A reeleição vem tomando conta do noticiário e ocupando lugar de destaque na agenda política nacional. A repercussão desse tema expressa não somente os interesses continuístas das forças que detêm o poder político no país, em particular do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, também, de poderosos grupos econômicos nacionais e internacionais que querem a continuidade da atual política econômica por se beneficiarem das privatizações, da abertura indiscriminada da economia brasileira, do arrocho salarial e do corte dos direitos dos trabalhadores.

Tanto é assim que a FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo) e a FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) manifestaram-se favoravelmente à reeleição. Carlos Eduardo Moreira, presidente da FIESP, afirmou que “vai ajudar no que for possível” para que a emenda seja votada e aprovada no Congresso nacional. Merryll Lynch, um dos maiores bancos de investimentos dos Estados Unidos, divulgou, para seus clientes, a agenda da tramitação da emenda sobre a reeleição, expressando os interesses da grande burguesia internacional nos rumos políticos do Brasil. Em seu relatório, o Banco afirma que “a aprovação da reeleição certamente será bem recebida pelo mercado que credita a Cardoso o Plano Real e a subsequente estabilidade”.

Para a grande burguesia brasileira e estrangeira, portanto, o que interessa é a continuidade do projeto neoliberal, da política econômica colocada em prática por Fernando Henrique Cardoso. Para garantir a realização deste objetivo o melhor caminho é assegurar a reeleição do atual presidente.
A reeleição está longe de representar um avanço democrático para o país. O que está em discussão, de fato, não é a tese da reeleição mas, sim, o casuísmo da reeleição do atual presidente da República. E é inaceitável a alteração das regras do jogo democrático durante o transcurso do jogo. Mas esta não é a única, nem a principal razão para ser contrário à reeleição.

A reeleição não faz parte da tradição política brasileira. As Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1945 e 1988 definiram o mandato de quatro anos, não permitindo a reeleição. Mesmo durante o período da ditadura militar esta regra não foi alterada pois havia uma alternância de generais no governo.

Em entrevista ao Jornal Sete Dias da Semana, recentemente lançado em Brasília, o ex-ministro Paulo Brossard afirmou que a “reeleição é insulto à Nação”. Na oportunidade, o ex-ministro lembrou que apesar de não haver reeleição em nível nacional, em um certo período ela era permitida nos estados, tendo sido necessária a realização de um movimento armado no Rio Grande do Sul para acabar com os abusos da reeleição, que permitiu a recondução de Borges de Medeiros, por quatro vezes, ao governo daquele Estado (1).

Pode-se argumentar que, nos dias atuais, o mandato de quatro anos é pequeno. No entanto, cabe lembrar que na Constituinte o mandato presidencial foi ampliado para cinco anos. Todavia, diante da hipótese da eleição de Lula para a Presidência da República, foi aprovada uma emenda constitucional estabelecendo, novamente, o mandato de quatro anos, proibindo a recondução. O que se constata é que o casuísmo está presente na prática política brasileira. Procura-se adequar a legislação político-eleitoral aos interesses da fração das elites no poder. É o que se pretende fazer agora com a reeleição.

A adoção da reeleição representaria o aprofundamento da prática comum, no Brasil, da utilização da máquina administrativa no processo eleitoral e a consolidação do continuísmo, prejudicial ao processo democrático.

Argumenta-se que a reeleição garantiria a continuidade de bons governantes. Isso é verdade. Mas, também, possibilitaria a manutenção de maus, com a utilização da máquina. Por outro lado, a continuidade administrativa não se realiza apenas com a continuidade da mesma pessoa à frente da administração. Porto Alegre dá um exemplo ao Brasil de que é possível assegurar a continuidade administrativa, mantendo o rodízio de pessoas no governo, com a manutenção do mesmo partido e do mesmo programa administrativo.

A reeleição está longe de ser uma medida que irá aperfeiçoar a democracia. Nas condições concretas do Brasil ela representará um retrocesso para o nosso sistema político, pois ampliará mais ainda os já amplos poderes do presidente da República.

No Brasil, o presidente da República tem poderes imperiais. Tem sob seu controle as Forças Armadas, tem poderes para nomear e exonerar ministros e funcionários, possui as chaves do cofre do Banco Central, exerce forte influência sobre o Judiciário e Legislativo, além de legislar através das Medidas Provisórias. Para aperfeiçoar a democracia no Brasil é necessário reduzir e não ampliar os poderes do presidente da República.

O relatório do Merrill Lynch, já referido, afirma que “aprovar a reeleição seria um passo significativo em direção à consolidação da autoridade do presidente Cardoso”. Este é o interesse dos grandes grupos econômicos. Eles pretendem aumentar a autoridade e os poderes do presidente para que ele tenha melhores condições de continuar solapando a soberania de nosso país, mesmo que isso signifique um atrofiamento da já débil democracia brasileira.

A reeleição, na verdade, tem por objetivo assegurar a continuidade da aplicação do projeto neoliberal. Por isso mesmo não é uma discussão que diga respeito somente ao Brasil. Tal medida, pelas mesmas razões, já foi adotada na Argentina e no Peru. Agora, fala-se em reeleição também no México.
A reeleição é, na verdade, o carro-chefe da reforma política pretendida pelos defensores do neoliberalismo. Esta reforma política visa a adequar o Estado às necessidades do projeto neoliberal.

