Trabalho e capital monopolista vinte anos depois
Uma medida de influência de Harry Braverman e da maioria dos analistas do processo radical de trabalho é o fato de que, duas décadas depois da publicação de Labor and monopoly capital: the degradation of work in the twentieth century (Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX), já é difícil recordar a confiança absoluta com que a visão ortodoxa das relações de trabalho era adotada nos primeiros anos após a II Guerra Mundial. Nesta época, a interpretação predominante do trabalho na sociedade moderna era a de Clark Kerr, John Dunolp e de outros co-autores do livro Industrialism and industrial man (Industrialismo e o homem industrial), publicado em 1960. Esses teóricos forneceram uma descrição da sociedade industrial, que pode ser resumida do seguinte modo: 1) a industrialização substitui o capitalismo; 2) a nova tecnologia requer níveis crescentes de habilidade e responsabilidade; 3) uma crescente proporção de pessoal tecnológico e de chefia está transformando as relações de classe; 4) a nova riqueza e ócio significam melhora do bem-estar e não aumento da miséria; 5) há declínio do protesto público; 6) um grande papel é assumido por administradores de empresas e profissionais humanistas, que constituem a ”vanguarda” do futuro; 7) o Estado é onipresente, e a indústria moderna demanda a burocratização; 8) as classes são eternas; 9) há muitas estradas para o industrialismo; 10) o industrialismo é pluralístico e o poder, difuso.
“Uma das ameaças centrais da sociedade industrial”, declaram Kerr e seus co-autores, “é a inevitável e eterna separação dos homens da indústria entre comandantes e comandados” (1).
Nesta visão ortodoxa, mudanças tecnológicas na organização da produção eram socialmente neutras. Como o sociólogo Robert Blauner argumentou em seu influente estudo Alienation and freedom (Alienação e liberdade), escrito em 1964, a mudança tecnológica era conformada por três fatores: o estado dos processos científico e mecânico; a natureza do produto e a engenharia; e recursos econômicos específicos de cada empresa. O fato de classes ou formas de conflito social poderem afetar a mobilização tecnológica era simplesmente excluído de análise.
A insatisfação não era inteiramente ignorada na visão ortodoxa das relações de trabalho, mas era vista como decrescente e não contraditória com a realidade de aumento dos níveis de habilidade, chefias mais humanísticas e difusão do poder e responsabilidade. “A alienação”, escreveu Blauner, “realizou um percurso que pode ser mapeado em um gráfico como uma curva em U invertido”. E sugeriu que a alienação alcançou a altura máxima com as linhas de montagem do início do século XX; no entanto, à medida que mais e mais indústrias tornaram-se automatizadas, a alienação foi diminuindo – daí o U invertido. “O trabalhador médio”, afirmou Blauner, “é capaz de se ajustar a um trabalho que, do ponto de vista de um intelectual, parece ser a epítome do tédio”. Por esse motivo, “estudos empíricos mostram que a maioria dos trabalhadores da indústria estão satisfeitos com seus empregos e a forma de trabalho”. Os estudos empíricos a que ele se referia consistiam em numerosos questionários aplicados em várias indústrias por sociólogos e organizações de negócios preocupadas com a questão da insatisfação no trabalho (2).
Nesta visão ortodoxa, a alienação deixa de ser um problema social. Ainda assim, mesmo aqueles que defendiam com ímpeto essa idéia consideravam difícil fazê-lo de forma consistente. Assim Blauner observou, de modo um tanto tortuoso, que “o trabalhador típico na sociedade moderna industrial é provavelmente satisfeito e auto-alienado” (3).
De acordo com a visão ortodoxa das relações de trabalho, o trabalhador típico na moderna sociedade industrial é provavelmente satisfeito e auto alienado
De fato, é aqui que a aproximação ortodoxa começa a encontrar problemas. No final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, a alienação tornou-se um assunto quente, e não só entre acadêmicos. Uma Special Task Force (força- tarefa especial), selecionada pelo secretário da Saúde, Educação e Bem-Estar do governo norte-americano, declarou em seu relatório de 1973, intitulado “Work in America” (Trabalho na América):
“Significante número de trabalhadores americanos estão insatisfeitos com a qualidade de sua vida profissional. Como resultado, a produtividade do trabalhador é baixa – medida por faltas, média de substituições, sabotagem, produtos de baixa qualidade e relutância dos trabalhadores em se entregar ao trabalho”.
