica e orgânica (5)”. Quando, em janeiro de 1924, o Guomidang realizou seu I Congresso, mais de vinte comunistas estavam presentes, como membros destacados, entre os quais Li Dazhao e Mao Zedong. A participação dos comunistas nessa organização partidária foi muito útil ao trabalho do Partido.

O surgimento de uma corrente anti-comunista no Guomidang suscitou o problema do método adequado para se manter a frente. Mao Zedong, em dezembro de 1925, elabora o artigo ‘Análise das classes na sociedade chinesa’, onde acentua a necessidade de se distinguir com clareza os inimigos dos amigos da revolução, na base da análise dos seus interesses de classe. Propunha a conquista da unidade por meio da luta, divergindo do então secretário geral Chen Duxiu, que advogava concessões unilaterais, contando para isso com o apoio dos delegados da Internacional (6). Jiang Jieshi, que liderava a ala anti-comunista do Guomidang, não podia romper abertamente com o Partido, em função de esperar a participação dos comunistas na Expedição ao Norte que se preparava contra os caudilhos pró-imperialistas.

A Expedição ao Norte, do Exército Revolucionário Nacional, começou a 9 de julho de 1926. Voltava-se contra os caudilhos do Norte, apoiados pelo imperialismo e muito bem armados. Enquanto avançava, a Expedição, que teve apoio da União Soviética, procurava mobilizar massas camponesas e operárias e integrá-las na luta. Seu lema foi “contra o imperialismo e os caudilhos militares” (5). Essa grande mobilização levou Mao Zedong, em setembro de 1926, a escrever A revolução e o movimento camponês, onde assinalava que “o problema camponês é o problema central da revolução nacional”. Em novembro, Mao assume o cargo de secretário da Comissão do Movimento Camponês do Comitê Central do PC da China. Diferentes interpretações ocorreram dentro do PCCh sobre o movimento no campo. O secretário-geral Chen Duxiu sustentou que havia uma “esquerdização do movimento camponês” que precisava ser contida. Em março de 1927, depois de uma investigação em Hunan, Mao Zedong divulgou seu ‘Informe sobre o movimento camponês de Hunan’, onde refutou as falsas críticas da esquerdização” do movimento e advertiu para o descompasso que estava existindo entre o estado de espírito radicalizado das massas e a atitude de certa passividade do Partido. Esse “importantíssimo documento maxista do PCCh” (8) traçou uma linha de classe para as lutas do capesinato.

A cooperação dos comunistas com o Guomidang foi até 12 de abril de 1927, quando Jiang Jieshi promoveu um golpe de Estado contra-revolucionário em Xangai, com muitas prisões e assassinatos. Aí morreu Li Dazhao, “dos principais fundadores do PCCh”. A expectativa positiva que a Internacional Comunista alimentava na relação com Jiang Jieshi foi, assim, contradita pelos fatos.

Na nova situação, prosperou na direção do Partido um “capitulacionismo de direita”, preocupado em não criar pretextos às forças direitistas e descrente das forças do povo. Foi nesse momento que o Comitê Executivo da Internacional enviou uma instrução ao PCCh – a Instrução de Maio – com orientações precisas e corretas para a reorganização da luta. A Internacional deu “a chave para a saída do perigo”, “apesar de haver cometido toda uma série de erros ao orientar a revolução chinesa” (9). Contudo, a direção central do Partido considerou difícil a aplicação da Instrução de Maio, sinalizando que não iria aplicá-la, o que levou a Internacional a encaminhar sua reorganização. A nova direção denunciou os planos golpistas do Governo Central do Guomidang e decidiu retirar desse governo os militantes comunistas, pouco antes de Guomidang romper com o Partido Comunista e desencadear feroz perseguição aos comunistas e ao povo. E assim terminou derrotada a Grande Revolução, que durou de 1924 a 1927.

A traição de Jiang Jeishi foi acompanhada de uma repressão furiosa, e o jovem PCCh teve de enfrentar uma perseguição até então desconhecida, quando foram assassinados 26.000 de seus membros, entre 310.000 mortos. A militância do Partido, que chegara a 60.000 durante a Grande Revolução, ficou reduzida a 10.000 (10). Mas também ocorreram reforços. Houve quem pedisse ingresso no Partido, como Peng Dehuai.

O Comitê Central, durante a Grande Revolução, descuidara do trabalho partidário no meio do Exército, razão por que o Partido ficara aí enfraquecido. E onde ficara com algumas forças tinha de enfrentar a chantagem reacionária que obrigava os comunistas ou a se desvincularem do Exército ou a saírem do Partido Comunista. Nessa situação de dificuldades, ante um inimigo atrevido na sua sanha repressiva, ameaçando de desintegração o próprio Partido, quando os fatos se encarregavam de demonstrar o refluxo da revolução, ficou colocado um problema: qual o procedimento adotar para salvar o Partido e abrir uma perspectiva para o movimento revolucionário? O Partido considerou que não havia outra alternativa senão passar à resistência armada. E assim, no dia 1o de agosto, sob a liderança de Zhou Enlai e Zhu De, procedeu-se ao levante de Nanchang, onde estavam presentes mais de 20.000 soldados da Expedição do Norte, “controlados ou influenciados pelo Partido”. Os insurgentes dirigiam-se em seguida ao interior, pretendendo-se ligar-se aos camponeses para atacar grandes cidades do Sul. Entretanto, cercados, tiveram de se dividir para escapar, e passaram à guerra de guerrilhas. Outros levantes relativamente grandes, como o da Colheita de Outono, dirigido por Mao Zedong, e alguns pequenos, foram feitos após o de Nanchang. Estavam orientados, contudo, por uma perspectiva equivocada. Zhou Enlai, a propósito, mostrou que o objetivo dos levantes não era “ir ao campo, promover a união com os camponeses para a realização de ataques a outras grandes cidades. Na realidade, “na história do movimento comunista internacional não havia registro de ocupação primeira das zonas rurais (12)”. De qualquer maneira, o levantamento de Nanchang inaugurou uma nova fase na história do PCCh, e significou, como disse Zhou Enlai, “o primeiro disparo contra os reacionários do Guomitang”. Foi analisando seu significado, em famosa reunião da direção, a 7 de agosto, que Mao Zedong salientou: “De agora em diante há que se prestar grande atenção aos assuntos militares, há que se saber que o poder nasce da ponta do fuzil (13)”.