A prática da política econômica neoliberal conduz a uma exacerbação da concentração da renda, à ampliação da miséria e dos excluídos. E a democracia, mesmo limitada, é incompatível com a miséria, a concentração de rendas, o corte de direito dos trabalhadores, dos direitos sociais e da desorganização da economia no país.

Nestas condições a restrição da democracia passa a ser uma necessidade para se dar continuidade à implantação de tais medidas. A elitização, ainda maior, do poder político, torna-se condição para o aprofundamento das políticas neoliberais.

A reforma política envolve um leque mais amplo de questões. Os seus inspiradores pretendem alterar inúmeros dispositivos do texto constitucional. Dentre as propostas destacam-se a reeleição do presidente da República, a redução do número de partidos políticos, a adoção do voto distrital misto, o voto facultativo, a fidelidade partidária, a adoção da cláusula de barreira, a proibição da coligação proporcional, dentre outras

A urgência que as forças governistas estão dando para a aprovação da reeleição trouxe à tona a questão sobre o melhor momento para se discutir e aprovar uma reforma política mais ampla. As informações indicam que predominou a idéia de se colocar na pauta primeiro a reeleição, para depois aprovar as demais matérias relacionadas com a reforma política.

Atílio A. Boron, escritor argentino, comentando as teses de Milton Friedman, teórico da corrente neoliberal, afirma que o neoliberalismo
“provém do fato de que seus preceitos fundamentais – império do mercado, desmantelamento do Estado de bem-estar social e contenção dos avanços democráticos – foram os princípios racionalizadores de conhecidas tentativas conservadoras que, com maior ou menor grau de violência, foram ensaiadas nas mais diversas latitudes” (2).

Nesta passagem, o autor destaca os três aspectos fundamentais do neoliberalismo: afastamento do Estado da atividade econômica com a prevalência das leis de mercado, golpe nas conquistas sociais dos trabalhadores e contenção dos avanços democráticos. É importante ressaltar que as medidas econômicas e sociais são acompanhadas de restrições à democracia.

Em outro trecho, o mesmo autor afirma que “a refundação de uma ordem econômica liberal – isto é, que deixe as mãos livres às frações mais dinâmicas e concentradas do capital – exige a constituição de uma ordem política crescentemente autoritária”. Aqui está o núcleo da questão. Longe de ter um sentido democrático a reforma política, pretendida pelo governo e pelas forças que o sustentam, tem um sentido autoritário que visa elitizar mais ainda o Estado brasileiro, facilitando a implementação da política neoliberal.

Para a grande burguesia o que interessa é a continuidade do projeto neoliberal. Para garantir a realização deste objetivo, o melhor caminho é a reeleição do atual presidente

O Professor Wandeley Guilherme dos Santos afirma que:
“revisões, reformas e legislação são sugeridas a título de dotar o nosso sistema político daqueles atributos de que seria manco: transparência, ética, representatividade e eficácia. Na realidade, porém, a derradeira estação deste atentado institucional seria, ou será o retorno ao clube oligárquico da competição partido-eleitoral minimalista” (3).

Afirma o mesmo autor que tais reformas representam “o mais violento atentado institucional já ousado por civis no último meio século da vida brasileira”.

A questão é muito clara. Sintonizado com o projeto neoliberal, o governo Fernando Henrique Cardoso procura implantá-lo no Brasil. Para isso, adota as diretrizes do Consenso de Washington que implicam no combate à inflação através da âncora cambial, no ajuste econômico, nos cortes de recursos das áreas da saúde e da educação, sem tocar na dívida pública interna e externa. Nas privatizações indiscriminadas, entregando empresas estratégicas a preço vil e golpeando a soberania do país. Na adoção de uma política de arrocho salarial e concentração de renda e de golpes nas conquistas sociais como se pretende com a Reforma da Previdência.

Evidentemente que não se adota todas essas medidas sem fortes resistências. Para realizar projeto semelhante, no passado, deram-se golpes militares. Agora, procura-se fazer um “ajuste político” para assegurar a implantação da nova ordem econômica e social. Como não podem revelar a verdadeira natureza das emendas propostas, falam em modernidade da economia e aperfeiçoamento do sistema político brasileiro.

Os inspiradores das reformas políticas antidemocráticas argumentam que o país tem um excessivo número de partidos políticos, com legendas de aluguel que propiciam uma grande fragmentação partidária. Dizem que esta fragmentação conduz a uma ingovernabilidade no país. Argumentam que o atual sistema eleitoral proporcional estimula as disputas internas nos partidos e não consolida a estrutura partidária, além de elevar os custos de campanha, já que a eleição é feita em uma área muito ampla.

Para solucionar tais problemas propõem uma série de medidas de caráter frontalmente antidemocráticas.

Redução do número de partidos

Um dos alvos preferidos dos que defendem a redução da atividade política é a diminuição drástica do número de partidos políticos. Alegam que o país vive uma “anarquia partidária” que dificulta a governabilidade. Afirmam que a redução dos partidos visa, também, acabar com as “legendas de aluguel”.