Um consultor citado no New York Times explicou o aumento na manifestação ativa da insatisfação no trabalho da seguinte forma: “Podemos ter criado mais trabalhos estúpidos do que o número de pessoas estúpidas para os ocuparem” (4).
Para Harry Braverman, que teve os insights críticos de quem viveu muito tempo como trabalhador, na função de caldeireiro de cobre, tudo isto ilustra apenas a contradição básica da aproximação ortodoxa ao trabalho e às ocupações. Conforme explicou na página de abertura de seu livro:
“Quanto mais leio na literatura formal e informal sobre as ocupações, mais percebo a contradição que marca muitos dos escritos na área. Por um lado, enfatiza-se que o trabalho moderno, como resultado da revolução técnico-científica e da “automação”, requer cada vez amis níveis altos de educação, treinamento, maior exercício da inteligência e esforço mental em geral. Ao mesmo tempo, uma crescente insatisfação com as condições de trabalho na indústria e nos escritórios parece contradizer esta visão. Diz-se também que (às vezes as mesmas pessoas que em outras épocas sustentaram a primeira visão) o trabalho tornou-se cada vez mais subdividido em operações insignificantes, que falham em sustentar o interesse ou engajar a capacidade de pessoas com o nível atual de educação; que estas operações insignificantes demandam ainda menos habilidades e treinamento; e que a moderna inclinação do trabalho “descerebrado” e “burocratizado” está “alienando” setores ainda maiores da população operária”.
Não seria exagero dizer que, no processo de investigar esta contradição, Braverman virou de cabeça para baixo as considerações prevalecentes relativas ao processo de trabalho, colocando a posição ortodoxa na defensiva, em um grau surpreendente dentro dos círculos da ciência social. Nos últimos vinte anos, os principais estudos sobre os processos de trabalho não tinham como objetivo central determinar se as antigas concepções ortodoxas de trabalho estavam corretas, mas as forças e as fraquezas da análise de Braverman. Inspirado em Braverman surgiu todo um corpo de literatura, conhecido como “debate sobre os processos de trabalho”. Na Inglaterra foi forjado o termo “bravermania” (6). Eis uma medida de duradoura influência de Braverman: num período de cinco anos, de 1976 a 1980, o Social science citations index (Índice de Citações da Ciência Social) listou cerca de quinhentas citações no Labor and monopoly capital; e em 1992 e 1993, quase vinte anos depois da publicação da obra-prima de Braverman, ainda se encontram ali cerca de duzentas citações.
Nestes tempos conservadores, vemos mais uma vez a visão ortodoxa reafirmar-se, mas não com a confiança absoluta com que era mantida antes de Braverman. As interpretações afastam-se das teorias deste autor. Muitos estudiosos o criticam, insistindo que ele enfatizava indevidamente a des-habilitação e negligenciava a re-habilitação; que ele não dava atenção ao lado subjetivo do trabalho e às disputas; ressaltava o crescimento de técnicas humanísticas de gerenciamento (que supostamente qualificam os resultados de Braverman); e que o taylorismo (que Braverman analisou de forma tão devastadora) era meramente um estágio (agora ultrapassado) nas relações entre trabalhador e gerência (7).
“Braverman virou de cabeça para baixo as considerações prevalecentes relativas ao processo de trabalho, colocando a posição ortodoxa na defensiva”
Para responder a estas críticas é necessário olhar de perto o desenvolvimento do argumento de Braverman. O poder e a coerência de Labor and monopoly capital não derivam se sua absoluta originalidade, mas do fato de que desenha uma crítica do processo de trabalho no capitalismo – sob a influência de Marx, cujas idéias tinham na época mais de cem anos – e aplica estas críticas às condições específicas que caracterizam o estágio de monopólio do capitalismo no século XX.
“Minar as habilidades dos trabalhadores era uma das características fundamentais do desenvolvimento capitalista”
Em Industrialism and industrial man, Kerr, Dunlop e seus colaboradores, formularam seu próprio conceito de trabalho na sociedade industrial como uma refutação da “interpretação marxista” do desenvolvimento capitalista, que apontava para a “degradação do operário da indústria”. “Uma interpretação do processo de industrialização [como a de Marx], desenvolvida durante os primeiros estágios da primeira instância da industrialização, não deve ser apoiada ou aplicável depois de um século de experiência”. Nesta visão ortodoxa, Marx estava simplesmente errado ao observar:
“(…) a destruição da hierarquia dos trabalhadores especializados na sociedade pré-industrial e sua nivelação de habilidade, número menor de trabalhadores com habilidades, engenheiros e gerentes, e o uso de mulheres e crianças para aumentar o número de trabalhadores não-habilitados” (8).
