A tese que David Harvey se propõe a demonstrar é a de que há “relações necessárias entre a ascensão de formas culturais chamadas pós-modernas, a emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital e um novo ciclo de ‘compressão’ do espaço-tempo na organização do capitalismo”.

Ele define Modernismo e pós-Modernismo como “formas de sentimento ou sensibilidade”. Embora suas primeiras manifestações tenham ocorrido nas artes e arquitetura, são fortes tendências que passam a moldar esquemas de pensamento e relações sociais. O autor passa então a refletir sobre como essas formas são geradas no contexto das relações políticas e econômicas das sociedades capitalistas. Identifica o Modernismo como fruto do projeto racionalista do Iluminismo, e aponta seu florescimento no período do auge do fordismo.

O Modernismo teria perdido sua força quando totalmente incorporado pela ideologia oficial, tornando-se uma versão reacionária e tradicionalista, nos moldes das intervenções imperialistas no mundo da cultura. Ao assumir um caráter cada vez mais elitista, a arte e a alta cultura teriam sido esvaziadas de sensibilidade e empobrecidas de experimentações. Os movimentos de contracultura da década de 1960, a popularização da televisão, o comércio de produtos culturais na mídia e as tendências de flexibilização de produção, produtos e mercados seriam alguns dos fatores responsáveis por uma nova tendência nos sistemas de referência em diversos campos da cultura: o pós-Modernismo.

O pós-Modernismo, para o autor, é a parte de uma transformação cultural que acompanha a luta do capitalismo para se recompor. Não se mostra como uma mudança global de paradigmas nas ordens cultural, econômica ou política, que corresponda a uma “nova sociedade” “pós-industrial”, como muitos querem supor. O pós-Modernismo surge como uma nova versão do Modernismo, colocando-se, porém, de forma a “flexibilizar” a produção cultural num ecletismo de mercado “vale-tudo”, marcado pelo laissez faire. Integra-se, por fim, à política neoconservadora.

Nesse trabalho, Harvey demonstra que a negação dos grandes sistemas de representações como, por exemplo, o marxismo, tem levado muitos autores a análises insuficientes de fragmentos da realidade.
Assim como as novas formas de produção e acumulação capitalista, os projetos do pós-Modernismo são marcados pelo domínio das imagens. Harvey fala em “logo de espelhos para uma economia de espelhos”, pelo apelo do carisma na política, pela retórica em substituição à semântica e pela estética em substituição à ética. Até a pobreza é “estetizada”, saindo do campo de visão social.

A negação da história, a constatação de que o mundo é constituído de modo efêmero, descontínuo, fragmentado e caótico tem reforçado unicamente as perspectivas de mudanças localizadas, e nunca na crítica ao capitalismo como sistema de exploração do trabalho. Harvey critica tais tendências, que são embasadas numa filosofia pragmática da ação, e aponta para o fato de que nem os partidos comunistas têm escapado dessa lógica.

É bastante interessante a forma como o autor recupera vários trabalhos que vêm sendo feitos desde a década de 80 na linha da crítica aos argumentos pós-modernistas. Argumenta que a esquerda não tem conseguido responder às questões colocadas pelo pós-Modernismo. Ao partir para estudos das instituições políticas e culturais, afastou-se do movimento operário. Ao tentar competir com neoconservadores sobre seus temas (terreno da estética, imagens, meios de comunicação e ideologia), perdeu posições, muitas vezes, por não saber estabelecer as relações entre política e economia. Somente alguns marxistas ortodoxos conseguiram fazê-lo.

Harvey não descarta, com isso, a importância das pesquisas voltadas para as realidades específicas que, em princípio, têm sido a opção metodológica e teórica da tendência “pós-moderna”. Questões das diferenças de gênero, religião, temáticas, ligadas ao estudo da ideologia, podem e devem ser tratadas com seriedade, para maior compreensão da dialética da mudança social. Porém, alega o autor, é preciso fazê-lo e de discursos é parte da reprodução de toda ordem simbólica, que acompanha as transformações no mundo da produção material.

Harvey reconhece que há uma crise do materialismo histórico, e aponta para a necessidade de sua superação, através da releitura do próprio Marx, cuja crítica à lógica do sistema capitalista mantém-se atual. Isso possibilitaria maior compreensão do “fluxo de relações interiores no capitalismo como um todo”.

* Sônia Regina Ferreira de Oliveira

EDIÇÃO 43, NOV/DEZ/JAN, 1996-1997, PÁGINAS 69