O que pretendem, no entanto, sob falsos pretextos, é moldar o quadro partidário a uma política autoritária e elitista, monopolizada por três ou quatro grandes agremiações e algumas poucas contracenando como “oposição de esquerda”. Os defensores do golpe contra a democracia partem do falso pressuposto de que no país há um grande número de partidos políticos, o que criaria problemas para a governabilidade do país. No entanto, países como a Alemanha, França, Itália, Portugal, Espanha, Uruguai, México e Índia, não só têm um grande número de partidos como uma razoável representação deles no Parlamento. O que ocorre é que há uma grande concentração de parlamentares em alguns poucos partidos.

A Itália adotou uma variante do sistema distrital misto com a justificativa de que tal medida resolveria o problema da fragmentação partidária. Todavia, a prática desse modelo, nas condições concretas daquele país, acabou agravando a fragmentação partidária e levando à eleição de uma grande representação fascista.

A reeleição não vai aperfeiçoar a democracia. Ao contrário, nas condições concretas do Brasil, ela será um retrocesso, pois aumentará ainda mais os já amplos poderes do presidente da República
No Brasil, o quadro não é diferente (Tabela 2). Existem 16 partidos representados no Congresso Nacional, 4 deles detêm 72% das cadeiras no Legislativo. O presidente Fernando Henrique possui cinco partidos em sua base de apoio: o PSDB, o PFL, o PMDB, o PL e o PTB que somam 281 parlamentares, quase metade do Congresso Nacional. O governo tem ainda o apoio parcial em outras legendas menores. Em questões mais importantes o governo conta também com o apoio do PPB, que detém 95 parlamentares, 16% do Congresso.

Portanto, falar em ingovernabilidade no Brasil, como argumento para reduzir o número de partidos, é falsear a realidade. As dificuldades que o governo tem estão relacionadas com o fisiologismo das bases do governo e com a política do é “dando que se recebe”.

Mesmo nos países que enfrentam o problema da ingovernabilidade, a experiência tem demonstrado que não há uma relação direta entre a ingovernabilidade e o número de partidos. Em um quadro de bipartidarismo, quando existe uma diferença muito pequena na representação parlamentar, ao invés de equilíbrio, o que ocorre é a quebra da estabilidade em decorrência da pequena maioria parlamentar.

Portanto, não há consistência na argumentação, nem dados reais que possam comprovar que o número de partidos existentes no país criaria uma situação de ingovernabilidade. O que se pretende é criar condições para o exercício de um poder autoritário, que prescinde da negociação. Isto não é próprio da democracia.

O ponto de vista que defende que o número de partidos políticos deveria ser reduzido para cinco expressa uma concepção oligárquica de estrutura partidária.

A existência de um número maior de partidos é uma regra nos países democráticos. Nos 12 países analisados na Tabela 3, o México é o que tem um número menor de partidos, 11. A França tem 36, a Índia 34, a Alemanha 32, além de outros países que têm um grande número de partidos. Tomando por base a representação parlamentar dos 12 países analisados, somente 3 têm menos de 5 partidos com representação no Congresso, enquanto 9 países têm representação que vai de 6 até 27 partidos.

Há três aspectos fundamentais: afastamento do Estado da atividade econômica com prevalência das leis de mercado, golpe nas conquistas sociais dos trabalhadores e contenção dos avanços democráticos

Querer afirmar que o número de partidos atualmente existentes é fator de ingovernabilidade é o mesmo que dizer que temos excesso de democracia. Nada mais falso. Sabemos que o país carece de mais democracia não só no terreno político mas, também, nos terrenos econômico e social. As dificuldades políticas que as elites enfrentam decorrem de sua insistência em adotar políticas contrárias aos interesses da maioria e da política clientelista adotada pelo governo com sua base parlamentar.

A tentativa de reduzir drasticamente o número de partidos é, na verdade, uma medida autoritária que procura enquadrar as contradições existentes na sociedade em um quadro partidário que não corresponde à complexa situação do país. Esta iniciativa expressa o interesse das classes dominantes no sentido de manter o controle mais rigoroso do poder, através de sua maior elitização e da redução da já parca representação dos setores populares na atividade política (Tabela 4). Historicamente tem havido uma queda na votação dos partidos conservadores. Segundo estudo da revista Retrato do Brasil, a votação dos partidos conservadores em 1945 era de 77% do total dos votos válidos. Em 1982 caiu para 38%. Nas eleições de 1962 o PSD e a UDN elegeram 54% dos deputados federais, enquanto em 1945 haviam conquistado mais de 80%. Este declínio foi, sem dúvida, uma das causas do golpe militar em 1964.

No período mais recente o crescimento da representação progressista no Congresso Nacional e a possibilidade da vitória de Lula para a Presidência da República colocaram as elites brasileiras em pânico. Elas concluíram que tornava-se urgente uma alteração no quadro partidário que permitisse um maior controle da situação e do poder político.

Na verdade o problema político brasileiro não diz respeito ao excesso de partidos. O próprio processo democrático se encarrega de selecionar os partidos que têm compromisso com a sociedade dos “partidos de aluguel”, excluindo esses últimos do quadro político. O PRN é um bom exemplo. Criado às vésperas da eleição de 1989, chegou a possuir 46 parlamentares em 1991, em 1994 elegeu apenas 1 deputado e agora não possui mais representação no Congresso.