A reunião de 7 de agosto é considerada a viragem entre a derrota da Grande Revolução e o desencadeamento da Guerra da Revolução Agrária. Segundo a Breve história do PCCh, foi “neste momento que Mao Zedong deu mostras de sua incapacidade para sintetizar as experiências e tirar lições à luz da prática (14)”. Compreendeu que a linha de tomar grandes cidades, a partir de forças rebeladas somadas com forças camponesas e articuladas com os movimentos internacionais das próprias cidades que seriam ocupadas, fracassara no levante de Nanchang, e em vários outros, porque não correpondia às condições da China. A partir de então Mao se orientou no sentido de organizar bases de apoio revolucionárias no campo. Começou então a luta nas montanhas de Jinggang.

Beneficiando-se de condições topográficas favoráveis – “região fácil de defender e difícil de atacar” – , de condições políticas beneficiosas – “base de massas relativamente boas” e “zona fronteiriça (…) com contradições entre os caudilhos das províncias limítrofes” – , Mao Zedong logo que chegou às montanhas de Jinggang, em outubro de 1927, lançou-se ao trabalho de “consttruir o Partido, tropas e Poder político fronteiriço”. Definiu nova concepção e funções para o Exército, na base de três tarefas centrais: combater, mobilizar massas e mobilizar recursos econômicos. Sistematizou, na base da experiência, as ‘Três regras de disciplina e as seis advertências’, transformadas depois em ‘Oito”, sendo as duas últimas “não tomar banho na vista das mulheres” e “não retirar dos prisioneiros objetos pessoais”. Qaundo, em abril de 1928, tropas sobreviventes do levante de Nanchang, com 10.000 efetivos, se dirigiram às montanhas de Jinggang, procedeu-se à unificação desses dois contingentes, criando-se o que se chamou IV Corpo do Exército Vermelho de Operários e Camponeses, com Mao Zedong como Comissário Político e Zhu De como Chefe Militar. Cumprindo determinação de Jiang Jieshi, as tropas das províncias limítrofes intensificaram campanhas contra o IV Corpo, no curso de cujas batalhas Mao Zedong e Zhu De sintetizaram a conhecida fórmula dos dezesseis caracteres: “Quando o inimigo avança, retrocedemos; quando acampa, o fustigamos; quando se fadiga, o atacamos; quando se retira, o perseguimos”.

A luta armada seguia inseparável da revolução agrária e da construção do poder local. Outras bases revolucionárias iam se organizando. Em outubro de 1928, o Partido aprovou resolução dirigida por Mao Zedong intitulada ‘Por que pode existir o Poder Vermelho na China?’; em novembro, informe de Mao salienta que o Exército se “desorientará se lhe falta a ideologia proletária”. Em dezembro de 1928, ao tempo em que se critica o ponto de vista puramente militar, promulga-se a primeira Lei Agrária das montanhas de Jinggang. A luta registrava vitórias.

Nessa altura, um caminho singular ia tomando corpo no processo revolucionário chinês: o cerco das cidades a partir do campo. A Breve história… acentua que, “neste processo, quem deu a contribuição mais destacada foi Mao Zedong. Não só porque foi o primeiro a deslocar, na prática, o centro de gravidade da luta armada para o campo, criando aí experiências mais perfeitas, (…) como também por ter formulado, no plano teórico, o caminho que havia de percorrer a revolução chinesa (15)”.

Mas percalços sucederam em seguida, relacionados com decisões incorretas sobre novos ataques a cidades controladas pelo inimigo. Pontos de vista “esquerdistas” apareceram, ligados aos nomes de Li Lisan e Wang Ming, que trouxeram grandes prejuízos ao Partido e à luta.

O período que se segue a partir de outubro de 1930 é o das cinco grandes campanhas de cerco e aniquilamento organizadas pelo Guomidang de Jiang Jieshi. As bases revolucionárias no sul do país tinham se multiplicado bastante. O Exército Vermelho, no total, já contava com cerca de 100.000 homens. O núcleo era a Base Central, sob o comando de Mao Zedong e Xhou De.

Foi contra esse núcleo da Base Central que se voltaram as cinco grandes campanhas. Jiang Jieshi comandou pessoalmente as três últimas, à frente de 300.000 homens na terceira, 300.000 na quarta e um milhão de homens em várias direções na quinta. No início das campanhas, o Partido orientou e Exército Vermelho na correta direção de atrair o inimigo ao interior da base para então combatê-lo. Um ponto de vista “esquerdista” prevaleceu na direção do Partido durante a quarta campanha, procurando “tomar a iniciativa do ataque” em circunstâncias desfavoráveis, e chamando de “direitistas” os que se lhe opunham, Mao Zedong, Zhou Enlai, Deng Xiaoping e outros (16). No início da quinta campanha, esse “esquerdismo” ainda vigorava na direção do Partido na Base Central, tendo sido entregue o comando do Exército Vermelho ao alemão Li De (Otto Braum), enviado da Internacional Comunista, com experiência na I Guerra Mundial, em condições bem diferentes das do campo chinês. Idéias aventureiras, como a de “realizar a batalha decisiva” ou a de “não abandonar nem um pedaço do território da base”, terminaram conduzindo o Exército Vermelho a graves reveses no início da quinta campanha. Em outubro de 1934, já com o Exército do Guomidang promovendo um cerco na Base Central, o Exército Vermelho delibera fazer uma retirada estratégica. Tem início uma verdadeira epopéia. Durante um ano, um contingente, inicialmente de 86.000 pessoas, empreende o que passou à história como “A Longa Marcha” de 10.000 quilômetros, referida na Breve história como “façanha sem precedentes na história mundial”. O início da Longa Marcha foi marcado por tendência à fuga descontrolada, o que levou a choques desastrosos, com perda de 50.000 homens.

Ainda nos primeiros meses, em janeiro de 1935, no curso da Longa Marcha, o Exército Vermelho ocupa a cidade de Zunyi, onde o Birô Político do Comitê Central do PCCh fez um encontro ampliado, que tomou o nome de “Reunião de Zunyi”. Mao Zedong encabeçou duras críticas aos erros de “esquerda”, no enfrentamento da quinta campanha, e à tendência à fuga, no início da Longa Marcha. Foi aí que se deu a eleição de Mao Zedong para o Comitê Permanente do Birô Político. A partir daí, ele passou a assumir o papel mais destacado no PCCh. O Exército Vermelho, “sob o comando de Mao, ao contrário de como havia se comportado até então, adquiriu de repente, pelo que se viu, uma nova vida.” (17)

À proporção que a Longa Marcha aproximava-se de seu fim, o quadro político gerla do país mudava. Os militaristas japoneses, acantonados na China por força de tratados desiguais, e que desde setembro de 1931, ainda durante as campanhas de cerco e aniquilamento, promoveram ataques a novas áreas, agora estendiam sua ocupação a território cada vez mais amplo do Norte da China. O Governo do Guomidang, desde 1931, em vez de partir para a defesa nacional, orientava pela consigna de “pacificar o país antes de resistir à agressào estrangeira”. Contudo, com a ampliação da invasão japonesa, a defesa nacional se impunha.