Braverman contrapôs-se a isto, demonstrando mais uma vez, por meio de uma análise histórica renovada que se estende pelo século XX, que minar as habilidades dos trabalhadores era uma das características fundamentais do desenvolvimento capitalista.
A análise de Braverman, como a de Marx, começa com a distinção entre trabalho e força de trabalho. Quando o trabalhador é contratado para um emprego o que está vendendo em troca de pagamento “não é uma quantidade combinada de trabalho, mas o poder de trabalho durante um período de tempo”. Como ser humano, o que ele leva para o trabalho é o “infinitamente maleável caráter do trabalho humano”. Sobre o fato de os trabalhadores, levados pela necessidade, terem sido forçados a vender sua força de trabalho, Braverman escreve:
“(…) o trabalhador também entrega seu interesse no processo de trabalho, que então se torna ‘alienado’. O processo de trabalho torna-se responsabilidade do capitalista (…). E torna-se essencial para o capitalista que controla o processo de trabalho passá-lo das mãos do trabalhador para as suas. Esta transição apresenta-se na história como a progressiva alienação do processo de produção, e para o capitalista apresenta-se como o problema do gerenciamento” (9).
Assim, sob o gerenciamento do capitalismo, o processo de trabalho assume a forma de guerra por outros meios. Ele “empresta do primeiro a caracterização que Clausewitz dedicou à guerra: é “um movimento num meio resistente” porque envolve o controle de massas refratárias” (10). O objetivo do gerenciamento nesta guerra é minimizar o custo da força de trabalho por unidade de produção. Isto significa que deve ser pago o mínimo possível pela habilidade dos trabalhadores, e estes devem ser levados a trabalhar o máximo possível.
A divisão do trabalho foi tradicionalmente concebida nos termos de Adam Smith: economias no trabalho são obtidas através da maximização do aprendizado adquirido com o fazer. A idéia é que cada trabalhador torna-se mais apto numa tarefa quando o trabalho é subdividido, sendo que cada trabalhador deve ser responsável por uma só operação. No famoso exemplo de Smith da fabricação de alfinete, “um homem puxa o arame, outro o estica, um terceiro o corta, o quarto faz a ponta” etc.
Entretanto, para Braverman, assim como para Marx, a chave para entender o desenvolvimento de tal divisão detalhada do trabalho sob o capitalismo deve ser encontrada não no “aprender fazendo” de Smith, mas em um princípio alternativo, enunciado pela primeira vez pelo teórico do gerenciamento Charles Babbage, no começo do século XIX. Babbage sugere que a divisão detalhada do trabalho no capitalismo é em geral estabelecida para minimizar o aprendizado, a força e a destreza requeridas pelos diferentes trabalhos: quanto mais detalhada a divisão do trabalho e quanto mais o trabalho for subdividido (o que também significa subdivisão do trabalhador), menor o nível de habilidade requerido pela maioria das tarefas.
Este processo de desabilitação tende a reduzir o custo da unidade de trabalho, pois ocorre: 1) diminuição do custo total associado ao trabalhador com habilidades; 2) aumento do controle da gerência em todos os níveis com o objetivo expresso de fazer os trabalhadores trabalharem mais; 3) simplificação das tarefas individuais ao ponto do trabalhador tornar-se facilmente substituído por outros trabalhadores ou máquinas, o que cria mais competição entre eles, consequentemente, diminuiu seu preço. Ao perceber que tornar o trabalho mais simples é também torná-lo mais barato, Babbage atingiu o ponto central da lógica da evolução da divisão do trabalho sob o capitalismo. Como escreveu Braverman, “o princípio de Babbage tornou-se eventualmente a força básica que governa todas as formas de trabalho na sociedade capitalista, sem importar a área ou nível hierárquico” (11).