O problema, portanto, não está no número de partidos mas, sim, na debilidade dos partidos existentes. Esta debilidade se relaciona com a própria fragilidade do sistema democrático brasileiro. O País viveu grandes períodos de regime autoritário permeados por algumas fases de liberdades políticas.
Nos períodos autoritários os partidos foram extintos e a liberdade de expressão e manifestação forma duramente cerceadas. Durante o regime militar criaram-se dois partidos na vã tentativa de controlar o processo político brasileiro. O avanço da luta democrática foi progressivamente rompendo este quadro limitado. O regime militar, por seu lado, foi procurando adotar novas medidas para restringir o quadro partidário, impondo os senadores e governadores biônicos em 1977 e tentando adotar o voto distrital misto e a cláusula de barreira.

Mesmo durante os períodos de liberdades políticas, o Executivo, com poderes altamente concentrados em suas mãos, interfere seriamente na vida partidária através da política do “é dando que se recebe”. A consolidação dos partidos passa pela consolidação da própria democracia no Brasil, com um maior equilíbrio entre os poderes da União, com a ampliação do grau de organização da sociedade civil e com a criação de condições onde a manifestação da vontade da maioria da sociedade possa se expressar livremente.

A existência de um número maior de partidos é regra nos países democráticos. Afirmar que o número de partido existentes no Brasil é fator de ingovernabilidade é dizer que temos excesso de democracia. Nada mais falso

As tentativas de redução do número de partidos ferem o princípio constitucional do pluralismo político e partidário. Esta é uma das pedras angulares do sistema democrático.
Pretende-se impor uma camisa de força ao sistema político partidário, adotando um sistema semelhante ao alemão. É necessário romper com a mentalidade colonialista de transplante de modelos. Antes se tomou como paradigma o modelo norte-americano, agora o que está na ordem do dia é o modelo alemão. Isto é feito sem levar em conta as profundas diferenças econômicas, sociais e políticas entre esses dois países e o Brasil.

O Brasil é um país continental, repleto de contradições e o seu sistema partidário tem que espelhar essa realidade. Fora disso, é criar um sistema político completamente distante da nossa realidade e que entrará em contradição com as aspirações da maioria do povo brasileiro.
Para atingir o objetivo de reduzir o número de partidos, os neoliberais propõem alterações no sistema eleitoral, já que este tem conseqüências importantes sobre o sistema partidário. Pretende-se adotar no Brasil o sistema distrital misto.

Voto distrital misto

As elites brasileiras estão unidas na defesa da adoção do voto distrital misto, duro golpe lançado contra a democracia. Nesta “canoa furada” embarcaram “ingenuamente”, também, alguns setores de partidos progressistas. Perplexos diante das contradições e da crise do capitalismo assim como dos insucessos momentâneos das idéias socialistas, sucumbem à pressão neoliberal. Passam a defender, com atenuantes, estas medidas que visam a restringir o espaço das forças progressistas para dar maior estabilidade ao regime.

Para compreendermos melhor a natureza da questão em debate é importante analisarmos a diferença entre os diversos sistemas eleitorais.

O sistema majoritário (distrital) é adotado com variações nos seguintes países: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Inglaterra e França. No sistema eleitoral majoritário, o país é dividido em distritos, sendo eleito o candidato mais votado em cada distrito. Este sistema distorce a vontade dos eleitores e reduz drasticamente a representação das minorias, mesmo sendo elas expressivas. Isto porque, por hipótese, um partido que obtenha 51% dos votos em 10 distritos assegura 10 cadeiras no parlamento. Enquanto outro partido que obtiver 49% dos votos não terá nenhuma cadeira.

Tal distorção se expressou, por exemplo, em 1974 na Inglaterra, quando o Partido Liberal obteve 19,3% dos votos e ficou somente com 2,2% das cadeiras na Câmara dos Comuns.
A adoção do voto distrital misto representa um sério golpe na democracia brasileira, levando à extinção os partidos menores e à construção de um sistema autoritário de poucos partidos políticos
O sistema majoritário tem raízes na concepção medieval da representação territorial. Desde o século XIII os delegados dos condados eram convocados pelo Rei da Inglaterra para dar seu consentimento aos novos impostos a serem cobrados. A representação majoritária, portanto, é fortemente vinculada à noção de representação territorial. Os deputados representam mais os interesses regionais do que interesses sociais presentes em toda a sociedade.

No sistema proporcional os partidos elegem um número de parlamentares proporcionalmente à quantidade de votos obtidos. Assim, um partido que obtiver 30% dos votos terá aproximadamente a representação de 30% dos parlamentares. Este é o sistema que vigora no Brasil e é adotado também na Áustria, Suécia, Dinamarca, Islândia, Irlanda, Holanda, Suíça, Finlândia, Israel, Portugal, Bélgica, Noruega, Luxemburgo, Grécia e Espanha.

No sistema eleitoral distrital misto, adotado pela Alemanha, metade dos parlamentares é eleita pelos distritos eleitorais e a outra metade é eleita pelo sistema proporcional. O eleitor vota duas vezes. Uma no candidato do distrito e outra na lista partidária. Lista esta elaborada pelos caciques de cada partido.
No sistema alemão somente os partidos que obtiveram pelo menos 5% dos votos dados na lista ou venceram no mínimo em 3 distritos terão representação no parlamento.