Neste momento, acontece um fato externo de significação, o VII Congresso da Internacional Comunista, que aprovou o informe de Dimitrov sobre a política dos comunistas pela unidade antifacista. Uma delegação chinesa participou do Congresso e de lá enviou uma mensagem aos compatriotas chineses, levantando a bandeira da “salvação nacional”. O Partido passou a lutar por essa unidade, e Mao Zedong apresentou em uma conferência partidária informe intitulado ‘Sobre a tática de luta contra o imperialismo japonês’. Crescia nas cidades o movimento de massas pelo fim a guerra civil e pelo início da resistência ao Japão. O Partido tomava iniciativas audazes. Suspendeu a palavra de ordem contra Jiang Shensi, procurou contatos secretos com o Guomidang e chegou a enviar mensagem, encabeçada por Mao Zedong e Peng Dehuai, ao Governo de Nanjing (o do Guomidang), propondo “cinco demandas concretas” para a constituição da frente única. Dentro do Guomidang registrava-se receptividade. Mas, como diz a Breve história, “Jiang Jieshi era anticomunista por instinto”. E no outono de 1936 voltou a tratar de nova campanha de cerco e aniquilamento contra a base revolucionária do Norte de Shaanxi, onde terminara a Longa Marcha. Quando desembarcou em Xi’an, nos preparativos para o novo ataque aos comunistas, foi instado por alguns de seus subordinados a lançar-se, não contra os comunistas chineses, mas contra o Japão invasor. Recusando, foi preso pelos seus próprios generais. Ante a situação de grande complexidade e tensão que então se criou, com a possibilidade de executarem o próprio Jiang Jieshi, o que dividiria o Guomidang, promoveria nova guerra civil e enfraqueceria a luta contra o Japão, o Partido despachou para Xi’an Xhou Enlai para, em nome do Comitê Central, apoiar as motivações dos generais rebelados, mas encontrar uma saída pacífica para o “incidente de Xi’an”, o que terminou acontecendo. Depois do “incidente de Xi’an” não houve mais episódios significativos dos 10 anos da guerra civil que se seguiu ao fracasso da Grande Revolução. Passava-se à Guerra de Resistência Contra o Japão. Em julho e agosto de 1937, Mao Zedong escreveu Sobre a prática e Sobre a contradição, “obras filosóficas marxistas de largo alcance”, que tiveram grande papel no combate a idéias dogmáticas que existiam no Partido.

A guerra nacional se instalou efetivamente quando, em julho de 1937,os japoneses atacaram uma unidade do Exército chinês e em seguida ampliaram sua ofensiva ao norte da China, levando as operações bélicas até Shangai, e utilizando 300.000 efetivos.

A cooperação dos comunistas com o Guomidang foi crescendo. O Exército Vermelho foi reorganizado como VIII Exército do Exército Revolucionário Nacional, com Zhu De e Peng Dehuai como comandante e subcomandante.

Mas logo apareceram duas linhas sobre como encaminhar a guerra. O Governo Nacional sustentava a idéia de uma guerra restrita, privativa do Governo e do Exército. O PCCh encaminhava-se para a moblização de amplas massas em uma guerra geral. Zhou Enlai, Zhu De e Ye Jianying chegaram a apresentar uma proposta, em nome do PCCh, ao Guomidang, a respeito dos princípios de uma defesa ativa, onde se adotaria no estratégico uma posição de defensiva prolongada e no tático uma posição ofensiva, ao tempo em que se mobilizariam as massas para atacar o inimigo pela retaguarda e pelos flancos, em uma guerra de guerrilhas. Tais proposições não eram aceitas pelo Guomidang. Mao Zedong insistia que “a chave (…) para a vitória está em manter o princípio da independência e da autodecisão dentro da frente única”. E em maio de 1938 foi divulgado um importante escrito, intitulado Sobre a guerra prolongada.

Dez meses já haviam transcorrido da Guerra de Resistência, e muitos problemas sobre estratégias e tática de guerra estava confusos. Sobre a guerra prolongada teve um importante papel na elucidação desses problemas. Era “um documento de caráter programático” que analisava as caracterísiticas básicas daquela guerra, as diferenças fundamentais entre a China e o Japão naquela situação, as condições em que a China poderia ser vitoriosa, e a necessidade, desse ponto de vista, do caráter prolongado da guerra; “previa, com perspicácia científica, que a prolongada guerra de resistência contra o Japão atravessaria três períodos: o da defensiva estratégica, o do equilíbrio estratégico e o da contra-ofensiva estratégica”; dissertava, no geral, sobre cada um desses períodos; e afirmava que a China passaria da inferioridade ao equilíbrio de forças e logo à superioridade”; que o exército e o povo são a base da vitória”; e que “o mais rico manancial de força para sustentar a guerra está nas massas populares” (18). A Breve história, comentando a repercussão do Sobre a guerra prolongada, observa que “rara vez na história se conheceu um escrito com tanta força persuasiva e tanto poder comovedor”.

A existência de duas linhas atuando no curso da Guerra de Resistência ao Japão – uma, a do PCCh, outra, a do Guomidang – levou o Partido a sustentar o princípio da independência e autodecisão na frente e a ter com o Guomidang a política de unidade e luta. A chegada, em fins de 1937, de Wang Ming, representante do PCCh junto à Internacional Comunista, e membro do seu comitê executivo, trouxe um fator de confusão nessa política.