“A divisão do trabalho no capitalismo é em geral estabelecida para minimizar o aprendizado (…) Quanto mais detalhada a divisão do trabalho e quanto mais o trabalho for subdividido, menor o nível de habilidade requerido”
Embora estas tendências, da divisão capitalista do trabalho, já fossem evidentes no século XIX para pensadores como Babbage, Andrew Ure e Marx, somente após o desenvolvimento do monopólio capitalista no século XX é que foram sistematicamente aplicadas. Segundo Adam Smith, o desenvolvimento da divisão do trabalho dependia da escala de produção. O pleno desenvolvimento da divisão do trabalho era, portanto, impraticável na pequena empresa familiar que predominava no século XIX. Mas no início do século XX, com o crescimento da corporação gigante, tudo mudou. É neste contexto que aumenta a importância de Frederik Winslow Taylor e do gerenciamento científico (ou taylorismo). Braverman resume o taylorismo em três princípios: 1) dissociação do processo de trabalho das habilidades dos trabalhadores; 2) separação de concepção e execução; 3) uso deste monopólio sobre o conhecimento para controlar cada passo do processo de trabalho e seu modo de expressão. Taylor enfatiza a necessidade de ampliar o controle de gerência sobre o processo de trabalho, o que acaba por romper o conhecimento do trabalhador individual e concentrar todo o conhecimento e todo o direcionamento, de forma que mesmo as tarefas mais insignificantes tenham de ser realizadas com supervisão.
Taylor sabia bem qual o principal efeito disso: tornar o trabalho mais barato. Neste sentido, o princípio de Babbage e os princípios do gerenciamento científico enunciados por Taylor, levam à mesma conclusão. Mas o taylorismo levou a lógica do processo mais adiante, articulando plenamente um imperativo gerencial de aumento do controle do trabalho a ser implementado primariamente através da desabilitação. Para Braverman, a análise do taylorismo era a chave para a realidade do processo de trabalho sob o monopólio capitalista, porque em Taylor “há uma teoria que não é mais que uma verbalização explícita do modo capitalista de produção” (12).
Marx e Braverman argumentam que os elementos essenciais da divisão capitalista do trabalho podem ser analisados antes de considerar-se o maquinário. Taylor também abstraiu as máquinas em sua análise de gerenciamento científico. No entanto, o maquinário é crucial para aumentar o alcance do gerenciamento científico. Depois que o trabalho foi simplificado, a substituição de trabalhadores por máquinas tornou-se cada vez mais possível. Mais que isto: realizando tais substituições, o gerenciamento está, pelo menos, tão interessado na capacidade de certas máquinas de centralizar seu controle sobre o processo de trabalho quanto em seus efeitos na produtividade. A tecnologia de produção particular é, portanto, desenhada para maximizar o controle da gerência. O capitalismo é caracterizado pelo “crescente esforço para desenvolver a máquina perfeita, por um lado, e para diminuir o trabalhador, por outro” (13).
Como os comentários sobre a análise de Braverman tenderam a reduzir sua contribuição ao conceito bastante simplista de desabilitação generalizada, é importante reconhecer que este autor não argumentou que o nível médio de habilidade na sociedade diminuiria em conseqüência do progressivo desenvolvimento da divisão do trabalho sob o capitalismo. Em vez disso, afirmou:
“Desde então, com o desenvolvimento da tecnologia e de sua aplicação nas ciências fundamentais, o processo de trabalho da sociedade passou a englobar uma parcela do conhecimento científico, claramente as ‘médias’ do conteúdo científico e técnico; e neste sentido de ’habilidade’, este processo de trabalho é muito maior agora do que era no passado. Mas isto não é mais que uma tautologia. A questão é precisamente se o conteúdo científico e ‘educado’ do trabalho tende para a média ou, ao contrário, para a polarização (…) A massa de trabalhadores não ganha nada com o fato de o declínio de seu comando sobre os processos de trabalho ser mais que compensado pelo aumento de comando de parte dos gerentes e engenheiros. Pelo contrário, não só suas habilidades diminuem num sentido absoluto (naquele em que perdem habilidades tradicionais sem ganhar novas que compensem as perdas), mas caem ainda num sentido relativo. Quanto mais ciência é incorporada ao processo de trabalho, menos o trabalhador compreende o processo; quanto mais sofisticada e intelectual a máquina se torna, o trabalhador tem menos controle e compreensão da máquina” (14).
A simplificação das tarefas individuais torna o trabalhador facilmente substituível por outros trabalhadores ou máquinas, criando mais competição entre eles, consequentemente, diminuindo seu salário
A análise de Braverman, portanto, não se restringe à desabilitação no sentido geral e abstrato, mas, também, à polarização das condições de trabalho. Ele se preocupa, especialmente, com a degradação do trabalho que afeta a classe operária, e não toda a sociedade. Seu assunto real não é a desabilitação, como explica na abertura de seu livro, mas “a estrutura da classe operária e como ela mudou”. Muito de sua análise tem como referencial a mudança das características operacionais da classe operária, na qual se inclui a ascensão do trabalho de serviço (tornado possível pelo desenvolvimento do “mercado universal”), a transformação do trabalho de escritório, etc. Talvez valha dizer que Labor and monopoly capital foi bem recebido por trazer “uma grande contribuição, talvez não imaginada por seu autor, para a análise feminista”, ao analisar a mudança trabalho de escritório de ocupação masculina para ocupação feminina (15).