Os países que adotaram o sistema proporcional optaram por esta alternativa após uma longa experiência do sistema majoritário (distrital). São exemplos de substituição do sistema majoritário pelo proporcional: Áustria (1919), Bélgica (1899), Dinamarca (1918), Finlândia (1906), Suécia (1907) e Suíça (1890).

Na Inglaterra existe um forte movimento pela substituição do sistema majoritário. Lá, os conservadores conquistaram 57% das cadeiras, tendo obtido 42% dos votos, enquanto os liberal-democratas, que receberam 22% dos votos, obtiveram somente 3% dos lugares do Parlamento.

“Pela cláusula de barreira somente os partidos que obtiverem pelo menos 5% dos votos dados à lista ou vencerem no mínimo em 3 distritos terão representação parlamentar”

O Partido Trabalhista da Inglaterra, ao perceber a distorção do processo político provocado pelo sistema eleitoral majoritário, incorporou em seu estatuto a luta pela implantação do sistema eleitoral proporcional.

Entre os países que adotam o sistema distrital puro (Tabela 5), apenas dois partidos obtêm mais de 5% das cadeiras no parlamento. Tal sistema reforça enormemente o bipartidarismo. Já nos países onde o sistema é proporcional, há um número maior de partidos que conseguem mais de 5% de representação parlamentar. Na Alemanha onde se adota o voto distrital misto somente 3 partidos conseguiram mais de 5% de representantes no Parlamento.
No Brasil o voto distrital foi adotado por cerca de 70 anos durante o Império e a República Velha. A Revolução de 1930, representando um avanço democrático, acabou com o sistema distrital e implantou o sistema proporcional.

Durante o Estado Novo foi restabelecido o voto distrital, numa confirmação de que o voto distrital no Brasil anda de braços dados com o autoritarismo. O sistema proporcional retorna com a democratização do país através da Constituição de 1946. No regime militar foram feitas várias tentativas para introduzir o voto distrital misto. A emenda constitucional n. 22, de junho de 1982, de iniciativa do General Figueiredo, estabeleceu o voto distrital misto; no entanto não foi colocada em prática. Com o fim do regime militar o Congresso Nacional revogou, em maio de 1985, esse entulho autoritário. Isto demonstra que o voto distrital puro ou misto, no Brasil, expressa a concepção política do autoritarismo, enquanto o sistema proporcional representa o avanço democrático.

Discutindo a questão do sistema eleitoral brasileiro o ex-presidente Tancredo Neves fez a seguinte afirmação:

“(…) tenho para mim, com base em minha longa experiência de vida pública, sobretudo encarando o aspecto da realidade sócio-econômica do Brasil, que o sistema proporcional é o único capaz, como instrumento de ação política, de promover a rápida democratização das estruturas e das instituições brasileiras. O sistema proporcional é realmente uma ação política que determina que as resistências reacionárias, conservadoras e imobilistas têm que ceder à pressão das reivindicações populares fazendo com que a História siga sua marcha implacável” (4).

Os defensores da adoção do voto distrital misto afirmam que ele deve ser implantado no país porque permite uma maior aproximação com o eleitorado, retira o conflito existente entre os candidatos de um mesmo partido e reduz os custos de campanha.

Os argumentos são frágeis e não revelam o objetivo fundamental de sua adoção que é a drástica redução dos partidos políticos com sérias conseqüências para o processo democrático.
Defender tal sistema porque ele aproximaria o parlamentar de sua base não corresponde aos fatos, já que todo parlamentar, por mais votos dispersos que possua, tem sempre uma base fundamental de sustentação de sua candidatura com a qual ele mantém estreitos vínculos. É evidente que o parlamentar representante de grupos econômicos não estará preocupado em se vincular com suas bases até porque sua eleição depende do poder do dinheiro e não do vínculo com seus eleitores.

A questão do conflito entre as candidaturas de um mesmo partido não decorre do sistema eleitoral adotado, mas sim da existência de uma lista aberta de candidaturas, conforme estudo do Professor Jairo Marconi Nicolau (5). No entanto, a adoção de listas partidárias fechadas e dos candidatos distritais trará uma séria disputa interna nos partidos em que os caciques procurarão impor seus candidatos.

Quanto à questão dos custos de campanha, o voto distrital agrava a influência do poder econômico, porque restringe a área de disputa e possibilita que um candidato, com maior volume de dinheiro, possa ali concentrar seus recursos. Sobre o assunto Tancredo Neves afirmou que no distrito
“com a área eleitoral delimitada, o governo e o poder econômico dispõem de mil e um instrumentos para tornar inelegível e impedir a eleição de um representante do povo que venha a tornar-se incômodo não só para os interesses do governo, como para os interesses do poder econômico nacional”.
Esta é a questão crucial. As elites dominantes não querem parlamentares independentes e, por isto mesmo, incômodos aos interesses do governo e do poder econômico.

O voto distrital misto atenua, mas não soluciona os problemas apresentados pelo voto distrital puro. Ele reduz pela metade o número de cadeiras a serem disputadas pelo sistema proporcional. Restringe as possibilidades eleitorais dos partidos que têm seus candidatos eleitos pelo voto de opinião.
Por outro lado, há uma vinculação política entre o voto do candidato distrital e o voto da lista partidária.
Os candidatos distritais e o partido tratarão de fazer essa vinculação. A adoção do voto distrital misto traz graves consequências para o sistema político brasileiro:

1- Distorce a vontade popular. O resultado do processo eleitoral não expressa a vontade de uma parcela ponderável do eleitorado já que metade das cadeiras serão eleitas pelo voto distrital.