O Secretariado da Internacional havia feito recente balanço da luta na China e, levando em conta a inferioridade relativa das forças do PCCh frente ao Guomidang, considerou necessário que a Guerra se apoiasse fundamentalmente no Guomidang. Ao lado de algumas recomendações corretas, orientava o PCCh para aplicar a política de “tudo pela frente popular e tudo através da frente popular”. Wang Ming começou a defender essas orientações em diferentes instâncias do Partido, desdenhando da política de “independência e autodecisão” e de “unidade e luta”. Idéias equivocadas de direita começaram a proliferar, com o Partido dependendo do Guomidang, o que levou ao enfraquecimento da “resistência geral”, portanto da mobilização popular, do trabalho das bases de apoio na retaguarda do inimigo e da guerra de guerrilhas. Mao Zedong, Liu Shaoqi, Zhu De e outros refutaram as posições de Wang Ming e sustentaram que o Partido deveria continuar sua postura de unidade e luta dentro da frente. Um delegado foi enviado a Moscou para conversar com a Internacional, e esta, conhecendo melhor a situação na China, expressou “apoio à linha política do PCCh encabeçada por Mao Zedong”.

A independência e a autodecisão do PCCh foram fundamentais para conseguir vitórias na Guerra de Resistência ao Japão, na guerra de guerrilhas, na construção de bases de apoio e na guerra de movimentos, o que contribuiu para se alcançar a etapa de equilíbrio estratégico na Guerra. A política da “unidade e luta na frente” foi uma superação prática das posições anteriores do PCCh de “mera aliança sem luta”, havida no período da Grande Revolução, e “mera luta sem aliança”, ocorrida na guerra civil de dez anos.

Preocupado com o avanço das posições sobre o controle do PCCh, Jiang Jieshi, em meio à guerra contra o Japão, resolveu empreender sua “primeira campanha anticomunista” do período, militar e ideológica. Atacou bases dirigidas pelo Partido e divulgou farto material dizendo que “o comunismo era estranho à China”, e que o PCCh não tinha o que fazer na sociedade chinesa. O Partido reagiu militar e teoricamente. Repeliu ataques às bases e elaborou e divulgou obras de esclarecimento à população sobre o papel e os planos do PCCh para a China, especialmente a obra Sobre a nova democracia, de Mao Zedong.

Sobre a nova democracia elucidou a linha geral da revolução em curso, tratando do caráter semicolonial e semifeudal da sociedade chinesa; das contradições entre a nação chinesa e o imperialismo, e entre o feudalismo e as massas populares; das duas etapas da revolução, a democrática e a socialista; da conversão da revolução democrática de tipo antigo e uma revolução por uma nova democracia; do governo na nova democracia, de ditadura conjunta das diversas classes revolucionárias sob a direção do proletariado; e da economia no novo regime, que previa parte estatal, parte cooperativizada e parte baseada no capitalismo nacional. A Breve história registra ter sido “um acontecimento significativo na história do PCCh uma colocação teórica tão transcedental como a da nova democracia”. E acrescenta: “(…) foi produto da integração do marxismo-leninismo com a prática da revolução chinesa”. E “só foi possível formulá-la ao cabo de 20 anos de luta árdua e cheia de vicissitudes (19)”.

Jiang Jieshi promoveu mais duas campanhas anticomunistas durante a Guerra Contra o Japão, ambas repelidas com firmeza e flexibilidade. Em junho de 1941, ocorre o ataque da Alemanha à União Soviética, e em dezembro, o do Japão a Pearl Harbour. A Guerra de Resistência da China contra o Japão passou a fazer parte da guerra mundial contra o facismo. A luta do Japão em duas frentes o enfraquecia, as condições para o avanço dos chineses cresceram.

No ano de 1942, como ainda existiam no Partido divergências quanto a questões de fundo, mesmo estando em guerra, o PCCh resolveu desencadear importante campanha de retificação para combater o subjetivismo, o sectarismo, o dogmatismo e o estilo de clichê na produção literária. Foi “uma campanha de suma importância na história do Partido”. Para ela Mao Zedong escreveu Retifiquemos o estilo de trabalho no Partido e Contra o estilo de clichê do Partido, que, com o anterior Reformemos nosso estudo, foram os textos básicos da campanha. Em Reformemos nosso estudo, de maio de 1941, Mao realça a importância de se “buscar a verdade nos fatos”, explicando que “por ‘fatos’ entendemos todas as coisas que existem objetivamente; por ‘verdade’, a ligação interna das coisas objetivas, vale dizer, as leis que as regem, e por ‘buscar’, estudar”. A campanha de retificação aproximava-se de seu fim quando houve uma reunião do Birô Político e do Secretariado do Comitê Central do PCCh. Era março de 1943. O Partido incentivou, em seguida, a realização de diversos fóruns para exame e balanço das experiências do Partido. Em um desses fóruns, Zhu De observou que o Partido, “acumulando ricas experiências de luta e assimilando o maxismo-leninismo, criou na prática da revolução chinesa uma teoria marxista-leninista adaptada às condições da China e destinada a orientar a revolução chinesa (20)”. Essa teoria foi chamada por Wang Jiaxiang, em artigo no Jiefang Ribao, de 8 de julho de 1943, pela primeira vez, de “pensamento de Mao Zedong”.

No seu VII Congresso, em Ya’nan, em junho de 1945, o Partido já se apresenta como um partido grande, com 547 delegados, representantes de 1.210.000 membros. Mao Zedong, Liu Shaoqi, Zhou De e Zhou Enlai apresentaram os informes mais importantes. O principal foi apresentado por Mao Zedong, e intitulava-se ‘Sobre o governo de coalizão’. Em suas conclusões o Congresso afirmou que “o Partido se orienta pelo pensamento de Mao Zedong, resultado da integração da teoria do marxismo-leninismo com a prática da revolução chinesa, e se opõe a todo dogmatismo ou empirismo (21)”. Na primeira reunião plenária do VII Comitê Central, Mao Zedong foi eleito Presidente do Partido.

A II Guerra Mundial aproximava-se do seu fim, tendo os Estados Unidos, a Inglaterra e a China, em julho de 1945, feito a declaração de Potsdam, intimando o Japão a render-se sem condições. Em agosto, a União Soviética declarou guerra ao Japão, e a 14 de agosto o Japão se rende. Como na China o Exército japonês continuasse sem depor as armas, porém, as forças armadas dirigidas pelo PCCh passaram à ofensiva, libertando 150 cidades e levando o Japão à rendição em setembro, quando 1.200.000 soldados japoneses que se encontravam na China se estregaram. A vitória tinha sido completa, podo fim à história que se contava de que a China sempre perdia contra invasores estrangeiros. Essa vitória custou à China 21 milhões de baixas, entre mortos e feridos.