Labor and monopoly capital inspirou uma imensa quantidade de pesquisas sobre o processo de trabalho na sociedade capitalista. A maioria destes trabalhos, usualmente na forma de estudos de casos específicos, confirmou as conclusões de Braverman (16). Estes estudos não só mostraram que a luta pelo controle do trabalho é o ponto central do trabalho sob o capitalismo, como também que o trabalho da maioria dos operários foi degradado numa extensão considerável. A visão ortodoxa do trabalho ainda debate estas conclusões. Braverman é comumente criticado por super-simplificar a direção da mudança e por ignorar a reabilitação que acompanha a desabilitação. Tais argumentos, no entanto, não acertam o alvo. A questão central é se há uma tendência geral para a desabilitação do trabalho de muitos operários. Isto é, se houve uma polarização das condições de trabalho, com um número crescente de trabalhadores ocupando posições que requerem menor habilidades. Esta tendência geral, resultado dos imperativos gerenciais do capitalismo, pode ser modificada por outras tendências e forças. Mas, no sentido amplo, ela sem dúvida permanece; e como imperativo central do gerenciamento, ela está sempre presente (17).
Para Braverman a análise do taylorismo era a chave para a realidade do processo de trabalho sob o monopólio capitalista. Em Taylor a teoria é verbalização explícita do modo capitalista de produção
Outros criticam Braverman por ele dar pouca atenção ao lado subjetivo do trabalho e às próprias disputas dos operários. Braverman não subestima claramente a questão da consciência dos trabalhadores. Pelo contrário, acredita que “o valor de qualquer análise da composição e tendências sociais da população operária só pode basear-se exatamente enquanto ela nos ajudar a responder as questões sobre a consciência de classe”. O marxismo, afinal, é “uma teoria de revolução e um ferramenta de combate” (18).
Entretanto, como qualquer autor cuidadoso, Braverman impõe certos limites à própria pesquisa. O livro todo baseia-se na noção de que uma melhor compreensão da evolução objetiva geraria uma perspectiva na qual as questões das lutas de classes pudessem ser percebidas. Há, também, um sentido no qual a análise de Braverman, longe de evitar a questão da luta de classes, aprofunda nossa apreciação da luta entre as classes. Para Marx, classe estava acima de tudo relacionada ao processo de exploração, ao modo em que a mais-valia era extraída do produtor direto. A luta de classes não ocorre simplesmente em uma esfera pública mais ampla, na qual as classes tornam-se conscientes de si mesmas e operam como atores políticos, mas também no processo de trabalho em si, em que o controle sobre a produção, medido em unidades de tempo tão pequenas quanto dez milésimos de segundo (ou ainda menos), é amargamente contestado. Estudos de casos têm mostrado que a análise de Braverman levou à descoberta da luta de classes em um nível mais profundo e intenso, um nível raramente compreendido por intelectuais mas bem conhecido dos trabalhadores.
Outros críticos, ainda, afirmam que o taylorismo era uma estratégia gerencial passageira, depois substituído por tendências como fordismo, controle burocrático, controle humanístico, etc. Não há dúvida de que houve importantes modificações na prática gerencial desde os tempos de Taylor. O gerenciamento está pronto para usar regras de trabalho mais elaboradas, dividir ainda mais os trabalhadores e centralizar o controle. E estratégias de gerenciamento aparentemente humanistas serão usadas enquanto não entrarem em conflito com a centralização real da autoridade do gerenciamento ou com o objetivo final de baixar os custos da unidade de trabalho. Mas um bom ponto pode ser marcado se lembrarmos que os princípios de Taylor sobre gerenciamento científico permanecem como “a verbalização explícita do modo capitalista de produção”. Todas estas outras estratégias são, portanto, meras modificações da tendência na direção da polarização das condições de trabalho sob o monopólio capitalista, quer dizer, a degradação do trabalho para a vasta maioria e melhora do trabalho para relativamente poucos.