2- Golpeia o voto de opinião. Cada vez mais a sociedade se expressa através de opiniões que perpassam o conjunto do país. Assim são as idéias que defendem a soberania nacional, os direitos dos trabalhadores, os direitos das mulheres, dos negros, dos que defendem o meio ambiente. O voto distrital golpeia, portanto, as correntes de pensamento existentes na sociedade que contribuem para o avanço do processo democrático.

3- Aniquila as minorias. O voto distrital misto é profundamente antidemocrático porque ele se volta contra as minorias. A existência das minorias é parte integrante do processo democrático. Golpear as minorias é cercear a própria democracia, particularmente quando essas minorias representam os interesses da maioria do povo brasileiro. Tancredo Neves se manifestou favorável ao sistema proporcional porque ele “assegura a representação das minorias. Onde as minorias não se fazem representar ou se fazem representar de forma injusta, inadequada e não correta, a representação está mutilada, a representação deixa realmente de expressar o que deve significar”.

4- Dificulta a representação das forças populares. Os setores populares que não dispõem de recursos e que têm o voto disperso no conjunto da sociedade ficarão prejudicados. Com isto haverá uma elitização ainda maior do Parlamento.

5- Dificulta a eleição de democratas. Todo candidato, de diferentes matizes políticos, que não dispõe de recursos, cuja votação é dispersa em nível estadual, tem sua eleição comprometida. É errôneo imaginar que a adoção deste sistema irá prejudicar somente os candidatos progressistas. Prejudica qualquer político que defende idéias e que não é testa-de-ferro de grupos econômicos.

6- Regionaliza as eleições afastando dos debates os grandes temas políticos nacionais. As eleições para o Congresso Nacional têm que se voltar para as grandes questões do país e não se restringir apenas em disputas paroquiais e locais.

7- Fortalece o caciquismo político. A adoção do voto distrital misto debilita o papel dos eleitores e das bases partidárias. Fortalece as cúpulas partidárias que indicarão o candidato no distrito e elaborarão a lista eleitoral.

“O único objetivo de se proibir a realização de coligações para eleições parlamentares é impedir que se elejam candidatos expressivos de partidos que isoladamente não conseguem atingir o quociente eleitoral”

8- Agrava a influência do poder econômico. Ao delimitar a eleição a um distrito o sistema permite que o candidato endinheirado gaste um volume maior de recursos num território bem menor. Por outro lado os candidatos endinheirados terão maiores possibilidades de conseguir lugares destacados nas listas partidárias dos partidos conservadores em decorrência do seu poderio econômico.

9- Cria sérios problemas na divisão dos distritos. A divisão dos Estados em distritos eleitorais será um instrumento a mais nas mãos das elites para favorecer seus candidatos. É ilusória a idéia de que o distrito corresponderá a área de influência de determinado candidato. Isto dependerá do jogo de influências que se dará na definição dos distritos.

Em 1958, quando De Gaulle instituiu o voto distrital na França para beneficiar a direita, formou-se distritos constituídos por bairros de uma grande cidade de tendência oposicionista com a região rural próxima, controlada pelo governo. A manipulação foi tão grande que se criou um distrito para garantir a eleição de Marcel Dassault, o fabricante dos aviões Mirage.

Em síntese, a adoção do voto distrital misto representa um sério golpe na democracia brasileira. Se implantado, leva à extinção os partidos menores e à construção de um sistema autoritário de poucos partidos, deixando uma parcela ponderável da sociedade sem representação política. Cláusula de barreira

Outro mecanismo que se pretende adotar para elitizar mais ainda a representação política em nosso país é a “cláusula de barreira”. Por esta regra somente os partidos que obtiverem pelo menos 5% dos votos dados à lista ou vencerem no mínimo em 3 distritos terão representação parlamentar. Como se percebe, a combinação do voto distrital com a “cláusula de barreira” conduz a um estrangulamento das minorias no Brasil.

A idéia de introduzir a “cláusula de barreira” na legislação brasileira vem do período do regime militar. O General Médici fez constar na Constituição de 1967 o índice de 10% dos votos válidos como o mínimo que um partido político deveria atingir para permanecer em funcionamento. Na Constituição de 1969 esta cláusula foi reduzida para 5%, tendo sido mantida neste patamar com o pacote de abril de 1978. No entanto, a emenda constitucional n. 2, de 22 de junho de 1982, suspendeu sua vigência para a eleição daquele ano.

Se as exigências do artigo 14 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, que estabeleceram a “cláusula de barreira” em 5%, tivessem sido aplicadas nas eleições de 1990, somente 8 partidos teriam direito à constituição de bancada na Câmara dos Deputados. Ainda assim estes teriam direito à constituição de uma bancada na Câmara dos Deputados. Ainda assim estes teriam que satisfazer o segundo critério: ter conseguido votação de no mínimo 2% do eleitorado em 9 estados.
Se tais exigências tivessem sido aplicadas às eleições de 1982 para a Câmara dos Deputados, não teriam assento naquela casa o PDT, PTB e o PT, que obtiveram respectivamente 4,94%, 3,77% e 3,01% dos votos.