À proporção que a guerra se aproximava de um desfecho vitorioso, o Guomidang mais demonstrava sua intenção de aniquilar o PCCh. Jiang Jieshi chegou a dizer que “o Japão era o inimigo externo, mas o ninterno era o PCCh”. As maquinações para aniquilar o PCCh eram apoiadas pelos Estados Unidos. O Partido tomou a decisão, como disse Mao Zedong, de “opor-se à guerra civil, estar contra a guerra civil e impedir a guerra civil”. Em condições desfavoráveis para recomeçar uma guerra, Jiang Jieshi terminou convidando o PCCh para negociações. E a estas compareceram Mao Zedong, Zhou Enlai e Wang Ruofei. Mao Zedong e Jiang Jieshi conversaram diretamente várias vezes. As negociações duraram quarenta e três dias, e culminaram como o Acordo de 10 de Outubro de 1945, com “a orientação de paz e unidade”.

A parte comunista não nutria ilusões nesse acordo, nem no papel de ‘mediador” que se outorgavam os Estados Unidos. De fato, o governo americano começou a transportar, entre setembro de 1945 e junho de 1946, tropas do Guomidang para regiões estratégicas e, concluído o transporte, a ofensiva militar do Guomidang começou. A Breve história anota que “uma das razões mais importantes por que o Guomidang se atreveu a desencadear essa guerra civil gerla foi o apoio do governo dos Estados Unidos”.

Nesse momento a Breve história registra ter a União Soviética feito uma avaliação pessimista e equivocada da situação, segundo a qual uma guerra civil na China, com o envolvimento dos Estados Unidos, poderia levar a uma guerra mundial e à ruína da nação chinesa, em função do que “o PCCh manteve-se sereno e firme. Mao Zedong, em abril de 1946, escreve Algumas apreciações acerca da atual situação internacional, ddizendo que o risco da guerra mundial existia, mas que poderia ser conjurado, não sendo correto os povos do mundo abrirem mão de suas lutas nem “contraírem compromissos dentro de seus países”. Em entrevista que então concede à jornalista Anna Louise Strong, enuncia sua famosa tese de que “todos os reacionários são tigres de papel”.

Sustentando uma guerra em etapa de defensiva estratégica, de junho de 1946 a junho de 1947, o Exército Popular de Libertação, apesar de ainda estar em inferioridade numérica humana, e sobretudo em armamento, recebeu do Comitê Central do Partido a ordem de passar à contra-ofensiva em escala nacional. Cento e vinte mil homens comandados por Liu Bochebg e Deng Xiaoping iniciaram a ofensiva estratégica. À proporção que as forças do EPL avançavam, promoviam-se transformações agrárias, baseadas na consigna de “terra para quem nela trabalha”.

Como estava à vista a libertação de toda a China e a instauração do novo poder, o PCCh achou por bem anunciar, em reunião partidária em dezembro de 1947, o sentido das medidas econômicas ques eriam tomadas. Em seu informe, Mao Zedong indicou: “Cofiscar a terra (…) e entregá-la aos camponeses; confiscar o capital monopolista (…) e entregá-lo ao estado de nova democracia, e proteger a indústria e o comércio da burguesia nacional (23)”.
A tomada de Nanjing, onde se localizava o governo do Guomidang, deu-se em 23 de abril de 1949, tendo Jiang Jieshi fugido com seu grupo para o sul, e daí para Taiwan. A proclamação solene de fundação da República Popular da China deu-se a primeiro de outubro desse ano, ante 300.000 pessoas aglutinadas na praça Tian An Men, em Beijing.
As tarefas do novo governo da República Popular, de organização estatal e de construção econômicaa, vão se desenvolvendo em meio a vicissitudes várias. Os Estados Unidos não reconheceram a China, enquanto a União Soviética foi a primeira a fazê-lo, selando Tratado de Amizade e Ajuda Mútua com a nova República. O combate ao capital especulativo teve prioridade para conter a alta dos preços e infundir confiança na capacidade do governo. Reabilitou-se a produção industrial e agrícola, suscitando comentários sobre o “milagre chinês (24)”.

Nem bem um ano de existência completara a República Popular quando se viu obrigada a enfrentar o país imperialista mais agressivo do planeta, os Estados Unidos. O governo americano havia feito intervenção na península da Coréia e, arrogantemente, os norte-americanos cruzaram o paralelo 38 em direção ao norte, onde se localiza a fronteira com a China. Zhou Enlai, Primeiro Ministro da China, em severa advertência afirmou: “O povo chinês ama ardentemente a paz (…) mas não pode tolerar em absoluto (…) agressão desenfreada do imperialismo contra seu vizinho.” E ante o avanço americano, que punha em risco também o território chinês, Mao Zedong nomeou Peng Dehuai para, à frente de voluntários do povo chinês, responder positivamente ao pedido de ajuda do Partido e do Governo da Coréia. Os números são imprecisos, mas não menos de 900.000 chineses foram à Coréia, dos quais uns 700.000 morreram. O imperialismo foi obrigado a retirar-se até o paralelo 38 e aí firmar armistício. A fama de que o imperialismo americano não perdia guerra se dissolveu no ar.

Foi impressionante o crescimento econômico até 1952 na República Popular. A média de crescimento da produção industrial e agrícola, nesses três primeiros anos, foi de 21%. Especificamente a produção industrial cresceu a uma média annual de 34%, enquanto a produção agrícola cresceu a uma média de 15%. As finanças públicas equilibraram-se. O número de operários e empregados no país passou de 8 para 16 milhões, e o salário médio se elevou em 70% nos três anos. A estrutura econômica também experimentou grandes mudanças. A indústria estatal passou a contribuir com 56% da produção industrial do país, em 1952, enquanto a indústria pesada incorporava 35% da produção industrial no mesmo ano. Do comécio atacadista, 60% era conttrolado pelo Estado, no mesmo período (25). O confisco do capital burocrático concentrou grandes forças econômicas nas mãos do Estado, o que contribuiu para possibilitar o crescimento da base econômica socialista. “Oitenta por cento do ativo fixo das indústria, das mineradoras e do transporte do país antes da Libertação se converteu em bases estatais, e os bancos de todo país, no fundamental, também (26)”.Tudo isso viabilizava a entrada do país na rota da economia planificada. A elaboração do I Plano Quinquenal começa sob direção de Zhou Enlai e Chen Yun, ainda em 1951. O Plano passou por muitas discussões e só foi aprovado em março de 1955. Emcabeçava a relação de suas metas fundamentais “A indústria pesada”. A elaboração e a execução do I Plano contou com a “grande ajuda do Governo da União Soviética”. Três mil especialistas soviéticos estiveram na China no I Plano, e o nímero de estudantes e técnicos foram à União Soviética chegou a sete mil e cinco mil respectivamente.