Há enorme pressão para nos conformarmos à visão ortodoxa do trabalho que, apesar de questionada pela análise de Braverman, continua dominante, uma vez que satisfaz as necessidades dos interesses dominantes na sociedade. John Dunlop, um dos autores de Industrialism and Industrial Man, tornou-se secretário do Trabalho (1975-1976) e recentemente foi membro da Comissão sobre o Futuro das Relações Operário-Gerência do Departamento do Trabalho e Departamento do Comércio dos Estados Unidos. Em relatório apresentado em maio de 1994, a Comissão Dunlop concluiu: “Algumas mudanças tecnológicas requerem trabalhadores mais habilitados. Outras degradam habilidades existentes. O consenso corrente é que o primeiro predomina. Assim, a tecnologia tem aumentado a exigência por habilidade, responsabilidade e conhecimento” (19). Diante de tal declaração, fica claro que o Labor and Monopoly Capital permanece um trabalho realmente revolucionário, tão revolucionário quanto na época de sua publicação, há vinte anos.
* Professor de sociologia da Universidade do Oregon, Eugene, membro do conselho da Monthly Review Foundation, colaborador da Monthly Review e autor do livro The Vulnerable Planet. O texto aqui publicado foi traduzido por Priscila Arantes.
Notas
(1) KERR, Clerk; DUNLOP, John T.; MYERS, Charles A. Industrialism and industrial man, Nova York, Harvard University Press, 1960, p. 28-32. Consultar também THOMPSON, Paul, The nature of work, Londres, Macmilan, 1983, p. 11-13.
(2) BLAUNER, Robert. Alienation and freedom, Chicago, University of Chicago Press, 1964, p. 6, 117, 182-83.
(3) Ibid, p. 29.
(4) BRAVERMAN, Harry. Labor and monopoly capital, Nova York, Monthly Review Press, 1974, p. 31-35. Tradução em português: Trabalho e capital monopolista, Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
(5) Ibid, p. 3-4.
(6) Ver SALAMAN, Graeme. Working, Nova York, Tavistock, 1986, p. 17.
(7) Estas críticas específicas à análise de Braverman foram retiradas dos verbetes “Labor process” e “Proletarianization” em cada um dos seguintes dicionários de sociologia atualmente sendo impressos: 1) ABERCROMBIE, Nicholas; HILL, Stephen; e TURNER, Bryan S. The Penguim dictionary of sociology, Harmonsdsworth, 1988; 2) Gordon Marshall (ed.), The Oxford dictionary of sociology, Nova York, Oxford University Press, 1994; 3) JARA, David e JARA, Julia. The Harper Collins dictionary of sociology, Nova York, Harper Collins, 1991.
(8) KERR et alii, Industrialism and industrial man, p. 22-28.
(9) BRAVERMAN, Labor and monopoly, p. 54-58.
(10) Ibid, p. 67.
(11) Ibid, p. 75-83. Ver também: “The degradation of work in the twentieth century”, Monthly Review 41, n. 5, outubro de 1989, p. 35-47; PAGANO, Ugo. “Harry Braverman (1920-1976)”, in Philip Arestis & Malcom Sawyer (ed.), A Biographical dictionary of dissenting economists, BROOKFIELD, V. T., Edward Elgar, 1992, p. 60-62.
(12) BRAVERMAN, Labor and monopoly capital, p. 86.
(13) Ibid, p. 195, 228.
(14) Ibid, p. 425.
(15) BAXANDALL, Rosalyn; EWEN, Elizabeth; GORDON, Linda. “The other side of the paycheck” in BAXANDALL et alii (ed.), Tecnology, the labor process, Nova York, Monthly Review Press, 1976, p. 8.
(16) Consultar ZIMBALIST, Andrew (ed.), Case studies on the labor process, Nova York, Monthly Review Press, 1979; HERON, Craig e STOREY, Robert (ed.), ON the job, Montreal, McGill Queens University Press, 1986.
(17) SAWYERS, Malcom. The challenge of radical political economy, Brighton, Harverster Wheatsheaf, 1989, p. 64; PAGANO, “Harry Braverman”, p. 63-64.
(18) BRAVERMAN, Harry. “Two coments”, in Baxandall et alii, Technology, the labor process and the working class, p. 122-24.
(19) US Department of Labor/ US Department of Commerce, Comission on the Future of Worker Management Relations, Fact Finding Report, maio de 1994.
EDIÇÃO 43, NOV/DEZ/JAN, 1996-1997, PÁGINAS 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21