O professor Wanderley Guilherme dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que:
“em filosofia política é dificílimo justificar qualquer legislação extinguindo partidos ou impondo barreiras à representação. A pedra fundamental do sistema representativo estipula que os eleitores não podem transferir a seus representantes senão aqueles poderes que possuem. Entre estes não se incluem o de determinar a eliminação de outros partidos ou de obrigar, à migração partidária, candidatos eleitos por partidos diferentes dos seus. Se se oferecer como pretexto para violência a falha de alcançar algum patamar de votos, então a violência tem nome: tirania da maioria no primeiro caso; estelionato eleitoral no segundo”.

Proibição das coligações proporcionais

Este é outro mecanismo que, combinado com o voto distrital misto e a “cláusula de barreira”, formam o conjunto de medidas tendentes a golpear as minorias e a democracia.
O único objetivo de se proibir a realização de coligações para eleições parlamentares é impedir que se elejam candidatos expressivos de partidos que isoladamente não conseguem atingir o quociente eleitoral.

Como se sabe, na legislação atual, os eleitos não são necessariamente os mais votados. Mas, sim, os mais votados do partido ou da coligação que fizer o quociente eleitoral. E o quociente eleitoral é definido contando inclusive os votos em branco.

A contagem dos votos embranco para definir o quociente eleitoral é um casuísmo existente somente na legislação eleitoral brasileira. Seu objetivo é dificultar que os partidos menores atinjam o quociente eleitoral e assim elejam seus representantes.

A decisão de coligar ou não é uma decisão política. Nenhum partido está obrigado a se coligar, seja
nas eleições majoritárias ou proporcionais. Se por uma ou outra razão esta coligação não é do interesse de determinado partido basta que ele decida livremente não se coligar. O inadmissível é querer incorporar uma proibição legal às coligações proporcionais. O objetivo desta medida é dificultar, ao máximo, a representação parlamentar dos pequenos partidos.

“A proposta de perda de mandato, em decorrência do parlamentar não ter seguido orientação partidária, é uma pena excessivamente severa…”

As lideranças dos grandes partidos, em particular o Deputado João Almeida, do PMDB/BA, pretendem introduzir a proibição das coligações proporcionais na legislação eleitoral que regulamentou as eleições municipais de 1996. Não conseguindo plenamente seu objetivo, incorporaram ao texto da lei inúmeras dificuldades para a coligação proporcional. Dentre elas destacam-se a obrigatoriedade de coligação na majoritária, quando coligado na proporcional, e a manutenção do mesmo número de vagas para a disputa das eleições parlamentares, em caso de coligação proporcional. O resultado prático destas medidas: criar maiores dificuldades para as coligações proporcionais. Mas os defensores do golpe contra as pequenas legendas anunciam que a proibição completa de coligações proporcionais deverá ser adotada na chamada reforma política.

É inacreditável também que membros de partidos progressistas estejam adotando este conjunto de teses que se voltam contra a democracia e contra as forças populares.

Fidelidade partidária e voto facultativo

Sob a alegação de que é necessário assegurar a coesão partidária defende-se hoje a perda de mandato do parlamentar que não seguir a orientação partidária. Em primeiro lugar há que se destacar que a coesão partidária decorre da unidade política em torno de um programa claramente definido. É esta unidade que assegura a coesão de um partido. As medidas tendentes a assegurar a disciplina interna do partido devem ser reguladas pelos estatutos de cada agremiação e não por uma forma que interfira no livre funcionamento partidário.

Por outro lado, cabe ressaltar que a proposta de perda de mandato, em decorrência do parlamentar não ter seguido a orientação partidária é uma pena excessivamente severa até porque se o parlamentar deve explicações ao seu partido ele também as deve ao seu eleitorado. E diante desta contradição, ele poderia ser obrigado a fazer uma opção de ficar contra o seu eleitorado, seguindo uma orientação partidária que fere os interesses do povo.

Quanto ao voto facultativo, há que se levar em conta as condições concretas de nosso país. Não estamos num país altamente desenvolvido e com um grau de formação política e cultural elevados. Em sociedades desse tipo o exercício da cidadania, através do voto, deixa de ser uma obrigação para ser um direito que o cidadão procura exercer em seu interesse.

Nas condições concretas do Brasil a adoção do voto facultativo teria como conseqüência uma redução grande do número de eleitores. E o que é mais grave, ampliaria a influência do poder econômico no processo eleitoral.

Os candidatos endinheirados procurarão atrair o eleitor para votar à custa do poder do dinheiro. Isso agravará, em muito, as distorções inerentes ao processo político.

Por isto mesmo, a adoção do voto facultativo, ao invés de ampliar a democracia, iria atrofiá-la, reduzindo em muito o número de cidadãos participantes do processo político. Reforma democrática do Estado
A crítica à reforma política apresentada pelos setores neoliberais não significa uma concordância com a atual estrutura do Estado brasileiro. O problema não está em reformar ou não reformar, mas sim em reformá-lo para ampliar ou para restringir a democracia.

Uma questão-chave na democracia é a soberania popular. A democracia se exercita, de fato, quando o povo tem mecanismos eficientes para expressar sua vontade.