Conquistas importantes deram-se também no terreno cultural, social e político e diplomático nos primeiros anos da República Popular e durante o I Plano Quinquenal.
Á Breve história assinala que “o ano de 1956 figura nos anais da história do PCCh como ano em que se concluiu no fundamental a transformação socialista da propriedade privada dos meios de produção e, ao mesmo tempo, começou a exploração de um caminho próprio chinês para construir o socialismo”.

Quando o VIII Congresso do PCCCh se realizou, em setembro de 1956, já havia acontecido o XX Congresso do PCUS, onde Kruchev desencadeou uma revisão de posições básicas do socialismo e uma crítica facciosa a Stálin. O PCCh iniciou então uma polêmica com o PCUS, que passou a história como a “grande polêmica”. Muitos importantes textos foram produzidos pelo PCCh em defesa de posições marxistas. O VIII Congresso, aberto por Mao Zedong, ouviu informes de Liu Shaoqi, Zhou Enlai e Deng Xiaoping e discutiu propostaspara o II Plano Quinquenal. Quanto à política econônomica, defendeu “O avanço com passo firme (..) opondo-se ao conservadorismo e ao avanço temerário”. E partindo da constatação de que já conseguiria construir uma base socialista fundamental, a contradição principal passara a ser existente entre "“ demanda do povo de estabelecer um país industrial avançado e a realidade de um país agrário atrasado”.

E, 1957, surgiu dentro do Partido um clima de entusiasmo, resultante das vitórias recém conquistadas, especialmente na campanha ‘pelo tratamento correto das contradições no seio do povo”. Alguns setores acharam que o crescimento poderia ser bem maior do que for a durante o I Plano. E Mao Zedong começou a achar um erro ter-se criticado o “avanço temerário”no VIII Congresso. Começou a divergir da posição aprovada nesse Congresso sobre a contradição principal. Na II Sessão do VIII Congresso, em maio de 1958, Mao Zedong “exagerou o papel da vontade subjetiva e dos esforços subjetivos”. Destacou a “rapidez”como “o elo chave, da norma de quantidade, rapidez, qualidade e economia”. Zhou Enlai, Chen Yun e outros dirigentes, que tinham se oposto ao “avanço temerário”, se viram obrigados a fazer autocrítica nessa reunião. As metas que estavam sendo elaboradas no II Plano foram arbitrariamente aumentadas, a produção prevista para o aço passou de 12 para 30 milhões de toneladas e assim por diante. Era a política de “o grande salto à frente”que se ia formando. Na V reunião do VIII Comitê Central, que se realizou em seguida, Lin Biao foi eleito vice-presidente do Comitê Central.

Pauco depois propagandeou-se idéia de Mao Zedong de que se deveria integrar indústria, agricultura, educação , comércio e milícia em uma grande comuna, tendo surgido assim o movimento pelo estabelecimento de comunas populares.

O “grande salto à frente”resultou em um malogro. As metas exegeradas não forão alcançadas; falcificaram números sobre a produção para serem apresentados como “recordes”; o tratamento aos camponeses chegou “na realidade a uma espécie de expropriação dos camponeses”, “foram proscristos os pequenos comerciantes e vendedores ambulantes, os feirantes e as ocupações secundárias domésticas das zonas rurais”, tudo segundo a idéia de que “quanto menos intercâmbio mercantil houver mais perto se estará do comunismo”. Por outro lado, enquanto, em vezes anteriores, o próximo Mao tratava opiniões diferentes de forma “respeitosa ( ou conciliatória)”, agora, “a opinião contrária ao avanço temerário foi censurada tão severamente que se tornara difícil formular opiniões distintas no seio do Partido”.

Tendo sido Mao Zedong “o promotor do ‘grande salto à frente’, foi ele também quem, dentro da direção central do Partido, mais rápido percebeu os agudos problemas surgidos no movimento”. E foi Mao Zedong quem tomou a iniciativa de pedir a retificação dos erros de “esquerda”, que estariam atrapalhando o bom andamento do grande salto à frente e das comunas populares. Na sua compreensão, porém, a linha geral desses dois movimentos era correta. E fizeram-se apenas reajustes.

Ocorre qu Peng Dehuai, do Birô Político e Ministro da Defesa, resolve encaminhar, a 14 de julho de 1959, durante reunião partidária, uma carta a Mao Zedong, fazendo obsevações críticas ao rumo que as coisas tomavam, mostrando existir “uma atitude não de todo realista”, “um fanatismo pequeno burguês” que “desejava chegar ao comunismo de um só passo”etc. (28) Sobre essa carta, a Breve história diz que “era correto seu conteúdo básico”, e que, encaminhada ao Presidente do Partido, “estava totalmente conforme o princípio de organização do Partido”.

A carta não foi bem recebida por Mao Zedong, que “ essas críticas e opiniões como ataques ao Partido”. Lin Biao chamou Peng Dehuai de “hipócrita e intrigante”. No desdobramento de um processo longo e exaltado, Peng Dehuai, o herói da Guerra da Coréia, foi destituído do cargo de Ministro da Defesa.
Com os consecutivos reajustes que sofreu, a despeito dos problemas do “grande salto à frete”, a construção econômica do país, nessa etapa, continuou com grandes êxitos. Em julho de 1964, a China explode sua primeira bomba atômica, coincidentemente no dia seguinte à queda de Kruschev. Foi uma vitória do desenvolvimento técnico-científico chinês, e oportunidade para o governo de Beijing declarar solenemente que “jamais, em nenhuma circunstância, e sob nenhum pretexto a China será a primeira a lançar uma bomba atômica”. Essa declaração não foi acompanhada, até hoje, por nenhum país detentor da arma nuclear.

Quando, em 1966, começava a executar-se o III Plano Quinquenal, a China entra no período mais turbulento e difícil desde a tomada do poder em 1949, o período da “revolução cultural”.
A “revolução cultural” foi um processo de grande agitação política, de sentido caótico e destrutivo, que varreu a China por dez anos, interferindo em quase todos os setores da sociedade, com a incorporação de amplas camadas, de juventude. Foi desencadeada e dirigida por Mao Zedong.
A atual direção chinesa teve uma avaliação severamente crítica da “revolução cultural”. A Breve história abre seu capítulo oitavo com o título ‘Os dez anos de caos interno durante a revolução cultural’. Deng Xiaoping afirma que ela “resultou ser uma grande catástrofe (29)”. Resolução aprovada em 1981 pelo Comitê Central do PCCh sobre “alguns problemas na história de nosso Partido qualifica-se de “completamente negativa”.

Há uma observação aceita pela direção chinesa e pelos estudiosos da matéria de que a intenção de Mao Zedong ao desencadear a revolução cultural era previnir a restauração do capitalismo na China. E, 1966, o PCCh acabara de passar por uma experiência grave: a de sustentar, durnate quase 10 anos, uma polêmica ideológica intensa contra o PC da União Soviética.A polêmica começou em abril de 1956, peal publicação pelos chineses do artigo ‘A propósito das experiências históricas da ditadura do proletáriado’, apenas dois meses e meio após o XX Congresso do PC da União Soviética, quando Kruchev fez fez um libelo contra Stálin. E se desdobrou pelos anos seguintes, com a direção de diversos outros artigos, dos quais os mais marcantes foram os nove longo artigos publicados entre 1963 e 1964, sobre os mais candentes assuntos ideológicos do movimento comunista naqula atualidade. A crítica básica levantada nesses artigos e na propaganda diuturna dos chineses era que, a paartir de Kruchev, a União Soviética socialista, encaminhara –se no sentido da restauração capitalista.

O último desses artigos, ‘O pseudo-comunismo de Kruchev e suas lições históricas’, adverte que a restauração capitalista em curso na União Soviética “é um grito de alarma lançdo a todos os países socialistas, inclusive a China, e a todos os partidos comunistas e operários, entre os quais o PCCh”. A referência a Chian e ao PCCh como imersos no quadro da ameaça geral é muito sintomática.

A queda de Kruchev não deixou de despertar nos Chineses certas expectatívas de que podiam ocorrer mudanças na União Soviética. Entende-se assim a mensagen encaminhada no dia seguinte à queda de Kruchev, á nova direção soviética, assinadampor Mao Zedong, Liu Shaoqi, Zhou Enlai e Zhu De, felicitando so novos dirigentes. Entretanto, esses novos dirigentes logo deixaram claro que nada mudaria na política externa da União Soviética.

Mao Zedong, conversando com Ho Chi Minh, em 1966, disse: “Somos homens de mais de 70 anos, e chegará o dia em que Marx nos convidará a acompanha-lo. Quem será nosso continuador? Será um Bernstein, um Kaustsky ou um Kruchev? Não se sabe. Temos que estar preparados, mas ainda há tempo (30)”.

Com aguda preocupação pelo que poderia suceder à China, Mao Zedong começou a ver no meio de veteranos comunistas “gente do tipo Kruchev”, e resolveu mobilizar para combatê-los um setor evidentemente não contaminado – a juventude.

A mobilização da juventude contou com documentos oficiais do Partido – circulares e resoluções – com chamamentos e apelos pessoais de Mao Zedong e com seu contato pessoal com massas de jovens. Entre agosto e novembro de 1966, Mao Zedong recebeu em ocasiões diferentes 11 milhões de jovens e professores. (31)

A ‘Decisão do Comitê Central sobre a Grande Revolução Cultural Proletária’, conhecida como ‘os 16 artigos’, estabelecia o objetivo do movimento, o de “aplastar, mediante a luta, os que ocupam postos dirigentes e seguem o caminho capitalista, criticar e repudiar as ‘autoridades‘ reacionárias burguesas no campo acadêmico, criticar e repudiar a ideologia da burguesia”. “O alvo principal do movimento atual são aqueles elementos no seio da direção central do Partido. Assim, dirigentes importantes e de todos os níveis foram sendo criticados, pressionados, humilhados e afastados, como Liu Shaoqi, Deng Xiaoping, Peng Zhen, Yang Shangkun e muitos outros. Zhoou Enlai e Zhu De passaram a uma posição relativamente subalterna. À proporção que figuras de proa em torno do Mao Zedong eram afastadas, outros tipos dele se acercavam, como Lin Biao, Jiang Qing, Wang Hongwen, Zhang Chunqiao, Yao Wenyuan. O culto da personalidade de Mao Zedong, exacerbado por Lin Biao, foi levado a níveis grotescos e, como diz a Breve história, “a errônea direção pessoal ‘esquerdista’ de Mao Zedong substituía de fato a direção coletiva do Comitê Central do Partido”.

Em janeiro de 1967, a “revolução cultural” dá um passo à frente, propondo-se à “tomada total do poder”. Editorial do Renmin Ribao prega “o início da luta pela tomada do poder em todo o país para coroar com a vitória a grande tarefa histórica que o Presidente Mao nos entregou”. Diz a Breve história: “Uma tempestade de tomada de poder se levantou desde os departamentos da direção central (…) até os governos de todas as instâncias”. A imprensa chegou a proclamar “a necessidade de se tirar do Exército o punhado de seguidores do caminho capitalista”. Um caos se formava. Mao Zedong e Zhou Enlai, então, tomam medidas emergenciais para garantia de um mínimo de ordem, segurança às embaixadas etc. E Mao intervém para evitar maiores exageros no tratamento dos quadros.

Na sessão preparatória do IX Congresso, constatou-se que 52,7% dos titulares e suplentes do Comitê Central haviam sido acusados de “renegados”, o que os impediu de assistir à sessão. Lin Biao apresentou o informe do Comitê Central e foi assinalado nos Estatutos do Partido como “o sucessor de Mao Zedong”. Resolução expulsou liu Shaoqi do Partido. Este, “martirizado até o inconcebível”, faleceu em novembro do mesmo ano. Segundo a Breve história, o que aconteceu com Liu Shaoqi foi “a maior injustiça conhecida na história do Partido”!

Em agosto de 1970, o carreirismo de Lin Biao deixa à mostra suas marcas e Mao Zedong percebe isso. Declara: “Há alguém que se mostra ansioso por ser Presidente da República, que busca cindir o Partido e que está impaciente por arrebatar o poder”. Em pânico, Lin Biao chega a tramar contra a vida do próprio Mai Zedong e, descoberto, em fuga, morreu, quando “seu avião caiu”. A breve história anota que, após tudo isso, “Mao Zedong a caiu em insondável dor e desilusão”. Depois desse incidente, Mao assumiu pessoalmente a polítca com relação aos quadros, encaminhando a reabilitação de vários. Em março de 1973, disse: “Fui eu quem se equivocou ao aceitar os arguemntos unilaterais de Lin Biao”. Mas continuava alimentando ilusões de se levar a “revolução cultural” a um fim satisfatório, defendendo-a em suas linhas gerais. Daí que o X Congresso “continuou os erros de ‘esquerda’ do Congresso anterior”.