O Estado brasileiro é elitista, representativo das minorias. A maioria da sociedade, os trabalhadores, têm uma representação inexpressiva nas instituições políticas brasileiras. Basta analisar o número de representantes dos trabalhadores no Congresso Nacional (Tabelas 6 e Tabela 7).
A democratização do país, portanto, se expressa pela criação de mecanismos que ampliem a representação política do conjunto da sociedade no Estado brasileiro.

Vários fatores contribuem para que haja uma distorção do processo político brasileiro, limitando a representação das maiorias sociais transformadas em minorias políticas. Um deles é a influência do poder econômico no processo eleitoral.

A crítica à reforma política apresentada pelos setores neoliberais não significa uma concordância com a atual estrutura do Estado brasileiro. O problema não está em reformar ou não reformar, mas sim em ampliar ou restringir a democracia

Os grupos econômicos financiam as candidaturas e com isso garantem o perfil da maioria da representação parlamentar. Para reduzir a dependência da representação política, em relação ao poder econômico, torna-se necessário adotar medidas no sentido de combater a influência do poder do dinheiro no processo eleitoral. Torna-se imprescindível o estabelecimento de limites para os gastos com campanha, obrigando a divulgação das fontes financiadoras.

Outro fator de grave distorção é a manipulação da mídia em favor dos candidatos que representam grupos econômicos. Os meios de comunicação recebem concessão do poder público. Em decorrência disto o Estado tem o direito e o dever de estabelecer normas disciplinadoras da difusão do processo político, assegurando a veiculação das idéias diferenciadas existentes na sociedade, não somente nos horários eleitorais.

É inaceitável que tais meios sejam utilizados meramente para obter fontes de lucro, pouco contribuindo para a formação cultural e política do povo. Torna-se indispensável a democratização neste setor. A influência dos meios de comunicação, e me particular da Rede Globo de Televisão, na formação da consciência das pessoas condiciona seriamente todo o processo político.

É indispensável combater a tentativa de acabar com o horário eleitoral gratuito, importante conquista democrática. Os concessionários dos meios de comunicação querem liquidar com o horário para aumentar os seus lucros e manipular livremente a consciência dos cidadãos. No Brasil além dos meios de comunicação serem totalmente livres para fazer sua programação, eles não pagam praticamente nada pela concessão recebida.

É necessário estabelecer diretrizes para a atividade dos meios de comunicação, particularmente no período das campanhas eleitorais, com a adoção de medidas rigorosas para que tais meios não favoreçam alguns candidatos em detrimento de outros.

A adoção do voto em branco para definir o quociente eleitoral é outro casuísmo antigo. Não se conhece exemplo na legislação de outros países do mundo em que o voto em branco seja contado para definir o quociente eleitoral. O resultado disso é que a contagem do voto branco eleva em muito o quociente eleitoral e impede que os partidos pequenos elejam seus candidatos.

Até 1988 as Constituições brasileiras não tratavam da questão dos votos válidos. Ao incluir a eleição em dois turnos, a Constituição de 1988 definiu que os votos nulos e brancos não são votos válidos para as eleições dos candidatos a presidente, governador e prefeitos de cidades de mais de 200 mil habitantes. Com isto criou-se uma situação absurda em que mesmo no sistema eleitoral o voto branco é válido para a contagem do quociente eleitoral para as eleições parlamentares e não é válido para as eleições majoritárias referidas.

O pano de fundo dessa questão é, evidentemente, político. Tal mecanismo favorece os partidos maiores que se beneficiam das sobras eleitorais ou coligações que não atingem o quociente eleitoral.
A retirada do voto branco, na definição do quociente eleitoral, é uma importante medida no sentido de aperfeiçoar o sistema eleitoral proporcional no país.

Temos que fazer reformas, mas para aprofundar a democracia, para combater a influência do poder econômico e paral limitar a influência dos meios de comunicação no processo político.
Os fatos comprovam que está em curso um grave atentado contra a democracia no Brasil.
O povo brasileiro, sabedor do caráter antinacional, anti-social e antidemocrático das reformas, necessita se mobilizar para impedir o retrocesso de tão graves conseqüências para o país.

De imediato, a questão-chave é a luta contra a reeleição, ponta de lança da reforma política antidemocrática. A vitória, neste terreno, será de uma grande importância para a luta geral contra o projeto neoliberal.

As forças democráticas necessitam se unir com amplos setores da sociedade para lutar contra a reeleição do presidente da República e contra a reforma antidemocrática do Estado brasileiro. É necessário defender as conquistas políticas incorporadas na Constituição de 1988 e lutar por uma reforma democrática do Estado brasileiro.

* Deputado federal pelo PCdoB/GO.

Notas

(1) Jornal Sete Dias da Semana, de 8 de outubro de 1996, Brasília-DF.
(2) BORON, Atílio A. Estado, Capitalismo e Democracia na América Latina, Paz e Terra.
(3) SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Regresso: Máscaras Institucionais do Liberalismo Oligárquico, Ópera Nostra.
(4) Modelos Alternativos de Representação Política no Brasil e Regime Eleitoral, 1821-1921, Cadernos da UnB, Pronunciamento de Tancredo Neves em setembro de 1980.
(5) NICOLAU, Jairo Marconi. Sistema Eleitoral e Reforma Política, Foglio.

EDIÇÃO 43, NOV/DEZ/JAN, 1996-1997, PÁGINAS 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53