Em 1974, o “bando dos quatro” já estava se desmascarando, tendo Mao Zedong observado em uma reunião que “Jiang Qing tem ambições desmesuradas”. Mesmo assim ainda teve fôlego para desfechar novo ataque a Deng Xiaoping, que fora reabilitado por proposta de Mao Zedong, o que levou ao afastamento de Deng de suas funções, mais uma vez.

O ano de 1976 começou com o desaparecimento de Zhou Enlai, em janeiro. Depois faleceu Zhu De, em julho. E em 9 de setembro, morreu Mao Zedond. A “camarilha dos quatro”, que já vinha sendo desmascarada, foi presa. E terminou a “revolução cultural”.

O Comitê Central do PCCh sentiu a necessidade de fazer uma avaliação metódica a respeito do papel de Mao Zedong na história da China, e sobre o significado do pensamento de Mao Zedond. Sob a direção de Deng Xiaoping, em novembro de 1979, começou a elaborar a ‘Resolução sobre alguns problemas da história do PCCh depois da fundação da República Popular da China’. Depois de passar, em outubro de 1980, pelo crivo de cerca de 4.000 pessoas, a Resolução foi aprovada em junho de 1981 pelo XI Comitê Central.

A Resolução afirma que “Mao Zedong foi um grande marxista, um grande revolucionário, estratego e teórico do proletariado.” “No conjunto de sua trajetória” – diz o documento – “os serviços meritórios que prestou à revolução chinesa estão muito acima de seus erros (33)”. Sua contribuição se expressa destacadamente na elaboração do “pensamento de Mao Zedong”, cujo significado é avaliado no texto.
Deng Xiaoping, atual principal dirigente do PCCh, alvo da “revolução cultural”, (“tive três quedas e três subidas”), veterano de antes da Longa Marcha e artífice da atual política chinesa da construção do socialismo com peculiaridades chinesas, foi seguramente quem deu as contribuições mais valiosas para uma visão multilateral do papel de Mao Zedong na história chinesa. Seus diversos escritos e pronunciamentos a respeito da questão, desde a morte de Mao Zedong até agora, guardam grande coerência. Em outubro de 1987 escreveu: “O camarada Mao Zedong atuou corretamente em todo o período da revolução de nova democracia, assim como nos tempos iniciais da revolução e da construção socialistas. (…) Durante esse largo período, o camarada Mao Zedong integrou efetivamente, de um modo magistral, os princípios gerais do marxismo-leninismo com a realidade chinesa, formulou de maneira criadora a estratégia de cercar as cidades desde as zonas rurais e, ao tomar o caminho da Revolução de outubro, soube adotar métodos distintos dos que se empregaram nela (34).” Em outro escrito, intitulado ‘Os balanços do passado são para abrir o futuro’, observa que, “nos erros de ‘esquerda’ cometidos pelo Partido até a ‘revolução cultural’, eu também tive minha parcela de culpa (35)”. A Breve história, a propósito dos êxitos havidos nos 10 anos que vão de 1956 a 1966, salienta que, “entre os dirigentes do Comitê Central, foi sem dúvida Mao Zedong quem desempenhou o mais importante papel”. E acrescenta: “Quanto aos erros cometidos nesses 10 anos, sem dúvida a responsabilidade principal também foi de Mao Zedong”. Citando Deng Xiaoping, completa a Breve história: Mas, “ao referir-se aos erros, não se deve mencionar unicamente o camarada Mao Zedong; também os cometeram muitos outros camaradas do Comitê Central. Se durante o ‘grande salto á frente’ o camarada Mao Zedong esteve animado com um ímpeto febril, acaso não estávamos nós também(36)?”.

Finalmente, o PCCh oficialmente considera o pensamento Mao Zedong não como o corpo de todas as idéias de Mao Zedong, nem tampouco como as elaborações feitas exclusivamente por ele. Mao Zedong foi quem mais contribuiu para o esforço coletivo que, durante mais de cinqüenta anos, todo o PCCh e o povo chinês fizeram de aplicar o marxismo-leninismo às condições concretas da China. Suas contribuições,como se vê num rápido exame da história moderna chinesa, aparecem como respostas e desafios concretos postos pela vida, produtos da aplicação do marxismo leninismo à prática da revolução chinesa. Daí porque os documentos oficiais do PCCh reafirmam a necessidade de o Partido perseverar no marxismo-leninismo e no pensamento de Mao Zedong.

HAROLDO LIMA é Deputado Federal pelo PCdoB/BA.

Notas

(1) Breve história do PCCh (BH PCCh), p. 28.
(2) EDGAR SNOW, Estrela vermelha sobre a China, cit. em BH PCCh, p. 28.
(3) BH PCCh, p. 51.
(4) Id. p. 65.
(5) Id. p. 67.
(6) Id. p. 87.
(7) Id. p. 96.
(8) Id. p. 107.
(9) Id. p. 119.
(10) Id. p. 126.
(11) Id. p. 129.
(12) Id. p. 129.
(13) Id. p. 130.
(14) Id. p. 132.
(15) Id. p. 163.
(16) Id. p. 205.
(17) Id. p. 213.
(18) Id. p. 258.
(19) Id. p. 299.
(20) Id. p. 344.
(21) Id. p. 350.
(22) Id. p. 387.
(23) Id. p. 417.
(24) Id. p. 474.
(25) Todos os dados econômicos da Breve história, pp. 504 e 511.
(26) Id. p. 510.
(27) Id. p. 634.
(28) Id. p. 646.
(29) DENG XIAOPING, Textos escolhidos, v. 3, p. 236.
(30) Breve história, 736.
(31) Id. p. 741.
(32) Id. p. 739.
(33) Id. p. 860.
(34) DENG XIAOPING, Textos escolhidos, v. 3, p. 263.
(35) DENG XIAOPING, op. cit., p. 280.
(36) Breve história, p. 725.

EDIÇÃO 42, AGO/SET/OUT, 1996, PÁGINAS 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51